PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES DE UM CENTRO DE MATERIAL E ESTERILIZAÇÃO ACERCA DO ESTRESSE OCUPACIONAL

PERCEPTION OF WORKERS AT A MATERIALS AND STERILIZATION CENTER ABOUT OCCUPATIONAL STRESS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202508101251


Franciele Resende Amaral de Assis¹
Kariciele Cristina Corrêa²
Julliceia Nunes Peres³
Rosuita Fratari Bonito⁴


Resumo

Este estudo teve como objetivo identificar os fatores que contribuem para o estresse em trabalhadores auxiliares e técnicos em Enfermagem de um CME. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, realizada com trabalhadores de enfermagem. A coleta de dados ocorreu em dezembro de 2023 por meio da técnica de coleta Grupo Focal. Aplicou-se análise de conteúdo temática de Bardin. A partir da análise de conteúdo, quatro categorias foram formadas: Comunicação ineficaz entre o CME e Centro Cirúrgico; Pressão e sobrecarga de trabalho; Dinâmica de poder e relações hierárquicas entre enfermeiros e equipe técnica e Impacto psicossocial do trabalho. O estudo destacou a complexidade dos fatores que contribuem para o estresse ocupacional no CME e a importância de abordagens abrangentes para reduzir esses impactos. A adoção de estratégias de comunicação eficazes, a reestruturação das cargas de trabalho, a melhoria das relações hierárquicas e a promoção do bem-estar psicossocial são fundamentais para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores do CME e, consequentemente, a qualidade dos serviços prestados.

Palavras-chave: Centro de Esterilização. Estresse ocupacional. Enfermagem. Trabalhadores de Saúde.

Abstract

This study aimed to identify the factors that contribute to stress in nursing assistants and technicians at a CME. This is a qualitative, descriptive and exploratory research, carried out with nursing workers. Data collection took place in December 2023 using the Focus Group collection technique. Bardin’s thematic content analysis was applied. From the content analysis, four categories were formed: Ineffective communication between the CME and the Surgical Center; Work pressure and overload; Power dynamics and hierarchical relationships between nurses and technical staff and psychosocial impact of work. The study highlighted the complexity of factors contributing to occupational stress in CME and the importance of comprehensive approaches to reducing these impacts. The adoption of effective communication strategies, the restructuring of workloads, the improvement of hierarchical relationships and the promotion of psychosocial well-being are fundamental to improving the quality of life of CME workers and, consequently, the quality of the services provided.

Keywords: Sterilization center; Occupational stress; Nursing; Health workers.

1 INTRODUÇÃO

O trabalho representa importante papel na vida social dos indivíduos, pois provê subsistência, oportunidades, crescimento pessoal, identidade social e autoestima. Por outro lado, pode trazer consequências à saúde (Gragnano, 2020), as más condições de trabalho geram ansiedade, insatisfação e sofrimento ao trabalhador, que se torna frágil. Esta susceptibilidade pode, ao longo do processo de trabalho, ser uma forte aliada no agravo ao adoecimento físico e mental (Souza; Bernardo, 2019).

O estresse no trabalho ocorre quando as exigências das atividades não coincidem com as capacidades ou necessidades do trabalhador e ultrapassam suas habilidades para enfrentá-las, provocando reações físicas e emocionais. Tais circunstâncias podem acarretar um desgaste excessivo do organismo, tanto fisicamente quanto emocionalmente, interferindo na produtividade (Briguglio, 2021).

Os estressores ocupacionais chamam atenção pelo fato de o trabalhador se mostrar incapaz de enfrentar fontes geradoras de estresse, tendo como consequências a instabilidade laboral, hipertensão, insônia, fadiga, entre outros problemas específicos do estresse. São fatores pontuais em que o trabalhador passa a negligenciar a si mesmo, a família e, consequentemente, o trabalho. Diante desse contexto, surge a necessidade de acrescer estratégias para confrontar esses estressores, a fim de melhorar a qualidade de vida (Soares; Mafra; de Farias, 2019).

Ao observar os trabalhadores da saúde, percebe-se que estes estão submetidos a limitações estruturais nos serviços, falta de recursos humanos, formação inadequada, carência de materiais e forte hierarquização, quase sempre sem o devido reconhecimento profissional e financeiro, e esses trabalhadores acabam sucumbindo aos agravos psicossomáticos (Souza et al., 2022). Características do trabalho de Enfermagem no ambiente hospitalar, como a exposição contínua a cargas biológicas, químicas e ergonômicas, além das demandas psíquicas e das condições desfavoráveis do trabalho e do próprio ambiente laboral, contribuem para o adoecimento físico e mental dos trabalhadores (Gallotti et al., 2021).

Dentro do cenário hospitalar, o Centro de Material e Esterilização (CME) é uma unidade essencial para apoiar as atividades assistenciais, embora seus trabalhadores não estejam envolvidos no cuidado direto ao paciente. A maioria dos estudos sobre fatores psicossociais e estresse se concentra nos profissionais que prestam assistência direta, negligenciando frequentemente os setores de apoio, como o CME, devido à falta de literatura específica (Guissi et al., 2019).

Atividades de recepção, expurgo, limpeza, descontaminação, preparo, esterilização, guarda e distribuição dos materiais utilizados por diversos setores na estrutura organizacional são de responsabilidade do CME, garantindo assim o adequado funcionamento institucional (Primaz, 2021). Neste sentido, os trabalhadores do CME trabalham em um ritmo acelerado, com exigências físicas e mentais, sendo expostos a riscos químicos, físicos e biológicos. A associação desses fatores gera desgaste, ansiedade e medo, comprometendo a saúde dos trabalhadores e a qualidade do serviço prestado (Rego et al., 2020).

Sabendo que o estresse ocupacional é comum no ambiente hospitalar, e que o CME possui especificidades que podem conduzir os trabalhadores ao adoecimento, este estudo tem por objetivo, identificar os fatores que contribuem para o estresse em trabalhadores auxiliares e técnicos em Enfermagem de um Centro de Material e Esterilização.

2 MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo e exploratório que se desenvolveu no Centro de Material e Esterilização de um hospital Universitário vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), na cidade de Uberlândia-MG. No momento da coleta de dados, a equipe do CME era constituída por 58 trabalhadores, incluindo 24 auxiliares de enfermagem, 27 técnicos de enfermagem e 07 enfermeiros.

A coleta de dados aconteceu em dezembro de 2023, por meio da técnica do Grupo Focal. Participaram do grupo dez trabalhadores, sendo quatro auxiliares e seis técnicos em enfermagem, que estavam escalados para trabalhar naquele dia e horário e que quiseram participar da pesquisa, tratando-se de uma amostra por conveniência. Para manter o anonimato dos participantes, eles foram identificados da seguinte forma: CME 01, CME 10, CME 24, CME 30, CME 31, CME 38, CME 39, CME 41, CME 44 e CME 46.

O grupo focal foi agendado previamente e realizado no local e no horário de trabalho, em ambiente privativo, gravado em aparelho multimídia, formato MP3, com duração média de 1 hora. Após explicação aos participantes sobre os objetivos da pesquisa e consulta em relação ao interesse em participar, eles consentiram pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Para condução do grupo, foram feitas duas perguntas norteadoras: 1– Fale sobre o seu trabalho no CME e sua percepção sobre o que te causa estresse. 2- Relacione seus sentimentos quando vivencia situações de estresse em seu ambiente de trabalho. As gravações foram transcritas, garantindo a manutenção das impressões observadas, além da entonação de voz, pausas, entre outras.

Para organizar e classificar os dados, utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo de Bardin (2011), na modalidade temática, seguindo as seguintes etapas: leitura, determinação das unidades de registro; codificação e classificação; tratamento e interpretação dos resultados. A codificação das falas e a elaboração da nuvem de palavras foram realizadas utilizando o software ATLAS TI versão online.

Para realização do estudo, foram atendidos os preceitos éticos e a Resolução nº466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, que dispõe sobre Diretrizes e Normas Regulamentadoras para pesquisas envolvendo seres humanos. A coleta de dados foi iniciada após autorização do HUF da Rede EBSERH e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A maioria dos participantes do grupo focal era do sexo feminino (80% dos participantes), com idades entre 32 a 58 anos e tempo de trabalho no CME variando de 1 a 20 anos. Após transcrição e leitura das falas dos trabalhadores, foi realizada a codificação com base na análise de conteúdo proposta por Bardin, resultando em 254 códigos. Entre eles, os mais frequentes foram: frustração (19 vezes); estresse (17 vezes); comunicação (12 vezes); conflito interpessoal (8 vezes); comunicação ineficaz (6 vezes); insatisfação (6 vezes); sobrecarga (6 vezes); trabalho em equipe (6 vezes), hierarquia (6 vezes) e pressão (5 vezes).

Ainda, para ilustrar os termos frequentemente mencionados durante a realização do grupo focal, foi criada uma nuvem de palavras abrangente (Figura 1).

Figura 1 – Nuvem de palavras a partir do Grupo Focal

Fonte: elaborado pelas autoras, 2024.

A nuvem de palavras revela as preocupações e temas frequentemente abordados pelos trabalhadores do CME, destacando palavras como: centro cirúrgico, enfermeiros, estresse, comunicação, elevador, interfone e distribuição.

A partir da criação dos códigos e da nuvem de palavras, foi possível condensar e lapidar os dados, trazendo como resultado quatro categorias temáticas, que são: 1- Comunicação ineficaz entre o CME e Centro Cirúrgico; 2- Pressão e sobrecarga de trabalho; 3- Dinâmica de poder e relações hierárquicas entre enfermeiros e equipe técnica e 4- Impacto psicossocial do trabalho.

3.1 Comunicação ineficaz entre o CME e Centro Cirúrgico

Nesta categoria, os depoimentos dos trabalhadores refletem a falta de compreensão do Centro Cirúrgico sobre os processos de trabalho do CME. Esse desconhecimento, aliado à urgência exacerbada nas solicitações, impacta diretamente a comunicação entre os setores e a qualidade do ambiente de trabalho. A relação conflituosa resultante contribui significativamente para o estresse e a insatisfação dos trabalhadores do CME. Melhorar a comunicação entre CME e Centro Cirúrgico é essencial para reduzir o estresse e promover um ambiente de trabalho mais harmonioso.

A equipe do centro cirúrgico é difícil, é um pessoal complicado! É um pessoal com o rei na barriga, que não pede, eles mandam e tem que ser do jeito que eles querem. (CME 41)

Nós já cansamos de falar para enfermeiro do centro-cirúrgico, para médico que o processo inteiro demora 6 horas. Se correr tudo certo. Porque aqui também, nas nossas entrelinhas, ocorrem intercorrências. Energia acaba, a máquina dá defeito! Pelo centro-cirúrgico, o CME é como um micro-ondas. E não é. É um processo inteiro que a gente faz, não gasta menos que 6 horas. (CME 10)

Só que muitas vezes eles chegam realmente com essa coisa de eu quero ter agora. Isso não é assim, parece que não foi estudado, muitas vezes parece que não sabe. A gente sabe a logística, como funciona. (CME 41)

E eles ligam para cobrar coisas que você já colocou no elevador e eles não abriram lá embaixo para ver o que estava lá. Aí você fica igual doido, sobe o elevador, que eles nem sobem, você olha e o material está lá dentro. (CME 24)

Acho que o Centro Cirúrgico tem que vir para dentro da CME para poder entender o nosso processo. (CME 41)

Eu tento ser a mais educada possível no interfone, de entender que para eles lá, por ser uma área essencial, é muito estressante, né? Mas realmente tem gente muito mal-educada aí, sabe, você fala com eles com boa vontade, com bom humor, né? Você explica, mas eles se recusaram a entender. (CME 46)

Os depoimentos apresentam-se em concordância com o estudo de Medeiros; Schneider; Glanzner (2021), que apontou que as maiores dificuldades de comunicação identificadas pelos trabalhadores do CME estão relacionadas a outras unidades, especialmente ao Centro Cirúrgico, e que a comunicação não assertiva e o desconhecimento dos processos de trabalho entre as unidades geram impactos negativos, aumentando o risco psicossocial e causando desgaste aos trabalhadores.

Diversos fatores podem estar associados às dificuldades no processo de trabalho no CME, incluindo a falta de comunicação entre os profissionais, o descompromisso dos funcionários de outros setores que não respeitam as regras de funcionamento do CME e a falta de compreensão de outros profissionais que desconhecem as limitações do setor (Miranda; Pinheiro; Silva, 2019).

Frequentemente, profissionais de saúde, incluindo os próprios trabalhadores de enfermagem, não valorizam nem reconhecem o trabalho no CME devido à falta de conhecimento sobre as atividades realizadas nesse setor. Esse desconhecimento leva a uma compreensão equivocada da complexidade e responsabilidades envolvidas no processamento de produtos, cuja principal função é assegurar o sucesso dos procedimentos nas unidades assistenciais (Araújo, 2023).

No contexto do Centro Cirúrgico, a comunicação torna-se crucial devido à complexidade e à natureza interdisciplinar dos processos de trabalho. Problemas na comunicação, seja oral ou escrita, podem provocar erros que resultam em eventos adversos para trabalhadores e pacientes. Entretanto, quando a comunicação é eficaz, ela se destaca como uma excelente ferramenta de gestão, contribuindo significativamente para a segurança nos procedimentos anestésico-cirúrgicos (Martins; Dall’agnol, 2016).

3.2 Pressão e sobrecarga de trabalho

As falas dos trabalhadores ilustram a intensidade e complexidade das atividades realizadas no CME, evidenciando como a alta demanda, a urgência constante e as condições ergonômicas inadequadas impactam negativamente o bem-estar físico e mental destes trabalhadores. A implementação de medidas para aliviar a sobrecarga de trabalho e melhorar as condições de trabalho pode contribuir para a saúde e a satisfação dos trabalhadores.

Dependendo da escala, você está na distribuição e mais no resto da CME inteira. Com coisa que quem está lá não trabalha. E pelo que eu vi aqui dos colegas, lá é o que mais estressa, devido às campainhas, ao centro-cirúrgico e tal. E aí sem falar que são 3 autoclaves funcionando 24 horas, então toda hora tem carrinho para descarregar. (CME 30)

A distribuição também, quando eu fico lá, é o dia que eu saio mais cansada, mais estressada e com mais dor no corpo. Porque tem que descarregar os carrinhos e são pesados ​​os campos. Aí é o tempo todo atender a campainha, as caixas são pesadíssimas, aí a gente ainda tem que ir montar alguma coisa na área de preparo, porque senão a coordenadora vai lá, porque ela já foi e me falou: “Eu não vi você indo lá montar nada! Eu falei para ela: “Não deu tempo ainda. (CME 31)

Me incomoda demais o tanto de campainha. Tem hora que a gente sai daqui você fala assim: gente, onde que eu moro? Não, não consigo nem chegar. Porque a gente não atende só o monta-carga. A gente atende o monta-carga, a gente pega o material todo que está saindo da autoclave. Eu tenho que guardar tudo. Eu tenho que prestar atenção em conferir tudo o que foi anotado. (CME 10)

E falando a respeito da urgência das coisas para cirurgias de mutirão, não tem material suficiente, você tem que lavar material na mão, aí o residente chega com material e aí eu tenho que ter tempo para lavar esse material. Aí ele fica parado me esperando lavar o material. (CME 01)

Geralmente é assim, às vezes há uma pessoa num intervalo de almoço, e fica só uma pessoa no expurgo, aí chega o residente com cinco caixas pra gente conferir, e ele quer que a gente confira naquela hora. (CME 01)

A literatura aponta que as más condições laborais podem resultar em sérios prejuízos à saúde, como lesões osteomusculares, alterações fisiológicas e prejuízos à qualidade de vida.

Segundo Hoffmann e Glanzner (2019), os principais fatores que afetam a saúde física dos trabalhadores incluem sobrecarga de trabalho, contaminação biológica, agravos ergonômicos e exposição a agentes físicos e químicos. A sobrecarga de trabalho é destacada como o principal fator, resultante de alta demanda de tarefas e falta de tempo para realizá-las, o que força os trabalhadores a atuarem em ritmo acelerado, aumentando o esforço físico e a predisposição a acidentes ocupacionais e erros assistenciais.

No CME, os trabalhadores estão frequentemente submetidos à pressão de tempo, já que tudo é considerado urgente. A execução de atividades de variadas complexidades é exigida, o que implica que os profissionais precisam ser altamente especializados e capacitados. Isso mantém um ciclo de rigidez, cobrança e ritmo intenso. Essas características podem acarretar custos físicos, cognitivos e emocionais, que podem levar ao sofrimento e até ao adoecimento do profissional (Hoffmann; Glanzner, 2019).

Em 2018, um estudo realizado com 18 trabalhadores de enfermagem de um CME em um hospital universitário, teve como objetivo conhecer a percepção da equipe sobre o processo de trabalho no CME, e os resultados destacaram a sobrecarga de trabalho como uma das principais dificuldades enfrentadas por esses profissionais, evidenciando a alta demanda de atividades e o impacto negativo no bem-estar dos trabalhadores (Miranda; Pinheiro; Silva, 2019).

É importante destacar que praticamente todas as atividades em uma central de materiais, além de requererem força física, são tarefas repetitivas e/ou monótonas que seguem uma sequência de processamento e controle essencial para a produtividade. Ainda, essas atividades obrigam o trabalhador a manter posições desconfortáveis por várias horas seguidas para realizar seu trabalho (Rego et al., 2020). Além disso, sabe-se que a escassez de recursos humanos resulta em sobrecarga de trabalho e, consequentemente, precarização nas condições de trabalho e possibilidade de erros nos processos realizados (Miranda; Pinheiro; Silva, 2019).

Diante do exposto, é fundamental que os gestores apoiem ativamente as instituições de saúde, assegurando a disponibilização adequada de profissionais, estrutura física e materiais. Esse suporte é crucial para proporcionar um atendimento eficiente e de qualidade, reduzindo a sobrecarga de trabalho e promovendo um ambiente de trabalho mais saudável para os trabalhadores do CME (Bugs et al., 2017).

3.3 Dinâmica de poder e relações hierárquicas entre enfermeiros e equipe técnica

Esta categoria aborda a dinâmica de poder entre enfermeiros e equipe de auxiliares e técnicos em enfermagem, destacando a imposição de cobranças, vigilância constante e sensação de opressão vivenciada por estes trabalhadores. Estes, expressaram desconforto, pressão e desvalorização devido à supervisão dos enfermeiros, sentindo-se constantemente observados e vigiados, o que gera ansiedade e um ambiente de trabalho tenso. Promover uma liderança mais empática e comunicativa pode favorecer um ambiente mais colaborativo e saudável. Ainda, é crucial que a equipe técnica compreenda as atribuições dos enfermeiros como líderes e supervisores, estando consciente de suas responsabilidades e empoderando-se em suas funções. Isso pode reduzir conflitos se tensões, permitindo uma abordagem mais empática e respeitosa no ambiente de trabalho.

A sensação é de não estar fazendo ou de estar fazendo alguma coisa errada. A gente está ali na distribuição e isso de ter que estar sempre fazendo alguma coisa, porque se entrar lá dentro, se você não estiver fazendo alguma coisa, aí a gente se sente ruim, sabe? Parece que a gente está fazendo alguma coisa errada. Porque a pessoa está te vigiando. Entra caladinha assim, fica entrando ali no meio daquelas prateleiras. (CME 39)

É a questão da pessoa em si, querer demonstrar competência através da imposição de poder em coisas que não são necessárias, porque aqui somos todos adultos, todo mundo sabe o que precisa fazer. Obviamente tem alguns, como em todos os serviços, alguns mais proativos, outros menos proativos, mas não, a necessidade que uma pessoa tem de demonstrar que ela é hierarquicamente maior. (CME 46)

E se você faz qualquer coisinha, faz reunião, falando que está tendo problemas com hierarquia, que a gente não entende que é técnico, que ela é enfermeira e que tem que reportar tudo a ela, mas se você reporta, ela não entende, no final das contas a gente ainda tem que resolver. (CME 24)

A líder nos dá liberdade para a gente resolver muita coisa. Mas já teve situação de outra enfermeira chegar e falar assim: “Quando acontecer isso, você me reporta, porque quem decide, quem precisa falar sou eu! (CME 10)

A relação entre técnico de enfermagem e enfermeiros como um todo, eu vejo isso. Está muito gritante. Tem muita gente muito abalada com essa relação. Sabe, eu acho que está precisando de uma reformulação de como falar ou de quem é essa atribuição real? É minha ou não é? (CME 41)

As declarações dos participantes corroboram o estudo de Santos et al. (2020), que avaliou a percepção dos técnicos de enfermagem sobre o perfil de liderança dos enfermeiros em diferentes contextos de atuação, e 45% dos trabalhadores na área hospitalar consideraram os enfermeiros líderes autocráticos (Santos., et al 2020).

A resolução n. 424/2012 do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), menciona que o profissional enfermeiro é capacitado para exercer o cargo de chefia e liderança dentro do CME, cabendo a ele supervisionar o trabalho da equipe técnica e acompanhar todos os detalhes do processo (COFEN, 2012). No contexto da Enfermagem, a liderança é uma competência essencial para a atuação do enfermeiro. As características fundamentais desse papel incluem comprometimento, comunicação eficaz, capacidade de escuta, visão ampla, trabalho em equipe, coerência entre discurso e prática, ética, flexibilidade e habilidade para promover um ambiente saudável (Souza et al., 2013).

Para a equipe técnica, é essencial que o profissional desenvolva uma identificação com o objeto de trabalho do CME, que são os materiais, e não pessoas. É importante que este profissional saiba que o trabalho no CME é frequentemente detalhista e repetitivo, focado em produtividade e sujeito a padrões e controles de qualidade rigorosos (Sobecc, 2021). Neste cenário, os enfermeiros têm o desafio de supervisionar estes profissionais, influenciando significativamente o desempenho da equipe e a qualidade do atendimento (Fonseca et al., 2024).

Sabe-se que a comunicação deficitária pode ser um potencializador de estresse e dificulta as relações entre enfermeiros e outros membros da equipe, afetando a harmonia entre os trabalhadores (Martins, et al 2014). Por outro lado, a comunicação eficaz pode ser um importante artefato para o estabelecimento de bons vínculos no trabalho. Sendo assim, para que as relações no ambiente de trabalho sejam saudáveis, o enfermeiro tem papel relevante para sensibilizar e estimular as relações entre seus colaboradores (Garcia et al., 2017).

3.4 Impacto psicossocial do trabalho

Os sentimentos de exaustão física e emocional, insatisfação e desmotivação experimentados pelos trabalhadores do CME ficaram evidentes em suas falas. Esta categoria destaca o impacto psicossocial do trabalho na saúde mental e emocional dos funcionários, evidenciando a necessidade de intervenções voltadas ao bem-estar psicológico dos trabalhadores, como programas de apoio psicológico e estratégias de enfrentamento do estresse.

Os trabalhadores mencionaram sentimentos de estresse, ansiedade, desgaste emocional e insatisfação com o trabalho:

Aí eu tenho uma urticária, uma alergia, sei lá, por estresse. Vontade de vomitar. Na hora que eu venho para o serviço, na hora de tomar banho para vim para cá, já me dava náusea. Aí pedi para vir para o dia para fugir, já que o sistema não muda, mudo eu. (CME 38)

Tem dia que eu saio parecendo que tem um peso assim nas costas. Quando estou aqui, fico meio estressada, me sentindo acuada. Aí quando eu vou embora eu fico mais aliviada. E quando eu venho pro trabalho, tem dia que também tenho uma certa dificuldade de vir. CME 31

Me sinto desgastada, insatisfeita, sem estímulo para voltar no outro dia. Isso tem me entristecido totalmente. (CME 10)

Então a gente já não está tendo mais estímulo de trabalhar, não quero! Eu estou me sentindo um robô. Só faço aquilo. Não posso sair para cá de jeito nenhum. Não posso, porque se não vai chegar e me chamar atenção. (CME 10)

“Eu amava isso aqui. Eu levei para psicóloga. Recentemente fui em um psiquiatra, estou tomando medicação […]. Então acho que a palavra é sofrimento mesmo! Sofrimento! Causou depressão, e isso é um horror! (CME 24)

Segundo Vilela e Vidal (2010) um ambiente de trabalho baseado no estresse e no conflito estimula o trabalhador a desenvolver mecanismos de defesa como forma de proteção. O uso constante destes mecanismos protetivos, geram desequilíbrio emocional, resultam com o passar do tempo, em distúrbios mentais como ansiedade, depressão, Síndrome de Burnout (SB), entre outros.

Um estudo transversal realizado com 35 trabalhadores de Enfermagem do CME, mostrou que estes trabalhadores consideravam seu trabalho importante e significante, porém vivenciavam alto risco psicossocial referente à exigência de atenção e exigência emocional das atividades desenvolvidas no setor. Poucos estavam satisfeitos com o trabalho, com o ambiente e com a utilização das habilidades individuais para o serviço (Silva et al., 2021).

A saúde dos trabalhadores deve ser uma prioridade central nas instituições, com foco na avaliação das causas do adoecimento e na intervenção preventiva, antes que ações curativas se tornem necessárias. Identificar os aspectos positivos e negativos da organização do trabalho ajuda os gestores a reforçar práticas benéficas no dia a dia e a intervir nos pontos que necessitam de atenção, prevenindo a exposição dos trabalhadores a riscos psicossociais (Medeiros; Schneider; Glanzner, 2021).

Para Hoffmann e Glanzner (2019) a manutenção da saúde física e mental do trabalhador do CME pode ser concretizada através do investimento da instituição em materiais e equipamentos de qualidade e mudanças nas rotinas, tornando-as mais seguras, como também, a conscientização do trabalhador sobre sua parcela de responsabilidade no cuidado à sua saúde. Isso deve ser estimulado, pois os resultados apenas serão plenos quando as duas frentes, instituição de trabalho e trabalhador, estiverem unidos em busca de melhores resultados.

4 CONCLUSÃO

O presente estudo revelou que os trabalhadores do CME enfrentam diversos fatores estressores ocupacionais que impactam significativamente sua saúde física e mental. Por meio das quatro categorias temáticas identificadas – Comunicação ineficaz entre o CME e Centro Cirúrgico; Pressão e sobrecarga de trabalho; Dinâmica de poder e relações hierárquicas entre enfermeiros e equipe técnica; e Impacto psicossocial do trabalho – foi possível ter uma visão abrangente dos desafios enfrentados por esses trabalhadores.

Este estudo destaca a complexidade dos fatores que contribuem para o estresse ocupacional no CME e a importância de abordagens abrangentes para reduzir esses impactos. A adoção de estratégias de comunicação eficazes, a reestruturação das cargas de trabalho, a melhoria das relações hierárquicas e a promoção do bem-estar psicossocial são fundamentais para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores do CME e, consequentemente, a qualidade dos serviços prestados.

Embora os resultados não permitam generalizações amplas, eles fornecem um panorama ilustrativo dos desafios enfrentados pelos trabalhadores do CME. Nesse sentido, mais pesquisas são necessárias para identificar e avaliar a presença do estresse ocupacional nesse setor, assim, será possível elaborar intervenções que previnam ou diminuam sua ocorrência, melhorando o bem-estar dos trabalhadores.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Desuite Helena Peçanha da Silva. Reconhecimento e valorização do trabalho e do trabalhador de Enfermagem em Central de Material e Esterilização. 2023. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMEIROS DE CENTRO CIRÚRGICO, RECUPERAÇÃO ANESTÉSICA E CENTRO DE MATERIAL E ESTERILIZAÇÃO. Diretrizes de Práticas em Enfermagem Perioperatória e Processamento de Produtos para Saúde. 8. ed São Paulo: SOBECC, 2021.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011.

BUGS, T.V. et al. Perfil da equipe de Enfermagem e percepções do trabalho realizado em uma central de materiais. Revista Mineira de Enfermagem, Belo Horizonte, v. 21, p. 1-8, 2017.

BRIGUGLIO, G. et al. Salivary Biomarkers and Work-Related Stress in Night Shift WORKERS. International Journal of Environmental Research and Public Health, Basel, v.18, n. 6, p. 3184, 2021.

COFEN – CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução n. 424/2012: Normatiza as atribuições dos profissionais de Enfermagem em Centro de Material e Esterilização e em empresas processadoras de produtos para saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, Seção 1, p. 186, 23 abr. 2012.

DA SILVA, A. G. I. et al. Boas práticas de liderança do enfermeiro no contexto hospitalar. Revista Nursing, Osasco, v. 24, n. 276, p. 5726-5730, 2021.

FONSECA, M. C. et al. Atuação do profissional enfermeiro em centros de materiais e esterilização: uma revisão de literatura. Contribuciones a las Ciencias Sociales, [S. l.], v. 17, n. 1, p. 7092-7110, 2024.

DE GARCIA, B. L. et al. Relação entre liderança e vínculos profissionais: percepção de enfermeiros. Revista Pesquisa em Saúde, São Luís, v. 18, n. 2, p. 114-118, 2017.

GALLOTTI, F. C. M. et al. Relação das condições de trabalho e o adoecimento dos profissionais de enfermagem. Cadernos de Graduação – Ciências Biológicas e da Saúde, Sergipe, v. 6, n. 3, p. 47-58, 2021.

GRAGNANO, A.; SIMBULA, S.; MIGLIORETTI, M. Work – Life Balance: Weighing the Importance of Work–Family and Work-Health Balance. International Journal of Environmental Research and Public Health, Basel, v. 17, n. 3, p. 907, 2020.

GUISSI et al. Os fatores psicossociais no trabalho e estresse entre os profissionais de enfermagem de uma Central de Materiais Esterilizados. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, São Paulo, v. 17, n. 4, p. 499-505, 2019.

GLANZNER, C. H.; HOFFMANN, D. A. Fatores que interferem na saúde do trabalhador de enfermagem do Centro Cirúrgico: revisão integrativa. Revista Cubana de Enfermagem, Havana, v. 35, n. 4, p. 1-24, 2019.

MARTINS, C. C. F. et al. Relacionamento interpessoal da equipe de enfermagem x estresse: limitações para a prática. Cogitare Enfermagem, Curitiba, v. 19, n. 2, p. 309-315, 2014.

MARTINS, F. Z.; DALL’AGNOL, C. M. Centro Cirúrgico: desafios e estratégias do enfermeiro nas atividades gerenciais. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 37, n.4, p. 1-8, 2016.

MEDEIROS, N. M.; SCHNEIDER, D. S. S.; GLANZNER, C. H. Centro de materiais e esterilização: riscos psicossociais relacionados à organização prescrita do trabalho da enfermagem. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 42, p. 1-8, 2021.

MIRANDA, A. R.; PINHEIRO, M. G.; DA SILVA, E. R. O processo de trabalho no centro de material e esterilização: percepção da equipe de enfermagem. Revista Recien, São Paulo, v. 9, n. 27, p. 33-45, 2019.

PRIMAZ, C. G. et al. Educação no centro de materiais e esterilização: revisão integrativa. Revista SOBECC, São Paulo, v. 26, n. 3, p. 172-180, 2021.

REGO, G. M. V. et al. Quality of life at work in a central sterile processing department. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 73, n. 2, p. 1-7, 2020.

SANTOS, R. B. et al. Perfil de liderança do enfermeiro: concepção dos técnicos de enfermagem. Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 3, n. 1, p.416-430, 2020.

SILVA, V. et al. Avaliação dos riscos psicossociais no centro de material e esterilização do norte do Brasil. Revista SOBECC, São Paulo, v.26, n.1, p. 4-11, 2021.

SOUZA, A. B. et al. Promoção de saúde e os riscos no ambiente de trabalho. Disciplinarum Scientia – Sociais Aplicadas, Santa Maria, v. 18, n. 1, p. 1-12, 2022.

SOUZA, H. A.; BERNARDO, M. H. Prevenção de adoecimento mental relacionado ao trabalho: a práxis de profissionais do Sistema Único de Saúde comprometidos com a saúde do trabalhador. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 44, p. 1-8, 2019.

SOARES, M. B.; MAFRA, S. C. T.; FARIA, E. R. Factors associated with perceived stress among professors at a federal public university. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 90-98, 2019.

SOUZA, R. B. et al. Organização e liderança no trabalho do enfermeiro: percepção de enfermeiros e técnicos de enfermagem. Revista Enfermagem em Centro-Oeste Mineiro, Divinópolis, v. 3, n. 2, p. 687-695, 2013.

VILELA, N. B.; VIDAL, S. V. A equipe de enfermagem de um hospital e a Síndrome de Burnout: relação perigosa. Pesquisa e Cuidado Fundamental, Natal, v. 4, n. 2, p. 1275-1285, 2010.


¹Discente do Programa de Pós-graduação em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Instituto de Geografia, Geociências e Saúde Coletiva da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: franciele.amaralassis@gmail.com;
²Enfermeira do Centro de Material e Esterilização do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). E-mail: kariciele.correa@ebserh.gov.br;
³Discente do Programa de Pós-graduação em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Instituto de Geografia, Geociências e Saúde Coletiva da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: julliceia@gmail.com;
⁴Docente do Programa de Pós-graduação em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Instituto de Geografia, Geociências e Saúde Coletiva da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: rosuita.bonito@gmail.com.