PERSPECTIVAS INTERDISCIPLINARES: TRANSFORMANDO A ADMINISTRAÇÃO ATRAVÉS DA LITERATURA 

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11107032


Vanderlei Fernandes Barreto1


RESUMO 

O presente artigo pretende apresentar uma ponte dialógica interdisciplinar entre a área da Administração e Educação, propiciando uma busca pela promoção e transformação do ensino superior, por meio do saber pautado pela interdisciplinaridade, como ação que movimenta os saberes no ensino superior. Tal assertiva embasa o presente artigo, considerando que na importância de se resgatar o processo de formação dos alunos na perspectiva de proporcionar por meio da leitura literária, autonomia, autoconhecimento, olhar para si, na construção de conhecimentos interdisciplinares que se configuram como aspectos formativos indispensáveis tanto ao educando, como para o educador. A proposta de leitura literária norteia a obra São Bernardo de Graciliano Ramos, escrita em 1934. A pesquisa bibliográfica, inclusive, foi à metodologia utilizada, tendo como principal fundamentação teórica os autores: Antonio Candido, Edgar Morin, Hilton Japiassú, Idalberto Chiavenato e Ivani Fazenda. 

PALAVRAS-CHAVE: Administração e Educação, Literatura, Interdisciplinaridade, leitura literária, Ensino Superior. 

INTRODUÇÃO 

A proposição de uma ponte dialógica entre os saberes da Administração enquanto ciência social humana e, inerente ao mundo corporativo, globalizado e em constante transformação, junto à Literatura, não redunda em provocações, mas ao contrário, um caminho para a construção de recurso pedagógico interdisciplinar para sensibilizar alunos de maneira a despertar relações de sentido com o que aprendem disciplinarmente, percebem-se inúmeras possibilidades de construção dessa proposta humanizadora. Os estudantes de Administração ou de quaisquer áreas de negócios passam meses pesquisando temas relevantes para as disciplinas – objeto de estudos e avaliações – tendo como objetivo suas futuras atuações como profissionais. 

Entende-se que os discentes compreendam o funcionamento das organizações, em especial a arquitetura da gestão de pessoas, sem as quais nenhum processo organizacional se faz possível. Aliás, todos os gestores, independentemente da área em que atuam, são, por princípio, gestores de pessoas, devendo percebê-las como o maior patrimônio da organização e, nessa perspectiva, os alunos de administração possam identificar as correlações entre a obra São Bernardo e estes temas hora em análise através deste artigo. 

Por meio de atitudes significativas dos educadores e educandos – ambos conectados com esse mundo globalizado do ensino superior, que de forma recorrente aponta novos rumos que a educação interdisciplinar está alcançando e, assim, exigindo que os alunos de administração, tenham uma formação que contemple novos rumos em suas respectivas carreiras, pois estes discentes – profissionais do futuro – devem possuir em seu bojo, aspectos como consciência crítica, reflexiva e que estejam preparados para atuar em um mundo organizacional em constante alteração, e que a atitude interdisciplinar dos alunos será o diferencial competitivo, portanto, tal educação transformadora se faz como uma necessidade de mudança. 

De outro lado, ressalta-se que o exercício de trabalhar com o texto literário em disciplinas da área de Administração, a possibilidade de direcioná-lo à discussão de temas que envolvem conteúdos das disciplinas e situações de trabalho metaforizadas pela narrativa lida, pois coaduna-se, nesta época contemporânea, a educação interdisciplinar que tenha um olhar voltado para a humanização, sendo capaz de conscientizar, de libertar o aluno das cegueiras e das amarras das ideologias e das falácias que um processo de ensino aprendizagem podem redundar quando focado apenas no conteúdo e no ato de decorar aquilo que fora repassado, ensejando apenas uma educação meramente reprodutora e não formadora de opiniões e reflexões. 

Para uma melhor compreensão sobre o tema em pauta neste artigo, serão franqueados alguns temas, como Administração contemporânea: Humanização necessária, Proposição Interdisciplinar para alunos de Administração e por uma ação educadora. Ressalta-se que a proposta fundamental deste trabalho norteará a criação de pontes entre diferentes áreas do saber, ensejando dessa forma, debates e análises com maior aprofundamento sobre as questões hora propostas. 

ADMINISTRAÇÃO CONTEMPORÂNEA: Humanização necessária 

Na contemporaneidade, a Administração em detrimento de seu passado, cuja estruturação científica ocorreu pós-revolução industrial, apresenta avanços em vários aspectos, como a moderna gestão de pessoas, o planejamento estratégico e a adesão aos direitos trabalhistas. De outro lado, há nas organizações contemporâneas a necessidade de humanizar o ambiente de trabalho, se por um lado, as leis trabalhistas avançaram em prol do trabalhador e a mulher por merecimento, conquistou seu espaço no mercado de trabalho, ainda percebe-se nas organizações, um embrutecimento nas relações humanas, estas, superficialmente estampadas como ambiente favorável ao pleno desenvolvimento das atividades laborais em sua plenitude, ou seja, há gestão de pessoas, porém, com o advento das mudanças ocorridas em detrimento da globalização, há escassez na gestão com pessoas, esta, compreendida como o meio transformador das relações no ambiente de trabalho e multiplicador de satisfação das pessoas com as empresas que se utilizam desse processo como afirma Valquíria Padilha (2015, p.127): 

A tese que pretendo defender aqui é a de que o sofrimento psicossocial dos trabalhadores, que vem ganhando contornos de uma violência simbólica no limite do invisível no cotidiano das organizações atuais, é causado por certas estratégias de gestão que brotam do interesse descontrolado dos empresários e acionistas de obterem ganhos financeiros maiores e mais rápidos. Esse fenômeno contemporâneo que vem ocorrendo nas empresas do mundo todo, o que se convencionou chamar de “assédio moral no trabalho”, é conseqüência direta, dentre outros fatores, de um conjunto de valores e idéias difundidos no mundo organizacional a partir dos anos 1980 […] 

Padilha estabelece uma ponte entre os interesses dos empresários pelo lucro cada vez maior, e de outro lado a precarização que vive o trabalhador, essa dicotomia não é um privilégio das organizações brasileiras, como bem estabeleceu Padilha, ela “vem ocorrendo nas empresas do mundo todo”, pois notoriamente é o caminho trilhado pelas corporações que através da globalização, contribuem para a aludida situação do trabalhador no ambiente organizacional. Diante desse cenário, cabem as instituições de ensino superior formar administradores cada vez mais conscientes do papel fundamental que irão desempenhar nas organizações e, por meio de uma educação transformadora, problematizar a situação que uma má gestão poderá redundar no sofrimento do maior ativo das empresas – pessoas. 

Notadamente, essa transformação não irá ocorrer se o formato atual da educação superior das escolas de administração for mantido, se faz necessária a utilização de outras formas, métodos, metodologias – que não serão objeto de aprofundamento de pesquisa do presente artigo, apenas proposições epistemológicas 

– para um processo de ensino aprendizagem que de forma contínua, apresente não somente discussões, problematizações em sala de aula sobre o tema em questão, mas também de uma avaliação que não objetive um conteúdo decorado e sem propósito. 

Se faz necessário buscar alternativas interdisciplinares para que os discentes tenham liberdade e capacidade de pensar e raciocinar por si mesmos enquanto seres autônomos, conforme assevera Japiassú (2013): ““O espírito interdisciplinar nos permite tomar consciência de que uma verdade acabada e dogmática impede o exercício cotidiano da liberdade de pensar” 

Compreende-se que se faz necessário procurar outras variações de ensino e respectiva relação entre professor e aluno, não podendo o primeiro ser o detentor exclusivo do conhecimento, doutor de tudo e sobre todos e, o segundo, não pode ser visto como uma tabula rasa, ao contrário, suas expectativas, interesses, experiências de vida podem e devem contribuir para a formação do conhecimento partilhado e compartilhado em sala de aula e, a avaliação, em nenhuma hipótese apenas como forma de apreender conteúdo meramente esquecido após respectiva prova, como se percebe na seguinte afirmação: 

Não é preciso grande esforço para observar que a Educação, em geral, e a Escola, em particular, não avançaram, não evoluíram tanto em comparação a outras áreas da atividade humana. Assim considerado e pouco modificado, o conservador cotidiano da escola ainda é o mesmo que há anos: a lousa, o giz, o professor falando (digamos, hoje, “tentando” falar), o aluno escutando, as classes em dia de prova divididas em turmas A e B, as notas […] Inserida neste monótono processo, a prova é, sem dúvida, um dos exemplos que temos.Ainda insistentemente vista como cobrança, ela passa a ser ocasião em que o professor, exercendo o papel de “dono” de determinado conteúdo dado, vai simplesmente verificar o quê o aluno aprendeu. Tal processo corre assim: o professor, dono da matéria (até existe a expressão “dono da cadeira”, lembra?) dá o conteúdo durante o mês … o aluno o recebe … e na hora da prova o “devolve” ao professor. Pronto, ponto final! Um fragmentado momento, sempre isolado e, principalmente, indicador do final de um processo. A prova é o centro da vida na comunidade escolar, espécie de vedete acadêmica, ao redor da qual gira o arsenal de preparativos, pessoas e coisas. (RONCA, P.A.C e TERZI, C.A. p.15) 

Acerca desse texto, os autores corroboram a apresentação de um formato diferenciado de avaliação, não é mais concebível uma prova nos moldes conservadores conteudistas na educação atual. 

A utilização da leitura literária para alunos de administração, poderá ser um processo interdisciplinar cujo conhecimento será enriquecido com analogias, metáforas e processos de comparação entre ficção e realidade, tendo como objetivo a construção de uma educação que se afasta da massificação do ensino puramente conteudista, pois a formação interdisciplinar irá impactar na realidade profissional pois como afirma Fazenda (2013) “[…] o cotidiano das atividades profissionais desloca-se para situações complexas para as quais as disciplinas convencionais não se encontram adequadamente preparadas”. 

PROPOSIÇÃO INTERDISCIPLINAR PARA ALUNOS DE ADMINISTRAÇÃO 

O educador deve perceber o aluno como um ser biopsicossocial, e a educação humanista deve nortear o ensino-aprendizagem – eis uma proposta interessante para o novo cenário em que vivemos. Visualizar a literatura, como ampla possibilidade de novos olhares epistemológicos, como se depreende dessa afirmação: “A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante” (CÂNDIDO, 2011, p.182). Além disso, o diálogo de saberes poderá enriquecer a percepção do cidadão, desvendando novas possibilidades de conhecimento que motivarão a discussão e a construção de um saber liberto de conceitos decorados e esquecidos. 

Atualmente, a educação interdisciplinar que tenha um olhar voltado para a humanização é capaz de conscientizar, de libertar o homem das cegueiras e das amarras das ideologias. 

De outro lado, a introdução da literatura brasileira na área de Administração, por exemplo, propiciará avanços nas discussões e interpretações das realidades. A base da cientificidade será ampliada pela percepção do real e do imaginário literário, sendo este último um fator de afinamento dos sentidos para a construção do conhecimento em sala de aula e para a formação humanística tão desejada pelas Ciências do Homem. 

Os estudantes de Administração ou de quaisquer áreas de negócios passam meses pesquisando temas relevantes para as disciplinas, tendo como objetivo suas futuras atuações como profissionais. São preparados para desenvolverem, com perfeição, planos de negócios, estratégias e análises de mercados, bem como para criar cenários que servirão de modelos para tendências futuras. 

Espera-se que os discentes compreendam o funcionamento das organizações, em especial a arquitetura da gestão de pessoas, sem as quais nenhum processo organizacional se faz possível. Aliás, todos os gestores, independentemente da área em que atuam, são, por princípio, gestores de pessoas, devendo percebê-las como o maior patrimônio da organização. 

Nota-se, portanto, a importância de o aluno agregar conhecimentos não apenas da área de negócios, mas de outras áreas das Ciências Humanas – como as Letras e as Artes – para que desenvolva este olhar sensível sobre o outro. 

Interessante, também, ressaltar, nesse exercício de trabalhar com o texto literário em disciplinas da área de Administração, a possibilidade de direcioná-lo à discussão de temas que envolvem conteúdos das disciplinas e situações de trabalho metaforizadas pela narrativa lida. 

Como forma de exemplificar a relação entre literatura e Administração, oferecer aos alunos da área de Administração um estudo e análise da correlação do livro São Bernardo de Graciliano Ramos, ficção literária, e o ambiente organizacional, possibilita novos olhares para o real e o imaginário. 

A narrativa apresentada em São Bernardo retrata a face humana em sua miséria moral e degradante, a personagem principal Paulo Honório, imbuído pela ganância de se apropriar da fazenda São Bernardo, atua de formas ilícitas e anti- éticas para conseguir atingir seu objetivo e até mesmo mitigando suas ações como satisfatórias e corretas, como se percebe nesse trecho: 

Ninguém imaginará que, topando os obstáculos mencionados, eu haja procedido invariavelmente com segurança e percorrido, sem me deter, caminhos certos. Não senhor, não procedi nem percorri. Tive abatimentos, desejo de recuar; contornei dificuldades: muitas curvas. Acham que andei mal? A verdade é que nunca soube quais foram os meus atos bons e quais foram os maus. Fiz coisas boas que me trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins que deram lucro. E como sempre tive a intenção de possuir terras de S. Bernardo, considerei legítimas as ações que me levaram a obtê-las (RAMOS, 2014,p.48).

Graciliano Ramos adota um estilo literário especial, denotando que o narrador da história é o próprio personagem Paulo Honório, indicando todos os passos e pensamentos que norteavam o romance, sendo uma espécie de consciência vívida sobre todos os acontecimentos durante o hiato de tempo que era funcionário da fazenda até se transformar em proprietário de São Bernardo e de forma também ilícita, ampliar as demarcações de terra de sua propriedade sob o julgo da força e da coerção. 

A época que essa obra literária foi escrita – meados dos anos 30 do século passado, coaduna-se com o período de ascensão de Getúlio Vargas. Contudo, mais de um século se passou e as comparações e correlações no mundo atual corporativo são evidentes. Atualmente, encontramos, com certa facilidade, gestores – tanto da esfera pública como da privada – inescrupulosos que objetivam o enriquecimento ilícito a todo custo, a operação Lava Jato da polícia federal em pleno vigor é apenas um exemplo dessa afirmação, entre inúmeros casos similares de corrupção. 

O administrador contemporâneo está ciente de que é por meio das pessoas e somente pela existência delas que as organizações alcançam suas metas, objetivos e o mais importante e relevante quesito para as organizações: Resultados. Evidencia- se, notadamente, que pessoas são os elementos mais importantes nas empresas ou em quaisquer organizações do mundo globalizado e, portanto, somente por meio das mesmas é que as empresas conseguem atingir seus objetivos. 

A moderna Gestão de Pessoas indica a importância da manutenção e da transformação dos colaboradores em talentos, por meio de treinamento e desenvolvimento adequado e contínuo, porém não se deve coisificar o recurso humano, ou seja, não é ético olhar os colaboradores como objetos inertes e apenas receptores de comando; ao contrário, deve-se considerá-los como partícipes do processo de crescimento da organização, como afirma Idalberto Chiavenato (2014, p.3): “[…] organizações bem sucedidas tratam seus colaboradores como parceiros do negócio e fornecedores de competências, não como simples empregados.” 

Ao criar pontes entre saberes, em especial, a questão da gestão de pessoas e como os colaboradores devem ser tratados e remunerados com uma jornada de trabalho justa e adequada em conformidade com as leis trabalhistas vigentes, tais circunstâncias que norteiam as organizações contemporâneas, podem ser objeto de análise – sob outro olhar – na seguinte passagem da obra São Bernardo:

Aqui nos dias santos surgem viagens, doenças e outros pretextos para o trabalhador gazear. O domingo é perdido, o sábado também se perde, por causa da feira, a semana tem apenas cinco dias, que a Igreja ainda reduz. O resultado é a paga encolher e essa cambada viver com a barriga tinindo (RAMOS, p.63).

Evidencia-se que Graciliano Ramos, por meio da personagem Paulo Honório, demonstra como este vê a relação com seus funcionários e respectiva jornada de trabalho, enfurecendo-se com o período de descanso ou atividades sociais e religiosas de seus colaboradores, tal perspectiva vem de encontro com as prerrogativas da moderna gestão de pessoas, esta colisão é factível de se tornar objeto de reflexão e análise de administradores e demais interessados sobre o tema. A correlação oportuna e pontual entre a Administração e a Obra literária São Bernardo – em que pese ter sido publicada em 1934, trata de fatos atuais, remete-nos a repensar sobre gestores que manipulam dados contábeis, falsificam produtos e vendem como originais, tratam funcionários de forma abusiva e descontam dos mesmos valores escamoteados em benefícios, como alimentação, transporte, estada, viagens, duplas jornadas, multifunção, multitarefas, ampliam seus mercados de forma antiética, destroem qualquer pessoa ou organização que por ventura possa causar qualquer empecilho, nesse aspecto, referenda-se o caso das empreiteiras envolvidas nos casos de corrupção. Enfim, é a ficção reinventando o olhar da realidade das organizações contemporâneas. 

Sem o olhar da interdisciplinaridade e da literatura comparada, o livro São Bernardo, de modo aparente, pode tratar-se de um simples romance literário, entretanto, percebe-se, após minuciosa leitura, a exposição de complexos fatores motivacionais humanos que abrangem o contexto daquele livro, cuja narrativa e narrador confunde-se com administradores inescrupulosos. Essa obra literária, escrita em uma época na qual o Brasil passava por transformações profundas na política, consegue captar condições complexas de um período histórico e apresentá-las para a reflexão do aluno e certamente do professor. 

Além disso, esse texto literário consegue captar, de forma significativa, momentos de mudança por meio da elaborada construção da dinâmica envolvendo personagens fictícios que refletem características humanas extremamente reais e presentes diariamente nas organizações; dessa forma, a leitura constitui-se como um campo fértil para refletir sobre os momentos que passamos ao lidar com pessoas reais em empresas reais, ou seja, empresários que tinham tudo e que faliram, outros que por meio da força e coerção amealharam tudo que os cercava. 

A leitura desse romance, a análise do contexto, as possibilidades de pensar sobre a realidade ficcional e estabelecer relações e analogias com realidades empresariais proporcionam experiência cultural e interdisciplinar à guisa de profundas reflexões. 

Reconhecidamente, há diversos autores consagrados na Administração para tratar desses conteúdos relevantes. Entretanto, trabalhar apenas com os textos científicos da área disciplinar já é recorrente na academia. O desafio em questão é conhecer textos literários, lançar-se às motivações de outros gêneros discursivos, saber relacionar conteúdos, ideias, valores e áreas do saber, proporcionando dessa forma debates e problematizações em sala de aula 

Compreende-se que, para que esta proposta se realize, é preciso haver uma reforma na educação no que tange à formação de professores. Há que se prezar pela formação de professores interdisciplinares, que conheçam a fundo sua área de atuação, com suas singularidades, técnicas, metodologias, conceitos e procedimentos, bem como educadores que estejam abertos para conhecer e transitar por outras áreas do saber. Desse modo, teremos um lampejo do que Morin discute sobre a religação dos saberes. 

A educação contemporânea demanda docentes que não se limitem ao conhecimento restrito à disciplina aplicada em aula. A singularidade da prática docente atual não permite retrocessos, mas deve alimentar-se de novas propostas. Vivemos em uma era complexa, em que as problemáticas exigem soluções que envolvem várias disciplinas, não é possível ao professor limitar-se ao processo de ensino-aprendizagem específico da sua área de domínio. 

A interdisciplinaridade, nesse contexto, é um exercício indispensável para a prática pedagógica e para a formação de docentes. Edgar Morin afirma: 

Quando nos limitamos às disciplinas compartimentadas – ao vocabulário, à linguagem própria a cada disciplina – ,temos a impressão de estar diante de um quebra-cabeças cujas peças não conseguimos juntar a fim de compor uma figura. Mas, a partir do momento em que temos um certo número de instrumentos conceituais que permitem reorganizar os conhecimentos – como para as ciências da Terra, que permitem concebê-la como um sistema complexo e que permitem utilizar uma causalidade feita de interações e de retroações incessantes – , temos a possibilidade de começar a descobrir o semblante de um conhecimento global, mas não para chegar a uma homogeneidade no sentido holista, uma homogeneidade que sacrifique a visão das coisas particularidades e concretas em nome de uma espécie de névoa generalizada. Sem dúvida, é a relação que é a passarela permanente do conhecimento das partes ao todo, do todo às partes, segundo a perspectiva de uma frase de Pascal pela qual sinto um apego especial: “Sendo todas as coisas causadas e causadoras, auxiliadas e auxiliantes, mediatas e imediatas, e sustentando-se todas mutuamente por meio de um elo natural e insensível que liga as mais distantes e diferentes, eu assevero que é impossível conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes” (MORIN, 2013, p.491). 

A interdisciplinaridade estimula a reflexão, a pesquisa, a pergunta, o comprometimento do professor com a prática pedagógica, o olhar humilde para o vasto conjunto de saberes, o desapego, o respeito, enfim a espera, como postula Ivani Fazenda na Formação de Docentes Interdisciplinares (2013). 

O docente do ensino superior tem, por meio da pesquisa, instrumento que direciona qual caminho percorrer. A construção do quadro teórico necessário advém desse processo constante e inevitável para um saber desafiado pelas práticas interdisciplinares em sala de aula. 

Nessa ótica apresentada, segundo Fazenda (2014, p.17), “o olhar interdisciplinar sustentado pela intervenção educativa nos convida, de fato, a questionar a prática profissional dentro de uma perspectiva multirreferencial”. Segue o entendimento que não é possível conceber a interdisciplinaridade sem requerer a prática, uma vez que, sem ela, segundo Fazenda, não há movimento interdisciplinar. 

POR UMA AÇÃO EDUCADORA 

No processo pedagógico, muitos estudiosos, atualmente, falam da pedagogia ativa, como forma de compartilhar o conhecimento, proporcionando aos discentes uma prática interdisciplinar que desperta a capacidade de intervir na realidade e reorganizar as próprias concepções do que é real. O professor, como um orientador pedagógico, deve estar ciente desse novo fazer. Fazenda, em sua proposição, remete-nos a pensar qual é nosso papel no processo educacional. 

Sabemos, por exemplo, em termos de ensino, que os currículos organizados pelas disciplinas tradicionais conduzem o aluno apenas a um acúmulo de informações que de pouco ou nada valerão na sua vida profissional, principalmente porque o desenvolvimento tecnológico atual é de ordem tão variada que fica impossível processar-se com a velocidade adequada a esperada sistematização que a escola requer. (FAZENDA, 2013, p.19) 

Não há como retroceder, a escola contemporânea é fundamentalmente um espaço de comunicação e, de forma dialética, a ação educadora se faz num processo de ação comunicativa e integração entre alunos, professores e escola, em busca da compreensão da complexa realidade. 

Portanto, coletar e repassar informações que não agregam valor, se numa análise mais restrita, apresenta condição ineficiente, em uma visão global, percebe- se o quanto nossos alunos perdem oportunidade de novos conhecimentos e compreensão do todo e suas respectivas partes interligadas, ratificando, por conseguinte, a relevância da leitura literária nesse contexto. 

Esse trabalho de pesquisa procura expor, inclusive, a importância do cesso à literatura, poucos reconhecem tal assertiva como questão basilar nos cursos de gestão. É por meio da leitura literária, sob o olhar de Antonio Candido, que a liberdade de expressão e pensamento crítico torna-se objeto de construção na vida das pessoas. 

Notadamente, no mundo acadêmico, há pressupostos que os alunos de Administração tenham familiaridade com tais conceitos, atribuindo à leitura literária possibilidade de crescimento profissional e intelectual. Uma prática pedagógica fertilizada pela leitura literária contribui para que docentes e discentes tenham acesso a um direito extremamente impactante na vida das pessoas que é pouco tratado: o direito à literatura, tal como propõe Antonio Candido (2011, p.193): 

Portanto, a luta pelos direitos humanos abrange a luta por um estado de coisa em que todos possam ter acesso aos diferentes níveis da cultura. A distinção entre cultura popular e cultura erudita não deve servir para justificar e manter uma separação iníqua, como se do ponto de vista cultural a sociedade fosse dividida em esferas incomunicáveis, dando lugar a dois tipos incomunicáveis de fruidores. Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável. 

A literatura, como fenômeno de linguagem, desperta a curiosidade e a imaginação, proporciona novos olhares, novas perspectivas e possibilidades de compreensão dos fatos, abrindo caminho para mudanças. Um educador que se preocupa com a inserção da literatura na vida de seus alunos propiciará condições ao desenvolvimento humanizado da sociedade. Contudo, é evidente que essa dissertação não tem a pretensão de revolucionar as aulas de Administração, mas busca apresentar possibilidades, por meio da leitura literária, de criação de eixos temáticos e correlacionados para operacionalizar conteúdos de gestão e notadamente de Administração, ratificando não ser simples ferramenta de apoio, mas meio enriquecedor à disposição dos professores na prática pedagógica. 

Como esse artigo trata a priori da educação no nível superior, apresenta-se como desafio quando se infere a possibilidade de um trabalho interdisciplinar e de construção – ou de reconstrução – de um caminho ético e de respeito entre professores e alunos e de outro lado um basta ao saber bancário e conteudista, como afirma Edgar Morin através de sua obra A Religação dos Saberes – O desafio do século XXI – “[…] Os saberes são empilhados porque não são reunidos e ligados uns aos outros” (MORIN, 2013, p.270). Nota-se por meio da assertiva desse autor, se não houver quaisquer ligações entre os conhecimentos e respectivas áreas do saber, perdem-se, portanto, a oportunidade de criar debates em sala de aula sobre os diferentes campos epistemológicos que são disponibilizados aos alunos. Contudo, nesse cenário, o professor deve entender que o mesmo não figura como ator principal em sala de aula, mas, ao contrário, consciente de seu papel, promove uma relação de troca e diálogo que provoca nos alunos o desejo do amplo e crítico conhecimento, como exalta Paulo Freire (2015, p.115): 

Me parece demasiado óbvio que a educação de que precisamos, capaz de formar pessoas críticas, de raciocínio rápido, com sentido do risco, curiosas, indagadoras não pode ser a que exercita a memorização mecânica dos educandos. A que “treina”, em lugar de formar. Não pode ser a que “deposita” conteúdos na cabeça “vazia” dos educandos, mas a que, pelo contrário, os desafia a pensar certo. Por isso, é a que coloca ao educador ou educadora a tarefa de, ensinando conteúdos aos educandos, ensinar-lhes a pensar criticamente […]. 

Acerca dessa ação educacional transformadora que se configura como uma práxis, não há submissão das partes, pois o aluno deve ser visto e compreendido como um ser holístico, cujas experiências profissionais e de vida podem e devem contribuir tanto para colegas do grupo, como para o próprio professor. Trata-se de uma troca, que se bem trabalhada em suas nuances, transformará a aula em um processo dialético de construção do conhecimento interdisciplinar, partilhado, motivado e sustentado em premissas de respeito e de responsabilidade por uma educação humanizadora no seio da qual se refletirá a ética e notadamente a ligação dos diferentes saberes. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Ao tratar sobre essa temática nos espaços acadêmicos e, em especial, na sala de aula, cabe ao educador traçar roteiros de compreensão que abarquem não apenas os aspectos teórico-científicos, mas também aqueles que tocam pela sensibilidade e pela emoção. Nesse sentido, a literatura como forma de conhecimento e de arte tem muito a contribuir e certamente proporcionar aos alunos olhar para sua imaginação e espírito de transcender a ficção e o real, como nos esclarece Antonio Candido (2014, p.28): 

Como não há literatura sem fuga ao real, e tentativas de transcendê- lo pela imaginação, os escritores se sentiram freqüentemente tolhidos no vôo, prejudicados no exercício da fantasia pelo sentimento de missão, que acarretava a obrigação tácita de descrever a realidade imediata, ou exprimir determinados sentimentos de alcance geral. 

Diante do exposto por Candido, é relevante ressaltar que este artigo não trata, ressalta-se, de escolarizar o texto literário, mas trabalhá-lo a favor da ampliação do olhar, considerá-lo como lugar imaginário de criar pontes, não apenas entre áreas do conhecimento, mas entre os homens. 

É notório que a realidade do meio acadêmico e o dia a dia dos professores da graduação é extenuante, não sobra tempo para inovações ou criatividades pedagógicas, há docentes que atuam em três ou mais escolas e, dessa forma, enriquecer a prática pedagógica, por meio da literatura, apresenta caráter desafiador. Entende-se que, de fato, trabalhar a ligação de saberes entre a leitura literária, conforme o exposto nesse trabalho de pesquisa, mostra-se tarefa complexa e exige dedicação continuada e pautada em motivação constante junto aos discentes. 

Compreender e atuar nesse contexto implicará dos professores critérios rigorosos, proatividade, automotivação e convicção da importância do ato de ler, sobretudo o texto literário. 

Nesse panorama, cabe ao educador identificar qual caminho deve percorrer, qual olhar diferenciado à literatura irá possibilitar uma conduta humanizadora em sala de aula, pois ler amadurece nossa forma de pensar e se manifestar diante do outro. 

REFERÊNCIAS 

CANDIDO, Antonio. Vários Escritos. 5. ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2011. 

CHIAVENATO, Idalberto. Administração: Novos Tempos. 3.ed. Barueri: Manole, 2014. 

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (org.) Formação de Docentes Interdisciplinares. Curitiba: CRV, 2013. 

  _. O que é Interdisciplinaridade? 2 ed. São Paulo: Cortez, 2013. 

           _. Interdisciplinaridade: Pensar, pesquisar e intervir. São Paulo: Cortez, 2014. 

JAPIASSU, Hilton. Fórum Interdisciplinar Educação e Interdisciplinaridade: um convite ao diálogo. O sonho Transdisciplinar. Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL. 25 de abril de 2013. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=ZGQdSyO77t0 Acesso em: 8 abr. 2024.

MORIN, Edgar. A Religação dos Saberes: O desafio do século XXI. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. 

PADILHA, Valquíria (Org.). Capitalismo, modelos de gestão e assédio moral no trabalho. . Antimanual de Gestão: Desconstruindo os discursos do Management. São Paulo: Ideias & Letras, 2015. 

RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 96. ed. Rio de Janeiro: Record, 2014

RONCA, P.A.C. e TERZI, C.A. A prova operatória. São Paulo: Edesplan, 1995 


1 Mestre em Ciências Humanas