PERFIL DE INTOXICAÇÕES EXÓGENAS POR ACIDENTES COM ANIMAIS NA REGIÃO ADMINISTRATIVA DE CAMPINAS NO ANO DE 2022

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202408281955


João Victor Santos Gomes1; Ana Luiza de Matos Paiva2; Bernardo Acácio Daibes3; Bernardo Pinto Entringe4; Enrico Belmonte5; Laura Camila Oliveira Barreto6; Priscilla Calleia Carneiro Vaz7


Resumo

As intoxicações exógenas são definidas pelo Ministério da Saúde como sinais ou sintomas clínicos, ou alterações laboratoriais provavelmente compatíveis de intoxicações por determinadas substâncias químicas. Nesse contexto, por meio do SINAN, as intoxicações exógenas, incluindo a intoxicação relacionada a acidentes com animais, são agravos de notificação compulsória devido aos riscos que oferecem à saúde pública. Assim, este trabalho trata-se de um estudo observacional, descritivo e documental, em que os dados secundários utilizados foram obtidos no relatório anual do CIATox-Campinas 2022, disponíveis abertamente na internet. Nesse contexto, como resultados notou-se que as intoxicações por acidentes com animais foram o segundo subtipo mais prevalente no ano, ficando atrás apenas das intoxicações por medicamentos, ainda, notou-se que a maioria dos casos notificados envolveram intoxicações acidentes ou relacionadas a atividade laboral, expondo uma relação desse subtipo de intoxicação com questões relacionadas a saúde do trabalhador. Adicionalmente, notou-se que os acidentes envolvendo escorpiões foram maioria escorpiões e representaram 39,6% dos casos, seguidos por acidentes com Aranhas 21,5%, lepidópteros 12,5%, serpentes 8,2% e himenópteros 1,3%. Não obstante, notou-se que, embora os grupos de animais envolvidos fossem bem identificados, a identificação da espécie envolvida nem sempre foi possível, sendo que, na maioria dos casos notificados no ano, não foi possível identificar a espécie. 

Palavras-chave: Acidentes ofídicos; Animais peçonhentos; Intoxicação; Toxinas.

1. INTRODUÇÃO

As intoxicações exógenas por acidentes com animais peçonhentos representam um significativo problema de saúde pública no Brasil, particularmente no estado de São Paulo, onde a diversidade de fauna peçonhenta, como serpentes, aranhas e escorpiões, é vasta. Estes acidentes são responsáveis por uma considerável morbimortalidade, especialmente em regiões rurais, onde o acesso a cuidados médicos de emergência pode ser limitado.

No Brasil, o Ministério da Saúde monitora os casos de envenenamentos por animais peçonhentos através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Dados recentes indicam uma crescente incidência desses casos, com destaque para as regiões Sudeste e Nordeste do país. Em São Paulo, os acidentes com escorpiões têm apresentado um aumento expressivo, refletindo uma adaptação desses animais ao ambiente urbano, o que agrava o risco de acidentes em áreas densamente povoadas.

As condições climáticas e a modificação do habitat natural, muitas vezes associadas ao desmatamento e à urbanização, contribuem para a dispersão e proliferação desses animais, elevando o risco de encontros acidentais com a população humana. Além disso, a falta de informação e medidas preventivas adequadas também são fatores determinantes para o aumento dos casos de envenenamento.

Este estudo visa analisar a prevalência das intoxicações exógenas por animais peçonhentos na região de Campinas no estado de São Paulo, om isso em mente, percebe-se que as intoxicações exógenas por acidentes com animais, constitui-se com como uma relevante problemática de saúde pública, sendo causa direta de sequelas e óbitos gerando custos de saúde, previdenciários e outros, o que se justifica a importância da realização dessa pesquisa. 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), registra-se anualmente uma média de 1,5 a 3,0% dos óbitos da população mundial relacionados a intoxicações exógenas, dos quais, mais de 80% acontecem em países de baixa e média renda, como o Brasil (BRASIL, 2021). Nesse contexto, no cenário de intoxicações exógenas, temos um destaque para as intoxicações devido a medicamentos, o subtipo de intoxicação mais prevalente no Brasil na última década e para intoxicações por acidentes com animais, o segundo subtipo de intoxicações mais prevalente no Brasil. Segundo dados notificados no SINAN (Sistema de informação de agravos e notificação), no intervalo de tempo entre os anos de 2013–2023, foram registradas um total de 2.606.656 envolvendo animais peçonhentos, dos quais mais de 50% (1.496.9110) foram relacionados a escorpiões, tendo um total de 3390 óbitos por intoxicações com animais no período (MINISTÉRIO DA SAÚDE-SINAN NET, 2024).

O Ministério da saúde do Brasil define de modo distinto os termos “Animais peçonhentos” e “Animais venenoso”, sendo estes os animais que usam as toxinas produzidas para se defender contra predadores e aqueles os animais que usam as toxinas produzidas para injetá-las ou em presas ou em predadores para se defender. O Sistema de Notificação Nacional depende desta distinção para correta notificação dos acidentes. Nesse sentido, ainda, o ministério da Saúde Considera algumas espécies de animais peçonhentos como de interesse pra saúde pública nacional, uma vez que estes têm capacidade elevada de se proliferar em meio a urbanização e tem potencial de causar acidentes de alta magnitude e evolução clínica desfavorável (BRASIL, 2023). 

Assim, destaca-se que, no Brasil, as seguintes espécies são consideradas de interesse na saúde pública, como as serpentes, relacionadas por acidentes denominados ofídicos, dos gêneros Bothrops, Bothrocophias, Crotalus, Lachesis, Micrurus e Leptomicrurus, as espécies de escorpião Tityus e as aranhas dos gêneros Loxosceles, Phoneutria e Latrodectus, abelhas do gênero Apis e lagartas do gênero Lonomia (BRASIL, 2023).

3. METODOLOGIA 

Trata-se de um estudo observacional, documental e descritivo, assim sendo, as informações e dados coletados para serem utilizados nos resultados de pesquisa foram obtidos por meio de informações públicas em bases de dados do CIATox (Centro de informação e assistência toxicológica de Campinas), disponível em acesso aberto, digitalmente. Os dados secundários aqui admitidos estão disponíveis nos relatórios de atendimento do ano de 2022 CIATox- Campinas. Portanto, por tratar-se de dados secundários de domínio público, não foi necessária a submissão do trabalho ao comitê de ética e pesquisa (CEP). Os critérios de inclusão foram, a saber, arquivos de domínio público, disponíveis digitalmente, dados referentes ao ano de 2022 e a região administrativa de Campinas-SP, fornecidos pelo CIATox-Campinas, em língua portuguesa e que incluíssem tanto o tema intoxicação exógena quanto o subtema intoxicações animais peçonhentos e não peçonhentos. Foram excluídos da pesquisa documentos em outros idiomas ou que oferecessem dados apenas sobre intoxicações de forma isolada, sem específicas os animais e espécies envolvidas. Ainda, para definição das palavras-chave de pesquisa, foi utilizada como referência a plataforma DeCS/MeSH, utilizando-se os termos de pesquisa “Intoxicação” e “animais peçonhentos”, na pesquisa que englobasse qualquer termo para encontrar os descritores desejados.  

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 

Os resultados a seguir dizem respeito à região administrativa de campinas (RAC), formada por 90 municípios do estado de São Paulo–SP e uma população aproximada de 7 milhões de habitantes. Entretanto, vale ressaltar que a maioria da amostra diz respeito aos municípios da região metropolitana de Campinas (20 municípios) e à população de aproximadamente 3,2 milhões de habitantes. Os dados aqui informados foram coletados por meio da notificação em tempo real no DATATOX — administrado pela ABRACIT (Associação Brasileira dos centros de informação e assistência toxicológica e toxicologistas clínicos). 

O Relatório anual de atendimento do CIATox campinas dispõe sobre o panorama anual de exposições humanas tóxicas a várias substâncias, a saber, Medicamentos, Animais peçonhentos e não peçonhentos, produtos químicos de uso domiciliar e industrial, agrotóxicos, raticidas, plantas e fungos, produtos químicos de uso veterinário e metais. No ano de 2022, referente à população atendida pelo CIATox-Campinas, foram notificados 7.701 casos de intoxicações exógenas, dos quais 1561 (20%) foram referentes a intoxicações por animais peçonhentos e não peçonhentos. Os 5 animais mais frequentes em intoxicações no ano de 2022 foram, em ordem decrescente, Escorpiões, Aranhas, Lepidópteros (lagartas), Serpentes e Himenópteros (vespas, abelhas e formigas). 

Nesse contexto, tem-se que, dentre as intoxicações por animais peçonhentos e não peçonhentos as intoxicações relacionadas a escorpiões representaram 39,6%, Aranhas 21,5%, lepidópteros 12,5%, serpentes 8,2% e himenópteros 1,3%, ressalta-se aqui que acidentes envolvendo animais não peçonhentos foram 15,2% (segundo subtipo mais prevalente no ano). No que diz respeito às espécies mais frequentes nos episódios notificados no ano, temos Escorpião amarelo (Tityus serrulatus), Megalopigídeos (taturana-cachorrinho), Aranha armadeira (Phoneutria spp.) e as Serpentes Bothrops spp. (jararaca, cruzeira, etc.), identificadas, respectivamente, em 155, 122, 69 e 65 episódios, somando, juntos, 411 episódios (26% de um total de 1561). Não obstante, ressalta-se que na maioria dos episódios notificados, em todos os grupos de animais envolvidos, com exceção dos lepidópteros e serpentes, os ataques com espécies não identificadas foram maioria, somados foram 793 notificações (50,8% do número total) onde a espécie envolvida não foi identificada, sendo que, destas, 438 foram espécies não identificadas de escorpiões. 

Ademais, no que diz respeito ao tratamento das exposições envolvendo animais, foram administrados soro antiveneno em 142 episódios, ou seja, aproximadamente 10% dos episódios demandaram o uso do soro. Assim, os Soros anti botrópicos (50 administrações), antiescorpiônico (40 administrações) e anticrotálico (17 administrações) foram os mais empregados na terapêutica dos pacientes. Adicionalmente, no que diz respeito aos acidentes ofídicos (envolvendo serpentes), nota-se que o soro foi administrado num total de 74 vezes, o que representa que em mais de 57% dos acidentes desse tipo, que foram notificados no ano, o paciente foi tratado com antidoto específico.

Outrossim, no que tange os desfechos envolvendo as intoxicações com animais, nota-se que 36 desfechos foram notificados como grave e 2 desfechos fatais (óbito) foram notificados no ano. Assim, tem-se que pouco mais de 2% dos casos foram graves ou fatais, com taxa de letalidade de 0,12% no ano. Adicionalmente, referindo-se ao perfil de exposição que levou ao incidente, não houve notificação de casos em que a exposição ao animal causador tenha sido intencional, houve 1295 episódios acidentais e 13 episódios relacionados à atividade laboral. 

Com isso posto, destaca-se inicialmente uma grande vantagem do sistema CIATox-Campinas quando comparado com o SINAN, uma vez que, no relatório anual do CIATox, as exposições tóxicas a animais são individualizadas e citadas nominalmente por grupo de animais e espécies, enquanto no SINAN os agentes envolvidos são citados apenas como grupos, a título de exemplo, “Medicamentos”, “Agrotóxicos”, “Animais peçonhentos” e outros, não individualizando as espécies, grupos de animais etc. Por fim, nota-se que a intoxicação por acidentes com animais ainda pode ser considerada um importante agravo de saúde pública e, devido ao fato de os quadros terem apresentado alta correlação com acidentes envolvendo atividade laboral, é importante pensar no impacto potencial na saúde do trabalhador, principalmente em zonas de maior prevalência. 

5. CONCLUSÃO

Tendo em vista os dados expostos, nota-se que os dados obtidos na região de campinas seguem a mesma tendência do cenário nacional descrita pelo SINAN, já que as intoxicações por acidentes com animais ainda são o segundo subtipo mais prevalente, ainda permanecendo atrás da intoxicação por medicamentos, ainda, o fato da maior parte dos casos estares relacionados a exposições acidentais e envolvendo atividade laboral corroboram o cenário encontrado em âmbito nacional. Outrossim, é uma verdade que a minoria das espécies envolvidas nos casos de intoxicações foi identificada, o que acaba se apresentando como um fator que pode, possivelmente, colaborar com a subnotificação de outras espécies envolvidas. 

Adicionalmente, no que se refere às espécies mais prevalentes nos acidentes escorpiônicos e ofídicos, em campinas os acidentes seguiram o mesmo padrão de prevalência do cenário nacional, mas é válido compreender que o padrão encontrado na região administrativa de Campinas pode não refletir a realidade epidemiológica de algumas regiões especificas do país, uma vez que nesse tipo de intoxicação, fatores como relevo, clima, flora e fauna local tem o potencial de influenciar na epidemiologia. 

Por fim, os dados obtidos no ano de 2022 na RAC corroboram, a nível municipal e estadual a existência de um cenário de emergência de saúde coletiva relacionado a intoxicações em acidentes com animais, o que é de grande preponderância nacional e internacional, sobretudo no que se refere em sua associação com a atividade laboral, tendo uma interface significativa com questões que envolvem saúde do trabalhador. Assim, os resultados encontrados no estudo podem ser úteis na tomada de decisão clínica, principalmente por profissionais de saúde que atuam na assistência médica dos serviços de urgência e emergência no Brasil, já que os quadros de intoxicação exógena têm alta incidência e prevalência no país. Portanto, sobretudo no que diz respeito a intoxicações em acidentes com animais, ter ciência do epidemiológico das espécies mais prevalentes ao nível regional e quais mais relacionadas com desfechos fatais, permite aos profissionais de saúde atuantes nos departamentos de emergência do Brasil, frente a quadros de intoxicações, pensar num possível padrão epidemiológico regional, além de conhecer a existência de intoxicação relacionadas também a animais não peçonhentos, permitindo aos profissionais uma busca e identificação mais rápida de condutas e terapias que abordem pacientes nesse contexto. 

REFERÊNCIAS

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 1 2 3 4 5 6 7Discentes do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário de Valença (UNIFAA) – Campus Valença – RJ