PLANEJAMENTO URBANO, CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E ESCALAS DO CAPITALISMO: O CASO DO PARAÍSO, VIÇOSA, MINAS GERAIS.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7190464


Autoria de:

João Pedro dos Anjos Paixão


RESUMO

O presente artigo pretende analisar os aspectos da construção, desenvolvimento e urbanização das comunidades rurais do Paraíso, bem como compreender o desdobramento de conflitos socioambientais desta comunidade sob a perspectiva do planejamento urbano e constituição de identidades rurais.

Palavras-chave: urbanização, ruralidade, conflitos, território.

ABSTRACT

This article aims to analyze the aspects of construction, development and urbanization of the rural community of Paraíso, as well as to understand the unfolding of socio-environmental conflicts in this community from the perspective of urban planning and the constitution of rural identities

Keywords: urbanization, rurality, conflicts, territory.

1. INTRODUÇÃO

O processo de urbanização da cidade de Viçosa é relativamente recente, tal como pode ser observado também nos processos que levaram à urbanização do Brasil e de muitos outros países do terceiro mundo. Levando em consideração aspectos como o aumento populacional em Viçosa, observa-se gradualmente um crescimento populacional quantioso, e observa-se ainda um crescimento da população urbana em detrimento da rural. Segundo Paniago a proporção de habitantes rurais de Viçosa passou de 34,07% em 1970 para 19,40% em 1980, e que neste mesmo período a cidade havia ganhado em aumentos gerais a mesma população que equivaleria à metade do que possuía antes de 1970. Assim, contabilizando aproximadamente 13.000 habitantes, e passando a ser sua taxa de moradores urbanos de 66% para 80% nesta década (PANIAGO, 1990, p. 27). Segundo o último censo do IBGE a população de Viçosa em 2010 era de 72.220 habitantes, com uma estimativa de 79.388 habitantes para o ano de 2020. Considerando os aspectos referentes à ocupação urbana e rural, 93,09% da população residia no meio urbano em contraposição à 6,81% da que residia no meio rural (MARIA et al. 2014. p.44).

Este processo de urbanização vem de encontro com o panorama geral de urbanização do próprio Brasil, que na segunda metade do século 20 deixa de ser um país predominantemente rural e passa a ser-lo urbano. Num panorama nacional, os dados do IBGE apontam que em 1960 a população concentrada em áreas urbanas era de 45% da população total, evoluindo já nos anos 2000 para a porcentagem de 81% da população. É importante ressaltar que esse processo de urbanização brasileiro está profundamente relacionado ao processo de industrialização, e assim sendo a partir do momento em que os investimentos no setor agrícola passava a ser menos rentável ou sua atuação passava a ser mais ligada às novas tecnologias, há uma gradual migração da população rural para as cidades onde desenvolve-se a indústria que busca sempre locais onde há infraestrutura, oferta de mão-de-obra e mercado consumidor, notadamente mais presentes na cidade. Referente a esta característica, PANIAGO (1990) destaca que no censo de 1960 80% da população residente nos bairros Conceição e Lourdes afirmaram que vinham do campo, demonstrando assim a migração da população do campo para a cidade no município de Viçosa.

Esse crescimento e consequentes mudanças, são analisados por SANTOS e SILVEIRA (2001), quando destacam que o os diferentes fluxos de dinamismo Industrial, em especial no que trata dos setores de serviços e financeiros dão lugar gradualmente a uma dinâmica populacional diferenciada que marca o crescimento das cidades médias, tal qual podemos enquadrar a cidade de Viçosa, e uma certa retração no crescimento das grandes no século XXI, e assim como uma cultura que passa a valorizar a especificidade local em um quadro de comunicação globalizada. Ainda sobre esse processo de globalização, destaca CORREA (1999):

A globalização, que se manifesta de diferentes modos em razão de suas demandas e de suas contradições, e por intermédio de diversos agentes, e não exclusivamente das grandes corporações, cria novos núcleos urbanas em áreas que passam a integrar o espaço globalizado.(CORREA, 1999, p.48)

Sabe-se que este processo de urbanização nunca é igual para todas as partes da cidade, e nem mesmo entre as cidades de distintas regiões tanto do país quanto do globo. Cria-se então, no decorrer do processo, o surgimento de áreas dentro das cidades consideradas pobres, ligadas ao processo de periferização. Segundo Milton Santos, “É frequente imputar-se a pobreza, e sobretudo a pobreza urbana ao crescimento demográfico” (SANTOS, 2013, p. 24), mas este aspecto não pode ser levado em consideração de forma isolada ao contexto de desenvolvimentos tanto locais quanto globais. Nesse sentido, num panorama da teoria de SIMTH (1988) a diferenciação espacial e divisão do trabalho, a luz da teoria marxista, se dá em seu égide no antagonismo entre o rural e o urbano, não desconsiderando a forma histórica da perpetuação do processo de diferenciação. O autor afirma ainda haver  uma lógica de diferenciação espacial desigual que pode ser analisada em três esferas, departamental, setorial e individual, que tendem uma generalização das relações sociais em prol do desenvolvimento do sistema capitalista. 

Localizada na área rural do município de Viçosa, a comunidade do Paraíso encontram-se nas áreas limítrofes entre rural e urbano. Em seu cotidiano, os moradores dessas comunidades convivem com as consequências do processo de expansão urbana uma vez que se encontram próximas as saídas da Universidade Federal de Viçosa e em áreas com crescente valorização imobiliária. A cidade capitalista é reflexo da sociedade capitalista, o que significa que ela é e sua essência desigual. E “o equilíbrio social e da organização espacial não passa de um discurso tecnocrático, impregnado de ideologia” (CORRÊA, 1989, p.12). Assim, segundo SMITH (2008) da mesma maneira em que a diferenciação do capital não se faz presente em todas as esferas sociais, a relação do campo e da cidade está por muitas vezes recortada em uma fluidez confusa relacionada a superação de problemas como transportes e tecnologias informacionais, mas a equalização é uma tendência que se relaciona diretamente com as semelhanças do capitalismo, e assim sendo a generalização igualitária dos sujeitos e do desenvolvimento se fazem para que se favoreça a acumulação e centralização do capital.

Essas disputas desdobram-se também em conflitos socioambientais, já que nestas áreas podem se encontrar algumas das principais nascentes que abastecem o município, bem como áreas com matas preservadas. Há também conflitos com as identidades rurais destas comunidades, notadamente formadas e habitadas por indivíduos frequentemente que se identificam como tal.

2. RURALIDADES VS. URBANIDADES E SUA PRODUÇÃO

O sociólogo americano Mark Gottdiener (2010), em seu livro “A produção social do espaço urbano” traz a construção do espaço com a incorporação da dimensão social, representando assim uma multiplicidade de preocupações, como as atividades de governos locais, que quando desenvolvem projetos de planejamento, zoneamento e regulação do código de edificações, têm a tendência de transformarem as leis em uma questão de política de interesses.

Segundo Corrêa a passagem da terra agrícola para a terra urbana se mostra bastante complexa, envolvendo diferentes demandas por terras e habitações, e depende do aparecimento de novas camadas sociais vindas de fluxos migratórios que detém níveis de renda capazes de participar do mercado de terras e habitações. Diz ainda que a usos típicos de periferias de acordo com certas indústrias que ali se encontram, ditando assim formas diferentes a influência do uso da periferia rural-urbana, criando assim a urbanização de status e a urbanização popular (CORREA,1994 , p.17-18)

Por sua vez, as comunidades rurais do Paraíso tem passado por mudanças estruturais resultantes do processo de urbanização da cidade, que está modificando os modos de vida dos habitantes do campo, alguns se apropriando de novos estilos de vida e incorporando novos valores e outros resistindo. Um exemplo singular é o fechamento de duas turmas na Escola Municipal do Paraíso, pois algumas famílias residentes na comunidade matricularam seus filhos na cidade e uma parte permaneceu no campo, sendo aproximadamente 15 alunos a estudar na cidade por falta de um número que justificasse as turmas.

Segundo a teoria de SMITH (1988) nos dias atuais se faz ineficaz definir-se que a divisão do rural e do urbano se apresenta de forma antagônica ou dicotômica no processo de diferenciação, pois a divisão do trabalho que ele toma como base para a análise das relações sociais, no sistema capitalista por mais locais que determinadas diferenças possam ser elas podem demonstrar uma alteração na logica espacial, e respeitando uma lógica de manutenção e diferenciação, o capitalismo pode ser analisado sob o aspecto de países de capitalismo central e periférico. Desta forma, a análise da situação do Paraíso e seu apelo local se colocam numa dinâmica para compreender e analisar o espaço estudado dentro de uma lógica escalar.

Segundo a teoria de Massey (2008) deve-se pensar espaços públicos como um lugar de constantes lutas por acesso a direitos e a cidadania, e as visões e conflitos existentes nestes espaços se dão mediante o uso e o entendimento que os sujeitos têm dos espaços públicos. Ainda, PENNA (2002) apresenta uma análise na ocupação e função dos espaços: 

O  ambiente,  construído  e  natural,  da cidade  é  um  espaço  que  possui  uma ocupação  política  intencional,  tanto  pelo Estado  quanto  pela  sociedade.  O  que  faz com   que   o   espaço   seja   produtivo, valorizado, é o seu uso.  Mesmo os espaços ditos  “vazios”  estão  cheios  de  intencionalidades de usos,  subordinados  aos  interes­ses  de  valor  Os  valores  de  uso  são criados de acordo com as possibilidades do mundo  da  mercadoria  e  são,  ao  mesmo tempo,  valores  de  troca,  que  estão  na base  do  processo  de  fragmentação  do espaço. (PENNA, 2002)

 Assim sendo não se deve se considerar o espaço meramente como um nexo de segundo plano do tempo, mas este deve ser pensado e teorizado como inter-relacionado a este. Nesta perspectiva destaca HESBAERT (2021) que a concepção de espaço é elaborada por cada cultura, e que com ela o espaço se produz e se move e que o conjunto de relações de poder da onde surge um discurso é marcado profundamente por condições geográficas de existência de indivíduos, classes e grupos sociais. Nesse sentido relata SANTOS (1996)

“A  partir da noção de espaço como um  conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações podemos reconhecer suas categorias analíticas internas. Entre elas, estão a paisagem, a configuração territorial , a divisão territorial do trabalho, o espaço produzido ou  produtivo, as rugosidades e as formas-conteúdo. Da mesma maneira (grifo nosso), e com  o mesmo ponto de partida, levanta-se a questão dos recortes espaciais, propondo debates de problemas como o da região e o do lugar; o das redes e das  escalas. Paralelamente, impõem-se a realidade do meio com seus diversos conteúdos em artifício e a complementaridade entre uma tecnoesfera e uma psicoesfera. E do mesmo passo podemos propor a questão da racionalidade do espaço como conceito histórico atual e fruto, ao mesmo tempo, da emergência das  redes e do processo de globalização. O conteúdo geográfico do  cotidiano também se inclui entre esses conceitos constitutivos e operacionais, próprios à realidade do espaço geográfico, junto à questão de uma ordem mundial  e de uma ordem local.” (SANTOS,1996  , p.19)

Para RAMBAUD (1973) o processo de urbanização tende a uma aproximação social e econômica dos habitantes do campo e da cidade, dando a população rural facilidade de acesso a bens e serviços modernos. Portanto, seria possível a assimilação cada vez maior dos indivíduos do campo na cidade sem perder sua cultura e identidade. Assim, o estudo de caso proposto dialoga com minha trajetória e com uma agenda de temas contemporâneos a geografia, como os debates em torno do rural e do urbano, dos conflitos territoriais e socioambientais, bem das relações de poder e suas expressões nos nexos entre espaço/poder e saber/poder.

Segundo SANTOS (2000), existe uma situação de território funcional/mercantil cujo o bem-estar está associado a ganhos econômicos, e outra noção de território que está associada a modos de vida, identidade, cultura e sociabilidade. Com isso percebe-se que o processo de urbanização do entorno rural, longe de ser um processo natural decorrente do crescimento populacional e econômico dos municípios, ele carrega uma dinâmica que envolve interesses, conflitos, destruição e criação de modos de vida.

Complementando, HAESBAERT relata que:

Território, assim, em qualquer acepção, tem a ver com poder, mas não apenas ao tradicional “poder político”. Ele diz respeito tanto ao poder no sentido Território e Multiterritorialidade: Um Debate mais explícito, de dominação, quanto ao poder no sentido mais implícito ou simbólico, de apropriação. (HAESBAERT, 2004, p.20)

Ainda segundo Haesbaert (2004), podemos ter a noção de território como instrumento do poder político ou como um espaço de identidade cultural de uma comunidade. Neste sentido, essa noção carrega uma força simbólica, ora usada como instrumento de dominação/exploração, ora usada como mecanismo de criação de modos de vida. Segundo RAFFESTIN (1993) são as técnicas que possibilitam a gestão da circulação do território e facilitam seu controle, e assim sendo aquilo que porta a informação e por conseguinte comunica algo controla a mobilidade. 

E na perspectiva de Little (2001), a busca pela compreensão sobre a relação de um grupo social com seu território, implica muitas vezes nos conflitos socioambientais, pois os grupos mantêm com o território uma história e memória coletiva, no que se refere ao uso social do território e a defesa dele.

Neste contexto, faz-se de extrema relevância estudar sob um ponto de vista local fatos que se desenvolvem num panorama global. Dito de outra forma, estudar o local se mostra fonte de compreensão da escala do global como destaca Ramírez, de que o trabalho com as escalas não se dá de forma automatizada, mas sim pelo redimensionamento das escalas para apresentar processos mais integrados e integrais, se que se parcializar em uma, a global, ou à outra, a local (RAMIREZ et. al, 2018, p.141). SANTOS (1996) ressalva ainda sobre a importância de entender o local para entender o todo:

“Nas atuais condições de globalização, a metáfora proposta por Pascal parece ter ganho realidade : o universo visto como uma esfera infinita, cujo centro está em toda parte […] O mesmo se poderia dizer daquela frase de Tolstoi, tantas vezes repetida, segundo a qual , para ser universal, basta falar de sua aldeia […]” ( SANTOS, 1996, p. 251)

Segundo a premissa de Brenner de que as escalas, nessa abordagem, não são mais do que resultados temporariamente estabilizados de diversos processos socioespaciais, que devem ser teorizados e investigados nos seus próprios termos. Para ele, a reestruturação socioespacial contemporânea ajuda a entender os processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização, as tendências de regionalização e o desenvolvimento espacial desigual das relações político-econômicas e na produção da escala geográfica. (BRENNER, 2013, p.199)

       Outro aspecto importante está na relação da mudança dos espaços rurais no desenho da malha urbana. Assim, segundo CORREA (1999), “O hábitat rural, disperso ou concentrado em “colônias” localizadas no interior de grandes propriedades, desaparece, sendo, de certa forma recriado na periferia das pequenas cidades”. Assim essa mudança na configuração dos habitat rurais pode produzir um reordenamento e uma apropriação diferenciada dos espaços na constituição das cidades.

3. CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO PARAÍSO

Por se tratar de um estudo de caso optei pelos desdobramentos do processo de urbanização a partir da década de 1970. A década de 1970 contou a confluência de inúmeros fatores cujos desdobramentos permitiram a criação de novos espaços urbanos em Viçosa. Num panorama nacional, esta década marca mais um passo no processo de urbanização nacional, cujo o expoente máximo deu-se na política desenvolvimentista do governo de Juscelino Kusbistchek (1956 a 1961), cujos intentos ainda reverberam em plenas forças no desenvolvimento econômico e industrial, que por conseguinte promoveram uma migração da população rural para os meios urbanos a fim de conseguir melhores oportunidades de subsistência. Era nesta década que se elegeu prefeito de Viçosa o empresário Antônio Chequer, forte empresário do setor imobiliário viçosense, e acabou se federalizando a Universidade Federal de Viçosa, por força do decreto nº 64.825, de 15 de junho de 1969 da presidência da República. Esse processo de federalização traz maior demanda de mão de obra, e os ditos migrantes das áreas rurais acabam por se instalar no município em busca de melhores oportunidades de trabalho. Outros ainda, moradores dos entornos rurais da cidade como nas comunidades do Paraíso passam a se deslocar diariamente para as regiões centrais do município tanto para trabalho quanto para acessar serviços não presentes em suas localidades de residência. Num panorama global, segundo HARVEY (2005) a partir do ano de 1973 o dinheiro é desmaterializado, fazendo com que o capital financeiro se torne independente por definitivo da esfera da produção. Assim a partir daí ocorrerá uma crise na forma de representar o valor do próprio capitalismo em consonância com o crescimento do capital fictício originando muitas incertezas e inseguranças quanto ao significado da representação do valor. Segundo LEFEBVRE (1974) o espaço social é um produto social, ou seja o esta fundamentalmente atrelado a realidade social, não existindo em si mesmo, mas sim sendo produzido. Por conseguinte, espaço e tempo não existem de forma universal. Assim na concepção de HARVEY (2005) o espaço é possuidor de um espírito reacionário à frente da potencialidade do tempo, e esta crise de representação do valor reflete na compressão da experiência do espaço e do tempo. Segundo FERNANDÉZ (2018) devemos pensar as regiões e as localidades como a junção que entregam redes de fluxos e atores, tal como de decisões e recursos situados fora delas, as redefinindo e condicionando suas possibilidades e estratégias. Para SANTOS (1996) o lugar é um ponto do recorte territorial em que a pluralidade total de seus elementos encontra sua síntese, onde o suporte a técnica determina um como um território e o território se determina como uma técnica, e assim sendo a integralização do território e da técnica se dá num meio técnico. Assim sendo, o lugar reúne-se aos outros lugares e vê no seu conteúdo e interior definir-se o processo da produção técnica do espaço, e assim a história do espaço coincide e se revela na história da técnica, e vice-versa, cada mudança na divisão do trabalho presenciando a recriação do espaço.

No que toca a comunidade do Paraíso, no ano de 2012 a administração pública do município de Viçosa elaborou um documento denominado “Estudo de Viabilidade Ambiental”, originando o projeto de lei nº 050/2012, que propunha transformar a zona rural do Paraíso em área urbana do município, tendo em vista o crescimento populacional e a urbanização irregular da área, e buscando seu ordenamento territorial.

O projeto levou a inúmeras discussões na Câmara Municipal e chamou a atenção da população, em especial dos moradores do Paraíso e suas imediações, sendo rejeitado por não ter sido discutido com a população e, de acordo com alguns de seus opositores, possuir incorreções e risco de trazer sérios danos sociais e ambientais, com consequências graves a toda população viçosense. É importante salientar que a comunidade do Paraíso, juntamente com os moradores do Córrego do Engenho, do Deserto, da Vila Novo Paraíso e da Água Limpa criaram uma Associação de Moradores em 2012 após as tentativas de alteração na lei de uso, ocupação e zoneamento do município. Essa articulação popular criou voz ativa na comunidade, sendo um importante veículo para rejeição dessa proposta de lei. Há de se elucidar que se encontram no Paraíso as principais nascentes que contribuem para o abastecimento de água do município e de acordo com a pesquisa de DIAS e LASCHEFSKI (2018): 

“A sub-bacia do São Bartolomeu abastece a metade da cidade e o campus da UFV. Ela possui em torno de 440 nascentes que se distribuem em 3 (três) comunidades rurais: Paraíso, Córrego do Engenho e Palmital. Esse ribeirão atravessa várias propriedades rurais antes de chegar ao campus universitário onde é represado e tem sua água coletada pela Estação de Tratamento da universidade e pela Estação de Tratamento do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Viçosa (SAAE)”(DIAS e LASCHEFSKI, 2018, p.112)

Assim, a partir de 2012, e na esteira da criação da Associação acima referida, diversos atores sociais entraram em jogo, constituindo redes sociais e sociotécnicas, marcadas também pelas relações de poder, seja para defender a manutenção da área como rural, seja para transformá-la em área urbana. A par disto, a comunidade e suas imediações seguem afetadas pelo processo de urbanização, mesmo a despeito da aprovação do Projeto de Lei 050/2012. Vale ressaltar que o rápido crescimento da zona urbana da cidade de Viçosa tem gerado problemas agravantes, como ocupações inadequadas de áreas e do solo da bacia do Ribeirão São Bartolomeu nas proximidades do Paraíso. Essa mobilização da população local, mobilizada fortemente através de redes sociais, pode configurar com exemplo de um tipo de “Cidadania Urbana”, que segundo HOLSTON (2016): 

[…] a cidadania urbana como uma forma de associação em que o “fazer a cidade acontecer” é, simultaneamente, o contexto e o conteúdo de um sentido de pertencimento, no qual o fazer é entendido como a soma das atividades dos residentes, sendo a residência o critério primário de associação. (HOLSTON, 2016, p.197)

Ainda segundo o autor, essa cidadania urbana seria constituída na manifestação de três fatores, sendo eles a determinação de resistência determinantes para a associação da comunidade, quando a cidade é o ponto central da comunidade política e por fim quando a reivindicação de direitos à produção da cidade e as atuações cívicas a ela ligadas constituem a agenda e a mobilização da associação. Para RAFFESTIN (1993) o poder é algo imanente, relacional e multidimensional que se vincula ao espaço-tempo, com relações intencionais e não subjetivas, e por conseguintes objetivas, funcionando de forma não hierárquicas pois ainda os grupos subalternizados possuem poder. Para ele o território possui tessituras, nós e redes e estes três sistemas permitem a integração e a coesão dos territórios que são sempre produzidos por diversos atores que vão do Estado ao indivíduo, em todas escalas. Desta forma a tessitura é enquadrada no poder e define as suas fronteiras, elementos interacionados e dinâmicas territoriais, os pontes expressão o ego coletivo ou individual e as nodosidades proporcionam o aparecimento de relações de poder nos lugares centrais com as demais localidades.  Assim a mobilização da população local, mesmo que inicialmente colocada em “desvantagem” do ponto de vista das forças estabelecidas podem se mostrar decisivas para o ordenamento e reordenamento daquele espaço. 

Além disto, a especulação imobiliária tem forçado a região a um novo ordenamento, com tendências a verticalização ou à configuração de terrenos urbanos, modificando o valor dos lotes e, sobretudo, afetando a dinâmica social e o cotidiano dos seus moradores, seja por inviabilizar terrenos com ordenamento rural e, por conseguinte, territorialidades e modos de vida rurais, bem como geração de renda decorrente da produção agrícola e de outras atividades desenvolvidas em unidades rurais. É nesse sentido que podemos considerar a teoria de RAFFESTIN (1993), quando a circulação dos fluxos de homens, bens e suas infraestruturas são sinônimos de uma construção de uma imagem de poder, enquanto a circulação de dinheiro através de redes financeiras se mostra ligada diretamente a articulação entre a circulação e a comunicação. Dito de outra forma, ambas são estratégias de dominação de pontos dos territórios e dominação das superfícies, sendo a circulação mais geral que a comunicação por aglutinar tudo que é mobilizável. Assim querendo o poder, destaca o autor, querendo ver mas não querendo ser visto, coloca sua fonte mais fortemente na comunicação do que na circulação, como pode ser observado nas articulações das mídias locais em relação às discussões do Paraíso.  

Neste sentido, o conflito em torno da definição do rural e do urbano é marcado por conflitos territoriais e socioambientais, por disputas entre saberes e técnicas, sempre marcadas por relações de poder. Para dar conta desse impasse, além da análise retrospectiva dos eventos, laudos, documentos e mobilizações decorrentes dessa disputa, faz-se necessário a análise desse conflito em sua expressão no cotidiano da vida dos moradores e como têm sido afetados, bem como percebem e se posicionam diante desse processo. Para SANTOS (1996, p.240) o espaço racional seria aquele na qual “[…] cada peça convoca as demais a se por em movimento, a partir de um comando centralizado”. Há de se destacar aqui a iminente revalorização do campo e de áreas verdes próximas as centralidades urbanas, levando a uma valorização constante de espaços como o do Paraiso e sua mata preservada, em especial as elites locais que buscam qualidade de vida quando o centro já não a oferece por inúmeros motivos. Assim, nas palavras de ANDRADE et al (2015) “As elites, ao se retirarem para os enclaves, deixam os espaços públicos para os sem-teto e os pobres”, promovendo assim uma apropriação constante de áreas valorizadas, com os usos dos espaços públicos focados nos grupos de alta renda. Assim sendo, pretende-se responder sobre as formas de ser rurais, os conflitos que envolvem o processo de urbanização e expansão urbanas, as relações, espaços de disputas e agentes responsáveis nestes contextos.

4. CONCLUSÃO

Compreender os arranjos espaciais e suas configurações nas escalas locais se mostram fontes assertivas para o entendimento das constantes mudanças com as quais o mundo tem passado, com especial recorte dos últimos cinquenta anos. Ainda, entender as identidades constitutivas enquanto rurais no crescente espaço urbano traz à luz reflexões em uma escala ainda menor, a do corpo e seu papel na construção, configurações e reconfigurações do lugar, assim como as diferenças de definições e abordagens.

Assim sendo o estudo das comunidades do Paraíso no contexto que se propõe se mostra na ordem do dia para a geografia, não somente para a compreensão na escala do local, mas também sua relação com global, da qual é consequência produzida e ao mesmo tempo que é produtora. Nesta perspectiva as escalas geográficas ajudam desenhar epistemologicamente a criação dos espaços, constituindo assim estudos para entender sua criação e constantes recriações, novos significados emergentes e infinitas reconfigurações do mundo capitalista. Entender o futuro do Paraíso é entender o futuro de Viçosa.

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