PESSOA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E A APLICAÇÃO DA CIDADANIA NO MUNICÍPIO DE JARU: EXPECTATIVA VS. REALIDADE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202411141335


Simone Flávia Silva Ramos1
Gislene de Laparte Neves2


Resumo: Este artigo analisa o nível de conhecimento e acesso das famílias de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) às leis, benefícios e serviços públicos disponíveis no município de Jaru. A pesquisa buscou identificar lacunas na disseminação de informações e barreiras enfrentadas no exercício pleno da cidadania. Com base em dados coletados por meio de questionários, a análise aponta dificuldades relacionadas ao desconhecimento de direitos legais e benefícios sociais, destacando a necessidade de maior conscientização e articulação entre famílias, instituições e poder público. O estudo conclui que a inclusão plena depende não apenas de legislações, mas também de informações claras e acessíveis para todos os envolvidos.

Palavras-chave: TEA; direitos sociais; inclusão; políticas públicas.

Abstract: This article analyzes the level of knowledge and access of families of individuals with Autism Spectrum Disorder (ASD) to the laws, benefits, and public services available in the municipality of Jaru. The research aimed to identify gaps in information dissemination and barriers faced in the full exercise of citizenship. Based on data collected through questionnaires, the analysis highlights difficulties related to the lack of awareness of legal rights and social benefits, underscoring the need for greater awareness and coordination among families, institutions, and the public sector. The study concludes that full inclusion depends not only on legislation but also on clear and accessible information for all those involved.

Keywords: ASD; social rights; inclusion; public policies.

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo investiga o nível de conhecimento das famílias de pessoas com TEA acerca de seus direitos e dos serviços disponíveis na cidade de Jaru. A questão central da pesquisa é entender até que ponto essas famílias conhecem e acessam os direitos garantidos por leis como a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) e a Lei do Autismo (Lei nº 12.764/2012). A hipótese é que, apesar da existência de leis inclusivas, a falta de informação e orientação adequada representa uma barreira significativa ao exercício pleno da cidadania. Assim, a pesquisa busca avaliar a efetividade das políticas públicas em promover inclusão social e identificar os desafios enfrentados por essas famílias.

O referencial teórico fundamenta-se na concepção de cidadania ativa de Bonavides (2018), que define o conceito como uma cidadania em que os indivíduos não apenas usufruem de direitos, mas se envolvem ativamente nos processos sociais e políticos, participando de forma consciente e responsável na construção do bem comum. Bonavides destaca que a cidadania ativa vai além da cidadania formal, a qual se limita ao cumprimento de deveres legais, promovendo uma participação que fortalece a democracia e os valores coletivos.

Ademais, o conceito de dignidade humana, discutido por Barroso (2015), é essencial para esta análise. Barroso argumenta que a dignidade humana é um princípio central do Estado Democrático de Direito, conferindo ao indivíduo direitos fundamentais e posicionando-o como participante ativo na sociedade, reforçando a inclusão social e o respeito à diversidade. Desse modo, a dignidade humana não só protege os direitos do indivíduo, mas também o responsabiliza por contribuir para uma sociedade mais justa.

Por fim, considera-se o estudo recente de Lenza (2023) sobre inclusão e direitos sociais, que destaca a necessidade de políticas públicas que garantam a igualdade de oportunidades para todos. Este estudo reforça a importância dos conceitos de cidadania ativa e dignidade humana para a construção de uma sociedade inclusiva e equitativa.

2. O Transtorno do Espectro Autista (TEA)

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por condições que afetam a forma como uma pessoa percebe e interage com o mundo. Segundo a American Psychiatric Association (2014), o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado pela presença de déficits persistentes na comunicação e interação social, além de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. O autismo é uma condição complexa e multifacetada, cujas manifestações variam amplamente entre indivíduos. Geralmente, esses desafios incluem dificuldades na comunicação e interação social, além de comportamentos restritivos e repetitivos.

As dificuldades de comunicação no Transtorno do Espectro Autista (TEA) podem abranger tanto a compreensão quanto o uso da linguagem verbal e não verbal, como gestos e expressões faciais. Alguns indivíduos com TEA podem não desenvolver a fala, enquanto outros possuem um vocabulário extenso, mas enfrentam desafios em utilizar a linguagem para interagir socialmente. Conforme Amato e Fernandes (2010), mesmo crianças autistas verbais tendem a utilizar gestos como meio comunicativo durante interações, evidenciando dificuldades em estabelecer trocas interpessoais significativas. Essas dificuldades se estendem também ao entendimento e à resposta às normas sociais, como a manutenção de uma conversa ou a interpretação de nuances sociais e emocionais.

A interação social representa um dos aspectos mais desafiadores para pessoas com autismo, pois elas frequentemente têm dificuldade em compreender normas sociais e interpretar sinais emocionais, o que pode dificultar a formação e manutenção de relacionamentos. Essa dificuldade em captar as emoções e interesses dos outros pode fazer com que pareçam indiferentes ou desinteressados nas interações sociais. A construção de amizades e a participação em atividades em grupo, portanto, se tornam áreas particularmente complexas. Lai et al. (2014) afirmam que o autismo impacta diretamente a reciprocidade social e a interpretação de sinais emocionais, gerando desafios nas interações sociais e na construção de laços significativos.

Comportamentos repetitivos e interesses restritos são também características comuns do autismo. Os comportamentos repetitivos e as fixações em interesses restritos são marcas distintivas do transtorno do espectro autista, que podem incluir movimentos motores estereotipados, ecolalia, ou intensa adesão a rotinas (ALBUQUERQUE, 2017). Esses comportamentos podem incluir a repetição de movimentos, como balançar as mãos, ou de palavras e frases. Além disso, muitos indivíduos com autismo demonstram uma preferência forte por rotinas rígidas, ficando angustiados com mudanças inesperadas. Interesses intensos e focados em áreas específicas, como uma obsessão por um tema ou objeto particular, são comuns, refletindo o perfil único e detalhista que o transtorno pode apresentar.

3. Causas e Fatores de Risco do Autismo.

A razão exata do autismo ainda não foi completamente descoberta, mas sabe-se que ele é um transtorno de origem multifatorial, envolvendo fatores de diferentes naturezas. Pesquisas indicam que o autismo resulta de uma interação entre fatores genéticos e ambientais, com estudos sugerindo que certas variações genéticas podem aumentar o risco de desenvolvimento do TEA, embora nenhum gene isolado tenha sido identificado como causa definitiva. Além disso, fatores ambientais, como exposição a infecções, toxinas ou complicações obstétricas durante a gravidez, também são considerados potenciais influenciadores. Como observa Rutter (2013), há fortes evidências de que uma combinação de fatores genéticos e ambientais desempenha um papel importante no seu desenvolvimento. O que reforça a complexidade multifatorial que caracteriza a condição. 

Por isso, o diagnóstico de autismo é geralmente realizado por meio de uma avaliação clínica detalhada. Volkmar et al. (1999) destacam que ele se baseia principalmente na observação do comportamento e em entrevistas com cuidadores, dada a ausência de testes laboratoriais específicos para a condição. Dover e Le Couteur (2007) reforçam essa abordagem, afirmando que a avaliação clínica é essencial para identificar o TEA, pois não há biomarcadores que confirmem o diagnóstico. O Centers for Disease Control (CDC) (2022) também enfatiza que a triagem e o diagnóstico de autismo dependem de uma análise comportamental detalhada e de entrevistas, ressaltando a importância de uma avaliação clínica abrangente para garantir a precisão diagnóstica. Essa avaliação inclui uma observação do comportamento da pessoa, entrevistas com os pais e uma revisão do histórico de desenvolvimento. Para chegar ao resultado do diagnóstico do autismo baseia-se em critérios propostos que avaliam a presença e a gravidade dos sintomas relacionados à comunicação, interação social e padrões de comportamento. A avaliação também pode incluir testes de desenvolvimento e psicológicos para ajudar a entender e melhorar as necessidades do indivíduo.

O autismo é um transtorno que não possui cura, mas existem várias intervenções e terapias que podem melhorar a qualidade de vida dos indivíduos com TEA. As abordagens terapêuticas frequentemente incluem programas como a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), utilizados para ensinar habilidades sociais e de comunicação. De acordo com Smith et al. (2015), a ABA tem se mostrado eficaz no ensino dessas habilidades em indivíduos com transtorno do espectro autista, utilizando o reforço positivo como principal ferramenta. Essa abordagem foca na modificação de comportamentos por meio do reforço positivo, promovendo habilidades funcionais e independência

Além disso, é defendido por autores como Gold et al. (2006); Case-Smith e Arbesman (2008); Howlin et al. (2009); Forman et al. (2015), que a fisioterapia ajuda a desenvolver e aprimorar habilidades motoras, como andar, sentar, ficar em pé, jogar, tocar objetos e engatinhar. Já a psicoterapia pode ser individual ou em grupo, ela acontece de forma guiada por um psicólogo. E uma das mais utilizadas é comum entre os autistas é a terapia ocupacional, para complementar essa gama de atividades oferecidas a musicoterapia, equoterapia e a orientação parental vem a somar.

Em síntese, o autismo é um transtorno complexo, cuja causa envolve múltiplos fatores genéticos e ambientais que interagem de maneira única em cada indivíduo. A ausência de biomarcadores específicos requer que o diagnóstico seja realizado com uma abordagem clínica minuciosa, que compreende a observação comportamental e a aplicação de critérios diagnósticos rigorosos. Embora não exista uma cura, diversas terapias e intervenções têm se mostrado eficazes para melhorar a qualidade de vida e promover habilidades funcionais e sociais. Programas como a Análise do Comportamento Aplicada, fisioterapia, psicoterapia, terapia ocupacional, musicoterapia e equoterapia, juntamente com a orientação parental, constituem abordagens fundamentais no atendimento às necessidades de pessoas com TEA. Dessa forma, o tratamento do autismo é orientado para o desenvolvimento contínuo das capacidades individuais, favorecendo a independência e o bem-estar do indivíduo em diferentes aspectos da vida cotidiana.

4. A Carta Magna em relação à Cidadania.

A cidadania é um conceito central no ordenamento jurídico brasileiro e está diretamente relacionada aos direitos e deveres dos indivíduos dentro da sociedade. De acordo com a Constituição Federal de 1988, a cidadania é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, II), configurando-se como uma garantia e ao mesmo tempo um compromisso dos cidadãos em participar ativamente da vida pública e política do país. 

Outrossim, a cidadania, na Constituição de 1988, está associada tanto ao gozo dos direitos civis, políticos e sociais quanto ao exercício dos deveres por parte dos cidadãos. A Carta Magna é clara ao estabelecer a cidadania como um dos pilares da República Federativa do Brasil. Esse conceito está fundamentado na participação política, na igualdade de direitos e na efetiva inclusão social, elementos que garantem a dignidade humana e a construção de uma sociedade justa e democrática.

O art. 14 da Constituição aborda os direitos políticos, que são uma faceta essencial da cidadania. Segundo esse dispositivo, o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de 18 anos, sendo facultativo para jovens entre 16 e 18 anos, idosos com mais de 70 anos e analfabetos. Esse direito de votar e ser votado está diretamente ligado à capacidade de influenciar a formação do governo e, portanto, é uma manifestação prática do exercício da cidadania.

No que tange aos direitos sociais, previstos no art. 6º da Constituição, a cidadania também se manifesta por meio da garantia de direitos como educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Esses direitos sociais ampliam a ideia de cidadania para além do campo político, incluindo a garantia de condições mínimas de vida digna.

De acordo com Silva (2019) a cidadania não se esgota no direito de votar e ser votado, mas implica também participação na vida pública e o direito de reclamar do poder público os direitos e garantias que a Constituição lhe confere. O autor ainda define a cidadania como um conceito que vai além do simples gozo de direitos civis e políticos. Ele argumenta que a cidadania implica o pleno exercício desses direitos e, sobretudo, a participação ativa no processo de formação das decisões políticas e sociais. Para ele, a cidadania é um instrumento de emancipação social, na medida em que permite ao indivíduo interferir diretamente no destino do Estado e da sociedade.

Silva (2019) também destaca que a cidadania não pode ser compreendida de maneira isolada, uma vez que está intimamente relacionada à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais. Dessa forma, ele afirma que a cidadania plena somente se concretiza quando o Estado garante o acesso a esses direitos de forma equitativa, assegurando que todos os cidadãos tenham as mesmas oportunidades de participar e influenciar as decisões políticas.

Bonavides (2018) diz que, a democracia participativa é o regime político em que o povo, por meio de suas próprias ações, influi e colabora na formação da vontade estatal e, por isso, deve ser compreendida como verdadeira cidadania ativa. Para ele, a cidadania não é apenas um status jurídico conferido pela posse de determinados direitos, mas uma prática contínua de envolvimento e participação no processo democrático. Para o autor o verdadeiro exercício da cidadania ocorre por meio da democracia participativa, onde o cidadão não é apenas um espectador, mas um agente ativo na construção das políticas públicas.

Bonavides (2018) critica o modelo de democracia representativa tradicional por limitar a participação cidadã ao ato de votar, argumentando que a cidadania deve ser exercida continuamente, através de instrumentos como plebiscitos, referendos e iniciativas populares. Para ele, a cidadania está diretamente associada à ideia de soberania popular, sendo um dos mecanismos pelos quais o povo exerce o poder em um Estado democrático.

No entanto, Lenza (2023), em seu livro “Direito Constitucional Esquematizado”, oferece uma visão didática da cidadania, relacionando-a ao conceito de nacionalidade. Ele explica que a cidadania é um dos direitos fundamentais que assegura a participação política, sendo um dos requisitos para o exercício dos direitos políticos, como o voto e a possibilidade de ser eleito para cargos públicos. O autor também destaca a importância dos direitos sociais como parte integrante da cidadania. Ele afirma que, para além dos direitos políticos, a cidadania envolve a garantia de condições mínimas de vida digna, o que inclui acesso a serviços básicos como saúde e educação.”A cidadania é o conjunto de direitos e deveres que asseguram à pessoa sua participação na vida pública e sua influência sobre o processo de tomada de decisões políticas, sendo uma extensão da nacionalidade. Assim, a cidadania não pode ser reduzida ao campo político, pois está intrinsecamente ligada à inclusão social e à igualdade de oportunidades.

Destarte, Barroso (2015), em sua obra “A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo” diz que a cidadania, assim como a dignidade humana, não pode ser restringida a uma simples titularidade de direitos, devendo englobar também a capacidade de participação política e social efetiva. O jurista trata da cidadania como uma dimensão fundamental para a concretização da dignidade humana. Ele afirma que a cidadania não pode ser compreendida de forma restrita, devendo englobar tanto os direitos civis e políticos quanto os direitos sociais e econômicos.

Barroso (2015) argumenta que, em uma sociedade justa, a cidadania deve ser inclusiva, garantindo que todos os indivíduos, independentemente de sua condição social ou econômica, tenham acesso igualitário aos direitos fundamentais. Para ele, a cidadania está diretamente ligada à ideia de justiça distributiva, onde o Estado tem o dever de proporcionar igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades sociais. Além disso, enfatiza que a cidadania ativa como um mecanismo para o fortalecimento da democracia. Ele argumenta que a participação política é um direito e um dever dos cidadãos, sendo fundamental para sua consolidação.

Portanto, a cidadania, conforme estabelecida pela Constituição Federal de 1988 e pelas análises dos renomados autores do direito, é um conceito multifacetado, que abrange não apenas a participação política, mas também a garantia de direitos sociais e econômicos. Para José Afonso da Silva, Paulo Bonavides, Pedro Lenza e Luiz Roberto Barroso, a cidadania não pode ser vista de maneira isolada, estando profundamente interligada à dignidade da pessoa humana e à justiça social.

5. Associação Jaruense de Autistas (AJA)

A Associação Jaruense de Autistas (AJA), localizada em Jaru, Rondônia, foi fundada em 2019 como resultado do esforço conjunto de pais que desejavam melhorar a qualidade de vida de crianças com autismo. A associação surgiu para suprir a necessidade de uma rede de apoio que oferecesse atendimento especializado e promovesse a inclusão e o desenvolvimento dessas crianças na comunidade.

Desde sua criação, a AJA firmou parcerias estratégicas para fortalecer suas ações. Antes de sua formalização completa, a associação estabeleceu uma colaboração com a APAE, contando com o apoio das autoridades municipais para integrar esforços com a Prefeitura de Jaru no atendimento às crianças. Essa parceria inicial garantiu o apoio contínuo das secretarias municipais de Desenvolvimento Social, Educação e Saúde, viabilizando serviços de qualidade.

Os atendimentos da AJA são realizados por uma equipe multidisciplinar, composta por psicopedagogas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogas, psicólogas e pedagogas especializadas em Educação Especial e Autismo. O atendimento às famílias envolve cadastro, anamnese e início das terapias, com diagnósticos formais realizados em parceria com outras instituições da região. Com o aumento da demanda, inclusive de localidades vizinhas, a AJA implementou uma lista de espera para organizar e garantir um atendimento justo.

Mesmo durante a pandemia, os atendimentos permaneceram regulares. A partir de 2021, com o aumento da procura, a equipe foi ampliada para atender cerca de 150 crianças com TEA, apoiada pelas secretarias de Educação e Assistência Social. Essa parceria também possibilitou a criação de uma sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE), onde aproximadamente 54 alunos são atendidos, ampliando o alcance do trabalho conjunto.

Além dos atendimentos terapêuticos, a AJA se dedica à conscientização e ao apoio às famílias, organizando eventos informativos e cursos. Entre as iniciativas recentes, destaca-se um congresso regional sobre o espectro autista, que reuniu a comunidade e promoveu capacitações, como o curso de aplicador ABA.

A associação mantém seu compromisso de construir um futuro melhor para as crianças e suas famílias, fortalecendo a conscientização e o apoio mútuo como bases essenciais para enfrentar os desafios diários e estabelecer uma base sólida para o futuro.

6. Análise Crítica sobre Conhecimento e Acesso a Direitos para Pessoas com TEA

O conjunto de dados apresentado evidencia um panorama importante sobre o nível de conhecimento de famílias e responsáveis acerca dos direitos, benefícios e serviços oferecidos a pessoas com TEA. As informações coletadas por meio de 20 respostas para cada questão, as quais foram respondidas via Google Forms demonstram que, embora alguns respondentes tenham consciência parcial sobre determinadas legislações e serviços, ainda há lacunas significativas no acesso e disseminação de informações essenciais. A análise dos resultados revela tendências e desafios que afetam diretamente a qualidade de vida dessas famílias e a inclusão social dos indivíduos com TEA.

6.1 Conhecimento das Leis e Políticas Públicas

Um dos aspectos mais críticos identificados é a falta de familiaridade com leis e políticas públicas fundamentais para a inclusão e proteção das pessoas com TEA. A Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) (Figura 1a) é desconhecida por 50% dos respondentes, a Lei do Autismo (Lei nº 12.764/2012) (Figura 1b), é desconhecida por 65% dos participantes. Embora essas leis garantam direitos fundamentais, como acesso à educação inclusiva e serviços de saúde adequados, a falta de conhecimento por parte de uma parcela significativa dos responsáveis prejudica a aplicação prática dessas normas. Esse cenário sugere uma necessidade urgente de maior divulgação e orientação por parte do poder público e das instituições.

Figuras 1a e 1b – Percentual de desconhecimento dos participantes sobre as leis de proteção às pessoas com TEA.

Fonte: Autores, (2024).

De forma semelhante, apenas 40% dos participantes conhecem os direitos de saúde garantidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para pessoas com TEA, e 60% desconhecem os procedimentos necessários para acessar terapias e tratamentos específicos. A falta de clareza sobre como acionar esses serviços pode representar um obstáculo ao desenvolvimento integral dos indivíduos com TEA, prejudicando o acesso ao acompanhamento multidisciplinar necessário.

6.2 Educação e inclusão na Escola

A inclusão escolar das pessoas com TEA é um dos temas que mais desperta preocupação nos resultados apresentados. Embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a Lei de Inclusão definam diretrizes claras sobre o dever das escolas em promover a inclusão, 50% dos respondentes afirmaram não conhecer essas obrigações. Esse dado é preocupante, pois demonstra que parte das famílias pode não estar preparada para reivindicar esses direitos junto às escolas.

A falta de conhecimento se torna ainda mais evidente na questão sobre os procedimentos em casos de descumprimento das normas de inclusão. Três quartos dos participantes (75%) não sabem como agir se a escola do filho não cumprir com as normas de inclusão e adaptação (Figura 2), o que reforça a necessidade de capacitação e empoderamento dos pais e responsáveis. Campanhas educativas e a criação de canais acessíveis para denúncias e orientações são essenciais para garantir o cumprimento das leis educacionais.

Figura 2 – Percentual de participantes que desconhecem ações a tomar em caso de descumprimento das normas de inclusão escolar.

Fonte: Autores, (2024).

6.3 Acessibilidade e Direitos complementares

Os dados também revelam um desconhecimento expressivo sobre aspectos relacionados à acessibilidade e aos benefícios fiscais. Apenas 25% dos participantes conhecem como a Lei de Acessibilidade (Lei nº 10.098/2000) pode beneficiar seus filhos em termos físicos e sociais, e metade dos respondentes desconhece os benefícios e isenções fiscais disponíveis para pessoas com TEA e suas famílias. O desconhecimento sobre essas garantias pode limitar a inclusão e a participação plena dos indivíduos com TEA na sociedade, reforçando barreiras já existentes.

Outro dado relevante é a falta de informação sobre os mecanismos de denúncia em casos de discriminação ou violação de direitos. Conforme a Figura 3, 65% dos respondentes afirmam não conhecer esses mecanismos, fica claro que há uma lacuna na comunicação entre as instituições e as famílias. Essa falta de informação pode deixar pessoas com TEA e seus familiares vulneráveis a situações de violação de direitos, sem saber como reagir ou buscar apoio. Essa falta de informação pode deixar pessoas com TEA e seus familiares vulneráveis a situações de violação de direitos, sem saber como reagir ou buscar apoio. 

Figura 3 – Percentual de participantes que desconhecem os mecanismos de denúncia para casos de discriminação ou violação de direitos.

Fonte: Autores, (2024).

Segundo Ludwig (2020), a desinformação sobre os direitos e os meios de reivindicá-los contribui para a perpetuação de práticas discriminatórias e impede o acesso à justiça por parte das pessoas com deficiência. Essa lacuna compromete a efetividade das políticas públicas de proteção e inclusão, evidenciando a necessidade de iniciativas para promover a disseminação de informações e o empoderamento dessas comunidades.

6.4 Aspectos Socioeconômicos e Impactos na Inclusão

A análise das respostas sobre renda familiar e escolaridade dos responsáveis oferece uma visão adicional sobre o perfil socioeconômico das famílias. A maioria dos respondentes (70%) possui renda de até cinco salários mínimos, indicando uma faixa econômica média ou baixa. Esse contexto pode limitar o acesso a serviços privados especializados, tornando ainda mais crucial a oferta de serviços públicos de qualidade.

No entanto, a análise da escolaridade dos responsáveis revela que 60% possuem ensino superior ou pós-graduação, o que sugere um nível educacional elevado. Esse dado é positivo, pois indica que essas famílias têm maior facilidade de buscar informações e se engajar em questões educacionais e legais. No entanto, mesmo com esse nível de escolaridade, o desconhecimento sobre direitos e serviços permanece alto, indicando que o problema pode estar relacionado à falta de uma comunicação eficiente por parte do poder público.

Os dados apresentados revelam um cenário preocupante em termos de acesso à informação e conscientização sobre os direitos das pessoas com TEA. Embora algumas famílias tenham conhecimento sobre determinados aspectos legais e educacionais, há lacunas significativas que precisam ser preenchidas. O desconhecimento generalizado sobre leis, serviços e mecanismos de denúncia demonstra a necessidade de ações mais efetivas de divulgação e orientação.

As instituições públicas e privadas precisam intensificar esforços para garantir que as informações cheguem de forma clara e acessível às famílias. A criação de campanhas educativas, guias informativos e canais de atendimento especializados pode ser uma estratégia eficaz para empoderar pais e responsáveis, permitindo que eles possam reivindicar seus direitos e acessar os serviços necessários.

Além disso, é essencial fortalecer a parceria entre as escolas e as famílias, promovendo uma comunicação aberta e orientada para a inclusão. A implementação de espaços de formação continuada para educadores e a promoção de fóruns de discussão com a comunidade escolar podem contribuir para uma inclusão mais efetiva e consciente.

Por fim, os dados indicam que a inclusão plena de pessoas com TEA depende não apenas da existência de leis e políticas públicas, mas também do acesso à informação e da conscientização de todos os envolvidos. Apenas com esforços coordenados entre sociedade civil, instituições e poder público será possível garantir que os direitos dessas pessoas sejam plenamente respeitados e efetivados.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa evidencia que, embora existam legislações e políticas públicas voltadas para a inclusão das pessoas com TEA, o desconhecimento sobre esses direitos representa uma barreira significativa ao seu pleno exercício. A falta de informação e a dificuldade de acesso a orientações adequadas prejudicam a inclusão e a cidadania dessas pessoas e suas famílias.

Para promover a inclusão efetiva, é necessário intensificar campanhas de conscientização e fornecer informações claras e acessíveis sobre leis, serviços e benefícios disponíveis. Além disso, é fundamental fortalecer a parceria entre escolas e famílias, garantindo uma comunicação transparente e contínua.

Por fim, a pesquisa conclui que a inclusão plena de pessoas com TEA não depende apenas da existência de leis, mas também do acesso à informação e da conscientização de todos os envolvidos. A colaboração entre instituições, sociedade civil e poder público é essencial para garantir que os direitos dessas pessoas sejam respeitados e efetivados, promovendo assim uma cidadania ativa e inclusiva no município de Jaru.

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1Acadêmica de direito pela Faculdades Integradas Metropolitana Aparício Carvalho – FIMCA/Campus Jaru. simoneflaviasilva6@gmail.com.
2Docente de direito pela Faculdades Integradas Metropolitana Aparício Carvalho – FIMCA/Campus Jaru.