PERCURSOS E POSSIBILIDADES PARA UMA VIDA ESCOLAR INCLUSIVA: UMA ANÁLISE NAS LEGISLAÇÕES NACIONAIS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202503080848


Cinthia S. de V. Costa1
Jaqueline Bastos2


Resumo

Este trabalho de pesquisa em andamento discute os percursos e possibilidades para uma vida escolar inclusiva e busca fazer uma reflexão acerca da história das pessoas com deficiência. Objetivou Analisar as leis que asseguram o direito das pessoas com deficiência à inclusão. A pesquisa fundamentou-se na abordagem qualitativa, com estudo bibliográfico dos autores Bianchetti (1998), Pereira (2009), Tenório, Ferraz e Pinto (2015) e outros, bem como análise documental referente Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, aos artigos 58 e 59 da Lei nº 9.394/96 e a Lei Brasileira de Inclusão – LBI, Lei Nº 13.146/2015. Constatamos que muitos obstáculos já foram superados quanto ao processo de inclusão das pessoas com deficiência na sociedade e na escola, mas que ainda há muito a ser feito para que as pessoas com deficiência possam experimentar de forma prática e efetiva uma vida escolar inclusiva.  

Palavras-Chave: Pessoas com deficiência. Educação Inclusiva. Vida escolar inclusiva.  

1 INTRODUÇÃO 

O presente artigo é parte integrante da dissertação de mestrado intitulada “Atuação do Professor Assistente na E.M.E.I.F Profª Maria Valda Braga Valente” que será apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Educação da Facultad Interamericana de Ciencias Sociales – FICS. Neste artigo desdobramos nossos esforços para analisar os percursos e possibilidades para uma vida escolar inclusiva considerando os fundamentos legislativos e as produções teórico-acadêmicas sobre os direitos dos alunos com deficiência a uma educação de qualidade e inclusiva que contribua para seu aprendizado e desenvolvimento integral. 

Considerando que existe uma ampla legislação que torna legítimo o direito a inclusão escolar das pessoas com deficiência, mas ainda de acordo com Sena, (2020); Miranda, (2016); Pimentel, (2016); Mendes e Cabral,( 2016), é preciso encontrar na literatura especializada registros da efetividade das políticas públicas para atender com qualidade os alunos com deficiência nas classes regulares de ensino, o que se observa são: espaço escolar inadequado, ausência de recursos e materiais pedagógicos, metodologias inadequadas as necessidades de aprendizagem dos alunos com deficiência, entre outros. 

Neste sentido, adotamos como objetivo: Analisar os percursos e possibilidades para uma vida escolar inclusiva. Sendo assim, este artigo se estrutura a partir das seguintes sessões: introdução; apresentação das reflexões teóricas; análise das legislações sobre a efetividade do processo de inclusão escolar dos alunos com deficiência; considerações finais – apresentação das conclusões e apresentação de novo cenário para pesquisas futuras.   

2 EDUCAÇÃO ESPECIAL E A CONSTRUÇÃO DA ESCOLA INCLUSIVA 

A educação como direito das pessoas com deficiência é produto de uma luta histórica dos movimentos sociais formados por pais e amigos de pessoas com deficiência, tendo em vista garantir a visibilidade desse grupo como sujeitos de direitos e que possuem especificidades que precisam ser respeitados tanto na escola quanto na sociedade.

Por muito tempo as pessoas com deficiência viveram em condição de discriminação e segregação total da sociedade e da educação escolar. Bianchetti (1998) ao analisar as questões correlatas as diferenças que formam os seres humanos, faz uma volta histórica e constata que nas sociedades primitivas, especialmente as nômades não existia qualquer sentimento de remorso pelo abandono das pessoas com deficiência, dada a necessidade de locomoção e produção da própria existência orientada pelo espírito individualista. Dessa forma, os grupos nômades ao se deslocarem de um lugar para o outro deixavam a própria sorte aqueles sujeitos que representassem um peso e que não tivessem condições de contribuir com o grupo. Esse comportamento demarca as primeiras ações voltadas para a segregação das pessoas com deficiência que foram atravessando o curso histórico até que fosse possível reconhecer os direitos das pessoas com deficiência e sua inclusão na sociedade e na escola. 

Sobre esse percurso de segregação das pessoas com deficiência, Pereira (2008), aponta que na Antiguidade, em especial na Grécia Antiga, as pessoas com deficiência eram descartadas de forma mais rápida, considerando que nessa sociedade a estética corporal era bastante apreciada, de modo que características como força, beleza e postura corporal eram apontadas como padrão para aquela sociedade, de modo que as pessoas que apresentassem qualquer deformidade, deficiência ou fora do padrão estabelecido, eram descartadas. 

Bianchetti (1998, p. 29), explica que: “Se ao nascer, uma criança não pudesse corresponder aos ideais atléticos e estéticos dos gregos, ela seria sumariamente eliminada”. Neste sentido, ainda na infância as pessoas com deficiência eram eliminadas tendo como ponto de partida seu valor para as guerras, prática de esportes ou questão estéticas. Quem não se enquadrasse no padrão descrito era sumariamente eliminado. Contudo, essa realidade não se estendia a outros continentes, pois no Egito, algumas pessoas com deficiência eram tidas até como divindades (Cavalcante, 2002). 

Pereira (2008), aponta que a partir da Era Cristã foi possível construir uma nova realidade para as pessoas com deficiência que agora não mais eram eliminadas, mas acolhidas, ou seja, dignas de pena e benevolência de outrem. Neste período a deficiência esteve diretamente relacionada ao pecado, de modo que: “as explicações religiosas e místicas da deficiência tornaram-se ainda mais contundentes e severas. Naquele tempo a Igreja estava no auge de sua influência, impondo seus dogmas tanto pela persuasão quanto pela força bruta” (PEREIRA, 2008, p. 21).    

Neste novo cenário, as pessoas com deficiência são vistas como possuidoras de uma alma, uma condição de humanidade, podendo assim serem reconhecidas como filhas de Deus. A condição da pessoa com deficiência melhora neste cenário, de modo que os maus-tratos foram reduzidos e assim foram sendo criadas instituições de caridade para atender esse grupo em específico (Silva e Dessen, 2001). 

Mesmo com essa melhoria substancial no cuidado com as pessoas com deficiência, não fora possível superar os estigmas, os preconceitos e discriminações, pois as deficiências/diferenças ainda eram evidentes e tratadas sob a ótica do pecado. Assim, as pessoas com deficiência continuavam a ser segregadas socialmente, embora agora sua existência fosse permitida. 

As cruzadas foram importantes para que mudanças na forma de conceber a deficiência fossem empreendidas, pois agora não decorriam apenas de uma única causa o “pecado”, mas de mutilações e dilacerações resultantes do movimento em questão. É a partir deste cenário que a deficiência saí do campo espiritual e começa a habitar o território da medicina. 

Ainda o autor Bianchetti (1998), considera que o avanço da medicina alterou a concepção que se tinha de deficiência, pois se criaram perfis, tendo em vista que o corpo passou a ser visto como uma máquina, e como tal passou a apresentar alterações ou problemas e não mais deficiência ou doença. O campo espiritual é deslocado para o campo médico a respeito da deficiência, superando a concepção sobrenatural e sustentando uma concepção que a caracterizava como uma anomalia, irregularidade ou desequilíbrio. 

Nessa direção, Pereira (2009), registra que neste período, os projetos filantrópicos afloraram e atuaram a partir de suas perspectivas: a caridade (voltada especialmente aos necessitados) e o constrangimento social e opressão (ao reforçar a invalidez das pessoas com deficiência). Neste contexto, a discriminação voltava a pessoa com deficiência foi ampliada, especialmente pela vivacidade de sua incapacidade produtiva, ou seja, sua invalidez que era objeto de pena de pessoas caridosas. 

Pereira (2009), afirma que com o final do período medieval e entrada do período moderno, mais precisamente no século das luzes, houveram mudanças significativas na concepção de homem, sociedade e mundo. Tais mudanças foram resultado da expansão marítimo comercial, o florescimento do antropocentrismo, no qual será possível compreender a deficiência como uma doença que poderia ser tratada. É a partir deste contexto que o conhecimento sobre a deficiência vai ser ampliado criando novas abordagens que irão levar a institucionalização dos sujeitos. Este paradigma supera o da total exclusão e torna possível tratar as deficiências dentro de institucionalizações específicas, mas que ainda reforçavam a segregação das pessoas com deficiência das pessoas ditas normais. 

Como uma espécie de reabilitação para as pessoas com deficiência, a educação especial é criada no contexto da institucionalização que tinham como objetivo promover a normalização dos sujeitos que atendiam. Pereira (2009, p. 16): “Suas primeiras iniciativas datam do século XVIII, quando as instituições se diversificaram, passando também a educação por esse processo”. A partir do século XVIII, mesmo em condição de segregação, as pessoas com deficiência passaram a ser assistidas no campo educacional que tinham finalidades distintas: 

Algumas instituições voltadas para a educação de pessoas com diferença funcional tinham como motivação a caridade, mas outras tantas não estavam contaminadas por esse viés. Destacam-se aqui dois segmentos influentes, na educação especial. O primeiro envolveu religiosos como o abade De l’Épée (1710-1789), na França, e o pastor Samuel Heinicke (1723-1790), na Alemanha, ambos dedicados à educação de surdos. O segundo era composto por vários nomes ligados à medicina, uma espécie de ‘tradição’ iniciada no século XVIII e que se estendeu até o XX (PERREIRA, 2009, p. 16).            

Como se pode perceber a história das pessoas com deficiência é marcada por inúmeras concepções sobre o que se compreendia como deficiência, atrelado a isso o desenvolvimento da medicina e da ciência moderna tiveram papel importante na forma como as pessoas com deficiência passaram a ser tratadas, saindo de uma condição de total exclusão para uma condição de integrado na sociedade e na escola. 

A partir dessa nova perspectiva é que a educação especial vai se desenvolver e criar possibilidades para que se possa na atualidade discutir a educação inclusiva. De acordo com Scliar (1999), a educação especial guarde em si uma perspectiva iluminista a respeito da identidade de seus sujeitos. É a partir dela que se torna viável um discurso e práticas pedagógicas baseada que se colocam na contramão das oposições como normalidade/anormalidade, racionalidade/irracionalidade e completude/incompletude. Essas escolas de forma geral, buscavam atribuir um certo grau de normalização para as pessoas com deficiência, haja vista que, como pondera Pereira (2009), no modelo proposto: 

[…] os sujeitos são homogeneizados, infantilizados e, ao mesmo tempo, naturalizados, valendo-se de representações sobre aquilo que estaria faltando em seus corpos, suas mentes e suas linguagens. Dessa forma, o discurso e a prática do ideal de normalidade se inscrevem na escolarização complementando uma prática surgida antes mesmo da chamada educação especial: a normalização do corpo e da vida das pessoas que compõem a diversidade funcional. (PEREIRA, 2009, p.16)

A educação especial tinha como finalidade normalizar os deficientes, ou pelo menos, deixá-los mais próximo da normalidade possível, por isso o ensino não tinha uma finalidade clara de atuar sobre o desenvolvimento das potencialidades destes sujeitos, mas ajustavam as atividades de forma infantilizadas para os sujeitos, de modo a normalizar todos os deficientes sem levar em consideração as especificidades de cada um. 

As mudanças em torno do ensino voltado para as pessoas com deficiência só ocorreram a partir do século XX, pois foi quando fora pensada e desenvolvida uma proposta educacional que tornava possível o ingresso do aluno com deficiência nas classes regulares de ensino. 

É nesse contexto que serão produzidas, importantes legislações que asseguram o direito educacional das pessoas com deficiência, a citar a Lei 9.394/96 que estabeleceu as Diretrizes de Bases da Educação Nacional. Tal lei em sua sessão Capítulo V Da Educação Especial no Artigo 58 definiu educação especial como: “[…] a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”. Esse direcionamento foi significativo para que os alunos com deficiência pudessem ter assegurado seu direito de receber escolarização nas classes regulares ou comuns. Neste artigo consta ainda que: 

§1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades da clientela de educação especial.  

§2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular.  

§3º A oferta da educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil (Brasil, 1996).    

No aspecto legal o direito das pessoas com deficiência se encontra assegurado, pois aquele que tem condições de serem inclusos nas classes comuns têm o direito assegurado de receber o devido atendimento na turma regular e com atendimento especializado no contraturno. Quando essa ação não é possível dada a extensão da deficiência do aluno, este é atendido na classe de educação especial. 

Nota-se, pelo menos no plano da lei, um amparo educacional à pessoa com deficiência que significaria garantir sua inclusão com qualidade e com ênfase no seu desenvolvimento. O Artigo 59, da LDB 9394/96, explicitou que: 

Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais:  

I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; 

II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;  

III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;  

IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;  

V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular (Brasil, 1996).      

Como se pode perceber os dispositivos legais apontam para condições necessárias e práticas para assegurar a escolarização das pessoas com deficiência com qualidade. Contudo, estar garantido na lei não implica necessariamente estar materializado no interior da escola, pois para que as escolas ofereçam aos alunos com deficiência as condições adequadas para seu aprendizado e desenvolvimento integral na escola se faz necessário uma série de ajustes e adequações que demandam recursos financeiros, pedagógicos, formação continuada entre outros. 

Para Junior (2021), com a institucionalização da LDB 9.394/96, muitos avanços foram conquistados, contudo, houveram questões que precisaram da atuação constante dos movimentos sociais para que fossem atendidas pelo menos de forma parcial, o que denota que a inclusão no ambiente escolar visando atender com dignidade e qualidade as pessoas com deficiência mesmo com a LDB 9.394/96, ainda não era uma realidade. 

Essa realidade é tão notória que a partir de 2015, foi instituído o Estatuto da Pessoa com Deficiência por meio da Lei 13.146/2015, é importante que se diga de acordo com Araujo e Costa Filho (2015), que o estatuto não trouxe nada de novo, buscou apenas tornar mais evidente e efetivo aquilo que já se encontrava assegurado por legislações anteriores, mas que não era vivenciado pelas pessoas com deficiência. 

Contudo, não se pode negar que a institucionalização do estatuto se apresentou como uma cobrança a mais da sociedade e das instituições escolares para assegurar de maneira efetiva a inclusão das pessoas com deficiência. Esses direitos estiveram representados no Artigo 1º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que trouxe a seguinte redação:

Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. (BRASIL, 2015)

    A ideia de promover uma escola para todos constatada no escopo deste artigo foi decorrente de movimento internacional, dentre os quais podemos destacar a Declaração de Salamanca (1994), no qual foram firmados acordos para assegurar que as pessoas com deficiência tivessem um atendimento educacional digno, de qualidade que fizesse jus aos processos inclusivos (Brasil, 1997). 

É a partir destes movimentos em prol do reconhecimento da dignidade humana para as pessoas com deficiência, que se teve a possibilidade de construção de uma escola na perspectiva inclusiva. Para Mantoan (2010, p, 13) “a escola inclusiva assegura a igualdade entre os alunos diferentes e esse posicionamento lhes garante o direito à diferença na igualdade de direito à educação”. Quando a autora cita o termo igualdade se refere a condição de acesso à educação e não as condições físicas, intelectuais e psicológicas dos alunos, pois entende que os mesmos são formados por singularidades e diferenças.

Da mesma forma, consideramos que uma escola inclusiva é aquela que reconhece a diversidade e as diferenças que formam cada aluno, de modo a criar condições para que todos dentro de suas limitações e potencialidades possam se desenvolver de maneira integral. Assim, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI 13.146/2015), busca assegurar dignidade as pessoas com deficiência e apontaram para a necessidade de um olhar mais amplo e crítico sobre os processos necessários para a garantia da efetividade da inclusão escolar das pessoas com deficiência.     

3 PERCURSOS E POSSIBILIDADES NA LEI DE INCLUSÃO, PARA UMA VIDA ESCOLAR INCLUSIVA

Quando pensamos em inclusão escolar automaticamente somos levados a pensar sobre os dispositivos legais que asseguram uma educação de qualidade e que respeite a condição dos sujeitos com deficiência. É importante pensar que no campo legislativo ou melhor no âmbito do direito, que “Todos são iguais perante a lei”, essa igualdade refere-se à condição de acesso ao direito individual e subjetivo de cada um. Contudo, tal afirmativa não se refere ao tratamento das particularidades de cada sujeito, pois no caso dos alunos com deficiência nas classes regulares de ensino o tratamento igualitário não atende suas demandas específicas e que requerem na maioria das vezes atendimentos personalizados que só foram alcançados com leis que reconhecem a diversidade de condição que afetam cada sujeito. 

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205, estabeleceu que a educação é um direito subjetivo de todos e que tem como respaldo e garantia para sua efetivação o Estado e a Família, de modo que “[…] será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Neste sentido, tanto as pessoas com ou sem deficiência são detentoras de direito a educação de qualidade que as leve a exercitar sua cidadania e preparo para o mercado de trabalho. 

A LBI 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão), em seu artigo 27, ponderou que: 

[…] direito da pessoa com deficiência, assegurados por sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem. (BRASIL, 2015). 

Como se pode perceber a legislação assegura que as pessoas com deficiência sejam devidamente atendidas imprimindo qualidade ao seu processo de escolarização e desenvolvimento. Por isso, construir uma escola democrática é ponto fundamental para que a inclusão escolar das pessoas com deficiência se efetive. 

Para uma vida escolar inclusiva, as pessoas com deficiência precisam ser cercadas no ambiente escolar de todas as condições apontadas na legislação para que seja possível lutar contra a desigualdade e as exclusões no ambiente escolar e social. Por essa razão, Faleiros (2006), entende que a escola inclusiva deve ter como prioridade atender as necessidades de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos com deficiência. 

Atender as necessidades especificas dos alunos com deficiência, não é uma tarefa fácil, por essa razão, Tenório, Ferraz e Pinto (2015), consideram que para a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência não basta a criação de políticas públicas, é necessário e urgente que se criem estratégia de efetivação destas, não apenas na garantia da matricula e acesso a escolarização regular, mas que incidam sobre a formação dos professores, das condições materiais e pedagógicas, para que a escolarização e formação dos alunos sejam de fato de qualidade. 

Esse reconhecimento e efetivação de direitos, perpassa pelo reconhecimento das especificidades que cerca cada aluno com deficiência no ambiente escolar, de modo que suas particularidades sejam atendidas de forma plena e equitativa. Sendo assim, os profissionais presentes na escola: 

[…] que nem todos aprendem ou devem ser ensinados da mesma forma igualitária, pois um processo educacional que busca a equidade pressupõe o reconhecimento e o respeito às diferenças e é capaz de fazer com que todos os alunos desenvolvam as competências e habilidades esperadas para o nível de estudo, levando em consideração as diferenças pessoais, socioeconômicas e culturais do aluno. Assim, se faz necessário que a escola não seja indiferente com as diferenças e trate de forma diferente a partir de suas necessidade e subjetividades os desiguais, pois se todos são tratados igualmente, a desigualdade permanece. (Tenório; Ferraz; Pinto, 2015, p.8)     

A diversificação do trabalho pedagógico e das metodologias de ensino são essenciais para a garantia dos direitos à inclusão dos alunos com deficiência no ambiente escolar. O trabalho de sala de aula não deve atuar para massificar os alunos com deficiência ou dificuldades de aprendizagem, mas deve criar possibilidades outras de aprendizagem de acordo com suas necessidades para que a aprendizagem e desenvolvimento social e escolar seja possível. 

Uma vida escola inclusiva é aquela em que os sujeitos se percebem como acolhidos respeitados e valorizados independente das deficiências, dificuldades e necessidade que possuam. Para isso, as escolas necessitam passar por mudanças urgentes, especialmente no que diz respeito a formação dos professores para atender os alunos com deficiência, adequação da sala de aula para que a deficiência dos alunos seja levada em consideração tanto em termos de estrutura física, como curricular, de recursos pedagógicos e de metodologia. 

Notamos a partir de estudos como Tenório, Ferraz e Pinto (2015) e Junior (2021), que esta ainda é uma realidade distante, pois embora as políticas públicas existam, a efetividade das mesmas ainda não se concretizou, tendo em vista os baixos índices de investimento em recursos para atender de forma digna os alunos com deficiência dentro de suas necessidades. A esse respeito Pimentel (2016, p. 15), explica que a realidade destoa os direitos assegurados por lei, à medida em que: 

[…] estudantes incluídos em escola regular, vivenciando uma ‘experiência acadêmica insuficiente ou precária’, ficaram a ‘depender de suas famílias para conseguirem criar as condições necessárias de apoio à educação escolar’. Isso fez com que fosse inaugurada ‘uma nova forma de exclusão: a que é feita dentro do sistema, que mantêm os alunos na escola, mas à margem das oportunidades de desenvolvimento efetivo. Essa situação de ‘exclusão dos incluídos’ revela que, para além da garantia do acesso de estudantes com deficiência no contexto da escola regular, é necessário que se assegure a qualidade das práticas educacionais no cotidiano da escola para que se possibilite a permanência, o sucesso acadêmico e a emancipação desses estudantes    

Como se pode perceber, o ingresso dos alunos com deficiência nas classes regulares de ensino não implicou na construção de uma vida escolar inclusiva para eles, mas ao contrário, os fez vivenciar uma nova experiência de exclusão, a exclusão sistêmica, que assegura o ingresso na turma regular, mas não cria estratégias e oportunidades para que os alunos em situação de “inclusão”, possam aprender e se desenvolver com qualidade. 

Neste sentido, consideramos que para uma vida escola inclusiva, não basta garantir a matricula ou ingresso dos alunos com deficiência nas classes regulares de ensino, mas se faz necessária a criação de situações de aprendizagem e experiencias educacionais singulares que levem em consideração as especificidades e necessidades de cada sujeito, lembrando ainda que cada sujeito, em especial os sujeitos com deficiência possuem formas particulares de aprender e se desenvolver e que deve ser respeitado pela escola e seus professores, para que somente assim a verdadeira inclusão escolar dos alunos com deficiência seja possível. 

Junior (2021), em seu processo de pesquisa nos mostra que muito já se avançou em termos inclusão educacional e social das pessoas com deficiência, mas que ainda há muito a ser feito para que de fato uma vida escolar inclusiva seja possível e real, garantindo assim que os alunos com deficiência não mais sejam excluídos de forma sistemática, tendo garantida somente sua matrícula na classe regular de ensino, mas sejam oferecidas todas as condições infraestruturais e didático pedagógica para que os alunos com deficiência se sintam parte do processo educacional e que aprendam e desenvolvam as competências e habilidades escolares exigidas durante o processo de escolarização e para a própria vida fora escola. 

Neste sentido, consideramos ser de fundamental importância o investimento em formação continuada para professores das classes especiais, de atendimento educacional especializado e regulares de ensino para que dessa forma possam atuar na adaptação de suas metodologias de trabalho garantindo o aprendizado de todos os alunos e seu desenvolvimento integral, finalidade esta que se apresenta em todos os projetos políticos pedagógicos escolares, mas que ainda não se efetivaram.    

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS  

A construção de uma vida escolar inclusiva se apresenta como um grande desafio a prática pedagógica escolar, por isso exige a contribuição de todos os agentes educativos: poder público (governadores, prefeitos, ministério público, legisladores), gestores, professores, alunos e suas famílias. Isto se justifica especialmente pelo fato de que a escola inclusiva não estar limitada à adaptação de espaços físicos ou à modificação de currículos, mas requer uma mudança profunda na cultura escolar, pois somente assim será possível assegurar o direito de todos ao aprendizado, independentemente de suas diferenças, especificidades, necessidades ou deficiências.

Notamos que foi possível alcançar os objetivos propostos para este artigo, pois fora feita uma trajetória histórica sobre a pessoas com deficiência passando pelos momentos de exclusão, institucionalização, classe especializada até chegar nas possibilidades de uma vida escolar inclusiva nos dias atuais. Notamos ao longo deste artigo que, embora existam avanços na legislação e nas práticas pedagógicas, muito ainda precisa ser feito para que os alunos com deficiência possam vivenciar uma vida escolar verdadeiramente inclusiva. 

Ressaltamos que, a inclusão não pode ser compreendida como um processo isolado, mas sim como uma prática contínua de reflexão, construção coletiva e adaptação não apenas dos espaços pedagógicos, mas também do currículo, da prática e concepção que o professor tem sobre o ato pedagógico. Isto implica a promoção de um ambiente de respeito e valorização da diversidade. 

Para que tudo isso seja possível consideramos emergente estratégias de formação continuada de educadores (regulares, das classes especiais e do atendimento especializado), investimento em recursos e tecnologias assistivas, bem como, a conscientização da comunidade escolar sobre a importância do respeito e valorização da diversidade. Assim, uma vida escolar inclusiva, transcende o conceito de adaptação e busca fomentar uma sociedade mais justa e igualitária em que prevalece o respeito a diversidade e a diferença nas práticas sociais e no processo de ensino e aprendizagem.

Em síntese, ao refletirmos sobre as possibilidades de uma vida escolar inclusiva, notamos que, embora existam inúmeros obstáculos, as potencialidades e possibilidades são ainda maiores. Contudo, é preciso compreender que a inclusão é um caminho que exige compromisso e ação que não se limita ao professor, mas a sociedade como um todo. 

REFERÊNCIAS

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 1Mestranda do curso de Pós-Graduação em Ciências da Educação da Faculdade Interamericana de Ciências Sociais – FICS.
 2Profª Dra. do curso de Pós-Graduação em Ciências da Educação da Faculdade Interamericana de Ciências Sociais – FICS.