PESQUISA ETNOGRÁFICA DE ABORDAGEM QUALITATIVA NA EDUCAÇÃO

INVESTIGACIÓN ETNOGRÁFICA CON ENFOQUE CUALITATIVO EN EDUCACIÓN

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7620722


Juliana Vicente Mariano Luchtenberg1
Jacques de Lima Ferreira2
Elisa Maria Dalla-Bona3


RESUMO 

O presente artigo busca apresentar as contribuições da pesquisa etnográfica para a educação, a partir de um estudo bibliográfico qualitativo com dados coletados em referenciais teóricos como artigos, teses, livros e dissertações. A pesquisa do tipo etnográfica em educação possibilita que o pesquisador se aproxime do fenômeno de investigação devido a sua observação participante em longa permanência no campo de pesquisa, e da utilização de técnicas para a coleta de dados e a produção do conhecimento, como a observação participante, a entrevista e a análise de documentos. Este tipo de pesquisa propicia ao pesquisador uma imersão na cultura local e compreender como as interações se estabelecem no cotidiano escolar.

Palavras-chave: Pesquisa qualitativa; Etnografia; Educação. 

RESÚMEN

Este artículo busca presentar las contribuciones de la investigación etnográfica a la educación, a partir de un estudio bibliográfico cualitativo con datos recogidos de referentes teóricos como artículos, tesis, libros y disertaciones. La investigación etnográfica en educación permite al investigador acercarse al fenómeno de la investigación debido a su observación participante en una larga estancia en el campo de investigación, y al uso de técnicas de recolección de datos y producción de conocimiento, como la observación participante, la entrevista y el análisis de   documentos. Este tipo de investigación proporciona al investigador una inmersión en la cultura local y la comprensión de cómo se establecen las interacciones en la rutina escolar.

Palabras-llave: Investigación cualitativa; Etnografía; Educación.

1. INTRODUÇÃO

Para refletir sobre os aspectos que permeiam a pesquisa de abordagem qualitativa e as contribuições da pesquisa etnográfica em educação, faz-se necessário um amplo e adequado repertório conceitual e teórico que possibilite o entrelaçar com as experiências vivenciadas no campo de pesquisa. Assim, o presente artigo se justifica por oportunizar o acesso a um panorama apresentado em referenciais teóricos como artigos, teses, livros e dissertações, dos diferentes conceitos da pesquisa etnográfica e sua contribuição no campo da educação a partir da abordagem qualitativa. 

No contexto educacional, adotar a óptica da pesquisa etnográfica possibilita um novo olhar para a escola, crianças e profissionais que ali convivem, sendo  consideradas as práticas culturais consolidadas dentro do contexto escolar, cuja tessitura para compreendê-las é construída com aparato teórico específico.

 Os autores utilizados como aporte teórico para atender a problemática e objetivo do estudo são:  André (2012), Angrosino (2009), Ludke; André (2014), André; Gatti (2008), Flick (2013), Chizzotti (2006), Bogdan; Biklen (1994), Geertz (1989) entre outros.

2. O QUE É UMA PESQUISA DE ABORDAGEM QUALITATIVA

De acordo com André (2012) a abordagem de pesquisa qualitativa tem suas raízes no final do século XIX quando os cientistas sociais começaram a indagar se o método de investigação das ciências físicas e naturais, que por sua vez se fundamentava numa perspectiva positivista de conhecimento, deveria continuar servindo como modelo para o estudo dos fenômenos humanos e sociais. A preocupação centrava-se na busca por uma metodologia diferente para as ciências sociais, devido ao fato que os fenômenos humanos e sociais são complexos e dinâmicos. Esta abordagem tornou-se popular entre os pesquisadores, inclusive entre os brasileiros na área da educação, por volta dos anos de 1980.

Angrosino (2009) explicita que é difícil encontrar uma definição comum de pesquisa qualitativa aceita pela maioria das abordagens e dos pesquisadores, considera ainda, que a pesquisa qualitativa não é mais a pesquisa não quantitativa pois desenvolveu sua identidade própria, visando entender e descrever os fenômenos sociais de diversas maneiras, como as análises de experiências de indivíduos ou grupos que podem estar relacionadas a histórias biográficas ou a práticas cotidianas, e podem ser tratadas analisando-se conhecimentos, relatos e histórias do dia a dia. 

A pesquisa para André (2012, p. 17), é qualitativa “[…] porque se contrapõe ao esquema quantitativista de pesquisa que divide a realidade em unidades passíveis de mensuração, estudando-as isoladamente […]”. Acrescenta-se aqui as contribuições de Chizzotti (2006), em que à pesquisa qualitativa o uso ou não de dados quantificados durante a pesquisa, em que se interpretam os sentidos do evento conforme o significado que as pessoas dispõem ao que relatam e produzem.

Sendo assim, entende-se que dados quantitativos até podem ser utilizados para pesquisas de abordagem qualitativa, porém, este não é o objetivo. A centralidade da pesquisa qualitativa se constitui por uma investigação de análise interpretativa, em que a observação atenta do investigador em campo é fundamental para desvelar os conhecimentos construídos socialmente e as práticas cotidianas que acontecem na escola.

O objetivo “dos investigadores qualitativos é o de melhor compreender o comportamento e experiência humana”, conforme Bogdan e Biklen (1994, p. 70). Além de tais autores, Lüdke; André (2014) delimitam cinco principais características da pesquisa qualitativa: o pesquisador como principal instrumento; a coleta de dados é descritiva; a preocupação com o processo; o cuidado em divulgar suas considerações ao público-alvo da pesquisa; e a análise de dados, que tende a seguir um processo indutivo.

A primeira característica destacada é a fonte de dados para pesquisa qualitativa que se dá em ambiente natural para coleta de informações, sendo o pesquisador seu principal instrumento por estar em contato direto não só com o ambiente, mas também com a situação que está sendo investigada. “Da mesma maneira as pessoas, os gestos, as palavras estudadas devem ser sempre referenciados no contexto em que aparecem.” (LÜDKE; ANDRÉ, 2014, p. 13).

A segunda característica enfatiza que os dados coletados são predominantemente descritivos, sendo de fundamental importância a atenção por parte do pesquisador, pois ele será o responsável por fazer a descrição das situações e acontecimentos. “Descrever significa assumir a ideia de que os dados são recolhidos em forma de palavras ou imagens e não de números.” (PESCE; ABREU, 2013, p. 27). Compreende-se que isso não significa que os números não possam corroborar com a descrição, pois estes acontecimentos por sua vez, poderão ocorrer de diferentes formas, como transcrição de entrevistas, imagens, e documentos que o pesquisador considerar importantes para construção minuciosa de sua pesquisa, porém o enfoque descritivo é prevalecente.

Justifica-se, assim, a terceira característica apresentada por Lüdke e André (2014, p. 13), “em que a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto”. Desta forma, retoma-se a atuação atenta do pesquisador às sutilezas que o ambiente de pesquisa lhe proporciona. Segundo Flick (2009, p. 27), “a pesquisa qualitativa torna-se um processo contínuo de construção de versões da realidade.”

Assim, compreender o ambiente em que ocorre a pesquisa é atribuição do investigador qualitativo, para que os aspectos observados sejam por ele contextualizados como fio condutor, possibilitando a compreensão do interlocutor.

Nessa perspectiva, tem-se como quarta característica da pesquisa qualitativa o foco de atenção especial do pesquisador, conforme Lüdke e André (2014, p. 14) o “significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida”. Neste caso, as autoras enfatizam o cuidado que os pesquisadores devem ter ao divulgar suas considerações ou pontos de vista dos participantes ou público-alvo de sua pesquisa. O que se faz necessário diante dos diferentes hábitos e costumes de uma determinada cultura, já que para tecer quaisquer considerações  dever-se-á ter realizado uma observação atenta durante a pesquisa in-loco.

Por fim, segundo Lüdke e André (2014, p. 14) tem-se como última característica que a “análise dos dados tende a seguir um processo indutivo”. Bogdan e Biklen (1994) apontam que esta tendência do enfoque indutivo para investigação qualitativa realiza-se em um movimento onde as abstrações vão sendo construídas à medida que os dados vão sendo coletados e agrupados. Ou seja, dos dados para a teoria o pesquisador se preocupa em englobar as diferentes perspectivas durante o processo de investigação. No enfoque indutivo “a análise inicia-se com um foco mais amplo e, no transcurso da pesquisa, vai se tornando cada vez mais específico.” (PESCE; ABREU, 2013, p. 28).

De acordo com André e Gatti (2008, p. 9):

O uso dos métodos qualitativos trouxe grande e variada contribuição ao avanço do conhecimento em educação, permitindo melhor compreender processos escolares, de aprendizagem, de relações, de processos institucionais e culturais, de socialização e sociabilidade. 

Para compreender tais processos, parte-se de uma análise crítica do que está sendo ensinado e da produção ou não de conhecimento pelos estudantes. Desta forma, o estudante passa a ser considerado no processo de investigação para além dos conhecimentos que adquire dentro da escola, ou seja, suas experiências de vida e o que carrega consigo, com base em sua cultura, são fatores de extrema relevância para a composição do corpus de pesquisa.

Por conseguinte, a contextualização social e a observação das relações que são estabelecidas no processo de ensino e aprendizagem favorecem uma nova perspectiva do campo de pesquisa, sendo esta uma das grandes contribuições da pesquisa qualitativa para a educação.

É a partir da década de 1970, conforme evidencia Zanette (2017), que as abordagens das pesquisas qualitativas se configuraram como enfoque metodológico, devido às concepções epistemológicas de interpretar a realidade de forma distorcida nas suas metodologias. É neste período que se questiona, com base na concepção positivista, a objetividade da pesquisa quantitativa, devido, entre outros aspectos, à imprecisão das técnicas para explicitar os fenômenos da escola, uma vez que esta abordagem não permite ao pesquisador compreender a realidade pela visão dos pesquisados e aproximar-se do que será investigado.

Somente no início dos anos 1980 “busca-se não mais exclusivamente à Psicologia ou à Sociologia, mas à Antropologia, à História, à Linguística, a Filosofia” (ANDRÉ, 2001, p. 53-54), além disso entidades públicas passaram a exigir maior rigor técnico para realização das pesquisas e liberação de verbas com critérios mais rígidos para elaboração de projetos.

Caracterizada a pesquisa qualitativa em seus aspectos gerais, é importante esclarecer que, nesta proposta de abordagem, há um “universo heterogêneo de métodos e técnicas que vão desde a análise de conteúdo, com toda sua diversidade de propostas, passando pelos estudos de caso, pesquisa participante, estudos etnográficos, antropológicos etc.” (GATTI, 2001, p. 73). Logo, entende-se que a abordagem qualitativa da pesquisa permite que o pesquisador participe de modo integrado com olhar atento ao seu objeto de estudo sem se preocupar de forma direta com operações matemáticas e estatísticas. É uma abordagem social na qual se destaca o processo de investigação de forma contextualizada e não o resultado final.

Diante do exposto, vale esclarecer que, apesar das diversas aplicações da pesquisa qualitativa, a premissa de maior aprofundamento aqui se refere aos estudos etnográficos devido ao fato de oportunizar “uma visão mais atualizada e inovadora ao estudar os traços da cultura do objeto pesquisado, sendo este qual for, mas com todo rigor exigido por uma pesquisa científica.” (FAZENDA, 2015, p. 72). Rigor este que exige do pesquisador a descrição do que está sendo investigado e observado, sem julgamentos ou interpretações, avançando do conhecimento empírico para o conhecimento científico com uma base teórica que sustente a práxis. Ao se lançar à pesquisa etnográfica em educação faz-se adaptações das técnicas associadas à etnografia para um objeto de estudo bem definido, neste caso, o educacional.

3. CONCEITOS E TIPOS DA ETNOGRAFIA

A pesquisa etnográfica surgiu em meados do século passado, com um pressuposto antropológico, assim, sabe-se que este tipo de pesquisa possui características próprias permeadas principalmente pelos estudos do cotidiano, centrando-se na descrição dos significados culturais e dos sujeitos estudados e observados. Com a premissa de sintetizar os aspectos que envolvem o estudo sobre os vários conceitos e tipos de etnografia, tem-se:

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

André (2012) ensina que a etnografia é um esquema de pesquisa desenvolvido pelos antropólogos para estudar a cultura e a sociedade, sendo que para os antropólogos o termo tem dois sentidos: o primeiro se refere a um conjunto de técnicas utilizadas para coletar dados sobre os valores, os hábitos, as crenças, as práticas e os comportamentos de um grupo social e o segundo se refere a um relato escrito resultante do emprego dessas técnicas. As técnicas mencionadas pela autora e que estão relacionadas à etnografia são observação participante, entrevista e análise de documentos, que serão detalhadas adiante com as demais contribuições da autora sobre a etnografia.

Para Rockwell (1986, p.23) “o termo etimológico da palavra etnografia tem o significado de descrição cultural […] que classicamente é uma monografia descritiva”. Isso posto, a que se considerar que a etnografia tem em seu sentido próprio descrever a simbologia de significados culturais de determinado grupo contemplando tanto a forma de proceder em campo como ao corolário que ela elabora. Isto posto ao pesquisador, cabe a responsabilidade da construção de sua narrativa descrevendo os detalhes observados no cotidiano investigado, com riqueza de detalhes sem julgamentos.

A antropologia da educação, para Bartlett e Triana (2020), está enraizada em compromissos da antropologia para com o holismo, o conceito de cultura, o relativismo cultural e a teoria social. No que se refere ao primeiro, considera os seres humanos através do tempo, levando-os ao compromisso de recorrer à teoria social a partir de disciplinas que incluem a Sociologia e a Filosofia, entre outras. A etnografia como método é holística, pois enfatiza a importância do campo para realização do trabalho de pesquisa e conduz a pesquisa para revelar o retrato mais completo possível do grupo estudado. Angrosino (2009) destaca como um dos princípios básicos da etnografia:

Os etnógrafos precisam prestar muita atenção aos processos de pesquisa de campo. É preciso estar sempre atento aos modos pelos quais se tem acesso ao campo, ao modo como se estabelecem afinidades com as pessoas que lá vivem, e se ele se torna um membro ativo daquele grupo. (ANGROSINO, 2009, p. 30).

Há que se considerar a necessidade de realizar a abordagem no campo de pesquisa de forma cuidadosa e respeitosa, principalmente quando esse campo se caracteriza por povos específicos ou espaços potencialmente ocupados, como a escola, em que o grupo observado e estudado é potente em seus hábitos, organizações, costumes, crenças, relações e cultura.

Sobre o conceito de cultura o antropólogo Geertz (1989), afirma que ele está atrelado a teias de significados, sendo a cultura tecida pelo homem na interação com o outro. Assim, a cultura pode ser pensada conforme McDermott e Varene (apud BARTLETT; TRIANA 2020, p. 3), como “[…] o processo continuado de adaptação criativa dos seres humanos uns aos outros, às estruturas sociais e políticas e às instituições econômicas, tanto sob circunstâncias permanentes emergentes.”

Dessa forma, a cultura é construída considerando as experiências de vida que os sujeitos compartilham entre si em seus espaços de convivência. Por isso, o campo é rico em minúcias, pois esses saberes são eternizados por alguma razão. A sala de aula, por exemplo, é um ambiente complexo, cheio de nuances e de interações entre as crianças e professores que pertencem a uma determinada cultura e, concomitantemente, contribuem consciente ou inconsciente para sua (re)construção.

Assim, concorda-se com André (1995, p. 19) quando afirma que “a principal preocupação da etnografia é com o significado que têm as ações e os eventos para as pessoas ou os grupos estudados” na tentativa de descrever sua cultura e compreender seus significados.

Quanto ao relativismo cultural Bartlett e Triana (2020, p. 3) “indicam um esforço para compreender uma cultura ou um grupo em seus próprios termos, ao invés de usar os padrões de cultura ou crenças de quem os estuda ou pesquisa”. Faz-se necessário, assim, que o pesquisador compreenda e interprete o outro de acordo com o contexto em que ele está inserido, afastando-se de seus próprios pontos de vista para conhecimento da realidade escolar. Para Tezani (2004), entende-se a cultura como processo de construção onde estão inseridas as visões de mundo, as histórias, os conceitos e os conhecimentos que são transmitidos às novas gerações.

Por fim, a teoria social se consolida com o aporte teórico em que os estudos “antropológicos geram teorias sociais que podem ser transferidas para outros lugares e épocas” (BARTLETT; TRIANA 2020, p. 3). Nessa intersecção entre antropologia e educação, firma-se o compromisso com os métodos etnográficos conforme Willis e Trondman (apud BARTLETT; TRIANA 2020), que os definem como métodos que envolvem o contato social direto e sustentado com agentes, escrevendo ricamente o encontro, representando, pelo menos em parte, a irredutibilidade da experiência humana nos seus próprios termos.

Angrosino (2009, p. 30) “afirma que a etnografia é a arte e a ciência de descrever um grupo humano – suas instituições, seus comportamentos interpessoais, suas produções materiais e suas crenças”. O que Magnani (2002) complementa dizendo que a pesquisa etnográfica deve ser capaz de olhar para os detalhes do cotidiano, a fim de captar os inesperados arranjos protagonizados pelos atores sociais. De permitir ainda:

[…] reorganizar dados percebidos como fragmentários, informações ainda dispersas, indícios soltos, num novo arranjo que não é mais o arranjo nativo (mas que parte dele, leva-o em conta, foi suscitado por ele) nem aquele com o qual o pesquisador iniciou a pesquisa. Este novo arranjo carrega as marcas de ambos: mais geral do que a explicação nativa, presa às particularidades de seu contexto, pode ser aplicado a outras ocorrências; no entanto, é mais denso que o esquema teórico inicial do pesquisador, pois tem agora como referente o concreto vivido” (MAGNANI, 2002, p. 17).

Legitima-se assim, que a aproximação do pesquisador com seu objeto de pesquisa possibilita narrar as experiências vividas de acordo com a percepção construída deste espaço permeado por uma cultura local. Experiências que serão oportunizadas de acordo com a aceitação do pesquisador neste contexto que não lhe pertence. Trata-se de esclarecer que o etnógrafo que realiza sua investigação em um ambiente escolar, por exemplo, é alguém desconhecido, por isso nem sempre sua presença terá boa aceitação. Fato este que pode se reverter a partir da explicitação detalhada dos objetivos de pesquisa ao grupo que será investigado, inferindo que, por meio de uma abordagem clara por parte do pesquisador, o acesso a esta cultura, hábito ou costume terá melhor aceitação.

Wolcott (apud LUDKE; ANDRÉ 2014, p. 15) menciona que um teste para determinar se um estudo pode ser chamado etnográfico “é verificar se a pessoa que lê esse estudo consegue interpretar aquilo que ocorre no grupo estudado tão apropriadamente como se fosse um membro desse grupo”. Sendo assim, pode-se afirmar que a pesquisa etnográfica na educação permite a melhor compreensão do grupo investigado, o que favorece a compreensão do cenário de desenvolvimento.

4. DESTAQUES DAS CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA ETNOGRÁFICA DE ABORDAGEM QUALITATIVA PARA A EDUCAÇÃO

A abordagem etnográfica de pesquisa começa a fazer parte da educação por volta de 1970. Teixeira (2014) descreve que, para conhecer as situações e os sujeitos que constroem cotidianamente a escola, a investigação etnográfica apresenta-se como opção teórico-metodológica relevante. Para Rockwell (2009), o papel da etnografia na pesquisa em educação é o de desentranhar a complexa rede de interações e revelar a heterogeneidade de experiências vividas nas escolas, descrevendo ambientes e narrando processos não explícitos em nenhum discurso oficial, mas explicativos no que se refere à educação.

Nessa perspectiva, a presença do pesquisador ocorre em um espaço social de ambiente educacional, ao que tudo indica, conhecido pelo investigador e favorável à descrição dos observáveis. Teoricamente porque “escolas e outras instituições educacionais são de existência global e, na maioria dos casos, independente de suas orientações culturais específicas, trazem algumas estruturas básicas semelhantes” (WELLER; PFAFF, 2013, p. 259).

Wolcott (apud  LUDKE; ANDRÉ 2014) chama a atenção para o fato de que o uso da etnografia na educação deve envolver uma preocupação em pensar o ensino e a aprendizagem dentro de um contexto cultural amplo, ou seja, para além dos muros da escola.

Compreender as diferentes aprendizagens que as crianças levam para escola faz com que seja ampliado o repertório cultural da comunidade local que ali se vive. O que parece óbvio, mas que precisa ser mencionado, já que em alguns contextos escolares a criança é vista como sujeito passivo, sem voz no ambiente escolar para expor os conhecimentos extraescolares. “Se o foco de interesse dos etnógrafos é a descrição da cultura (práticas, hábitos, crenças, valores, linguagens, significado) de um grupo social, a preocupação central dos estudiosos da educação é com o processo educativo.” (ANDRÉ, 2012, p. 28).

Assim, buscou-se compilar as contribuições de estudiosos e pesquisadores sobre a etnografia na educação com a premissa de proporcionar maior visibilidade e compreensão aos pesquisadores que pretendem fazer uso desta abordagem metodológica de investigação no campo educacional.

QUADRO 1 – Principais destaques de estudos sobre a etnografia na educação

DataDocumentoO que dizem alguns autores:
2004TEZANI, Thaís Cristina Rodrigues. As interfaces da pesquisa etnográfica na educação. Revista Linhas, v. 5, n. 1, p. 1-17, 2007.   O estudo deste periódico aborda perspectivas atuais da pesquisa etnográfica, enfatizando que na educação realiza-se pesquisa do tipo etnográfica cujos instrumentos para coleta de dados são os mesmos, porém com menor permanência do pesquisador em campo. A autora destaca que são analisados o cotidiano escolar e a educação, concebidos enquanto processo social, cultural e histórico. Além disso, tece considerações sobre o Positivismo e sobre as principais bases filosóficas da pesquisa qualitativa, sendo a Dialética e a Fenomenológica.
2009ANGROSINO, Michael. Etnografia e observação participante. Porto Alegre: Artmed, 2009.  Entre tantas contribuições deste referencial teórico, são apresentados os princípios básicos da etnografia como a necessidade de prestar atenção aos processos de pesquisa em campo, sendo o processo uma valorosa característica da pesquisa etnográfica e não o produto. Estar atendo aos acontecimentos e como as relações se estabelecem em campo, assumindo assim uma postura de observador objetivo dos sujeitos envolvidos. Ademais apresenta-se também a etnografia como método sendo este baseado na pesquisa de campo, no contato direto com os participantes, no uso de duas ou mais técnicas de coleta de dados, requer um compromisso de longo prazo, é indutivo, dialógico e holístico.
2012ANDRÉ, Marli. Etnografia na prática escolar. São Paulo: Papirus, 2012.  Considerando as contribuições da antropologia para pesquisa etnográfica, a autora amplia as discussões ao concluir que no campo da educação fazemos estudos do tipo etnográfico e não etnografia. Isso se deve ao fato de a antropologia ser desenvolvida pelos antropólogos e adaptada à educação. O que caracteriza uma pesquisa do tipo etnográfico em educação são as técnicas ou instrumentos utilizados para produção de conhecimento, sendo a observação participante, a entrevista e a análise de documentos.
2013FLICK, Uwe. Introdução à Metodologia de Pesquisa: um guia para iniciantes. Porto Alegre: Penso, 2013.Ao tomar a decisão sobre a realização de uma pesquisa do tipo etnográfica, a que se ter o cuidado para definição de qual ou quais instrumentos para coleta de dados no campo que serão utilizados. Ao definir pela entrevista considera-se a necessidade de elaborar perguntas para a entrevista que cubram o escopo pretendido de pesquisa. Já a análise de documentos nesta abordagem metodológica pode ser realizada com os materiais já existentes no campo, como diários ou conjunto de dados existentes de outros contextos. Tratando-se da observação participante, espera-se que o pesquisador encontre acesso ao campo e às pessoas que o constituem para que a observação se efetive aos aspectos essenciais do foco de pesquisa.
2015ROCKWELL, Elsie; ANDERSON-LEVITT, Kathryn. Importantes Correntes de Pesquisa Etnográfica sobre Educação: maiorias, minorias emigrações através das Américas. Educação e Pesquisa, v. 41, n. 2, p. 1129-1135, 2015.Este dossiê apresenta o resultado de uma amostra sobre as diferenças e semelhanças entre sete artigos que representam as linhas de pesquisa etnográfica em cinco países: Canadá, Estados Unidos, México, Brasil e Argentina, em que são propostos desafios conceituais e metodológicos para a pesquisa educacional. Os autores revelam processos entrelaçados envolvidos em educação e a etnografia contribui em sua capacidade de captar e descrever alguns desses entrelaçamentos.  
2017PEREIRA, Alexandre Barbosa. Do controverso “chão da escola” às controvérsias da etnografia: aproximações entre antropologia e educação. Horizontes   Antropológicos. v. 23, n. 49, p. 149-176, 2017.A pesquisa aborda a relação interdisciplinar entre antropologia e educação, a partir de duas perspectivas: a etnografia e as práticas culturais juvenis. O foco principal deste estudo refere-se a como as aproximações entre esses campos podem produzir novas possibilidades de experimentação antropológica ou etnográfica por aqueles que vêm da educação e a como a antropologia brasileira pode olhar mais atentamente para as questões educacionais.
2020CONTI, Daiane de Macedo Costa. Etnografia e educação: uma metanálise. 149 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.  A tese apresenta valorosas contribuições sobre os estudos relacionados a etnografia na educação por meio de uma metanálise de pesquisas etnográficas do Núcleo de Etnografia em Educação (NetEdu). A autora optou por investigar os feitos desse grupo por se tratar de uma referência nacional e internacional no âmbito das pesquisas etnográficas. Dessa forma utilizou-se pesquisas externas ao NetEdu com o intuito de definir o conceito de Etnografia.

As publicações citadas no quadro são importantes para balizar o desenvolvimento de trabalhos científicos voltados à etnografia na educação por possibilitar maior compreensão às características dessa abordagem metodológica de pesquisa e os instrumentos utilizados para descrição minuciosa das situações observadas e vividas no processo de pesquisa em campo.

          Assim como Tezani (2004) enfatiza que na educação realiza-se pesquisa do tipo etnográfica, André (2012) retoma esta afirmação e aprofunda com ênfase na utilização dos instrumentos de pesquisa que esta abordagem exige. Há que se considerar uma contradição entre as fontes bibliográficas sobre o tempo de permanência do pesquisador no campo de investigação. 

          Ao contrário das contribuições de Tezani (2004) em que o pesquisador permanece menos tempo no campo, Angrosino (2009) afirma ser este um compromisso a longo prazo, ou seja, maior permanência no campo de investigação.

         Considera-se a afirmativa pertinente, uma vez que a etnografia na educação valoriza o processo de pesquisa e não o produto final. Processo que se estabelece nas relações construídas no campo. Assim, para que sejam narradas essas relações com qualidade, tem-se o maior tempo de permanência no campo de pesquisa como grande aliado para o acesso às informações que permeiam o campo e as pessoas que o constituem, como indica Flick (2013).

          Para que o campo seja melhor compreendido, Pereira (2017) contribuiu com a importância da interdisciplinaridade entre antropologia e educação, o que Rockwell (2015) chama de entrelaçamento com a educação. Da mesma forma, as contribuições de Conti (2020) buscam definir o conceito de etnografia e sua articulação entre educação e antropologia para que assim, sejam melhor compreendidos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 No presente estudo bibliográfico procurou-se apresentar a abordagem de pesquisa qualitativa, por se constituir em uma modalidade que busca compreender os aspectos que constituem o ser humano, suas interações e relações culturais, comunitárias e pessoais.

Faz-se necessário enfatizar que as pesquisas de abordagem qualitativa não são melhores ou piores que as pesquisas quantitativas. O que define qual a melhor abordagem e os procedimentos a serem utilizados em uma pesquisa é o problema de pesquisa que se pretende investigar.

As reflexões apresentadas aqui têm como foco a abordagem qualitativa na educação por entender-se que, nesse contexto, há necessidade de aprofundamento de natureza antropológica, da dinâmica sociopedagógica de uma escola e das relações e interações que ali se estabelecem, além de serem consideradas de maior relevância para compreensão de questões que envolvem o campo educacional. Bartlett e Triana (2020) enfatizam que a antropologia da educação contemporânea pode se concentrar em tópicos como educação, pluralismo educacional, pedagogia culturalmente relevante ou desencontros entre modos de saber valorizados na escola, em casa ou em diferentes comunidades.

Nesse viés, as contribuições da investigação etnográfica entrelaçam como foco do pesquisador a melhor compreensão da realidade pesquisada por meio da aproximação do fenômeno e o uso de técnicas como observação, entrevistas e questionário como grandes colaboradores para conhecimento do campo.

Tais técnicas ou instrumentos de coleta de dados deixaram em evidência a importância da neutralidade do pesquisador, o cuidado com os registros das observações realizadas sem interpretação, colhendo informações que realmente sejam relevantes para a pesquisa dentro de um contexto de interação com os estudantes ou profissionais da escola. Ademais, no que se refere a arquivos e documentos, são considerados todos os materiais de escrita, oficiais ou não, que fornecem informações sobre o contexto investigado e também estatísticas oficiais que foram produzidas para fins de documentação.

As pesquisas do tipo etnográfica em educação necessitam de longa permanência em campo por parte do pesquisador ou de ampla categoria social de análise de dados. Privilegia-se, nessa perspectiva, as técnicas associadas à etnografia, interação do pesquisador com o campo de investigação e descrição do processo de investigação.

Por fim, cabe destacar que a relevância da utilização da abordagem de pesquisa qualitativa etnográfica na educação está na possibilidade de entrar em contato direto com o campo investigado, como a escola, conhecendo como são construídas as diferentes aprendizagens em diferentes contextos sociais e culturais.

6. REFERÊNCIAS

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1Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná.
2Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná.
 3Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná.