PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA NA RELAÇÃO CONTRATUAL: UMA ANÁLISE À LUZ DA LEI 8009/90

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7190699


Autoria de:

Bianca Silva Bonardi1
Marcela Matos Santos Perroni2
Marielle Medina Gritti3
Sara Rafaela Silva Brito4


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo busca expor um contraste entre os direitos constitucionais à moradia e a exclusão do Bem de Família do fiador. A Lei nº 8.009/90, de modo a positivar a proteção especial aos Bens de Família, torna explícito em nosso ordenamento jurídico, a impossibilidade da penhora desses bens para cumprir dívidas comerciais, cíveis, dentre outras, de acordo com o artigo 1°, salvo os casos previstos no artigo 3°, ambos da supracitada lei ordinária.

Contudo, o artigo 3° da Lei nº 8.009/90 relata as exceções à impenhorabilidade do Bem de Família a obrigação decorrente de fiança em contratos de locação. Não obstante, em 2000 foi aprovada a Emenda Constitucional de nº 26, que modificou o artigo 6° da Constituição da República Federativa do Brasil, trazendo para o rol de Direitos Sociais o direito à moradia, ficando grande dúvida a respeito da aceitação do inciso VII, do artigo 3° da Lei 8.009/90, visto que conforme determinado pelos Tribunais e pela doutrina, então, a penhorabilidade dos Bens de Família do fiador no contrato de locação mitiga o direito social à moradia, do artigo 6° da Constituição Federal da República de 1988 e o princípio da isonomia. 

Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica documental, onde foram analisados normativos referentes ao assunto. O método de abordagem empregado é o dedutivo e histórico já que o tema trata aspectos específicos em uma perspectiva abrangente. Os argumentos apresentados no trabalho defendem a impenhorabilidade do bem de família do fiador, visando o direito à moradia, e o princípio da igualdade.

Para alcançar tal trabalho serão avaliados os Bens de Família, analisando o conceito geral de bens e as espécies de bem de família. Além disso, será esboçado a função do fiador e da impenhorabilidade. Por fim, será explorado inteiro teor do julgamento do Recurso Extraordinário de número recurso extraordinário 605.709– São Paulo, que no ano de 2018 declarou a incompatibilidade com o direito à moradia e com o princípio da isonomia a penhorabilidade do bem de família do fiador. 

Pode-se falar ainda de inconstitucionalidade ao tratar do inciso VII, art. 3º, da Lei 8009/90, que traz, como uma das exceções à regra da impenhorabilidade do bem de família, os casos de dívidas proveniente de fianças feitas em contratos de locação, ainda que o fiador preencha todas as condições para valer-se da regra geral da impenhorabilidade, ou seja, ser proprietário de um único imóvel e que este lhe sirva de residência própria ou da família.

Desse modo, se uma pessoa concorda com as responsabilidades de fiador em um contrato de locação, e o locatário deixa de cumprir as obrigações assumidas, o fiador terá de efetuar o pagamento do débito sob pena de não cumprimento, ter penhorado imóvel de sua propriedade, ainda que único e mesmo que lhe sirva de moradia própria ou de sua família.

Em suma, essa exclusão ofende a Constituição e os direitos fundamentais em vários pontos, quando avaliada sob a ótica da instituição denominada família, do princípio da igualdade, da dignidade da pessoa humana, e, da colisão entre direitos, o fato agrava ainda mais. 

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. BEM DE FAMÍLIA E SUA LEI DE IMPENHORABILIDADE

O bem de família é um imóvel que deve ser protegido, amparado por vários ramos do Direito como por exemplo, o Constitucional e o Processual Civil, se origina da ciência que caminha junto ao Direito, com o intuito de proteção a habitação da família, que é visto pelo ordenamento jurídico como base da sociedade, por ser um patrimônio mínimo indispensável para se viver com dignidade. Esta, que decorre da Constituição Federal de 1988, visto que, passou a ser respeitada como um advento norteador das demais normas jurídicas. Ou seja, deve ser assegurado a todos o mínimo fundamental à sobrevivência digna. Conforme Álvaro Villaça Azevedo (2010, fl. 80) “O bem de família é um meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma instala o domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem a sua maioridade.”.

Assim, existem duas concepções legais reguladoras no Brasil, sendo elas, o bem de família convencional ou voluntário posto pelos artigos 1.711 a 1.722 do Código Civil, tal proteção que depende do ato voluntário dos cônjuges, pela entidade familiar ou por terceiro que, deve constituí-lo por escritura pública, doação ou testamento, quer dizer, que o “bem de família” é o imóvel destinado, ao domicílio familiar e eventuais valores mobiliários, cuja renda se destina à conservação do imóvel e ao sustento da família. É importante salientar que a entidade familiar mencionada no caput do art. 1.711 do Código Civil se aborda apenas ao marido, mulheres casadas e filhos, mas do mesmo modo, para os solteiros, casais formados pela união informal, união homoafetiva e viúvos também dispõem da necessidade de abrigo e moradia. O bem de família pode se tratar de um prédio destinado à moradia da entidade familiar, e também para valores mobiliários cuja renda será usada para cobrir as despesas de conservação do imóvel e garantir o sustento da família conforme disposto no art. 1.712 do Código Civil.

A segunda concepção advém das situações que possibilitam que o credor busque a expropriação de todos os bens do devedor, gerando enormes problemas sociais que surgem da possibilidade da alienação de todos os bens do devedor, gerando um debate em questão da penhorabilidade ou não do único bem imóvel da entidade familiar, até que, foi editada a Lei nº 8.009 em 29 de março de 1990, que se refere ao bem de família legal ou obrigatório, que se originou  como norma de ordem pública imposta pelo Estado, que trata-se de uma proteção automática ao imóvel residencial da entidade familiar, independente de ato de vontade de seu titular e independente de registro, tendo o bem automaticamente protegido, que disciplinou sobre a impenhorabilidade do bem de família, independente das formalidades exigidas pelo Código Civil como relatamos acima. O art. 1º da referida lei declara o seguinte:

“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”

Conforme a concepção legal, analisa-se a súmula 543 do STJ exposta abaixo: 

“DIREITO CIVIL. CARACTERIZAÇÃO COMO BEM DE FAMÍLIA DO ÚNICO IMÓVEL RESIDENCIAL DO DEVEDOR CEDIDO A FAMILIARES. Constitui bem de família, insuscetível de penhora, o único imóvel residencial do devedor em que resida seu familiar, ainda que o proprietário nele não habite. De fato, deve ser dada a maior amplitude possível à proteção consignada na lei que dispõe sobre o bem de família (Lei 8.009/1990), que decorre do direito constitucional à moradia estabelecido no caput do art. 6º da CF, para concluir que a ocupação do imóvel por qualquer integrante da entidade familiar não descaracteriza a natureza jurídica do bem de família. Antes, porém, isso reafirma esta condição. Impõe-se lembrar, a propósito, o preceito contido no art. 226, caput, da CF – segundo o qual a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado –, de modo a indicar que aos dispositivos infraconstitucionais pertinentes se confira interpretação que se harmonize com o comando constitucional, a fim de assegurar efetividade à proteção a todas as entidades familiares em igualdade de condições. Dessa forma, tem-se que a Lei 8.009/1990 protege, em verdade, o único imóvel residencial de penhora. Se esse imóvel se encontra cedido a familiares, filhos, enteados ou netos, que nele residem, ainda continua sendo bem de família. A circunstância de o devedor não residir no imóvel não constitui óbice ao reconhecimento do favor legal. Observe que o art. 5º da Lei 8.009/1990 considera 39 não só a utilização pelo casal, geralmente proprietário do imóvel residencial, mas pela entidade familiar. Basta uma pessoa da família do devedor residir para obstar a constrição judicial. Ressalte-se que o STJ reconhece como impenhorável o imóvel residencial cuja propriedade seja de pessoas sozinhas, nos termos da Súmula 364, que dispõe: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”. Além do mais, é oportuno registrar que essa orientação se coaduna com a adotada pela Segunda Seção do STJ há longa data, que reconhece como bem de família, inclusive, o único imóvel residencial do devedor oferecido à locação, de modo a garantir a subsistência da entidade familiar. EREsp 1.216.187-SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 14/5/2014 (Informativo nº 0543).”

Efetiva na Lei 8.009, uma exceção em seu artigo 3º, onde o bem de família não desfruta da proteção apresentada, conforme será apresentado abaixo. 

De tal modo, é possível observar que a impenhorabilidade prevista no Código Civil é distinta da impenhorabilidade instituída na Lei nº 8.009/90. O Código Civil regula a impenhorabilidade convencional, instituída por ato de vontade e de outro lado, a lei de impenhorabilidade do bem de família regula a impenhorabilidade involuntária, que independe de vontade, ou seja, é imposta pela lei, percebe-se que o Código Civil não menciona a impenhorabilidade dos bens móveis que guarnecem a residência do devedor, por sua vez a Lei de Impenhorabilidade sim (AZEVEDO, 2010).

2.2. DO CONTRATO DE LOCAÇÃO

Podemos notar a presença dos contratos de locação no cotidiano da maioria das pessoas, desde o aluguel da moradia de um cidadão, até a locação de uma roupa para um evento, no entanto, com a evolução social e econômica no mundo contemporâneo, resultou em um sério problema ao se tratar de habitações.

De acordo com a Lei 8.245/91, conhecida como Lei do Inquilinato, foi criada como uma forma de defesa e proteção do inquilino, bem como, traz na ementa que “dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes”, portanto, trouxe uma motivação para os proprietários de imóveis inabitados para que fossem locados, diminuindo de certa forma os problemas habitacionais no país. Inicialmente a Lei divide em três as espécies de locação: a residencial, a não residencial e a locação para temporada.

É necessário, para a realização do contrato de locação, independente da espécie, que se tenha três elementos: coisa, preço e consenso. A coisa deve ser infungível, ou seja, aquelas que não são possível substituição por outra de mesma espécie, quantidade e qualidade, pois se o bem seja fungível, o contrato será de empréstimo, e não de locação.

No que tange o preço, este é a contraprestação do locatário, cujo é denominado como aluguel ou renda. Este pode ser pago em dinheiro ou com qualquer outro bem que as partes assim estabeleçam, o qual será certo e podendo convencionar índice de reajuste se a locação se der por um longo lapso temporal. Ressalta-se que é proibida, de qualquer forma, a vinculação do salário mínimo ou moedas estrangeiras, bem como materiais preciosos, para reajuste do aluguel. Os pagamentos em via de regra são feitos mensalmente, ou como estiver disposto no contrato.

Os contratos de locação podem ser por tempo determinado, constando o prazo de encerramento do negócio jurídico ou por tempo indeterminado, porém, indeterminado não significa que o contrato é vitalício.

Por fim, é importante falar sobre as obrigações que tal negócio jurídico gera aos contratantes. As obrigações do locador estão estabelecidas no art. 566 do Código Civil, enquanto as obrigações do locatário, no art. 569 do mesmo diploma legal. Da mesma forma, as obrigações do locador de prédios urbanos vêm estabelecidas no art. 22 da Lei 8.245/91, enquanto as obrigações do locatário, no art. 23 da mesma lei.

Compreendido o conceito e as características dos contratos de locação, passa-se analisar a impenhorabilidade do bem de família a partir da falta de pagamento do contrato de locação.

2.3. DA (IM)PENHORABILIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.3° DA LEI 8009/90

A problemática a ser discutida aborda a garantia de direito à moradia, elencado no art. 6° da Constituição Federal de 1988 em detrimento ao art. 3°, da lei 8009/90, especificamente em seu inciso VII. 

O direito à moradia só se sucedeu dentro dos direitos sociais no art. 6° da CF a partir da emenda constitucional 26/2000. A partir disso, se entendeu a importância de se garantir moradia digna às pessoas.

“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (grifo nosso)

Outrossim, o artigo segue em conformidade com o princípio do mínimo existencial, de caráter constitucional, onde não há necessidade de norma regulamentadora por se tratar de condição inerente às pessoas, assim como elencado no princípio da dignidade da pessoa humana. 

Todavia, o que se entende, é que ao se adicionar a EC 26/2000 ao texto constitucional, o direito moradia, estruturalmente se torna vago, dando abertura às diversas conjunturas negativas a esse ponto, como por exemplo, não respeitar a posse de um imóvel como algo equivalente à garantia desse direito social.

No âmbito do direito privado, a moradia se condiciona como um bem de família impenhorável. Isto é, o local onde a família instala sua residência não é passível de penhora, sendo resguardado de qualquer dívida, seja qual for a natureza. Contrastando essa ideia, temos de acordo com a lei 8009/90 em seu art. 3°, VII, a seguinte redação:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: 

(…)

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

A condição de fiador, segundo a lei do Inquilinato 8.245/91, diz se o indivíduo, que de forma voluntária, torna-se detentor de uma possível dívida que o locatário de imóvel adquirir do contrato de locação. 

A principal gira em torno da condição de impenhorabilidade encontrada nos bens de família do credor da dívida, único devedor direto, conquanto os bens de família do fiador ficam à disposição judicial, de acordo com a exceção do art. 3°, veiculada à lei 8009/90.

Sendo assim, caso a pessoa seja fiadora de algum imóvel, essa prerrogativa de se ter o bem de família resguardado não se aplica, contradizendo o direito à moradia elencado na Magna Carta. Decerto que esse dispositivo, se não inconstitucional, fere ao menos o princípio da igualdade, estudado por Aristóteles em seu conceito de Justiça. 

Não obstante, se estuda a forma de discriminação utilizada nesse viés. Sabe se que a justiça, mesmo que inconsciente discrimina seja por raça, sexo, idade. Dessa forma, necessita-se que seja resguardado ao menos o princípio da igualdade, onde se encontra o direito nas entrelinhas utilizadas.

Retomando ao art. 6° da CF e o direito à moradia assegurado, podemos constatar se tratar de uma norma inconstitucional, segundo a correlação ao princípio da igualdade exposto anteriormente. Indaga-se inicialmente o motivo de um bem de família à princípio impenhorável para os cidadãos, quando a discussão pontua sobre o fiador, esse direito não se permeia.

É notório o possível conflito entre as normas presentes na lei 8009/90. Segundo Tércio Sampaio Ferraz, os critérios usados para conceituar as antinomias jurídicas assim são: 

(…)a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado.

A grosso modo, mediante as classificações existentes, entende-se que a contradição presente no art. 6° da Constituição Federal, que assegura o direito à moradia, em consonância com o art. 3°, VII da lei 8009/90, se trata de uma antinomia teleológica. Isto é, há um conflito entre normas (hierarquicamente diferentes), quando há incompatibilidade entre os fins propostos por certas normas e os meios propostos por outras para a consecução daqueles fins. 

Neste mesmo viés, diante dos critérios de resolução de antinomias (lex posterior, lex superior e lex specialis), considerando a lex superior, sabe-se que a Constituição está hierarquicamente acima das leis ordinárias, como é o exemplo da lei de impenhorabilidade. No mais, é necessário a obediência da lei superior que garante o direito à moradia.

O que se interpela dentro das doutrinas estudadas é a necessidade ou não de possuir um imóvel, para que o direito à moradia seja assegurado. Assim sendo, é imprescindível que o direito à moradia deve-se ultrapassar a condição de um teto; deve haver menores condições de ameaça à manutenção da residência familiar, principalmente em se tratar de ordem pública, como despejos, por exemplo. Uma alternativa para que isso aconteça é a garantia do bem de família, tanto para o credor da dívida quanto para o fiador, usufruindo do princípio da igualdade e o conceito de Justiça aristotélico, estudado anteriormente. 

2.4. ASPECTOS DO RESP N°605709/SP, BEM IMÓVEL COMERCIAL DO FIADOR 

Um recurso extraordinário caracteriza-se como um remédio constitucional. Quando as leis infraconstitucionais, sozinhas, não conseguem surtir o efeito desejado, é impetrada essa classe de pedido para que se faça uma análise acerca das condições perpetradas pela Constituição Federal.

O recurso extraordinário n° 605709/SP foi interposto tendo como o objeto do pedido o requerimento de que seja impenhorável o bem de família do fiador em se tratando de contrato de locação de imóvel comercial, já que na prática, as exceções previstas na lei 8009/90 não relatam explicitamente se no caso de imóvel comercial, essas restrições são validadas. Para mais, tem-se o art. 6° da Constituição Federal e sua incumbência sobre o direito à moradia.

Assim diz a emenda, 

EMENTA:RECURSO EXTRAORDINÁRIO MANEJADO CONTRA ACÓRDÃO PUBLICADO EM 31.8.2005. insubmissão à sistemática da repercussão geral. premissas distintas das verificadas em precedentes desta suprema corte, que abordaram garantia fidejussória em locação residencial. caso concreto que envolve dívida decorrente de contrato de locação de imóvel comercial. penhora de bem de família do fiador. incompatibilidade com o direito à moradia e com o princípio da isonomia. (RE 605709. Rel. Min. Dias Toffoli, DJE 12/06/2018)

Sendo assim, dispomos a analisá-lo, pontuando a sua tramitação no STF, a fim de se estudar as razões pelas quais deu-se provido o recurso interposto. No mais, compreender a base dos votos dos ministros e concluir se o princípio da igualdade foi prejudicado, dado que a lei 8009/90 preserva o fiador de imóveis residenciais à uma condição ínfera. 

O recurso extraordinário em questão, a princípio, trouxe à tona a condição de impenhorabilidade, diante de locação de imóveis comerciais, alegando ferozmente violação ao art. 6°, caput, da CF. “Trata-se, na origem, de recurso interposto pelos recorrentes contra decisão com a qual se rejeitou alegação de impenhorabilidade do bem objeto da constrição judicial, a qual estava assentada no fato de cuidar-se de bem de família” (TOFFOLI, p.353). 

O relator, Ministro Dias Toffoli afirmou ainda,

Sustentam os recorrentes que esse entendimento não se aplicaria ao presente caso, pois a fiança, de que decorre a execução, teria sido concedida em contrato de locação comercial. Pretendem, além disso, que o art. 6º, caput, da Constituição Federal, que incluiu o direito à moradia no rol dos direitos sociais, gere efeitos imediatos e autorize o reconhecimento de que seu bem de família é impenhorável. Sem razão, contudo. (RE 605709/SP, p.353).

Em suma, os recorrentes entendem se tratar de uma exceção à parte, por discorrer-se de imóvel comercial. Em contraponto, é interessante a análise da importância que se deu à locação de imóvel comercial em contraste com a locação de imóvel residencial. Apesar do art. 3°, VII, da lei 8009 não explicitar de forma clara sobre os tipos de locação, é necessário que esse entendimento seja condicionado como errôneo, pois, em todo caso, o direito à moradia estaria sendo violado.

Seguindo esse mesmo raciocínio, o ministro procedeu com suas argumentações utilizando-se de um RE, cujo acórdão não fora favorável aos recorrentes,

“EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República” (RE nº 407.688, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 6/10/06).

Ainda, 

Pela leitura do caput do art. 6º do texto constitucional, podemos concluir que a norma que relaciona a moradia como direito social não contém densidade normativa suficiente para gerar os efeitos pretendidos. Há certo consenso entre os constitucionalistas no sentido de que diversos enunciados normativos de direitos fundamentais sociais não são dotados. (RE, voto Rel. Min. Dias Toffoli, p.10).

Há que se acordar sobre as normas constitucionais não terem o peso pretendido e historicamente requerido, que, em sua totalidade se passam sem condicionar seu devido valor para garantia legal. Deve-se, ainda, assimilar que a continuidade dessa prática tende a extinguir, ao menos em teoria, o nosso texto constitucional. Sendo assim, cabe aos juízes, guardiões da lei, para a resolução das lides, aplicar a lei em seu sentido mais constitucional possível. Afinal, é da Constituição Federal, histórica e teoricamente falando, que as demais leis são criadas.

O Ministro Luís Roberto Barroso, condicionou seu voto-vista a partir da fala do Ministro relator Dias Toffoli afirmando que o contrato de locação se deu por meio de um contrato acessório de fiança, e que, se não o houvesse feito, provavelmente não existiria o contrato celebrado entre as partes. O ministro alega ainda,

No caso de locação de imóveis comerciais, portanto, a possibilidade de eventual penhora do bem imóvel dos fiadores, ao conferir uma garantia mais robusta ao locador, serve como meio de viabilizar concretamente o exercício da livre iniciativa do locatário.  (RE, p.372).

Barroso termina seu voto condicionando a penhora dos bens do fiador como forma de garantir o locatário melhores circunstâncias para a livre iniciativa. Diz ainda que esse contexto se refere à liberdade individual de cada um, sendo coerente a utilização de seus bens para quaisquer que fossem as finalidades. 

Ademais, tem-se o voto da ministra Rosa Weber, que contrariando os votos supracitados, condiciona seu entendimento à dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial,

A imposição de limites à penhora de certos bens constitui conquista civilizatória, endereçada a assegurar o mínimo existencial. Admitir a penhora de bem de família para satisfazer débito decorrente de locação comercial, em nome da promoção da livre iniciativa, redundaria, no limite, em solapar todo o arcabouço erigido para preservar a dignidade humana em face de dívidas. (Rel. Min. Rosa Weber, p.381).

Outro ponto a se pesar é que quando o legislador garante impenhorabilidade do bem de família de um indivíduo, é inerente pensar que se parte do princípio do direito à moradia que se detém esse mecanismo defensor do patrimônio familiar, ou seja, ao garantir o direito de um indivíduo, deve se garantir o direito de todos os outros. Esse é o princípio da isonomia, pontuado pela ministra em seu voto.

Por fim, o voto do Ministro Presidente Marco Aurélio favoreceu o voto da ministra e por assim o fazendo, deu-se provimento ao recurso.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve como propósito inicial elucidar de forma critica as condições no qual o bem de família do fiador de contrato de locação está inserido. Analisamos a inconstitucionalidade presente no art. 3°, VII da lei 8009/90, seguindo o viés do princípio da isonomia. 

Ademais, incitamos certos questionamentos que circundam sobre o conceito, como a diferenciação entre os bens de família do fiador em relação aos demais componentes da sociedade, que certamente é inconstitucional, uma vez que a impenhorabilidade é considerada mecanismo capaz de assegurar o direito à moradia, elencado no art.6° da Magna Carta. Direito esse, que adveio da EC26/2000, sendo assim, um direito conquistado recentemente e que nos diz tanto acerca da dignidade da pessoa humana.

Finalmente, analisamos os votos dos ministros no recurso extraordinário de n°605709, interposto com finalidade de pedir impenhorabilidade do bem de família do fiador de contrato de locação de imóvel comercial. O recurso provido, apesar de a partir deste, atribuir-se uma possível eficácia constitucional no que diz respeitos aos direitos sociais, nos transmite a ideia de que um imóvel comercial é de maior importância em detrimento ao imóvel residencial, correlacionando todo o artigo ao seguinte ponto: os direitos sociais previstos na Constituição Federal estão sujeitos à conveniência do Estado? 

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1Graduanda em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) – Unidade Frutal

2Graduada em Direito no Centro Universitário de Rio Preto (UNIRP). Especialista pela Direito Empresarial e Tributário. Pós-graduando em Docência do Ensino Superior, Direito da Família e Processo Penal.

3, 4Graduanda em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) – Unidade Frutal