PERCEPÇÃO DOS DOCENTES DO ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO NA FORMAÇÃO DO CIRURGIÃO-DENTISTA

PERCEPTION OF PROFESSORS OF THE MANDATORY CURRICULAR INTERNSHIP IN THE TRAINING OF DENTAL SURGEONS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202407311233


Mônica Maria de Albuquerque Pontes1
Rosana Maria Coelho Travassos2
Vanda Sanderana Macêdo Carneiro3
Verônica Maria de Sá Rodrigues4
Alexandre Batista Lopes do Nascimento5
Vânia Cavalcanti Ribeiro da Silva6
Kattyenne Kabbaz Asfora7
Priscila Prosini8
Maria do Socorro Orestes Cardoso9
Paulo Maurício Reis de Melo Júnior10


RESUMO

Os estágios supervisionados vêm sendo utilizados como espaços de prática em ensino nas áreas da saúde, viabilizando a inserção dos graduandos em cenários concretos de ensino-aprendizagem. O objetivo deste estudo foi avaliar a percepção dos professores do curso de graduação em Odontologia da Faculdade de Odontologia de Pernambuco (FOP-UPE) sobre o processo de formação acadêmica do cirurgião-dentista no contexto do Estágio Profissional Supervisionado. Trata-se de um estudo de natureza descritiva, no qual foi aplicado um questionário semiestruturado com 10 questões fechadas e 2 abertas (qualiquantitativo), a uma amostra de 53 docentes. Os dados foram analisados descritivamente através de frequências absolutas e percentuais, e também, pela Técnica de Bardin, onde revelaram que 98,1% dos professores consideram que os estágios curriculares contribuem para a formação do aluno do curso de Odontologia; 94,33% acreditam que estagiar no SUS é importante para formação do estudante;81,1% afirmam que é necessário o professor supervisor se fazer presente durante o estágio; 75,5% dos professores julgam que o estágio estimula o estudante para o trabalho em equipe multiprofissional; 100% dos mesmos entendem que o estágio é uma oportunidade de aprendizado para o estudante; 98,1% afirmam como sendo importante a aproximação do serviço com a academia, e 96,2% reconhecem que a prática extramuro proporciona experiências necessárias à formação profissional do egresso. Observa-se que modificações no estágio curricular são necessárias, segundo 96,2% dos entrevistados.  As sugestões de melhoria incluíram a inserção do professor supervisor, a inspeção dos locais de estágio antes de lotar o estudante, maior integração ensino-serviço, a abertura de um espaço para discussão de condutas realizadas na academia e no serviço. O estudo permitiu verificar algumas deficiências da prática extramuro, identificadas pelos entrevistados.  Entretanto, foi de senso comum das respostas que há a necessidade de um alinhamento entre a Faculdade e o Serviço.

Palavras-chaves: Educação em odontologia; Formação profissional; Estágio clínico.

ABSTRACT

Supervised internships have been used as spaces of practice in teaching in the health areas, making possible the insertion of undergraduates into concrete teaching-learning scenarios. The objective of this study was to evaluate the perception of the teacher of the undergraduate course in Dentistry of the Faculty of Dentistry of Pernambuco (FOP-UPE) on the process of academic training of the dental surgeon in the context of the Supervised Professional Internship. This is a descriptive study, in which a semi-structured questionnaire with 10 closed questions and 2 open questions (qualitaiquantitative) was applied to a sample of 53 teachers. The data were analyzed descriptively through absolute and percentage frequencies, and also, by the Bardin Technique, which revealed that 98.1% of the teachers consider that the curricular stages contribute to the formation of the student of the Dentistry course; 94.33% believe that internships in SUS are important for student training, 81.1% stated that it is necessary for the supervisor to be present during the internship, 75.5% of the teachers believe that the internship stimulates the student to work in a multiprofessional team, 100% of them understand that the internship is a learning opportunity for the student; 98.1% affirm that it is important to approach the service with the academy and that it provides the necessary experiences for their professional training (96.2%). It is observed that changes in the curricular stage are necessary, according to 96.2% of the interviewees. Suggestions for improvement included the insertion of the supervising teacher, the inspection of the internship sites before filling the student, greater teaching-service integration, the opening of a space for discussion of conducts carried out in the academy and in the service. The study allowed to verify some deficiencies of the extramural practice, perceived by the interviewees. However, it was common sense from the answers that there is a need for an alignment between the Faculty and the Service.

Key-words: Education dental; Professional training;Clinical clerkship.

1. Introdução

Nas últimas décadas, referenciais inovadores, dentro de uma concepção crítica da educação, vêm mudando de cenário a favor de uma adesão pedagógica progressista, evidenciando o ser humano sob o prisma da qualidade de vida e promoção da saúde, acompanhando as políticas públicas da Educação e da Saúde, e o ensino superior tem sido palco de muitas discussões acerca das novas formas de transmitir o conhecimento dentro de uma perspectiva crítica e reflexiva, centrada na integralidade (Scorzoni; Bueno; Coscrato, 2013).

Em um período de demandas sociais e questionamentos em relação à eficiência e qualidade das práticas pedagógicas que são aplicadas nas Instituições de Ensino Superior, surge a indagação relacionada à formação docente, com suposições até de rever este processo formador, visando a melhora no desenvolvimento de profissionais. Para essa questão, existem duas linhas de pensamento, na qual a primeira delas é a de que se deve construir um projeto pedagógico de qualidade que provoque a chegada de novas demandas para os professores dos cursos,e a segunda, que deve-se haver a constante formação e atualização do corpo docente, permitindo fidelidade e qualidade quanto às atividades acadêmico-científicas e informações nelas presentes (Secco; Pereira, 2004).

É de suma importância a mudança na educação de profissionais de saúde frente à necessidade de formar especialistas capazes de atender às demandas advindas do serviço público de saúde vigente no país, e consequentemente, trazer resultados mais eficazes para melhoria da qualidade de vida da população (NORO et al., 2015). Neste contexto, é requerido dos docentes proficiência em sua área de atuação, técnicas adequadas e formação baseada na mesma linha das atuais Diretrizes Nacionais Curriculares (DCNs), que são importantes fatores para alcançar a transformação do perfil profissional tradicional, visando assim, formar mão de obra capacitada para trabalhar nas mais variadas circunstâncias (Barros; Silva; Vásques, 2011). A mudança da educação traz consigo inúmeros desafios, dentre eles, acabar com modelos rígidos e tradicionais de ensino e aflorarmos futuros profissionais habilidades que lhes permitam reconquistar os princípios essenciais do cuidado com o outro, que respondam às demandas sociais, reforçando o compromisso de propiciar à sociedade tudo que aprenderam (Noro et al.,2015).

A integração ensino-serviço em saúde é entendida como um trabalho coletivo, pactuado e integrado entre universidade, por meio dos estudantes e dos docentes, e serviços de saúde, incluindo seus trabalhadores e gestores. Ademais, visa à qualidade da atenção à saúde individual e coletiva, bem como à qualidade da formação profissional e à satisfação dos trabalhadores em saúde. O objetivo precípuo de tal integração é tornar o Sistema Único de Saúde (SUS) uma rede de ensino-aprendizagem na prática do trabalho (FAÉ et al., 2016). Cabe ao SUS não apenas o dever de atender à população, mas também de garantir que a formação dos profissionais esteja sendo adequada, garantindo universalidade e equidade no atendimento (Sanseverino et al., 2017).

A prática de ensino e aprendizagem mediada pelo estágio supervisionado promove a conjuntura entre a teoria e a prática, proporcionando a construção de atitudes críticas e reflexivas a respeito do processo de ensino-aprendizagem, permitindo concepções questionadoras e transformadoras referentes ao ensino. No entanto, esta prática é um processo e, por isso, precisa ser reavaliada constantemente para melhor se adequar à realidade da prática no serviço(Barros; Silva; Vásques, 2011).

Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo analisar as percepções dos docentes do curso de graduação da Faculdade de Odontologia de Pernambuco Campus Santo Amaro acerca da influência que o Estágio Profissional Supervisionado exerce na formação do cirurgião-dentista, considerando o processo de ensino-aprendizagem.

2. Metodologia

O desenho metodológico descritivo, exploratório e de natureza qualiquantitativa. Os dados foram coletados através de questionários aplicados aos setenta e nove professores docentes da Faculdade de Odontologia de Pernambuco.  Setenta e nove professores da Faculdade de Odontologia de Pernambuco. Todos os docentes da Faculdade de Odontologia de Pernambuco, que se dispuserem a responder o questionário. 

O estudo foi conduzido em duas fases: (I) fase preparatória: treinamento do entrevistador e estudo piloto; (II) fase de coleta de dados: entrevista e aplicação de questionário semiestruturado, com perguntas fechadas e abertas, aos sujeitos da pesquisa.

O treinamento consistiu na preparação do entrevistador para aplicação do questionário semiestruturado aos docentes. Uma discussão prévia foi realizada, a fim de padronizar e organizar a rotina de trabalho, como a forma de abordagem aos sujeitos do estudo durante a entrega e recolhimento dos questionários, bem como na condução das entrevistas.  

Já na fase de coleta de dados, foi utilizado como instrumento de pesquisa o questionário semiestruturado, contendo 12 perguntas (10 fechadas e 1 aberta), aplicado pelo pesquisador previamente treinado. 

Para análise das questões abertas, foi utilizada a Análise de Conteúdo por aplicação da Técnica de Bardin, definida por um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. Nesta análise, o pesquisador busca compreender as características, estruturas ou modelos que estão por trás dos fragmentos de mensagens tornados em consideração. A utilização da análise de conteúdo prevê três fases fundamentais: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, com a inferência e a interpretação dos dados obtidos. Esta técnica oferece liberdade para resgatar o importante na novidade dos temas, mesmo se a frequência é pequena. Ou seja, as categorias surgiram de acordo com as respostas dadas pelos sujeitos da pesquisa e aquelas que possuíram o mesmo sentido foram agrupadas na mesma categoria, mesmo tendo sido ditas de maneira diferente (Câmara, 2013).

Todos os sujeitos participantes foram previamente informados sobre os propósitos da pesquisa e, em acordo, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Nenhum dos procedimentos usados ofereceu riscos à saúde e dignidade. O parecer aprovado pelo CEP está no Anexo- I.

3. Resultados 

Do total de 79 sujeitos que receberam os questionários, obteve-se um retorno de 53 (67,08%). Entretanto, a principal limitação da pesquisa se deu em relação à representação amostral, com falta de retorno de 32,92%.

Na Tabela 1, estão expostos os resultados das questões quantitativas no grupo total. Dos entrevistados, 98,1% considera que os estágios curriculares contribuem para a formação do egresso do curso de Odontologia; com exceção de um (1,9 %). A maioria respondeu positivamente às seguintes questões: 69,8% consideram que os estágios promovem a integração dos seus conteúdos à realidade prática e julga necessário o professor supervisor se fazer presente durante o estágio. 81,1% acreditam que o estágio estimula o estudante para o trabalho em equipe multiprofissional, 75,5% reconhecem o estágio curricular como uma oportunidade de aprendizado para o estudante; a maior parte (96,2%) entende que o estágio proporciona ao estudante experiência necessária à sua formação profissional, (71,7%) acredita que o estágio instiga o estudante à reflexão para o desenvolvimento do pensamento crítico, (98,1%) entende como sendo importante a aproximação do serviço com a academia e (96,2%) acha que modificações no estágio curricular obrigatório são necessárias.

Tabela 1. Avaliação das questões analisadas.

(*) Não foi possível determinar devido à presença de respostas em uma única categoria
(1) Através do teste Exato de Fisher
(2) Através do teste Qui-quadrado de Pearson.

Já a Tabela 2, expositora das questões abertas, foram baseadas na Análise de Conteúdo proposta por Bardin, que evidencia os temas/ideias que se repetiram com bastante frequência e foram recortados do texto em unidades comparáveis de categorização para análise temática e de modalidades de codificação para o registro dos dados (Bardin, 2011). 

Na tabela 2, na qual a pergunta exibida no questionário. O que você identifica como o maior problema do Estágio Curricular Supervisionado?”, a maioria dos professores teve dificuldade em apontar apenas o maior problema, e acabaram descrevendo mais de um, mesmo tendo sido orientados de forma correta. Então, para que as percepções, de modo geral, não fossem excluídas, houve uma concordância entre as pesquisadoras em incluí-las. Assim, a questão foi tabelada como “O que você identifica como o(s) maior(es) problema(s) do Estágio Curricular Supervisionado?”. 

A partir disso, o problema mais citado pelos docentes foi em relação à falta da integração ensino-serviço, com 33,96%; outro ponto bastante indicado, foi sobre ausência de infraestrutura do local do estágio, com 26,42%; 24,52% dos entrevistados apontaram a deficiência na formação dos preceptores; quanto à necessidade do professor supervisor, 20,75% são favoráveis a ideia; outros pontos apresentados foram: a falta de receptividade dos preceptores (7,54%), o cumprimento de metas por parte do preceptor (3,77%),  locais de estágio que propiciem ao estudante a prática de procedimentos variados (3,77%), a falta de explanação sobre o funcionamento do SUS (1,88%), e por fim, a indefinição dos objetivos de aprendizagem (1,88%).

Tabela 2. Problemas do estágio identificados pelos docentes.

4. Discussão

O presente estudo foi realizado com o intuito de revelar a visão e o entendimento de cada professor acerca da importância e da função do estágio profissional supervisionado na formação do futuro cirurgião-dentista. O propósito também foi avaliar como os professores se incluem nesse processo da prática extramuro, qual papel devem exercer. A pesquisa tem grande relevância no quesito de inserir o docente num assunto de bastante valia, para que ele se sinta membro e parte essencial dessa parceria, reconhecendo sua função e parcela de trabalho, uma vez que, o fortalecimento do estágio curricular obrigatório depende, fundamentalmente, do apoio institucional e da participação do quadro docente como um todo (Faé et al., 2016). Ainda de acordo com os autores, Observa-se nos resultados dessa pesquisa o reconhecimento sobre a importância e contribuição dos estágios na formação do estudante por parte dos professores (98,11%), concordando com Leme et al. (2014), onde afirmam que os estágios são espaços de ensino e extensão, viabilizando a inserção dos graduandos em cenários concretos de ensino-aprendizagem e que incluem os estudantes no processo de construção da cidadania, comprometida e integrada à realidade social e epidemiológica, às políticas sociais e de saúde, proporcionando uma formação profissional contextualizada e transformadora. Portanto, o impacto na formação dos profissionais é inegavelmente maior quando o estágio ocorre no ambiente dos serviços, onde a urgência aparece cotidianamente, com toda a sua complexidade e riqueza, evidenciando a relação de sua ocorrência com as situações de vida dos pacientes e com a organização local dos serviços de saúde 

Praticamente, todos os pesquisados (98,1%) acreditam que estagiar no SUS é importante para formação do cirurgião-dentista, visto que o Sistema Único de Saúde é uma rede de ensino-aprendizagem para prática de trabalho, que exige do estudante habilidades para lidar com situações adversas e, ao mesmo tempo, possui o papel de formar profissionais capazes de prestar um atendimento integral, mais humanizado, de trabalhar em equipe, de compreender melhor a realidade em que vive a população, e assim, formar recursos humanos para saúde (Lucietto, 2005; Santos; Azevedo, 2013). 

Mais que simplesmente sair do espaço intramuros, é preciso buscar um espaço de trabalho que aconteça no âmbito dos serviços públicos de saúde, onde seja possível a prática ocorrer em proximidade com a realidade, tanto do processo de trabalho (com as relações que ali se estabelecem), quanto dos problemas de saúde das pessoas em sua expressão mais verdadeira (Werneck et al., 2007).

No item 3 do questionário, 69,8% dos entrevistados evidenciaram que os estágios, além de tudo, são imprescindíveis quando o assunto foi promover os seus conteúdos teóricos à realidade prática, já que atuam no âmbito de ensino-aprendizagem. Pensamento esse revalidado por Farias et al (2015), que acredita na atividade extramuro como oportunidade ao estudante de executar a matéria vista em sala de aula, para fixar o aprendizado.

Em relação à necessidade do professor supervisor se fazer presente nos estágios, ficou notório, a partir dos resultados da pesquisa, que a maior parte dos docentes (81,1%) têm consciência do valor dessa função que é atribuída a eles. Botti; Rego (2008) expõem que dentre as diversas funções do professor, uma das mais necessárias, senão a maior na esfera do estágio, é a missão de supervisionar o estudante durante essa vivência. No dicionário, supervisor é aquele que dirige, controla, vigia, cuida de tudo e se responsabiliza para que tudo se faça corretamente e de maneira segura. Na área da saúde, o supervisor tem o papel de medir e desenvolver conhecimentos e habilidades de futuros profissionais nos ambientes clínicos. É necessário ressaltar que essa responsabilidade não pode ser atribuída apenas a um único professor. Por isso, a supervisão é considerada um componente essencial que marca a boa qualidade do cuidado com a saúde, sendo importante para melhorar o serviço ofertado ao paciente. Um grande problema na implantação do estágio extramuro nas universidades tem sido a adesão dos professores, pois depende diretamente da voluntariedade e da participação do quadro docente como um todo. Para contribuir com a superação de tais obstáculos, a formação e a capacitação docente devem ser repensadas, sendo mais críticas e reflexivas, sintonizadas não só com a técnica, mas também com a didática e a política em que a Odontologia está inserida (Faé et al., 2016).

Ao se estabelecer um currículo inovador que possibilite a aprendizagem nos cenários descritos, é preciso vencer a grande resistência dos educadores cujo paradigma é focado na doença e na transmissão de conhecimentos por meio de aulas expositivas e avaliações que privilegiam a dimensão cognitiva e fragmentada. Os professores precisam estar envolvidos nas questões que permeiam o universo acadêmico e, também, no processo de acompanhamento e fiscalização dos alunos fora da Universidade, para que contribuam, na sua totalidade, com busca do conhecimento e a formação profissional do aluno (Ferreira; Fiorini; Crivelaro, 2010; Farias et al., 2015).

Conforme apresentado na Tabela 1, 75,5% dos entrevistados concordam que o estágio estimula o estudante para o trabalho em equipe multiprofissional, o que é ratificado por Flinker; Caetano; Ramos (2011), que indicaram que experiências de ensino-aprendizagem multiprofissional ocorrem no estágio supervisionado, no qual os estudantes são levados a buscar e interagir com outras áreas da saúde, para que, muitas vezes, consigam atender o paciente por completo. Ter a experiência no serviço proporciona aos estudantes uma oportunidade importante para conhecer o trabalho no setor público, a ampliação da consciência sobre a realidade social, e a experiência com o trabalho multiprofissional, inexistente nas clínicas intramuros (Leme et al., 2014). 

No item 6 do questionário, 100% dos professores concordam que a atuação no serviço durante a graduação é uma oportunidade ímpar de aprendizado para o estudante. Segundo Sanseverino et al. (2017) a vivência extramuros permite que o aluno entenda na prática o funcionamento do serviço, com suas particularidades administrativas, bem como as políticas de saúde bucal e as funções do cirurgião-dentista. A ampliação dos cenários de aprendizagem é de fundamental importância para que o aluno seja capaz de melhor desenvolver habilidades da clínica integrada, buscando a implementação de práticas interdisciplinares, proporcionando uma oportunidade pedagógica tanto para aumentar os conhecimentos clínicos, quanto para colocá-lo em contato com a realidade do serviço público. (Werneck et al., 2007; Ferreira; Fiorini; Crivelaro, 2010). Ainda de acordo com os autores, com relação ao  item 7 do questionário, 96,2% dos entrevistados acreditam que o estágio proporciona ao estudante experiências necessárias à sua formação profissional, corroborado pelos achados de Faé et al. (2016), onde afirmaram que os acadêmicos se sentem mais bem preparados para atuar na comunidade, com vistas à atenção integral e mais humanizada ao paciente. A experiência educacional, inserida no cenário real da prática em saúde, desenvolve nos estudantes competências e habilidades essenciais à sua atuação, tais como postura profissional, comunicação interpessoal, valorização do contexto dos pacientes, relações éticas e trabalho em equipe, além de manter a atenção destes voltada às necessidades de saúde reais da comunidade (Ferreira; Fiorini; Crivelaro, 2010).

Em referência ao item 8, 71,7% dos docentes concordam que a experiência no serviço instiga o estudante à reflexão para o desenvolvimento do pensamento crítico, que é corroborado por Werneck et al. (2007), que demonstrou que o impacto sobre a formação dos profissionais é inegavelmente maior quando o estágio ocorre nos serviços, onde a urgência aparece cotidianamente, com toda a sua complexidade e riqueza, evidenciando a relação de sua ocorrência com as situações de vida dos pacientes e com a organização local dos serviços de saúde, onde a inserção dos alunos da graduação na realidade do serviço e no contexto do SUS, contribuindo para a construção um senso crítico sobre suas atividades profissionais.

A gestão do serviço também foi referida e aparece como fator limitador dessa integração, pela ausência de um projeto de estágio oficial e organizado partindo de instâncias superiores como a Coordenação de estágios da faculdade e a Secretaria de Saúde, bem como a possibilidade de licitações e supervisões; como potencialidade de melhora. Um fator que merece destaque é o preparo dos cirurgiões-dentistas para atuarem como preceptores, onde a ausência de capacitação para abordagem pedagógica pode dificultar a transformação do serviço em cenário favorável para a integração (Sanseverino et al., 2017).

Quanto ao entendimento dos docentes acerca dos estágios obrigatórios, fica evidente que ocorreu um avanço nessa relação, porém, mais estudos que destaque o papel dos professores no cenário do estágio curricular obrigatório precisam ser realizados para nortear os mesmos na construção da Integração Ensino-Serviço, para que se sintam parte importante do contexto e que estejam comprometidos a colocar em prática as ferramentas que auxiliam a melhor performance dos alunos (Faé et al., 2016).

Travassos, et al. 2023, também avaliaram a percepção dos discentes sobre o estágio curricular obrigatório na sua formação acadêmica. Materiais e Métodos: Um estudo descritivo qualitativo foi conduzido. Ele utilizou como instrumento um questionário estruturado para 145 discentes do 5º e 10º períodos em estágio supervisionado da Faculdade de Odontologia de Pernambuco (FOP-UPE). Os dados foram analisados pelo IBM SPSS 23.0 de forma descritiva e análise inferencial através do teste Qui-quadrado de Pearson e do teste Exato de Fisher (95%). Resultados: 97,7% consideraram que estagiar no SUS é importante. 72,6% dos alunos do 5º período consideraram a avaliação insatisfatória, enquanto essa parcela foi de 27,4% nos alunos do 10º período. 56,5% dos pesquisados não se sentiram estimulados no estágio, e este percentual foi ainda maior nos alunos do 5º período (84,9%). 79,4% tinham permissão do preceptor para desempenhar atividades, entretanto este percentual foi maior no 10º período (94,8%) quando comparado ao 5º (67,1%). 94,8% dos alunos consideraram que o preceptor teve um papel importante no estágio, enquanto nos alunos do 5º período apenas 67,1% o consideraram importante. Conclusão: O estágio no SUS tem papel relevante na formação, tornando-se a relevância ainda maior em períodos mais avançados; o preceptor tem papel fundamental na viabilidade do estágio curricular, sendo a ponte do serviço com a instituição de ensino e sedimentando o conhecimento adquirido dentro da faculdade.

5. Conclusão

A inserção dos alunos nos Serviços de Saúde está na dependência de uma complexa gama de fatores, que envolve os dois atores do processo: Universidade, com a sensibilização e qualificação dos docentes envolvidos; organização para o funcionamento e avaliação dos alunos nos estágios e os serviços, principalmente com relação à sensibilização/aceitação, por parte dos profissionais que lá atuam, e a adequação de espaços e estruturas.

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1ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5873-7847
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: monica.pontes@upe.br

2ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4148-1288
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: rosana.travassos@upe.br

3ORCID:https://orcid.org/0000-0003-2045-4133
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: vanda.carneiro@upe.br

4ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9425-4068
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: veronica.rodrigues@upe.br

5ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5546-0424
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: alexandre.nascimento1@upe.br

6ORCID: https://orcid.org/ 0000-0003-1700-5214
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: vania.silva@upe.br

7ORCID: https://orcid.org/ 0000-0002-7514-1444
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: kattyenne.asfora@upe.br

Universidade de Pernambuco, Brasil
8ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7199-0414
E-mail: priscila.prosini@upe.br

9ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9866-0899
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: socorro.orestes@yahoo.com.br

10ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9926-5348
Universidade de Pernambuco, Brasil
E-mail: paulo.reis@upe.br