PERCEPÇÕES E IDENTIDADES DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA HISTÓRIA DAS SOCIEDADES HUMANAS

PERCEPTIONS AND IDENTITIES OF PEOPLE WITH DISABILITIES IN THE HISTORY OF HUMAN SOCIETIES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10901589


MOREIRA, Flamarion Gonçalves1
VALVERDE, Clodoaldo2


RESUMO:

O presente artigo objetiva desenvolver um estudo sobre as percepções e identidades das pessoas com deficiência, buscando entender as questões que envolveram diversos grupos sociais em modelos de sociedades diferentes na história. Analisando historicamente esse público, vimos que cada sociedade teve suas especificidades e, com isso, formou-se sua percepção sobre elas. Suas identidades foram gestadas e engendradas consoante as relações humanas que se estabeleciam naquele período histórico. Para realizar essa investigação, partiu-se de um breve histórico sobre as pessoas com deficiência, analisando as sociedades antigas, principalmente em Roma, e o surgimento do Cristianismo como modo de vida social e religioso. Posteriormente, estudamos a sociedade medieval e sua visão de mundo que, com sua percepção, limita as ações e o desenvolvimento das identidades das pessoas com deficiência. Busca-se também compreender como as sociedades moderna e contemporânea percebiam e inseriam essas pessoas. Posteriormente, passa-se a analisar alguns pontos importantes sobre essa realidade no Brasil, pois assim, tem-se a ideia geral de como em vários modelos de sociedade esses atores foram percebidos e suas identidades respeitadas. Enfim, apontam-se perspectivas em relação às pessoas com deficiência no século XX, pois se trata de um período importante na formação da identidade desse grupo. 

Palavra-chave: Identidade; pessoa com deficiência; sociedade.

ABSTRACT

This article aims to develop a study on the perceptions and identities of people with disabilities, seeking to understand the issues that have involved various social groups in different societies throughout history. By analyzing this public historically, we have seen that each society has had its own specificities and, as a result, its own perception of them has been formed. Their identities were gestated and engendered according to the human relationships that were established in that historical period. To carry out this investigation, we began with a brief history of people with disabilities, analyzing ancient societies, especially Rome and the emergence of Christianity as a social and religious way of life. Subsequently, we studied medieval society and its worldview which, with its perception, limited the actions and development of the identities of people with disabilities. We also try to understand how modern and contemporary societies perceive and include these people. It then goes on to analyze some important points about this reality in Brazil, so that we have a general idea of how these actors have been perceived and their identities respected in various models of society. Finally, we look at the perspectives of people with disabilities in the 20th century, as this was an important period in the formation of this group’s identity. 

Keyword: Identity; people with disabilities; society.

INTRODUÇÃO

Como as sociedades ao longo da história têm percebido e moldado as identidades das pessoas com deficiência? Esta questão envolve um conjunto de percepções culturais, atitudes sociais e políticas que têm evoluído ao longo dos séculos, e que tem influenciado diretamente não só na forma de tratamento para com as pessoas com algum tipo de deficiência, mas traz marcas na formação da identidade dessas pessoas. Para compreender melhor esse fenômeno, esta pesquisa empreendeu uma abordagem bibliográfica, passando da Roma Antiga, Grécia, influências do cristianismo, bem como explorando a trajetória dessas pessoas na história do Brasil até o século XX, inclusive com a criação de centros para atender a essa parcela da população. Através da análise de diversas fontes, buscou-se compreender não apenas os registros históricos, mas também tentar compreender as interpretações acerca da compreensão e do tratamento atribuído aos indivíduos diferentes do restante da população. Ao traçar esse panorama histórico, é possível vislumbrar não apenas as formas pelas quais as sociedades as percebiam, mas também como essas percepções influenciaram profundamente a construção da identidade pessoal dos indivíduos com deficiência. Além disso, este artigo também examina as perspectivas contemporâneas, destacando as mudanças significativas ocorridas no século XX e as novas abordagens em relação às pessoas com deficiência, revelando assim uma evolução complexa e contínua no entendimento e na inclusão desses grupos na sociedade.

1-Breve histórico sobre as pessoas com deficiência

Ao estudarmos sobre os aspectos que interferem e caminham para a construção das identidades dos indivíduos que são múltiplas e constituídas a partir de pressupostos histórico culturais podemos perceber a partir de diferentes olhares e contextos históricos para as pessoas com necessidades físicas, sensoriais e/ou cognitivas e a relação que estas podem se configurar dentro dos padrões estereotipados da normalidade que as sociedades humanas mantiveram para com esses indivíduos. Sendo assim, as ações e comportamentos em relação às pessoas que tiveram ou têm limitações físicas ou intelectuais se alteraram ao longo dos períodos históricos, então, trata-se de um fenômeno importante e que necessita ser compreendido por um estudo como esse. 

Desse modo, construir ou remontar esse trajeto histórico, se faz necessário no sentido de podermos fazer alguns questionamentos iniciais que se inserem em entender o porquê de apesar da contemporaneidade se ter uma política de inclusão, os sujeitos com necessidades especiais continuam excluídos? Os fatores se mostram diversos e adversos e uma resposta pode ser esboçada a partir de uma perspectiva de compreensão da referida realidade em que se insere as pessoas com deficiência. Neste sentido, as sociedades necessitam avançar em termos de ações e projetos políticos para que determinados grupos sociais possam ser inseridos no sentido da educação inclusiva, pois somente ter leis não irá resolver os problemas em relação a essa questão. 

Desta maneira, torna-se importante buscar compreender a questão da inserção das pessoas com deficiência a partir dos períodos históricos, desde a antiguidade, passando pela Idade Média (sociedade medieval), sociedade moderna e nas relações sociais contemporâneas, pois muitas dessas relações se transformaram. Então, entender todos esses processos históricos se tornam fundamentais para a percepção do desenvolvimento de todas as ações de sociedades, instituições, governos e demais grupos que tiveram que cuidar e dar atenção a esses indivíduos com necessidades especiais. Sendo assim, podemos refletir sobre algumas questões que envolvem a temática a partir da antiguidade, pois nas relações de poder impostas pelos indivíduos considerados culturalmente como normais, as pessoas com deficiências trilharam um longo caminho de dificuldades, exclusão, marginalização e atrocidades físicas, pois historicamente as sociedades e sua forma de organização foram limitando as ações dessas pessoas. Nesta perspectiva, podemos trazer as reflexões de autores como Berthier (1984), em que nos aponta: 

Inicia a história na antiguidade, relatando as conhecidas atrocidades realizadas contra os surdos pelos espartanos, que condenavam a criança a sofrer a mesma morte reservada ao retardado ou ao deformado: A infortunada criança era prontamente asfixiada ou tinha sua garganta cortada, ou era lançada de um precipício para dentro das ondas. Era uma traição poupar uma criatura de quem a nação nada poderia esperar (BERTHIER, 1984, p. 32).

Nesse período, as pessoas com deficiência muitas vezes eram vistas principalmente a partir de sua incapacidade de contribuir para a sociedade. Em sociedades como Grécia e Roma na antiguidade, onde havia uma valorização das habilidades físicas e mentais daqueles definidos como “normais”, por outro lado, as pessoas com algum tipo de limitação física, biológica ou intelectual, eram frequentemente marginalizadas e excluídas das relações sociais. Neste sentido, essas pessoas eram consideradas como um fardo para a família e a comunidade em geral, bem como incapazes de desempenhar papeis sociais produtivos ou contribuir de forma significativa, como, por exemplo, na própria proteção e no poderio daquela comunidade, pois estas participavam de guerras constantemente, então, estas deveriam estar prontas para combater em favor da sua cidade.

Conforme aponta Garcia (2013), na Roma antiga, as pessoas com deficiências eram dispostas a dois tipos de sentimentos: o da piedade social ou a eliminação imediata. Estas, da mesma forma em Esparta, tinham permissão para poderem “se desfazer” das pessoas com deficiências congênitas ou adquiridas. Por isso, era muito comum que as crianças fossem jogadas em precipícios. Sendo que as pessoas com deficiência visual, por exemplo, não eram perdoadas porque se acreditava que eram vítimas de castigos das divindades e de feitiçarias. A solução era jogá-los no rio Tiger. Trata-se de ações bem limitadas, pois as sociedades na antiguidade ainda não tinham noções e estudos sistemáticos para entender as diversas questões que envolviam as diversas pessoas com essas limitações físicas e biológicas. 

Desse modo, podemos perceber que para as pessoas com deficiência ou era sobreviver às tentativas de eliminação, o que era muito raro, ou então os familiares esconderem para o resto da vida esses sujeitos do contato social Strobel (2009). Já em Atenas, devido à influência do pensamento de Aristóteles, eram cuidados pela sociedade. Sendo assim, temos essas duas formas de perceber as pessoas com deficiência em duas cidades da Grécia Antiga, uma que, de fato, excluía sistematicamente esses indivíduos e outra que tinha uma visão distinta, cuidava e acolhia os seus seres sociais com certa dignidade. 

Ainda, segundo a autora, muitas das pessoas com algum tipo de deficiência eram escravizadas e obrigadas a passar toda a vida nos moinhos de trigo. Em contraste a essa realidade, no Egito e Pérsia, eram considerados criaturas com ligação direta com os deuses, pois se acreditava, por exemplo, que as pessoas com deficiência visual se comunicavam em silêncio com as divindades e nessas crenças, eles eram protegidos e respeitados, porém não educados.  Muitos deles foram empregados como conselheiros e profetas. As evidências arqueológicas evidenciam que as pessoas com deficiência estavam presentes em todas as classes sociais. As próprias artes dessa sociedade trazem evidências da presença de anões, por exemplo, desenvolvendo diversos tipos de atividades. 

Por outro lado, o Egito, inclusive, ficou conhecido como a terra dos cegos, devido às várias infecções que afetavam os olhos da população egípcia.  Neste sentido, foram encontrados papiros relatando procedimentos para tentar sanar cegueira. Segundo Silva (1986), aponta o registro de pelo menos três Faraós que eram cegos: Anís, Sesóstris e Phéron, que continuaram a exercer seus cargos mesmo após perderem a visão. Sendo assim, tanto na Grécia, como na Roma antiga, havia várias pessoas com deficiências que eram relegadas à mendicância, dependendo da ajuda e da bondade das pessoas, por não haver lugar específico. Muito menos, pensava-se em intervenções para a inserção e o cuidado dessas pessoas, a partir de sua realidade. Por fim, podemos observar que na história de sobrevivência das pessoas com deficiência, a luta por condições dignas está diretamente relacionada a um processo não linear, mas que perpassa pela luta em busca da visibilidade e lugar social a que têm direito. Passemos, então, para descrever historicamente mais alguns apontamentos sobre as pessoas com deficiência em outro contexto, mais ainda em sociedades antigas, agora, em Roma, com a ascensão do cristianismo como forma religiosa.

1.2- Nos primeiros séculos do Cristianismo 

A partir do surgimento e expansão do Cristianismo, também iniciou uma transformação na forma de pensar e olhar para as pessoas com deficiências. Começou a difundir ideias de benevolência e a doutrina cristã passa a interferir fortemente nas ações da sociedade, com princípios de caridade, humildade, amor ao próximo e o perdão pelos erros. Vale ressaltar que a percepção da época era fortemente influenciada por uma visão cultural e religiosa relacionada ao pecado, a impureza e a punição divina, o que implicava em situações de exclusão social e consequentemente a falta de oportunidade que levava a situações de marginalidades e abandono à própria sorte.

Nesse contexto histórico, podemos perceber que a partir de algumas fontes históricas que essas pessoas com determinadas limitações físicas ou biológicas, que no século IV, período de ascensão do Cristianismo como religião oficial do Império Romano, começaram a ter acesso aos primeiros hospitais destinados aos marginalizados e excluídos do âmbito da sociedade e de suas relações sociais. Por volta do ano 451, no século V, o Concílio de Calcedônia instituiu que os bispos e párocos deveriam assumir a responsabilidade de atender aos pobres e demais enfermos. Assim, surgirão as primeiras instituições de caridade e a criação, no ano de 542, no século VI, do hospital para pobres e incapazes na cidade de Lyon construído pelo rei Childebert, tal como é apontado por Silva (2019). 

Desta maneira, apesar de várias fontes citarem esses locais, muitas vezes evocando a entender a concepção de hospital que temos hoje, no livro História e Evolução dos Hospitais do Ministério da Saúde (1943) temos relatos de que  nesse período essas instituições movidas pela religião cristã era um local de hospitalidade, onde se procurava acolher aqueles que estavam marginalizados e que não encontravam apoio e eram jogados à margem da sociedade. A raiz latina da palavra, hóspes, vem do sentido de hóspedes, porque nesses locais se hospedavam peregrinos, pobres e enfermos. “Hospitium era chamado o lugar em que se recebiam hóspedes” (MS, 1943). Com o desenvolvimento dos períodos históricos, os hospitais foram uma designação para as instituições que desenvolviam atividades ligadas à medicina. Enquanto as de acolhida receberam, entre outros, o nome de hotel. Ressalta-se que essa ideia de hospital, como conhecemos hoje, não surge com o cristianismo, mas toma forte impulso com suas ideias e que posteriormente foram sendo gestadas e ampliadas no sentido de atender a essas demandas da sociedade.

Sendo assim, mesmo com essa visão centrada na caridade e no acolhimento, por muitas vezes evidencia-se a concepção de incapacidade, revelando uma atitude, que se poderia chamar de preconceituosa. A própria igreja mantinha um posicionamento de que pessoas com deficiências não poderiam se tornar sacerdotes e até mesmo a comunhão era proibida, tendo em vista que muitas pessoas com deficiência não tinham capacidade suficiente para a compreensão dos seus pecados, não podendo assim confessar-se. Havia até mesmo documentos oficiais da igreja, com base na Bíblia, que eram contra o casamento de pessoas com deficiência. Tudo isso, levando-se em conta o ponto de partida, em que aqueles que são suprimidos de uma determinada características não poderiam desenvolver certas atividades, isto demonstra uma visão contraditória da igreja em relação às pessoas com deficiência, pois, ao mesmo tempo, em que esta instituição religiosa trabalhava a inserção e a acolhida dessas pessoas, limitava em outras, retirando destas alguns dos seus direitos sociais, como é o caso do matrimônio. 

Apesar da visão do cristianismo, é importante reconhecer que, nesse período, a visão predominante da incapacidade dos deficientes ainda refletia a mentalidade da época, ou seja, as crenças baseadas nos dogmas e valores culturais e religiosas que influenciavam diretamente a forma como a deficiência era encarada. Embora houvesse estigmas associados à deficiência, os cristãos buscavam trazer alívio para aqueles que tinham algum tipo de limitação física ou biológica. Mesmo assim, apesar da visão preponderante dessa incapacidade das pessoas com deficiência, o cristianismo promovia a caridade e a compaixão, constituindo-se como uma das sementes para uma visão mais ampla sobre a inclusão social para as pessoas com deficiência nos séculos posteriores das sociedades humanas. No item posterior, iremos perceber uma visão mais voltada para a inserção dessas pessoas no sentido moral e religioso, pois nesse período a igreja católica passou a ser a instituição social dominante e suas normas e regras passaram a serem seguidas por toda a Europa Ocidental, bem como os valores que eram trabalhados no sentido da inclusão das pessoas com deficiência, eram de cunho religioso. 

1.3- A Idade Média

A sociedade medieval foi a transição do mundo antigo para um novo modelo de sociedade, onde os valores morais e religiosos são alterados significativamente; por isso, é preciso entender as ações da igreja como instituição religiosa em relação às pessoas com deficiência nesse contexto. Sendo assim, podemos expressar a sociedade medieval, como um período que foi dos séculos V a XV, trata-se de um momento que apresentou avanços, porém com muitos desafios na história das pessoas com deficiências. De acordo com as ideias de Strobel (2009), explicita que “[…] não davam tratamento digno, os colocavam em imensa fogueira. Aqueles que possuíam algum tipo de deficiência eram sujeitos estranhos e objetos de curiosidade da sociedade […].”

Neste sentido, podemos ressaltar que foi um período marcado por uma variedade de ações e percepções em relação às pessoas com deficiência de forma contraditória, pois, ao mesmo tempo, em que a igreja fazia o discurso para inserir, excluía essas pessoas. Na Europa medieval, por exemplo, a percepção e a compreensão da deficiência eram influenciadas por crenças religiosas e superstições. Muitas pessoas com deficiência eram consideradas impuras, sob ação do maligno ou portadoras de grandes pecados. Essa visão negativa da deficiência frequentemente resultava em exclusão social, marginalização e tratamento cruel. Tudo isso, era fruto dos valores morais e religiosos que a igreja praticava, pois, os seus dogmas (princípios), são tradicionais e conservadores, bem como baseado no pecado e no medo, onde qualquer ação ou elemento diferente, vai gerar certo impacto nas relações estabelecidas no ambiente religioso e na sociedade. 

Por outro lado, algumas pessoas com deficiência eram consideradas capazes de desempenhar papeis úteis e eram empregadas como artesãos, músicos ou jardineiros, por exemplo. Essa inclusão limitada permitia que essas pessoas tivessem alguma independência e contribuíssem para a vida em sociedade. Desta maneira, muitos indivíduos com deficiência enfrentavam estigmas e preconceitos generalizados, enfrentando dificuldades para encontrar trabalho e enfrentando barreiras sociais e econômicas. As pessoas com deficiência continuaram a existir assim como desde a origem e a formação das sociedades antigas e medievais, porém, passaram a viver sob os domínios dos senhores feudais e são envoltos em misticismos e crendices. Por isso, essas pessoas com deficiência congênita, segundo a visão da igreja e seus representantes, essa limitação, era fruto da ira divina, ou seja, nasceram assim, porque Deus quis dessa forma. Sendo assim, a partir dessa percepção, esse fato era um castigo para essas pessoas com má formação física, problemas mentais, pois até mesmo em alguns momentos a igreja modifica sua postura em relação a essas pessoas e passa a agir de forma discriminatória e com práticas de perseguição.

Nesse período e no contexto da formação da sociedade medieval, a população viveu por muitos séculos  nos aglomerados urbanos que iam surgindo sem alguma condição de higiene, o que resultava também na proliferação de doenças de vários tipos. Aqueles que sobreviviam, mas com alguma sequela, estavam fadados a viverem de forma privada e marginal, em algumas regiões. Sendo assim, a igreja passa da benevolência para a criminalização, tanto das pessoas com deficiência, bem como daquelas que tinham práticas alternativas de vida, principalmente com o auge da inquisição entre os séculos XI e XII, pois nesse contexto, as pessoas começaram a duvidar dos dogmas e princípios que regiam e eram a base de sustentação da igreja católica medieval. Podemos perceber também, que mesmo as pessoas de origem em famílias com algum poder aquisitivo eram proibidas por leis de receber heranças, Strobel (2009). Até em questões mais pessoais e familiares, a igreja buscava controlar e impor certo domínio moral, religioso, bem como econômico, como está expresso na citação acima.  

Ainda assim, nesse momento, apesar dos registros de procedimentos para se tratar algumas deficiências, estas ainda não apresentavam propostas de ressocialização do indivíduo com suas características e limitações. Por isso, no contexto da sociedade medieval, podemos perceber uma ampla ação do poder da igreja e seus integrantes no sentido de marginalização e criminalização das pessoas com deficiência, apesar que o seu discurso era para uma caridade e complacência social, mas efetivamente isso não acontecia, somente algumas poucas ações por parte dessa instituição no sentido da inserção social dessas pessoas. Posteriormente, no modelo de sociedade seguinte a medieval, muitas ações começam a ser diferentes, pois os valores morais e religiosos, começam a ser contestados e outro tipo de mentalidade é formada, então, iniciamos a nossa caminhada para compreender as questões que envolvem as pessoas com deficiência no âmbito da sociedade moderna. 

1.4-A sociedade moderna e contemporânea

As transformações que ocorreram historicamente na sociedade moderna e contemporânea, são amplas e bem distintas do modelo anterior, pois nas relações medievais o controle e domínio da igreja estabelecia relações sociais bem limitadas e assim, as ações de pessoas, grupos que queriam fazer ou produzir algo diferente, eram perseguidos e muitos desistiam de criar ou inventar determinados elementos que poderiam transformar de alguma forma a realidade. Por isso, que muitas vezes o conhecimento ficava somente nos ambientes religiosos, como mosteiros, igrejas e conventos. Neste caso, grande parte da produção cultural, intelectual, filosófica não se desenvolvia, mas somente aquelas de cunho moral e religioso que defendiam os dogmas e princípios gerais da igreja católica. Diante dessa realidade, muitos autores, estudiosos, literatos, eram impedidos de terem suas obras publicadas e difundidas no contexto da sociedade medieval. Então, era preciso mudar determinadas realidades e fazer avançar algumas questões que envolviam a mentalidade da época, novos saberes e criações artísticas e literárias que poderiam caminhar para novos horizontes e assim, criar algo novo e diferente. 

A partir da sociedade moderna e com o desenvolvimento da ciência e de direitos em termos mais universais e universalizantes, ocorre uma série de mudanças significativas no interior desse modelo de sociedade, pois acontece um período em que o poder da igreja é contestado e o esclarecimento, a informação e as diversas formas de saberes são colocadas em uma posição intelectualmente interessante para o uso da sociedade moderna, ou seja, trata-se de um período de maior esclarecimento. Mesmo assim, podemos afirmar que, mesmo com esse conjunto de mudanças e transformações, esse modelo de sociedade não consegue resolver o problema por completo das pessoas com deficiências. Nesse contexto, entre os séculos XV e XVII, ocorre uma grande mudança, onde acontece liberdade e libertação da forma de pensar e dos pensamentos sobre as crenças no modelo de pensamento e ação medieval, ou seja, da intitulada Idade Média. 

Neste sentido, temos, então, um novo entendimento e compreensão dos valores sociais, morais, humanos e religiosos, pois os homens conseguem se desvincular de uma mentalidade conservadora, tradicional e baseada nos dogmas da igreja, bem como conseguem caminhar a partir de suas próprias reflexões e pensamentos, ou seja, de uma racionalidade que passa a duvidar, questionar e estes seres sociais, passam a caminhar com suas próprias formas de pensar e com certa autonomia para criar os vários tipos de conhecimento, Filosofia, Ciência e outros tipos de saberes. Desta forma, grande parte da sociedade moderna e sua nova forma de produzir o conhecimento, ou seja, a ciência, passa a não mais acreditar nos pecados e castigos de Deus em relação às relações humanas estabelecidas em um novo modelo de sociedade, que era a moderna e suas relações diferentes da anterior. Assim, também as pessoas sem privilégios sociais podem usufruir destes novos pensamentos, neste caso, as pessoas com deficiência física, auditivos e visuais, ganham um novo tratamento social e sua inserção vai ganhar novos olhares e esses atores começam a ser inseridos de forma diferente, bem como suas famílias também passam a ter uma maior autonomia na formação social dos seus filhos e na forma de inseri-los em um novo modelo de sociedade.

A partir dessas novas formas de saberes, como a ciência, a filosofia, as investigações em educação, psicologia social, muitas coisas novas irão surgir, pois irão contribuir diretamente para a vida em sociedade, onde essas criações, invenções e descobertas, possibilitam novos caminhos e horizontes para os diversos grupos existentes no âmbito da sociedade. Neste sentido, podemos perceber que no ano de 1854 acontece a implantação do Sistema Braile na França, pois se trata de um modelo de conhecimento no campo das ciências, fundamental para a inserção das pessoas com limitações visuais, sendo assim, são avanços que acontecem que de fato, irão começar além de inserir, facilitar a vida dessas pessoas. 

Desta maneira, na transição da sociedade moderna para a contemporânea, que acontece no final do século XVIII para o XIX, vimos que várias ações em termos de organização para com as pessoas com determinadas limitações físicas e biológicas, tendem a se desenvolver, pois a partir de reivindicações das famílias e de grupos na sociedade, algumas legislações começam a surgir no sentido de garantir o direito dessas pessoas. Então, na sociedade contemporânea, é marcada por mudanças e demais transformações importantes no sentido da inserção das pessoas com deficiência. 

Segundo Mello (2019), o mundo moderno e contemporâneo traz em seu bojo grandes turbulências sociais e políticas na metade do século XVIII, principalmente na França. Coube ao intérprete do Rei Valentin Haüy, em lutar pela inclusão social dos deficientes visuais. […]”farei que os cegos leiam, colocarei em suas mãos livros impressos por eles mesmos e traçaram os caracteres usuais e lerão a sua própria escritura”. Então, é a partir dessas lutas que, na sociedade contemporânea, é que as pessoas com deficiência visual começam a ter seus direitos respeitados e posteriormente garantidos em termos de uma legislação dentro da organização das instituições sociais, como o próprio Estado.

Sendo assim, na Europa, foi sendo regulamentado ao longo dos séculos XIX e XX, e nos Estados Unidos no Congresso de Little Rock, em 1910, como está expresso na obra de Bézagu-Deluy (1990). Diante dessa realidade, é que algumas dessas ações se direcionam também para os Estados Unidos, que foi outro país fora da Europa que se destacou no sentido da inserção dos deficientes visuais em termos sociais e educacionais. Em grande medida, nesse país, seu processo de independência foi basicamente no mesmo contexto que a França, por exemplo, e sua legislação avançou em termos de garantias e defesa dos direitos dessas populações que, de fato, necessitavam serem inseridas no âmbito da própria sociedade, bem como das instituições, pois essas pessoas tinham demandas para creches, escolas, faculdades e outras instituições que poderiam lhes dar apoio e assistência social em termos de atendimento. Então, trata-se de um caminho para a democratização do acesso das pessoas com deficiência visual e a garantia de seus direitos sociais, ou seja, coletivos e assim, fazer com que todos pudessem ter o acesso de forma universal, como as outras pessoas “normais” já tinham acesso a um conjunto de serviços que geralmente eram prestados pelas instituições sociais vinculadas ao Estado. 

Por outro lado, ser deficiente visual não constituiu um impedimento para aprender.. Neste sentido, a sociedade contemporânea em suas relações sociais e na forma de inserir as pessoas, vai sendo alterada e novas formas de inclusão vão surgindo, isto porque, o desenvolvimento humano pressupõe uma ampla inserção social de todos, sejam crianças, jovens, idosos e aquelas pessoas com determinadas limitações, como é o caso dos deficientes visuais, que desde as sociedades antigas, já tinham suas demandas, mas não eram atendidas de forma suficiente ou coerente com a realidade em que viviam.

Ainda se referindo aos Estados Unidos no século XIX, é possível perceber que com o grande número de soldados americanos vindos da guerra, é interessante notar como esse país começa uma nova forma de inserção e diferenciação às pessoas que chegavam mutiladas, de variadas formas.  O tratamento recebido incluía moradia adequada, honrarias e alimentação aos marinheiros e fuzileiros. Sendo assim, desde cedo o país adotou novas formas de ver as pessoas com limitações físicas. Esses estudos que visam relacionar ou aproximar as sociedades contemporâneas na Europa e nos Estados Unidos, é justamente porque essas regiões conseguiram propor, muito antes do que outros modelos de sociedades, alguma garantia para as pessoas com deficiência, neste caso, podemos citar as pessoas com deficiência visual. 

Diante dessa realidade, podemos citar uma viagem de Gallaudet que a partir dos seus interesses em investigar, descobrir e obter conhecimentos, buscou construir e fundar uma escola para surdos e cegos. Desta forma, esse agente conheceu o professor Laurent Clerc, que era surdo e professor no Instituto Nacional para Surdos Mudos de Paris. Em parceria, criaram nos Estados Unidos um “Asilo de Connecticut para Educação e Ensino de Pessoas Surdas e Mudas”, a primeira escola permanente Bispo (1939).  De forma geral, são a partir dessas ações que algumas instituições que visam a inserção de surdos, mudos e cegos se desenvolvem tanto na Europa como nos Estados Unidos, pois essas duas regiões eram as que mais conseguiram avançar no seu processo de desenvolvimento histórico, científico, tecnológico e, ao mesmo tempo, em termos de formação escolar e educacional, então, passam a serem os pioneiros nesse tipo de inclusão e educação, tanto para as crianças chamadas de “normais” como para aquelas com certas limitações, como é o caso dos cegos. 

A partir desta contextualização na história das sociedades humanas, onde podemos ter percepções nos diferentes períodos em relação às pessoas portadoras de necessidades especiais, neste caso, podemos inserir os cegos, neste caso, é possível perceber que, ao longo de toda a trajetória das populações no mundo, esses indivíduos foram sendo vitimizados de forma explícita ou implícita, tudo isso vai depender do contexto de cada sociedade. Mas também podemos analisar que esses grupos sociais de pessoas com limitações, passaram a ter um novo tipo de inserção com a nova forma de organização da sociedade contemporânea, pois muitos direitos sociais, civis e políticos passaram a ser garantidos em leis. Neste sentido, podemos afirmar que aconteceram historicamente avanços importantes no que diz respeito à inclusão das pessoas com deficiência nos mais variados tipos e modelos, desde surdos, mudos e deficientes visuais. Então, o que acontecem nas sociedades contemporâneas é um amplo aperfeiçoamento das práticas e ações de atores que estão ligados às instituições sociais, como o Estado, escolas, creches e demais organizações sociais que se organizam para atender essas pessoas e assim, garantir a inclusão destas em termos de vida em sociedade. 

Na perspectiva de Mello (2019), este autor aponta que ao longo do processo histórico entre o homem com deficiência visual na antiguidade até a idade moderna no mundo ocidental, todos vivem em um cenário de invisibilidade social ao longo de séculos. Desde o século IV alguns abnegados intelectuais se manifestaram sobre a realidade dos indivíduos cegos com uma proposta de educação como processo de inclusão social. Então, sua inserção social e educacional foi sendo fruto de um longo período de desenvolvimento histórico que marcam as ações de alguns países na Europa como é o caso da França e posteriormente na América do Norte, neste caso, estamos nos referindo aos Estados Unidos, que são países que de alguma forma se tornaram modelos para muitos outros em todo o mundo. Sendo assim, a contemporaneidade nos mostra caminhos amplos e interessantes no que diz respeito à inclusão social e escolar dos surdos, mudos e deficientes visuais.

Então, nesse processo histórico e da trajetória das populações com deficiência visual e outras formas de limitações físicas ou biológicas, estes saem de uma posição de invisibilidade para uma de visibilidade. Por isso, é importante entender os estudos de história sobre esses grupos sociais que, de fato, precisam de um olhar diferenciado para que possam viver e conviver com os demais no âmbito da sociedade, poder trazer suas contribuições em termos sociais, culturais e profissionais. De fato, trata-se de compreender as ações de pessoas, grupos, organizações e instituições quando estamos se referindo a essas pessoas, pois estas tem a sua importância na história das sociedades humanas, ao longo de suas histórias, bem como entender como foram sendo inseridas em certos modelos de sociedade e agora, mais recentemente a contemporaneidade no século XXI tem demonstrado outra lógica na forma de inserção e na visibilidade das pessoas com deficiência visual. 

Por outro lado, o que não se pode negar é que as verdadeiras identidades das pessoas com deficiência visual e das demais pessoas com deficiências em geral, foram desconsideradas ao longo da história e que na contemporaneidade, ganha novos olhares, novos estudos e visões diferentes no que diz respeito a sua inclusão e vida em sociedade. Sendo assim, podemos afirmar que a história dos cegos na sociedade moderna e contemporânea, ganha uma nova perspectiva e visibilidade, onde essas pessoas passam a ter voz, bem como seus direitos são garantidos por um conjunto de legislações e assim, a sociedade conseguem perceber e visualizar essas pessoas como atores sociais, ao mesmo tempo, em que tem uma vida como um ser social que pode se manifestar como um cidadão. 

A partir dos estudos sobre o desenvolvimento das diversas formas de inclusão social para as pessoas com deficiência visual no mundo, podemos citar Gasparetto (2015), que em sua perspectiva histórica, nos mostra que no século XX, foram criadas as primeiras escolas para crianças com baixa visão, destacando-se a Escola de Míopes (Londres) e a Perkins Institute for the Blind (EUA). Em 1913, foi criada em Roxbury (EUA), a primeira escola inclusiva que defendia a inclusão de crianças com deficiência visual em classes de crianças com visão normal, prática que impera atualmente. Diante dessa realidade, que as instituições foram sendo criadas e desenvolvidas no sentido de atender as demandas dos deficientes visuais, então, trata-se de ações e políticas de assistência para inclusão, pois esses direitos já eram garantidos às crianças e jovens chamados “normais”. Neste sentido, começa a acontecer de alguma maneira, certa visibilidade e reconhecimento para com essas pessoas, sendo assim, esse era o caminho que já vinha sendo trilhado a partir do desenvolvimento da sociedade moderna e na contemporânea, grande parte desses direitos passaram a serem também uma garantia para as pessoas com deficiência visual. 

1.6. Breve histórico das pessoas com deficiência no Brasil

A partir da origem e da formação da sociedade brasileira, podemos pensar algumas questões que envolvem diretamente as questões e problemas que envolvem as pessoas com deficiência no Brasil, pois em um primeiro momento, vamos pensar de forma geral, ou seja, as diversas formas de deficiência, para depois tratarmos de elementos mais particulares, como é o caso das pessoas com limitações visuais. Então, trata-se de um tema interessante na história da sociedade brasileira que requer reflexões a partir de sua história e historicidade para podermos ampliar e compreender de maneira mais sistematizada e organizada. Por isso, torna-se importante entender essas temáticas a partir de sua origem em terras brasileiras, mas sem esquecer as experiências teóricas e práticas nas sociedades europeias e americana, principalmente na França, Inglaterra e Estados Unidos, neste caso, tem certa historicidade de fatos, acontecimentos que são importantes, pois não devemos pensar a história de forma deslocada da realidade. A partir desta perspectiva é que podemos pensar nos primeiros estudos e iniciativas de inclusão social na sociedade brasileira e assim, compreender de forma mais sistematizada todo um processo histórico que de alguma forma remonta a Europa e os Estados, onde as experiências anteriores nesses países, de fato irão inspirar outras não somente no Brasil, mas em outros países do mundo. 

Desse modo, o Brasil, uma primeira movimentação no aspecto educacional ocorre a partir da necessidade de educação de surdos, pois esta demanda já existia. Com a vinda do professor surdo Eduardo Huert, foi criada a primeira escola para surdos, no Rio de Janeiro, “Imperial Instituto dos Surdos-Mudos”, como bem aponta Rocha (2007). Aqui podemos perceber a primeira iniciativa em terras brasileiras, ou seja, uma instituição escolar para cuidar diretamente das pessoas que tinham surdez, mas ao longo dos séculos essas ações irão se ampliar e outros grupos sociais irão integrar outras instituições no sentido da inserção e inclusão social e educacional no Brasil. 

 Sendo assim, como na Europa, no Brasil também, por muito tempo as pessoas com deficiências configuraram-se nas categorias mais pobres da população, principalmente pelo modo como eram excluídas e não tinham acesso a serviços e questões básicas para uma vida social com dignidade. Durante o processo de colonização da sociedade brasileira, essas pessoas eram vistas de forma distinta das outras e a sua visibilidade era ocultada pelos grupos sociais dominantes no período colonial. Sendo assim, a partir dessa forte influência da colonização portuguesa, estas pessoas eram tratadas a partir da dicotomia entre deficiência e doença. Neste sentido, seguindo as ideias de Garcia (2011, p. 11), “[…] as questões que envolvem as pessoas com deficiências no Brasil, por exemplo, mecanismos de exclusão, políticas de assistencialismo, caridade, inferioridade, oportunismo, dentre outras, foram construídas culturalmente […].” Assim sendo, traços culturais levam tempo para serem rompidos, superados, rearranjados e revertidos.

A partir da forma que coloca o autor acima, podemos perceber que este aponta os limites da compreensão de um modelo de sociedade, como é o caso colonial brasileiro e o que precisa ser feito para poder avançar em termos de inclusão e inserção social desses grupos sociais de pessoas com deficiência nos seus mais variados sentidos. Todas as questões que envolviam a invisibilidade dessas pessoas, foram sendo construídas em termos culturais, como é o caso do preconceito, da discriminação e da invisibilidade social destas em termos de inserção nas relações com os outros seres humanos. Então, era preciso desenvolver ações que historicamente pudessem levar as pessoas com deficiência em geral para outra lógica da sociedade, ou seja, a visibilidade. Neste caso, segundo o exemplo dos países da Europa e dos Estados Unidos, essas pessoas passaram a ter certa visibilidade, quando foram criadas não somente uma, mas várias instituições que ficaram sendo responsáveis pela formação social, cultural e educacional para a inserção, integração e socialização desses grupos sociais que, de fato, já tinham suas demandas e que com o desenvolvimento da sociedade contemporânea, passam a ter cada vez mais seus direitos respeitados. 

  Diante dessa realidade, no Brasil, a primeira escola para cegos foi fundada no Rio de Janeiro através do decreto imperial n.º 1.428 de 12 de outubro de 1954, o “Imperial Instituto dos Meninos Cegos” hoje denominada Instituto Benjamim Constant, iniciada pelo professor José Àlvarez de Azevedo, a partir de sua ida para França, onde enviado por sua família conhece em Paris, o Real Instituto dos Meninos Cegos de Paris. Essa ação, precedida pela criação do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos” é apontada por Rocha (2007), que vai pontuar em termos históricos o período em que foi criada uma instituição escolar no Brasil para atender de forma mais pormenorizada as pessoas com deficiência auditiva. Neste caso, era preciso desenvolver diversas outras organizações e instituições no sentido da inclusão social, para além dos surdos, mudos e diversos outros grupos de pessoas com deficiência de ordens variadas. A partir da criação dessa escola pelo Imperador D. Pedro II é que após o século XIX no Brasil, outras irão surgir para dar continuidade e ampliar as formas de inserção das pessoas com deficiência física ou biológica. 

Sendo assim, na perspectiva histórica da pessoa com deficiência no Brasil, além dos fatores culturais que, de fato, chegaram com os  colonizadores portugueses, também temos aspectos das próprias organizações culturais dos povos nativos, que irão se relacionando com os valores e os princípios morais dos europeus que irão de alguma forma se ampliar, apesar que alguns desses problemas as sociedades europeias já conviviam antes mesmo do Brasil, onde desde a antiguidade, estes já conheciam essa realidade, nas sociedades grega, Roma e Sociedades Medievais. Mesmo assim, as práticas discriminatórias pelos brancos europeus que colonizaram o Brasil, permaneciam. Assim, podemos expressar mais algumas informações sobre a historicidade das pessoas com deficiência no Brasil, pois: 

O percurso histórico das pessoas com deficiência no Brasil, assim como ocorreu com as civilizações mais remotas nas demais partes do mundo, foi assinalado por uma fase inicial de eliminação e de exclusão, deixando à margem da sociedade este segmento, percebido, historicamente, como constituído por pessoas incapazes e/ou doentes. Mais especificamente, tanto na velha Europa quanto no Brasil, a quase totalidade das informações sobre a história das pessoas com deficiência encontra-se diluída em comentários relacionados com a categoria mais ampla dos “miseráveis”, aos doentes e aos mais pobres (PEREIRA e SARAIVA, 2017, p. 177-178).

Dentro desta perspectiva de entender historicamente essas populações, podemos perceber que se trata de uma realidade específica em cada região e país, mas obviamente que em relação à Europa, os países conseguem apontar soluções e desenvolver políticas de assistência de forma mais organizada em relação aos outros países, no caso do Brasil, essas pessoas também eram ignoradas ou até mesmo isoladas, mas depois tem-se o início de ações das instituições no sentido da inserção, como é o caso da criação e fundação de escolas e demais organizações sociais para cuidar dessas pessoas. De fato, foi essa imagem de pobre, doente que as sociedades tiveram que superar, pois durante muito tempo esses grupos sociais foram excluídos de todo um processo de vida em sociedade, da negação dos seus direitos sociais (coletivos), para depois começarem a ter condições de ter esses direitos respeitados e acesso a serviços públicos como escolas, creches e outras instituições sociais que trabalham com educação, cultura e assistência social. 

Então, trata-se de um longo caminho para que as pessoas com deficiência no Brasil, possam ter seus direitos sociais respeitados e assim, ter também acesso garantido a uma formação escolar. Por isso, afirmar que a sociedade colonial foi discriminatória e excludente em relação aos deficientes físicos. Era preciso avançar e garantir não somente o acesso, mas serviços com certa qualidade e assim, que essas pessoas pudessem se desenvolver em termos escolares, cognitivo e intelectualmente, pois tudo isso, vai contribuir diretamente com o seu desenvolvimento humano, social e com uma integração mais ampla no âmbito da sociedade em que vivem.

 Por outro lado, todo esse processo de inclusão social, foi lento, demorado e historicamente longo, pois desde o princípio da forma da sociedade brasileira, havia certa exclusão dessas pessoas, principalmente entre as populações indígenas que viviam em tribos organizadas em todas a regiões do Brasil, mas com o desenvolvimento das cidades, esses indivíduos foram habitar em lugares com uma densidade demográfica maior e com outra lógica de organização, cultura e valores, mas o preconceito e a discriminação com as pessoas com deficiência permanece. Agora, torna-se interessante trazer informações importantes para tratar dessa questão entre as populações indígenas, pois estas já se encontravam em território brasileiro antes mesmo da chegada do branco europeu e colonizador. De forma geral, o contato com os colonizadores, vai alterar de modo significativo o modo de vida e a cultura das tribos indígenas que aqui habitam, pois, os europeus, a partir de sua própria vontade e interesse, passaram a impor um modo de vida distinto para o nativo, mesmo em seu território originário. 

Então, trata-se de relações humanas de extrema complexidade, imposição, dominação e violência de um povo contra o outro que não vai de forma alguma respeitar o espaço, a cultura e os valores dos outros em termos de sua organização social e familiar, mesmo assim, tanto as populações brancas como as indígenas tinham certo preconceito e discriminação em relação às pessoas com deficiência, sendo assim, podemos avançar e trazer questões que envolvem diretamente os indígenas no que diz respeito a essa temática. 

1.7. As pessoas com deficiência entre povos indígenas

Dando continuidade, e permitindo um retorno cronológico, voltemos à história das populações indígenas, no que concerne ao aspecto ligado à deficiência. As populações indígenas são os primeiros povos a habitarem as terras brasileiras, sua organização social e cultural, remonta antes mesmo da invasão europeia as terras locais, mas ao longo de vários séculos, a partir do XVI, grande parte do povo indígena passou a conviver com a presença de outras populações, principalmente portugueses, espanhóis, holandeses, ingleses e outros, mas parte de sua cultura foi preservada. Por outro lado, com a chegada dos portugueses à nova terra, estes tiveram que passar por uma adaptação, pois trata-se de uma realidade nova para os brancos vindos da Europa. Neste sentido, as condições climáticas interferiam diretamente na saúde dos colonizadores e muitas dessas doenças causavam limitações profundas, tanto físicas, quanto sensoriais. Desse modo, também na formação do povo brasileiro houve, desde o início, casos de deficiências congênitas ou adquiridas, tal como é apontado por Garcia (2011).  De fato, o contato desses povos com os nativos brasileiros, vai inicialmente colocar dois modelos de civilização em contato e com modos de vida distintos. Na prática, os portugueses, já sabiam ou conheciam pessoas com deficiência, mas aqui irão encontrar um povo radicalmente diferente e que agora, tem que conviver para poder atingir seus objetivos na nova terra, a busca por riquezas de origens variadas, desde o extrativismo vegetal e o mineral que era o mais importante.

No período colonial, que vai do século XVI até o XIX, eram mais frequentes que as pessoas tivessem algum tipo de deficiência a partir dos conflitos e guerras estabelecidos pelos conflitos entre o branco europeu e os indígenas que precisavam defender as suas terras da invasão dos colonizadores. Por outro lado, as populações indígenas tinham suas enfermidades, bem como aquelas pessoas que nasciam com algum tipo de limitação física ou biológica, ou seja, com deficiência e que eram tratados de forma muito diferente das populações urbanas brancas europeias, muitas vezes essa criança que nascia com uma deficiência era sacrificada ou deixada abandonada em um local da tribo, isso vai depender do modelo de organização daquele povo que iria resolver a partir dos seus valores o que deveria ser feito com aquela criança que acabara de nascer. Então, a visão das populações indígenas era diferente entre elas, mas que também se diferencia das sociedades brancas europeias e urbanizadas. Então, é preciso compreender esses diversos aspectos da sua cultura e dos seus valores para poder julgar suas ações em termos de acertos ou erros, mas não cabe a nós brancos e urbanizados fazer esse tipo de julgamento. 

Segundo Cristiano (2018), no Brasil, estudos relatam sobre uma tribo indígena denominada Urubu Kaapor que vivem na divisa do Pará com o Maranhão, onde existe um tratamento diferenciado em relação à questão da surdez. Talvez até mesmo motivado pela quantidade de surdos que é de um surdo para cada 75 (setenta e cinco) indígenas. Nessa tribo, os índios ouvintes são bilíngues. Para essa tribo, é natural que os índios, mesmo os ouvintes, aprendam a língua de sinais para se comunicar com todos os índios da tribo. Lá, os componentes não têm a visão de surdez como algo trágico. Os índios surdos também não ficam isolados, já que participam de todas as atividades da tribo e se comunicam com todos.

Aqui, temos uma visão diferente de uma tribo para a outra, pois muitas vezes as populações urbanas e brancas, com seus valores, acham que todas as tribos indígenas agem de forma igual em relação às pessoas com algum tipo de deficiência, tanto a surdez ou a cegueira Neste sentido, podemos perceber que os valores e sentimentos desta, é de acolhimento, integração e socialização da pessoa com surdez. Fato como esse, muitas vezes, impressiona as populações brancas que passam a ter contato com uma tribo indígena como essa que está sendo referida acima. Então, é preciso analisar culturalmente a partir da forma de organização, dos valores e da perspectiva interna de uma tribo indígena para perceber como ocorre a relação deles com as pessoas com deficiência física no âmbito da sua aldeia. 

Entretanto, podemos perceber, a partir das palavras de Peixoto (2011), que representou, até certo ponto, melhorias em termos de percepção e inserção das pessoas com deficiência tanto dos indígenas historicamente, bem como das populações brancas e urbanizadas. Então, podemos afirmar que é todo um processo histórico de inserção das pessoas, mas obviamente, respeitando a cultura e os valores de cada uma, pois geralmente as que habitam grandes cidades, não tem conhecimento para fazer um julgamento de valor em relação às populações indígenas e suas práticas em relação às pessoas com deficiência física, biológica ou mental. 

De outro modo, não cabe aqui fazer julgamentos do ponto de vista atual, mas vale ressaltar estas práticas, pois as crenças e superstições ligadas às tribos indígenas, de alguma forma é um modo de reproduzir a sua história, mesmo em povos que não tinham contato com outros. Ou seja, também entre os indígenas as pessoas com deficiência eram vistas como castigadas pela ação divina, mas com o tempo e o desenvolvimento humano destas, muito foi sendo modificado, apesar que mesmo no século XXI, muitas culturas ainda continuam sem o contato com as populações chamadas civilizadas, principalmente estas que habitam cidades e tem um alto nível de consumo em uma sociedade cada vez mais mercantilizada. Ainda assim, desde a ocupação do território brasileiro, ocorre as relações humanas entre os indígenas e os brancos europeus que ao longo desses séculos foram sendo estabelecidas formas de imposição e dominação de um em relação ao outro, bem como formas de resistência. Diante disso, outros fatos históricos aconteceram, pois essas populações realizaram todo um processo de miscigenação e outros chegaram, aqui também aconteceram conflitos e guerras e que no século XIX é bem evidente.

Mas também nesse período aconteceram outras guerras, no caso brasileiro, podemos citar a guerra do Paraguai. Desse modo, devido ao grande número de soldados que sofriam mutilações, é inaugurado no dia 29 de julho de 1868, no Rio de Janeiro, o “Asilo dos Inválidos da Pátria”. Sendo assim, era uma intenção humanitária, oriunda da preocupação do então general Duque de Caxias, porém o que é citado em termos históricos, são as condições degradantes e com funcionamento muito precário, pois se trata de uma ação  ainda muito inicial e que iria demorar para ter o retorno satisfatório pelos indivíduos que foram acidentados na referida guerra e ficaram com algum tipo de deficiência física. Assim, esse era um dos caminhos a serem percorridos no sentido da inserção dessas pessoas, pois com as guerras esses traumas são cotidianos e muitos são atingidos diretamente, em casos que ficam até mesmo sem um membro do corpo, perna, braço ou outro. Ainda assim, com o avanço e crescimento das cidades brasileiras e da urbanização, obviamente que esses problemas se agravaram e novas organizações e instituições deveriam ser criadas para atender essas demandas das pessoas com deficiência. 

Partindo do ponto de vista de Pereira e Saraiva (2017), e considerando esta perspectiva, podemos perceber o início do percurso acerca da história das pessoas com deficiência no Brasil pelos primeiros “ecos históricos” da sua formação. Nesta direção, identificamos como aspectos importantes desta conjuntura, além da política de exclusão ou de rejeição praticada pelos povos indígenas contra as pessoas com algum tipo de deficiência, os maus tratos praticados contra os escravos africanos provocadores de deficiências, pelas quais se consolidou a associação entre deficiência e doença.

Neste sentido, podemos citar também a história e a trajetória dos povos africanos, pois estes estiveram presentes desde o início do processo de colonização e ocupação da sociedade brasileira. Grande parte da população que trabalhava nas lavouras de cana-de-açúcar eram de origem africana, mas é bom destacar que esses trabalhadores não vieram para o território brasileiro por conta própria, mas sim, estes eram sequestrados em seus países de origem e assim, eram obrigados a trabalharem como escravos em terras brasileiras, onde muitos desses eram violentados, sofriam diversos tipos de castigos físicos, agressões que atingiam tanto a sua condição física como mental. Então, essas populações foram sendo inseridas nas relações de trabalho e, ao mesmo tempo, não tinham seus direitos sociais garantidos. Um escravo, nesse contexto, era uma mercadoria que se comercializava em mercados e feiras, bem como não tinha uma vida própria, nem salários ou qualquer outra garantia de vida social. 

Temos, aqui, uma problemática muito peculiar, pois os negros escravos, a partir do momento em que eram capturados em suas terras de origem e forçados a embarcarem nos navios negreiros, rumo ao Brasil, sofriam diversas atrocidades, bem como repressões, castigos e outras formas de violência física, moral e psicológica. As condições da viagem – como afirmam os documentos, eram propícias ao desenvolvimento de muitas doenças e de sequelas que resultavam em muitas mutilações. Neste caso, as viagens duravam meses e muitos desses possíveis trabalhadores infelizmente morriam durante a viagem e não chegavam em terras brasileiras. Essas condições em que estavam nos navios negreiros, eram denunciadas, mas não havia autoridades para poder combater, então, era preciso que os próprios escravos se rebelassem contra a imposição dos senhores de escravos e seus representantes. 

Como bem aponta Rocha (2007), os registros oficiais não deixam dúvida para a realidade triste e desesperadora a qual foram submetidos os negros no Brasil nos engenhos, plantações e cafezais. Conforme alvará emitido por D. João V, datado de 03 de março de 1741, define e legitima amputações de membros do corpo, como forma de castigo. As leis para atos dessa natureza eram várias e até mesmo com consentimento da Igreja. Temos, então, nessa descrição mais informações importantes sobre as condições dos negros africanos que vieram trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar em território brasileiro. Por outro lado, muitos sofriam formas de violência física que muitas vezes até perdiam uma parte de um membro do corpo, pernas, braços e outros, mas também era fruto de um trabalho manual, braçal e árduo, onde não tinham descanso e uma alimentação insuficiente. Sendo assim, podemos afirmar que essas populações sofriam todos os tipos de violência e não tinham seus direitos sociais respeitados pelos seus detentores, que tinham como ideia e mentalidade, a riqueza e o lucro. 

Neste sentido, a sociedade brasileira precisava avançar em termos de inserção social e no respeito aos direitos sociais de sua população, principalmente a população urbana e pobre que sofria com esses problemas, os indígenas e os negros africanos. São problemas que desde o início do processo de colonização, a sociedade brasileira vai ter que enfrentar, mas somente no século XIX que as primeiras instituições para esse fim são criadas no Brasil, basicamente na cidade do Rio de Janeiro com as escolas para surdo-mudo e para cegos, como já citado. Assim, avançamos um pouco mais para entender mais ações das instituições e autoridade em relação à inclusão da pessoa com deficiência no Brasil, bem como as diversas implicações que envolvem esses grupos sociais, pois historicamente sabemos que todos têm direitos sociais, mas, na prática, não eram respeitados. 

1.8- O século XX e as novas perspectivas em relação às pessoas com deficiência.

Neste item, vamos tratar de algumas questões no século XX, pois muitas anteriores são de alguma forma ligadas ao referido século, pois das experiências anteriores, foram surgindo nova e assim, podemos compreender melhor algumas questões que envolvem grande parte dos problemas para a inserção social e a visibilidade das pessoas com deficiência no Brasil. Sendo assim, vários foram os avanços voltados à atenção para as pessoas com deficiência no Brasil. Com a evolução da medicina surgiu diversos hospitais, clínica e outras instituições, como o Hospital das Clínicas de São Paulo, Imperial Instituto dos Meninos Cegos, Sociedade Pestalozzi de São Paulo, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), do Rio de Janeiro, na perspectiva de Peixoto (2011), que aponta essa série de novas instituições que de alguma forma, demonstra certo desenvolvimento humano e social na luta pela inclusão social desses grupos sociais.  

Todavia, as iniciativas estavam inteiramente ligadas à deficiência e doenças, assim, segundo Dias (2011), o desconhecimento sobre as deficiências perdurou até aproximadamente a primeira metade do século. XX, o que acarretou tratamento de deficiência mental como doença mental. Ainda nesse período, as pessoas com esse tipo de deficiência eram diagnosticadas com os recursos existentes e internadas em instituições sem nenhum contato social. Essa forma de tratamento, ainda era muito limitada e limitadora de todo um processo de inclusão social dessas pessoas, pois até mesmo os profissionais que atendiam no âmbito dessas instituições não tinham um conhecimento aprofundado e nem uma formação acadêmica para atuar de forma mais sistemática e assim, resolver parte ou a totalidade desses problemas. 

Desta maneira, antes da existência dessas instituições, as pessoas com deficiências viviam praticamente somente com as famílias. Com o surgimento desses espaços elas passam a não ser mais responsabilidade familiar, mas também do Estado. Portanto, até 1950 havia aproximadamente 40 (quarenta) instituições de atendimento a deficientes intelectuais e 14 (catorze) para outras deficiências. Ainda era muito pouco para um país que estava crescendo e se desenvolvendo, logo, era necessário inserir essas pessoas em termos de direitos e que esses pudessem ser sentir cidadãos. 

A partir da década de 1980, há um considerável avanço para novas compreensões e entendimento das identidades das pessoas com deficiências tanto em outros países quanto no Brasil. Houve diversas leis e decretos nesse sentido, o que expandiu a vida destes sujeitos com deficiência para além do convívio unicamente familiar. Essas leis e legislação em geral, são fundamentais para garantir os direitos sociais, civis e políticos dessas pessoas, sendo assim, a sociedade civil passou a se organizar para exigir e garantir os serviços públicos a partir de suas demandas. Nesse contexto acontecia o fim da Ditadura Militar no Brasil, os movimentos sociais começam a ir para as ruas e a realidade brasileira começa a ser alterada, bem como a forma de gerenciar as instituições. Neste sentido, a sociedade caminha para um Estado e um governo mais democrático que possa a ouvir e atender determinadas demandas da sociedade civil e de seus grupos organizados. 

Um dos marcos para esse avanço é a declaração da Organização das Nações Unidas (ONU, 1981), como o Ano Internacional da Pessoa Deficiente (AIPD). De acordo com Figueira apud Garcia (2011), com essa importante declaração, as pessoas com  deficiência passam do anonimato e quase inexistência para uma consciência coletiva sobre si e a organizar-se politicamente. Essa organização resulta na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), posteriormente tornando-se emenda constitucional. Por outro lado, reconhecer esses direitos é fundamental para o desenvolvimento de uma legislação mais eficaz, e na presente década, muitas leis e outras garantias surgiram no sentido da defesa da inserção das pessoas com deficiência. 

Portanto, todo esse movimento histórico no qual fizemos um resgate a partir das variadas sociedades humanas e em períodos diferentes, é no sentido de evidenciar as lutas sociais e políticas, mesmo que de forma silenciosa das pessoas com deficiências, pois estas foram resistindo às mais diversas implicações, conflitos e problemas. Sendo assim, podemos destacar os avanços e conquistas, mesmos que lentas, mas importantes para repensarmos práticas atuais e planejarmos melhor as ações para o futuro, tendo em vista a consciência da importância de fazer com que esses indivíduos tenham suas identidades respeitadas e os direitos sociais que todos têm acesso. Nesta perspectiva, é preciso pensar em contribuir para suas melhorias na qualidade de vida, nos aspectos políticos, intelectuais, educacionais, de bem-estar, culturais e econômicos. 

CONCLUSÃO

A análise das percepções e identidades das pessoas com necessidades especiais ao longo da história revela uma evolução significativa no tratamento e na inclusão desses grupos na sociedade. A partir de um resgate histórico, percebem-se vários movimentos que tentam incluir as pessoas com os mais diversos tipos de deficiência, como exemplo a criação dos hospitais e a fundação de escolas para surdos e cegos, observamos um progresso na garantia de direitos e na visibilidade dessas populações. No entanto, a luta pela inclusão plena e pela valorização das identidades desses indivíduos continua sendo um desafio atual, que requer ações políticas e sociais contínuas. É fundamental reconhecer a importância de compreender a história desses grupos para promover uma sociedade mais justa, igualitária e acolhedora para todos os seus membros, independentemente de suas necessidades especiais.

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1Licenciado em Matemática, Mestrando do PPEC-UEG, é professor na Secretaria Estadual de Educação, no SESI e na Maple Bear. Trabalha com Robótica educacional e também é juiz voluntário nos torneios de Robótica da FIRST. Desenvolve um projeto de robótica educacional com alunos deficientes visuais, no Cebrav.
2Professor, Pesquisador, Pedagogo, Advogado, Engenheiro e Físico, possui Mestrado e Doutorado pela Universidade Federal de Goiás e dois estágios de Pós-doutorado uma pela Universidade de Brasília e outro pela Universidade Federal de Goiás. Professor Clodoaldo Valverde é bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2.