PERFIL CLÍNICO E EPIDEMIOLÓGICO DAS INTERNAÇÕES PEDIÁTRICAS DEVIDO A MENINGITE DO ESTADO DO MARANHÃO, 2015 e 2024

CLINICAL AND EPIDEMIOLOGICAL PROFILE OF PEDIATRIC ADMISSIONS DUE TO MENINGITIS IN THE STATE OF MARANHÃO, 2015 AND 2024

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202508171828


Leandro Carvalho Moura Fé1
José Francisco das Chagas Magalhães Avelar2


RESUMO

A meningite é uma inflamação que afeta as membranas que revestem o cérebro, conhecidas como meninges. Nas crianças, as formas bacterianas representam as manifestações mais graves da doença, associadas a elevada letalidade. Desta forma, objetiva-se analisar o perfil clínico e epidemiológico da meningite no estado do Maranhão entre 2015 e 2024. Tratou-se de um estudo epidemiológico, documental, quantitativo, de base populacional, com delineamento descritivo e retrospectivo, na faixa etária de menores de um ano a 14 anos de idade. Os resultados revelaram que o ano de 2023 obteve maior número de casos, com 102 notificações (16,2%). A reta de tendência linear ajustada (y = 0,0182x + 62,8) apresenta coeficiente angular praticamente nulo, demonstrando que o modelo linear explica menos de 0,001%. O perfil predominante foi de crianças especialmente na faixa etária de menores de 1 ano, com 241 casos (38,3%), seguido daquelas com 1 a 4 anos de idade, com 142 casos (22,5%), predomínio de casos no sexo masculino com 365 casos (58%), que se autodeclaração como parda, com 511 notificações (81,2%). A análise da evolução dos casos mostra que a maioria dos pacientes obteve alta hospitalar, com 456 casos (72,5%) embora os óbitos por meningite tenham se mantido presentes em todos os anos, representando 127 casos (20,1%). Por fim, quanto aos critérios de confirmação diagnóstica, prevaleceram os métodos clínico e quimiocitológico, com 286(45,4%) e 220(34,9%). Em relação ao sexo, não foi observada associação estatisticamente significativa entre a variável e a macrorregião (p = 0,9546). Em números absolutos, no entanto, a macrorregião Norte concentrou a maioria das notificações, tanto do sexo masculino (n = 271/58%) quanto feminino (n = 200/42%), refletindo possivelmente a maior densidade populacional, maior capacidade instalada de serviços de saúde ou melhor estrutura de notificação nessa região. Quanto à faixa etária, observou-se associação estatisticamente significativa com a macrorregião (p = 0,0037). Destaca-se novamente a macrorregião Norte, com predominância expressiva de casos em crianças menores de 1 ano (n = 212/45%), seguida pelas faixas de 1 a 4 anos (n = 95/20%). O estudo revela um aumento nos casos de meningite no Maranhão, especialmente em crianças menores de 1 ano, destacando a necessidade de melhorias na prevenção e no diagnóstico da doença na região.

Palavras-chave: Meningite. Perfil. Crianças.

ABSTRACT

Meningitis is an inflammation that affects the membranes covering the brain, known as the meninges. In children, bacterial forms represent the most severe manifestations of the disease, associated with high mortality. Therefore, the objective is to analyze the clinical andepidemiological profile of meningitis in the state of Maranhão between 2015 and 2024. This was an epidemiological, documentary, quantitative, population-based study with a descriptive and retrospective design, targeting children aged between one and 14 years. The results revealed that 2023 had the highest number of cases, with 102 reports (16.2%). The adjusted linear trend line (y=0.0182x+62.8) has a slope of practically zero, demonstrating that the linear model explains less than 0.001%. The predominant profile was of children, especially in the age group under 1 year, with 241 cases (38.3%), followed by those aged 1 to 4 years, with 142 cases (22.5%), predominantly male cases with 365 cases (58%), who self-declared as brown, with 511 notifications (81.2%). The analysis of the evolution of cases shows that most patients were discharged from the hospital, with 456 cases (72.5%), although deaths due to meningitis remained present in all years, representing 127 cases (20.1%). Finally, regarding the diagnostic confirmation criteria, the clinical and chemocytological methods prevailed, with 286 (45.4%) and 220 (34.9%). Regarding sex, no statistically significant association was observed between the variable and the macroregion (p = 0.9546). In absolute numbers, however, the North macroregion concentrated the majority of notifications, both among males (n = 271/58%) and females (n = 200/42%), possibly reflecting the higher population density, greater installed health service capacity, or better reporting structure in this region. Regarding age group, a statistically significant association with the macroregion was observed (p = 0.0037). The North macroregion stands out again, with a significant predominance of cases in children under 1 year of age (n = 212/45%), followed by those aged 1 to 4 years (n = 95/20%). The study reveals an increase in meningitis cases in Maranhão, especially in children under 1 year of age, highlighting the need for improvements in disease prevention and diagnosis in the region.

Keywords: Meningitis. Profile. Children.

INTRODUÇÃO

A meningite é uma inflamação que afeta as membranas que revestem o cérebro, conhecidas como meninges. Essa condição pode ser provocada por agentes infecciosos, como vírus, bactérias e fungos, ou ainda por causas não infecciosas, como tumores e substâncias químicas (Nascimento et al., 2023).

Nas crianças, as formas bacterianas representam as manifestações mais graves da doença, associadas a elevada letalidade. A prevalência dos agentes etiológicos varia conforme a faixa etária: Streptococcus pneumoniae predomina em menores de cinco anos, enquanto Neisseria meningitidis é mais frequente em crianças maiores, adolescentes e jovens adultos. A meningite viral, por sua vez, é a forma mais comum na infância, geralmente apresentando quadro leve e baixa mortalidade, com destaque para enterovírus, herpesvírus e arbovírus (Figueiredo et al., 2021).

Apesar da diminuição global nos casos e óbitos, a meningite mantém-se relevante na infância, com aproximadamente 1,33 milhão de casos e 112 mil mortes em menores de cinco anos registrados em 2021. No Brasil, entre 2018 e 2023, foram notificados 34.775 casos e 1.727 óbitos em crianças e adolescentes até 19 anos, com maior incidência até os quatro anos de idade. No Maranhão, no período de 2020 a 2024, ocorreram 273 casos em crianças até nove anos, apresentando letalidade de 15%, predominando em lactentes (Sociedade de Pediatria de São Paulo, 2024; Bandeira et al., 2024; Li et al., 2025).

Os principais fatores de risco incluem condições precárias dos sistemas de saúde em países em desenvolvimento, dificuldades no diagnóstico precoce devido à semelhança dos sintomas com outras doenças, variações climáticas que influenciam a prevalência viral e bacteriana, alterações anatômicas, infecções próximas ao sistema nervoso central e, especialmente, a vulnerabilidade das crianças decorrente da imaturidade imunológica e neurológica (Prado et al., 2025).

Clinicamente, a meningite em bebês e crianças costuma apresentar um quadro semelhante, independentemente da causa, caracterizado por sintomas como cefaleia, fotofobia, febre, rigidez de nuca, mialgia e fadiga, cuja intensidade varia conforme a idade (Guimarães et al., 2022). O diagnóstico inicia-se pela avaliação clínica e exame físico, sendo confirmado por exames complementares, principalmente a análise do líquor, por meio de punção lombar. Dentre os métodos diagnósticos destacam-se cultura, coloração de Gram, teste do látex, contraimunoeletroforese, isolamento viral e PCR (Silva et al., 2024).

O tratamento deve ser iniciado imediatamente após o diagnóstico, com antibióticos adequados à faixa etária, a fim de evitar resistência microbiana. É igualmente importante o controle da resposta inflamatória, que pode levar a sequelas neurológicas em 10 a 20% dos casos. A dexametasona é amplamente utilizada por sua eficácia em reduzir a inflamação, estabilizar a barreira hematoencefálica e diminuir complicações e mortalidade (Andrade; Andrade; Leite, 2024).

Diante da relevância da meningite como causa significativa de morbimortalidade pediátrica no Maranhão, torna-se necessário investigar o perfil clínico e epidemiológico das internações pediátricas decorrentes dessa doença no período de 2015 a 2024. Conhecer essas características é fundamental para aprimorar estratégias de prevenção, diagnóstico, tratamento e políticas públicas, além de identificar lacunas nos serviços de saúde e melhorar a assistência, reduzindo complicações em crianças.

Portanto, o objetivo geral desta pesquisa foi analisar o perfil clínico e epidemiológico da meningite no estado do Maranhão entre 2015 e 2024. Especificamente, buscou-se investigar a distribuição temporal dos casos, os principais agentes etiológicos, o perfil demográfico dos pacientes, os desfechos clínicos (tempo de internação, complicações e óbitos) e os fatores de risco associados.

METODOLOGIA

Tratou-se de um estudo epidemiológico, documental, quantitativo, de base populacional, com delineamento descritivo e retrospectivo, cujo objetivo foi caracterizar o perfil clínico e epidemiológico das internações pediátricas decorrentes de meningite no estado do Maranhão, no período de 2015 a 2024. De acordo com as Resoluções nº 466/12 e nº 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), esta pesquisa não exigiu a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), por utilizar exclusivamente dados secundários de acesso público, sem identificação direta dos sujeitos. Ressalta-se que todos os princípios éticos e legais inerentes à pesquisa científica foram devidamente observados.

Os dados referentes foram obtidos por meio do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), acessível em http://www.datasus.gov.br, especificamente no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Foram incluídas no estudo os casos de meningite, na faixa etária de menores de um ano a 14 anos de idade, de ambos os sexos. Excluíram-se registros com causas não relacionadas à meningite ou que apresentavam inconsistências nos dados.

As variáveis analisadas incluíram: ano da internação, faixa etária, sexo, cor/raça, município de residência, etiologia da meningite (quando disponível). Os dados extraídos foram organizados e tabulados em planilhas eletrônicas no software Microsoft Excel 2020. A análise estatística consistiu em procedimentos descritivos, com apresentação dos resultados em valores absolutos, percentuais e séries temporais. Para facilitar a compreensão e interpretação, os achados foram apresentados em tabelas e gráficos.

As populações de referência por faixa etária e ano foram obtidas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da plataforma do DATASUS, considerando as estimativas populacionais pediátricas do Maranhão entre 2015 e 2024.

Adicionalmente, foi realizada uma abordagem estatística inferencial para avaliar possíveis associações entre o perfil social dos pacientes (sexo e faixa etária) e as diferentes macrorregiões do estado (Sul, Norte e Leste). Para isso, aplicou-se o teste do qui-quadrado de Pearson (χ²), com nível de significância de 5% (p < 0,05), a fim de verificar a existência de dependência estatística entre as variáveis categóricas analisadas.

Além disso, para análise da série temporal do número de internações anuais, foi ajustado um modelo de regressão linear simples, com o objetivo de verificar a existência de tendência ao longo do tempo. O modelo foi representado pela equação y = 0,0182x + 62,8, cujo coeficiente de determinação (R² = 6 × 10⁻⁶) indicou ausência de correlação linear significativa entre o ano e o número de internações, sugerindo comportamento oscilante e multifatorial dos dados. Todas as análises foram realizadas nos softwares Microsoft Excel 2016 e IBM SPSS Statistics (versão 26), assegurando organização e fidedignidade dos resultados obtidos.

RESULTADOS

No período de 2015 a 2024 foram registrados 629 casos de meningite no Estado do Maranhão, na faixa etária de menores de um ano até 14 anos de idade. O gráfico 1 mostra a evolução desses casos segundo o ano de ocorrência.

Gráfico 01- Evolução das notificações por meningite na população pediátrica no estado do Maranhão, no período de 2015 a 2024. (n=629)

Fonte: DATASUS-SINAN

O gráfico 01 apresenta a evolução das internações pediátricas decorrentes de meningite no estado do Maranhão entre 2015 e 2024, revelando comportamento oscilante ao longo do período que não se ajusta a um padrão linear significativo. Entre 2015 e 2019, as notificações mantiveram-se relativamente estáveis, variando entre 58 e 69 casos anuais, sugerindo manutenção dos padrões epidemiológicos nesse intervalo. Em 2020, ocorreu queda abrupta para 35 internações. A partir de 2021, houve retomada e aceleração no número de casos, culminando em 102 internações em 2023, o maior valor registrado. Todavia, em 2024 verifica‑se nova redução para 23 casos, indicando potencial impacto de intervenções preventivas, melhorias no controle epidemiológico ou mesmo subnotificação. Observa-se ainda que o ano de 2023 obteve maior número de casos, com 102 notificações (16,2%). A reta de tendência linear ajustada (y = 0,0182x + 62,8) apresenta coeficiente angular praticamente nulo e R² = 6 × 10⁻⁶, demonstrando que o modelo linear explica menos de 0,001% da variabilidade observada, o que reforça a inadequação de uma abordagem unicamente linear para esses dados.

A Tabela 01 apresenta a caracterização do perfil clínico e epidemiológico das internações pediátricas por meningite no estado do Maranhão entre 2015 e 2024.

Tabela 01-Caracterização do perfil epidemiológico dos casos de meningite na população pediátrica no estado do Maranhão, no período de 2015 a 2024. (n=629)

Fonte: DATASUS-SINAN

A faixa etária mais acometida foi a de menores de 1 ano, com 241 casos (38,3%), seguido daquelas com 1 a 4 anos de idade, com 142 casos (22,5%), com destaque para os anos de 2023 (47 casos) e 2021 (42 casos), evidenciando maior vulnerabilidade nessa idade. Quanto ao sexo, há discreto predomínio de internações no sexo masculino ao longo do período, com 365 casos (58%). Em relação à raça/cor, predominou a autodeclaração como parda, concentrando a maior parte dos registros anualmente, refletindo a composição demográfica da população local, com 511 notificações (81,2%). O perfil educacional evidencia que a maioria das crianças se enquadra na categoria “não se aplica”, por estarem em idade pré-escolar, e entre aquelas com escolaridade aplicável, predomina o ensino fundamental incompleto. 

Tabela 02-Caracterização do perfil clínico dos casos de meningite na população pediátrica no estado do Maranhão, no período de 2015 a 2024. (n=629)

Fonte: DATASUS-SINAN
Legenda: MCC=Meningite Cerebral Crônica; MM= Meningite Meningocócica; MM+MCC=Meningite Meningocócica + Meningite Cerebral Crônica; MTBC=Meningite Tuberculosa; MB=Meningite Bacteriana;  MNE=Meningite Não Específica; MV= Meningite Viral;  MOE=Meningite de Origem Externa; MH=Meningite Hipóxica; MP=Meningite Piógena

No que se refere à etiologia, a meningite por Neisseria (MNE) apresentou-se como a mais frequente em todos os anos, com 329 casos (52,3%), seguida por meningite viral (MV), com 131 casos (20,8%) e meningite bacteriana (MB), com 77 notificações (12,2%) com aumento expressivo dessas últimas entre 2021 e 2023.

A tabela 3 mostra a evolução e os critérios de confirmação dos casos de meningite na população pediátrica.

Tabela 03-Evolução e critérios de confirmação diagnóstica dos casos de meningite na população pediátrica no estado do Maranhão, no período de 2015 a 2024. (n=629)

Fonte: DATASUS-SINAN

A análise da evolução dos casos mostra que a maioria dos pacientes obteve alta hospitalar, com 456 casos (72,5%) embora os óbitos por meningite tenham se mantido presentes em todos os anos, representando 127 casos (20,1%), com destaque negativo para os anos de 2016, 2019 e 2023 (com 20, 16 e 16 óbitos cada). Por fim, quanto aos critérios de confirmação diagnóstica, prevaleceram os métodos clínico e quimiocitológico, com 286(45,4%) e 220(34,9%), respectivamente que juntos responderam pela maioria dos casos diagnosticados, demonstrando a importância da integração de métodos laboratoriais e clínicos para a confirmação da doença, conforme mostra a tabela 3

A Tabela 04 apresenta a análise de associação entre o perfil social (sexo e faixa etária) e a distribuição geográfica das internações pediátricas por meningite nas macrorregiões de saúde do estado do Maranhão (Sul, Norte e Leste) no período de 2015 a 2024.

Tabela 04- Análise de associação entre o perfil epidemiológico e as regiões das macrorregiões dos casos de meningite na população pediátrica no estado do Maranhão, no período de 2015 a 2024.

Fonte: DATASUS-SINAN

Em relação ao sexo, não foi observada associação estatisticamente significativa entre a variável e a macrorregião (p = 0,9546), indicando que a proporção de casos entre meninos e meninas manteve-se relativamente estável nas diferentes regiões. Em números absolutos, no entanto, a macrorregião Norte concentrou a maioria das notificações, tanto do sexo masculino (n = 271/58%) quanto feminino (n = 200/42%), refletindo possivelmente a maior densidade populacional, maior capacidade instalada de serviços de saúde ou melhor estrutura de notificação nessa região.

Quanto à faixa etária, observou-se associação estatisticamente significativa com a macrorregião (p = 0,0037), indicando que a distribuição etária dos casos variou entre as regiões. Destaca-se novamente a macrorregião Norte, com predominância expressiva de casos em crianças menores de 1 ano (n = 212/45%), seguida pelas faixas de 1 a 4 anos (n = 95/20%), sugerindo maior concentração de casos em crianças pequenas nessa localidade. Já nas macrorregiões Sul e Leste, os números foram mais equilibrados entre as faixas etárias, porém com menor volume total de internações.

DISCUSSÃO

O presente estudo revelou que crianças com menos de 1 ano de idade constituíram a faixa etária mais acometida por internações por meningite no Maranhão, com destaque para os anos de 2021 (42 casos) e 2023 (47 casos). Esse achado diverge parcialmente dos resultados apresentados por Hiratomi et al. (2025), os quais apontaram maior incidência entre crianças de 1 a 4 anos nas regiões Sul e Nordeste, com prevalência 16,86% superior em relação ao grupo de 5 a 9 anos. A discrepância, embora sutil, pode ser atribuída a fatores demográficos e imunológicos locais, bem como à cobertura vacinal e ao acesso aos serviços de atenção primária. A maior vulnerabilidade imunológica dos lactentes, associada à exposição precoce a ambientes domiciliares fechados, contribui significativamente para o risco elevado nessa faixa etária.

Santos et al. (2021) também observaram predominância da faixa de 1 a 4 anos em nível nacional (32,86%), seguida pela de menores de 1 ano (26,59%). No Maranhão, contudo, os menores de 1 ano foram o grupo mais atingido, o que reforça a hipótese de vulnerabilidade epidemiológica específica da infância precoce no estado. Tal condição pode estar relacionada a barreiras regionais de acesso à vacinação, diagnóstico precoce e tratamento oportuno.

Quanto ao sexo, observou-se discreto predomínio do sexo masculino ao longo de todo o período estudado. Este achado é compatível com os dados apresentados por Hiratomi et al. (2025), que relataram taxas de internação até 15% superiores entre meninos na região Sul e 13% no Nordeste. Santos et al. (2021) confirmam essa tendência nacional, indicando que 59,72% dos casos ocorreram em indivíduos do sexo masculino. A literatura sugere que essa predominância pode decorrer de fatores biológicos, como menor eficiência da imunidade inata no sexo masculino, além de possíveis diferenças comportamentais que aumentam o risco de exposição em meninos, como maior frequência em creches e ambientes aglomerados.

A análise por macrorregiões no Maranhão reforçou a estabilidade dessa diferença entre os sexos, com p-valor de 0,9546, indicando ausência de associação estatisticamente significativa entre o sexo e a região de internação. Observou-se, entretanto, uma concentração expressiva dos casos na macrorregião Norte, com 471 das 557 internações totais, das quais 212 ocorreram em lactentes. Essa concentração pode refletir tanto a maior densidade populacional quanto uma estrutura de saúde mais robusta e eficiente em notificações nessa região. A associação estatisticamente significativa entre faixa etária e macrorregião (p = 0,0037) evidencia a necessidade de estratégias regionalizadas de vigilância e intervenção, conforme também defendido por Hiratomi et al. (2025), que identificaram diferenças sazonais e regionais relevantes nas taxas de acometimento por meningite.

No tocante ao perfil de gênero, o predomínio de casos em meninos observado no Maranhão foi igualmente reportado por Blanco et al. (2020), que identificaram 38 dos 64 casos confirmados de doença meningocócica em indivíduos do sexo masculino. Essa tendência pode estar associada a diferenças imunológicas hormonodependentes que afetam a resposta imune masculina.

A variável raça/cor demonstrou predominância do grupo pardo, o que acompanha a distribuição demográfica local. No entanto, essa concentração pode também evidenciar disparidades sociais e barreiras de acesso aos serviços de saúde. Aguiar (2025), ao analisar a região Norte do Brasil, encontrou relação direta entre condições sanitárias precárias e maior incidência de meningite, destacando a influência dos determinantes sociais na distribuição da doença, realidade parcialmente aplicável ao Maranhão, dada sua semelhança socioeconômica.

Em relação à etiologia, a meningite por Neisseria meningitidis (MNE) foi a mais prevalente ao longo de todo o período no Maranhão, em contraste com os achados nacionais de Santos et al. (2021), que identificaram a meningite viral como a principal causa (55,89%), seguida das formas não especificadas e bacterianas. Essa discrepância pode refletir diferenças regionais quanto à capacidade de diagnóstico microbiológico, vigilância laboratorial ativa e cobertura vacinal. No presente estudo, a MNE foi seguida, em frequência, pela meningite viral (MV), com crescimento expressivo entre 2021 e 2023, tendência também observada por Fernandes et al. (2023) e Brito et al. (2025), que documentaram aumento nacional das internações por MV no mesmo período. No entanto, ambos os estudos ressaltam menor participação proporcional do Nordeste nesse tipo de meningite (21,2% e 23,1%, respectivamente), o que explica a predominância ainda maior das formas bacterianas no Maranhão.

O uso predominante de critérios clínicos e quimiocitológicos para confirmação diagnóstica no Maranhão reflete a limitação de acesso a exames mais sofisticados, como cultura, PCR e isolamento viral. Esse padrão é condizente com os achados de Santos et al. (2021), que identificaram o método quimiocitológico como o mais utilizado no país (67,96%), seguido pelo critério clínico (10,54%). O presente estudo demonstra, portanto, a importância da análise do líquor como ferramenta diagnóstica de primeira linha em contextos com infraestrutura laboratorial limitada.

No que tange à evolução clínica, a maioria dos pacientes obteve alta hospitalar, o que é compatível com a literatura nacional, conforme Santos et al. (2021), que apontaram taxa de alta em 86,61% dos casos. Contudo, a taxa de óbitos por meningite no Maranhão foi preocupante, especialmente nos anos de 2015, 2019 e 2023, com 16 óbitos em cada período, representando 24,6% dos casos em 2015 e 15,7% em 2023. Tais índices superam a média nacional de 5,21% e sugerem maior gravidade clínica ou atrasos no início do tratamento em determinados contextos locais. Os óbitos ocorreram majoritariamente entre menores de 1 ano, dado também evidenciado por Santos et al. (2021), que reportaram 38,45% das mortes nessa faixa etária.

O impacto da pandemia de COVID-19 foi evidente na redução abrupta das internações em 2020 (35 casos), fenômeno também relatado por Hiratomi et al. (2025), que associaram essa queda à redução da circulação viral, ao distanciamento social e ao fechamento de escolas. Ramos (2024), em estudo conduzido na Bahia, observou fenômeno semelhante com redução expressiva de casos de meningite bacteriana em todas as faixas etárias, reforçando a influência das medidas sanitárias de controle da pandemia.

Adicionalmente, os dados do presente estudo estão em consonância com os de Oliva et al. (2024), que destacaram a alta incidência de meningite bacteriana em menores de 1 ano, grupo particularmente vulnerável à doença devido à imaturidade imunológica. Blanco et al. (2020), em estudo conduzido no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo entre 2008 e 2018, também observaram maior acometimento em lactentes, com 10 dos 21 casos de meningite pneumocócica ocorrendo em crianças com menos de dois anos.

Ainda sobre a etiologia, os dados maranhenses mostram convergência com os achados de Blanco et al. (2020), que relataram predominância da doença meningocócica entre os casos confirmados (64 de 90), com prevalência do sorogrupo C e presença significativa do B. Apesar da ausência de sorotipagem no presente estudo, a frequência de MNE reforça a importância da manutenção de altas coberturas vacinais contra os principais sorogrupos circulantes no país.

Por fim, a análise por macrorregião revelou que a macrorregião Norte do Maranhão concentrou a maioria absoluta dos casos, especialmente entre crianças menores de 1 ano, com associação estatisticamente significativa entre faixa etária e região de internação (p = 0,0037). Este resultado pode ser explicado por fatores como maior densidade populacional, maior número de unidades de saúde de referência e maior capacidade de notificação epidemiológica. Em paralelo, Aguiar (2025) destaca que, na região Norte, condições de saneamento e infraestrutura precária contribuem significativamente para a alta carga de meningite, um cenário que pode ser comparável à realidade de determinadas localidades do Maranhão.

CONCLUSÃO

A análise do perfil clínico e epidemiológico das internações pediátricas por meningite no Maranhão, entre 2015 e 2024, evidenciou importantes características que contribuem para a compreensão da dinâmica da doença no estado. A investigação permitiu observar que crianças menores de 1 ano foram o grupo mais vulnerável, especialmente nos anos de 2021 e 2023, do sexo masculino, a maioria com ensino fundamental incompleto e que se autodeclararam pardas.

A distribuição temporal dos casos apresentou oscilações significativas, com queda acentuada em 2020, coincidindo com o auge da pandemia de COVID-19, e aumento expressivo a partir de 2021, possivelmente relacionado ao retorno das atividades presenciais e à normalização da vigilância epidemiológica. Os dados indicam que a meningite por Neisseria meningitidis foi a principal etiologia no período analisado, seguida pela forma viral, o que reforça a importância da manutenção das estratégias de imunização específicas, especialmente contra os sorogrupos de maior circulação. A macrorregião Norte do estado concentrou a maior parte dos casos, sobretudo entre lactentes, o que pode estar associado à maior densidade populacional e à maior capacidade de notificação nessa região.

No que se refere aos desfechos clínicos, a maioria das internações evoluiu para alta hospitalar, porém, a taxa de letalidade foi preocupante em determinados anos, com destaque para 2015, 2019 e 2023. Esses dados sugerem a ocorrência de quadros graves e, em alguns casos, atraso no início do tratamento. A predominância de critérios clínico-laboratoriais básicos para diagnóstico aponta limitações estruturais nos serviços de saúde, especialmente no que tange ao acesso a métodos confirmatórios mais sensíveis, como cultura e testes moleculares.

Com base nos achados, conclui-se que a meningite continua sendo um agravo relevante à saúde infantil no Maranhão, exigindo ações integradas de vigilância, diagnóstico precoce e ampliação da cobertura vacinal. Recomenda-se, ainda, o fortalecimento da rede de atenção básica, a capacitação dos profissionais de saúde para identificação precoce dos sinais clínicos e a ampliação do acesso a exames confirmatórios. Tais medidas são fundamentais para reduzir a morbimortalidade associada à doença e enfrentar as desigualdades regionais que ainda persistem no estado.

REFERÊNCIAS

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1 Residente de pediatria pelo Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão e-mail: mourafekarol@gmail.com
2 Doutor Honoris Causa em Saúde pela Universidade Emill Brunner (2019) e-mail: avellar.avelar@gmail.com