REGITRO DOI: 10.5281/zenodo.7545149
Késia Teófilo de Oliveira1
Resumo: O artigo tem como objetivo apresentar uma breve revisão de literatura e de algumas regulamentações sobre a temática, que contribuirá como subsídios para uma futura análise da percepção dos docentes de uma escola pública municipal de Aragarças-GO, quanto à inclusão de estudantes com deficiência e transtornos do espectro autista, em turmas regulares de ensino. Para tanto, foi realizado um breve histórico da educação especial no Brasil, destacando concisamente a perspectiva político-legal dessa modalidade de ensino, a fim de se compreender como os dispositivos legais e as políticas públicas brasileiras estruturam o movimento de inclusão educacional. Quanto aos procedimentos metodológicos, o presente artigo consiste em uma revisão bibliográfica que, segundo a concepção de Gil (2002) “é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Para tanto, buscamos fundamentos à problemática anunciada a partir de autores, como: Carvalho (2012), Mantoan (2004, 2006), Reis (2006, 2013), Reis et al (2017), Sisson (2009), entre outros. Os resultados evidenciam uma estrutura basilar sólida sustentando a Educação Especial na perspectiva inclusiva no Brasil, estruturada com documentos e dispositivos legais que refutam práticas sociais de exclusão e garantem o direito de todos a frequentarem os ambientes regulares de ensino. Contudo, esses documentos garantem a permanência das pessoas nas salas de aula, mas não garantem a inclusão. Esse movimento (inclusão) deve emanar das práticas inclusivas das pessoas que estruturam os recursos humanos da escola.
Palavras-chave: Perspectiva Político-Legal. Inclusão escolar. Educação Especial.
INTRODUÇÃO
Por muito tempo a Educação Especial foi organizada como um sistema paralelo de ensino. No final da década de 1980 iniciou-se, no mundo todo, um movimento com base no princípio de igualdade de oportunidades nos sistemas sociais, incluindo a escola; o que ocasionou o início das discussões sobre a valorização da diversidade e a criação de direitos aos alunos com deficiência que passaram frequentar o ensino regular. A modalidade de ensino da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva é uma realidade que vem se destacando nas últimas décadas e sendo inserida em outras modalidades de educação. Por meio das mudanças ocorridas no âmbito das políticas públicas educacionais, as pessoas com deficiência, que antes eram excluídas e viviam à margem da sociedade, passaram a ter visibilidade.
Mesmo com os avanços citados anteriormente, o tema inclusão tem causado insegurança nos educadores em geral e, desse modo, ainda existem aqueles que apresentam dificuldades em acolher um aluno inclusivo em sala de aula; outros demonstram resistência em cumprir os dispositivos legais que garantem os direitos dos educandos neuroatípicos. Desta forma, buscar entendimento para as problemáticas nas quais esses profissionais da educação se encontram é essencial para desenvolver os saberes pedagógicos necessários à efetivação da inclusão.
Esse trabalho é fruto de reflexões decorrentes de uma pesquisa em andamento, a partir de algumas de minhas inquietações enquanto Coordenadora da Educação Especial, na Perspectiva Inclusiva. Nessa tarefa, venho percebendo percalços recorrentes dos educadores em relação à sua atuação junto aos discentes da Educação Especial.
Quanto aos procedimentos metodológicos, esta pesquisa consiste em uma revisão bibliográfica que, segundo a concepção de Gil (2002) “é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Para tanto, buscamos fundamentos à problemática anunciada a partir de autores, como: Carvalho (2012), Mantoan (2004, 2006), Reis (2006, 2013), Reis et al (2017), Sisson (2009), entre outros.
Destarte, o objetivo deste trabalho é apresentar uma revisão da literatura sobre Educação Especial na perspectiva inclusiva, destacando uma breve perspectiva político-legal dessa modalidade de ensino no Brasil, a fim de se compreender como os dispositivos legais e as políticas públicas brasileiras estruturam o movimento de inclusão educacional.
Educação Especial Inclusiva: perspectiva político-legal
A observação dos marcos históricos da Educação Especial no Brasil evidencia que a Educação Especial partiu de uma perspectiva segregacionista das pessoas com deficiência, que antes viviam em instituições depositárias, e que, com o tempo passaram a ser integradas à sociedade. (CARVALHO, 2012).
O conceito de política pública, segundo Reis (2013, p. 60 – grifos da autora) refere-se aos “mecanismos orientadores de mudanças e que se constituem por jogos de interesses ao se materializarem como as “regras do jogo”, mas que, também, possuem uma dimensão constitutiva com capacidade para atender aos interesses sociais”. Em consonância com esta autora, Carvalho (2012) assevera que a instauração de políticas públicas decorre de demandas populares, dos grupos organizados (ou não) da sociedade e, de modo sistemático, são desenvolvidos como conjunto de ações e serviços, por coalizões políticas que carregam em si uma intencionalidade.
Com o advento da inclusão das pessoas com deficiências nas classes regulares, frequentemente ouve-se contestação dos docentes, dizendo-se despreparados para lidar com esse público (MANTOAN, 2004; SISSON, 2009). E, essa afirmação vinda desses profissionais já se configura em uma barreira à inclusão dos estudantes com deficiência. Porém, a resistência dos professores regentes não os desobrigam a atuar com esses alunos, visto que a legislação é clara quanto à garantia da matrícula desse público em classes do ensino regular.
Assim ocorre a inclusão, que, segundo o conceito de Mantoan (2006), não é um processo e sim uma ruptura drástica de padrões. É essencial que ocorra essa dissolução de paradigmas para que todos sejam atendidos em suas especificidades, sendo valorizados e incluídos na sala de aula regular. De tal modo, Reis (2006) complementa:
A inclusão propõe um único sistema educacional de qualidade para todos os alunos, com ou sem deficiência e com ou sem tipos de condição atípica. É a valorização do ser humano e aceitação das diferenças individuais como um atributo e não como um obstáculo e todas as pessoas devem ser incluídas, sem exceção, para que possam desenvolver-se e exercer plenamente sua cidadania (REIS, 2006, p.41, grifo da autora).
Tanto Mantoan (2003) quanto Reis (2006) são enfáticas quando afirmam que a inclusão se refere à valorização de todas as pessoas, sem distinção, independentemente de suas características individuais, sejam elas físicas, sensoriais, motoras, de ordem social ou psicológica. Esse exercício nos aproxima do que Morin (2000) chama de “ética da compreensão”. Sob esse entendimento a inclusão é uma arte de viver, aprender e experienciar em conjunto de forma desinteressada, sem esperar que haja reciprocidade. Desse modo, a inclusão escolar não alcança somente os estudantes neuroatípicos, ela é fundamentada no princípio da diversidade e deve ser garantida a todos os indivíduos.
A Declaração de Salamanca foi fruto de anseios de pessoas que defendiam a necessidade de se debater uma forma mais humana e inclusiva de tratamento às pessoas com deficiência, com a finalidade de se refutar as práticas sociais de exclusão. Um princípio basilar da Declaração de Salamanca é o da flexibilidade (UNESCO, 1994). Por isso o currículo escolar deve ser entendido não como meta em si, mas sim como um porvir de experiências necessárias ao desenvolvimento humano e emancipação do indivíduo. Consequentemente, as práticas pedagógicas devem ser igualmente flexíveis, ao ponto de proporcionar a aprendizagem em conjunto de todos os alunos independente das disparidades existente entre eles.
Sob ponto de vista legal, a Constituição Federal do Brasil assegura que a educação dos alunos com deficiências deve ocorrer de forma preferencial na rede regular de ensino (SISSON, 2009). Observa-se que não há restrição à complementariedade ou suplementação pedagógica, mas sim o incentivo a inclusão. Outras normas infraconstitucionais podem ser elencadas e reforçam a concepção de inclusão, entre eles destacam-se: o Estatuto da Criança e Adolescente, Lei nº 8.609 de 13 julho 1990, em especial o Art. 55, que obriga os pais e responsáveis a matricular os filhos na rede regular de ensino; e, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146 de 6 de julho de 2015, que se destina a assegurar condições de igualdade para inclusão social das pessoas com deficiência.
O professor, sem dúvida, assume um papel singular nesse processo, pois ele deverá, por meio se sua prática pedagógica, reconhecer e valorizar a diversidade humana, propor e executar mudanças das práticas ditas tradicionais e conteudistas, partindo para um fazer pedagógico crítico e reflexivo (REIS et al., 2017).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em seu Art. 59, cita dois perfis de professores que deverão ser formados para atuar com alunos neuroatípicos. O docente de classe comum e o professor especializado em Educação Especial (BRASIL, 1996). Em relação ao primeiro perfil, conforme preconiza o dispositivo legal, deve comprovar que em sua formação foram abordadas temáticas ou disciplinas sobre Educação Especial de modo que esteja apto a desenvolver competências para: perceber as necessidades educativas especiais dos alunos; flexibilizar sua prática pedagógica; avaliar a eficácia do processo educativo; e atuar em conjunto com o professor especializado em Educação Especial (BRASIL,1996).
Há instituições de ensino superior que mesmo formando licenciados com vastos conhecimentos, ainda deixam lacunas referente ao tema inclusão. Muitas vezes, essa lacuna é percebida pelo graduado apenas no momento em que este precisa atuar com educandos atípicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo nos permitiu vislumbrar uma breve perspectiva político-legal da Educação Especial no Brasil e evidenciar que todos os documentos e dispositivos legais, ora analisados, refutam as práticas sociais de exclusão e garantem o direito à diversidade e à educação de qualidade para todos, em turmas regulares. Foi possível perceber uma estrutura basilar sólida sustentando a Educação Especial na perspectiva inclusiva no Brasil, contudo, as leis por si só, não garantem a inclusão dos estudantes da Educação Especial, garantem, sim, a permanência destes em classes regulares. Ao mesmo tempo em que as políticas públicas asseguram a matrícula das pessoas que experimentam diferentes condições cognitivas, motoras e sensoriais (em razão de algum tipo de déficit), em escolas comuns, deveria também investir em recursos humanos. São as pessoas inseridas no ambiente escolar que podem, de fato, fazer a inclusão acontecer. Mesmo sabendo das limitações dos docentes, no que tange à formação complementar para atuar na inclusão, asseveramos que o pouco preparo ou a inexistência do aspecto formativo desses profissionais não deve servir de pretexto para a não aceitação dos alunos da Educação Especial em suas classes regulares. Destarte, enfatizamos que a docência vai além de conhecimentos teóricos, ela implica atitudes de cunho afetivo, de valorização do outro e de ética. Isso vai além da formação acadêmica, tendo em vista que se refere à formação humana.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em: 22 jun. 2022.
BRASIL. MEC. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Dispõe sobre a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 22 jun. 2022.
CARVALHO, Rosita Edler. Educação Inclusiva: reorganização do trabalho pedagógico. 6ª Edição. Mediação. Petrópolis, 2012. p.41-51.
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MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Caminhos pedagógicos da educação inclusiva escolar. In: Caminhos pedagógicos da educação especial. GAIO, Roberta e MENEGHETTI, Rosa. G. Krob. (Orgs.) Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer? São Paulo: Moderna, 2006.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. Brasília: UNESCO, 2000.
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REIS, Marlene Barbosa de Freitas. Política Pública, Diversidade e Formação Docente: uma interface possível. 2013. 279f. Tese (Doutorado em Ciências, em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento) – Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro-RJ, 2013.
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UNESCO. Declaração de Salamanca sobre princípios, políticas e práticas na área de necessidades educativas especiais. Salamanca: UNESCO, 1994.
1Graduação em Pedagogia pelas Faculdades Unidas do Vale do Araguaia- UNIVAR/Especialização em Atendimento Educacional Especializado, pela Faculdade Afirmativo/ Mestranda do PPG Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias da Universidade Estadual de Goiás