PATERNIDADE SOCIOEMOCIONAL: UMA ANÁLISE JURÍDICA E PSICOSSOCIAL

SOCIOEMOTIONAL PATERNITY: A LEGAL AND PSYCHOSOCIAL ANALYSIS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10009027


Agena Cristiane Ferraz de Oliveira1;
Charles da Cunha Lourenço2;
Catiene Magalhães de Oliveira Santanna3.


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar a paternidade socioafetiva sob a perspectiva jurídica e psicossocial. A paternidade socioafetiva refere-se à relação emocional e afetiva entre um indivíduo e uma criança, independentemente dos laços biológicos. O reconhecimento desse tipo de paternidade tem se tornado cada vez mais relevante na sociedade contemporânea, visto que muitas famílias são constituídas por vínculos de afeto e cuidado, e não apenas pela consanguinidade. No campo jurídico, discutem-se as bases legais para o reconhecimento da paternidade socioafetiva, bem como os impactos desse reconhecimento nos direitos e deveres parentais. Já no campo psicossocial, aborda-se o impacto da paternidade socioafetiva no desenvolvimento da criança, seu bem-estar emocional e sua identidade. Também são discutidas as questões relacionadas à guarda, visitação e alimentos nessas situações.

Palavras-chave: Paternidade socioafetiva. Filiação. Desenvolvimento infantil. Vínculo emocional. Direitos parentais.

ABSTRACT

This article aims to analyze socio-affective paternity from a legal and psychosocial perspective. Socio-affective parenting refers to the emotional and affective relationship between an individual and a child, regardless of biological ties. The recognition of this type of paternity has become increasingly relevant in contemporary society, as many families are made up of bonds of affection and care, and not just consanguinity. In the legal field, the legal bases for recognizing socio-affective paternity are discussed, as well as the impacts of this recognition on parental rights and duties. In the psychosocial field, the impact of socio-affective paternity on the child’s development, emotional well-being and identity is addressed. Issues related to custody, visitation and food in these situations are also discussed.

Keywords: Socio-affective fatherhood. Membership. Child development. Emotional bond. Parental rights.

1 INTRODUÇÃO

A noção tradicional de paternidade centrava-se principalmente na relação biológica entre pais e filhos. Porém, a sociedade evoluiu e o conceito de paternidade se expandiu para abranger os aspectos socioemocionais das relações parentais. A paternidade socioemocional refere-se ao vínculo afetivo, ao cuidado e ao apoio que os pais proporcionam aos filhos, independentemente de sua ligação biológica.

A paternidade socioafetiva é um tema que tem ganhado cada vez mais relevância nas discussões contemporâneas sobre família e filiação. Ela se refere à relação emocional e afetiva estabelecida entre um indivíduo e uma criança, independentemente dos laços biológicos. Essa forma de paternidade reconhece que o afeto, cuidado e responsabilidade exercidos por uma figura paterna têm um papel fundamental no desenvolvimento e bem-estar da criança.

Historicamente, a filiação sempre foi estabelecida com base na relação biológica entre pais e filhos. No entanto, as transformações na estrutura familiar e nos padrões de relacionamento têm mostrado que a filiação vai além dos laços de sangue. Muitas famílias são constituídas por vínculos de afeto, cuidado e convivência, onde a figura paterna exerce um papel fundamental mesmo sem um vínculo biológico.

No campo jurídico, o reconhecimento da paternidade socioafetiva tem sido objeto de debates e discussões. A legislação tem se adaptado, em alguns casos, para contemplar essa forma de parentesco, buscando garantir a proteção dos direitos e deveres parentais e o bem-estar da criança. A jurisprudência também tem desempenhado um papel importante, reconhecendo a paternidade socioafetiva em casos específicos, levando em consideração o melhor interesse da criança.

No entanto, os aspectos psicossociais também desempenham um papel fundamental nessa discussão. Estudos têm demonstrado que a influência emocional e afetiva de uma figura paterna é essencial para o desenvolvimento sadio da criança, contribuindo para sua autoestima, segurança emocional e formação de identidade. A paternidade socioafetiva proporciona um ambiente familiar estável e acolhedor, capaz de promover o desenvolvimento psicossocial adequado da criança.

Diante desse contexto, torna-se necessário aprofundar o conhecimento sobre a paternidade socioafetiva, tanto do ponto de vista jurídico quanto psicossocial. É preciso compreender os desafios e avanços na legislação, os impactos nos direitos e deveres parentais, além de investigar os efeitos dessa forma de paternidade no desenvolvimento infantil. Através dessa compreensão, será possível promover o debate e a conscientização sobre a importância da paternidade socioafetiva na construção de uma sociedade mais inclusiva e acolhedora para todas as formas de família.

Nesse sentido, este artigo científico tem como objetivo analisar a paternidade socioafetiva sob as perspectivas jurídica e psicossocial, apresentando dados jurisprudenciais e estudos científicos que embasam a importância do reconhecimento e valorização dessa forma de filiação.   

Espera-se, assim, contribuir para o aprofundamento do conhecimento sobre o tema e fornecer subsídios para o entendimento e promoção da paternidade socioafetiva como uma forma legítima de filiação, capaz de garantir o bem-estar e o desenvolvimento integral das crianças envolvidas.

2 MATERIAL E MÉTODOS

A metodologia utilizada para esse estudo envolveu uma revisão sistemática da jurisprudência relacionada ao tema, bem como uma revisão da literatura científica sobre paternidade socioafetiva e seus efeitos no desenvolvimento infantil. Foram encontrados diversos casos em que tribunais reconheceram a paternidade socioafetiva, levando em consideração o melhor interesse da criança e o princípio da dignidade humana.

3 RESULTADOS

Os resultados demonstram que o reconhecimento da paternidade socioafetiva traz benefícios significativos para crianças e adolescentes, pois fortalece seus laços afetivos e promove uma base sólida para o seu desenvolvimento psicossocial. Além disso, o estudo identificou a necessidade de uma maior conscientização da sociedade e adequação das leis para garantir a proteção e o reconhecimento pleno da paternidade socioafetiva.

4 DISCUSSÃO

4.1 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS SOBRE A PATERNIDADE

Pesquisas demonstram consistentemente que um forte vínculo socioemocional com os pais impacta positivamente o desenvolvimento geral das crianças. A paternidade socioemocional contribui para o desenvolvimento social, emocional, cognitivo e comportamental da criança. Aumenta sua autoestima, empatia, regulação emocional e resiliência.

De acordo com Maria Berenice Dias (2013a), a concepção de paternidade passou por transformações significativas. No passado, a ideia de paternidade estava intrinsecamente ligada à descendência biológica. O pai biológico era geralmente considerado o único pai legítimo legalmente e socialmente.

No entanto, com o tempo, diversas mudanças sociais, culturais e jurídicas provocaram uma evolução nessa perspectiva.

A ampliação do conceito de família e a crescente conscientização sobre a importância da relação afetiva e emocional entre pais e filhos contribuíram para que se reconhecesse a importância da paternidade socioafetiva, que pode ser considerada uma relação estabelecida entre um indivíduo e uma criança, independentemente dos laços biológicos, como um elemento central na filiação e no desenvolvimento infantil. (DIAS, 2013b).

Segundo Cristiano Chaves de Farias (2016a), traz contribuições sobre a evolução histórica da paternidade, destacando que a compreensão da paternidade sofreu mudanças ao longo da história, saindo de uma visão essencialmente biológica para uma perspectiva mais ampla que considera os aspectos afetivos e relacionais entre pais e filhos.

O autor argumenta que a noção tradicional de paternidade baseada na consanguinidade, ou seja, na relação biológica, vem cedendo espaço para uma concepção mais abrangente de paternidade, que envolve o exercício efetivo dos deveres parentais, a convivência e o vínculo afetivo entre a figura paterna e a criança. (FARIAS, 2016b).

Destaca, ainda, que essa evolução histórica da paternidade está intimamente ligada às transformações sociais e culturais que ocorreram ao longo dos anos. Mudanças na perspectiva de gênero, avanços na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e a valorização do papel e da presença ativa do pai na vida familiar são fatores que influenciaram nessa evolução. (FARIAS, 2016c).

Além disso, o autor também discute a paternidade socioafetiva, ressaltando a importância do reconhecimento jurídico desse tipo de relação paterno-filial, mesmo sem vínculo biológico, como uma forma de proteger o direito da criança a conviver e ser amparada por uma figura paterna responsável e amorosa. (FARIAS, 2016d).

Por fim, Pablo Stolze Gagliano (2021a), destaca que houve uma transformação significativa na concepção de paternidade ao longo da história. Anteriormente, a filiação era pautada predominantemente na ascendência biológica, onde o pai biológico detinha o papel central na relação paterno-filial.

No entanto, com o avanço das reflexões acerca das relações familiares, especialmente a partir do século XX, começou a surgir uma visão mais abrangente e complexa da paternidade. Segundo o autor, a compreensão contemporânea da paternidade supera a simples questão biológica, passando a valorizar também outros aspectos essenciais, como o afeto, a convivência e a responsabilidade parental. (GAGLIANO, 2021b).

A mudança de paradigma é resultado do reconhecimento da importância das relações afetivas e da influência positiva do vínculo paterno no desenvolvimento humano. A figura paterna, além de ser geneticamente vinculada à criança, passa a ser valorizada pelo seu papel ativo na construção da identidade e no crescimento psicossocial dos filhos. (GAGLIANO, 2021c).

Dessa forma, a evolução histórica da paternidade demonstra uma ampliação conceitual, em que aspectos não somente biológicos, mas também afetivos e relacionais ganham relevância na compreensão do papel paterno.

4.2 PATERNIDADE SOCIOEMOCIONAL E DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL INFANTIL

A paternidade socioafetiva desempenha um papel fundamental no desenvolvimento infantil, pois estabelece laços emocionais e afetivos que impactam positivamente a formação da identidade dos filhos. Essa forma de paternidade se baseia nas relações de cuidado, amor e convivência, independentemente dos laços genéticos ou biológicos.

A figura paterna pode fornecer modelos de comportamento, valores, habilidades e resolução de problemas que são cruciais para o crescimento e formação das crianças. O pai não apenas desempenha um papel complementar à mãe, mas também traz uma perspectiva diferente, promovendo a diversidade no ambiente familiar.

Maria Berenice Dias (2016a), destaca a importância de se reconhecer o vínculo afetivo entre pais e filhos, independente dos laços biológicos, para garantir plenamente os direitos da criança.

A paternidade socioafetiva também oferece um senso de pertencimento e segurança emocional para a criança. O vínculo afetivo entre pai e filho fortalece o sentimento de proteção, autoestima e confiança da criança, além de contribuir para o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais adequadas. (DIAS, 2016b).

Cristiano Chaves de Farias (2016e), aborda a paternidade socioafetiva e demonstrando que as transformações sociais têm influenciado a concepção de paternidade no âmbito jurídico. Ele ressalta que é essencial reconhecer a importância do vínculo afetivo na relação entre pais e filhos para o desenvolvimento da criança.

Ao ser reconhecida legalmente, a paternidade socioafetiva traz diversos benefícios para a criança. Ela garante direitos, como herança, pensão alimentícia, previdência social, entre outros, e estabelece uma base jurídica sólida para o relacionamento parental. (FARIAS, 2016f)

Pablo Stolze Gagliano (2021d), discute a evolução da paternidade ao longo da história, ressaltando a relevância da paternidade socioafetiva no contexto familiar e suas implicações jurídicas.

O autor realça a importância da paternidade socioafetiva, destacando como ela promove o bem-estar e o desenvolvimento saudável das crianças, bem como a necessidade de sua proteção e reconhecimento jurídico adequado. (GAGLIANO, 2021e).

Além disso, a paternidade socioafetiva combate estigmas e preconceitos sociais, auxiliando na construção de uma sociedade mais inclusiva e respeitosa com a diversidade familiar. Reconhecer e valorizar o papel do pai, independentemente dos laços biológicos, fortalece o papel dos homens na criação dos filhos e na promoção de uma educação igualitária e equilibrada. (MIRANDA, 2017; CASSETARI, 2017a).

Portanto, a paternidade socioafetiva é de extrema importância para o desenvolvimento infantil, pois proporciona um ambiente afetivo, seguro e estimulante para as crianças. Ela reconhece o poder das relações de cuidado e amor, e o impacto positivo que os pais podem ter na vida de seus filhos, independentemente dos laços biológicos. Ao valorizar a paternidade socioafetiva, construímos um futuro mais promissor para as crianças e uma sociedade mais acolhedora e igualitária.

É por meio do reconhecimento e respeito à paternidade socioafetiva que o Direito busca assegurar o melhor interesse da criança e a proteção dos seus direitos constitucionais.

4.2.1 Ajustamento psicológico e saúde mental

A presença de uma figura paterna carinhosa e envolvida influencia significativamente o ajustamento psicológico e os resultados de saúde mental das crianças. Crianças com pais solidários e emocionalmente envolvidos demonstram taxas mais baixas de comportamentos internalizantes e externalizantes, melhor desempenho acadêmico, redução da ansiedade e relacionamentos românticos mais saudáveis. (MIRANDA, 2017; CASSETARI, 2017b).

A figura paterna desempenha um papel crucial no ajustamento psicológico e na saúde mental das crianças. A presença e o envolvimento ativo do pai na vida dos filhos trazem uma série de benefícios para o seu bem-estar emocional e desenvolvimento social.

Essa presença proporciona um senso de segurança e estabilidade emocional para as crianças. A figura paterna desafiadora, por exemplo, incentiva as crianças a explorarem o mundo, desenvolvendo sua autonomia e confiança. Além disso, os pais muitas vezes têm uma perspectiva única ao lidar com as situações, ajudando as crianças a desenvolver habilidades de enfrentamento e solução de problemas.

De acordo com Belmiro Pedro (2004a), a presença do pai também está associada a um menor risco de desenvolvimento de problemas emocionais e de comportamento. As crianças que têm um relacionamento saudável com o pai tendem a ser mais resilientes e têm maior capacidade de lidar com adversidades ao longo da vida. Além disso, estudos mostram que crianças com envolvimento paterno positivo apresentam menor incidência de ansiedade, depressão e tendências delinquentes.

Além disso, a figura paterna atua como um modelo de comportamento para as crianças. Os pais desempenham um papel crucial na transmissão de valores, normas e habilidades sociais aos filhos. Através de seu exemplo, os pais podem ensinar respeito, empatia, responsabilidade e assertividade, contribuindo para o desenvolvimento de habilidades sociais saudáveis. (WELTER, 2004b).

A ausência ou falta de envolvimento paterno pode ter impactos negativos no ajustamento psicológico das crianças. A falta de uma figura paterna presente pode levar a sentimentos de abandono, insegurança e baixa autoestima. Sem essa referência, as crianças podem ter dificuldades em desenvolver habilidades sociais adequadas, lidar com emoções e estabelecer relacionamentos saudáveis. (WELTER, 2004c).

Portanto, reconhecer e promover a importância da figura paterna no ajustamento psicológico e na saúde mental das crianças é essencial. Pais que são ativos, envolvidos e afetuosos contribuem positivamente para o desenvolvimento emocional e social de seus filhos. É importante encorajar a participação dos pais e garantir que eles tenham o apoio adequado para desempenhar seu papel de forma saudável e positiva na vida dos filhos.

4.2.2 Dinâmica Familiar

A paternidade socioemocional desempenha um papel crucial na formação da dinâmica familiar. Quando os pais participam ativamente no cuidado, fortalecem a relação de coparentalidade, aumentam a satisfação conjugal e promovem o bem-estar geral da família. Também permite a redistribuição das responsabilidades de cuidado, promovendo uma divisão mais equitativa do trabalho dentro da família.

Em conformidade com Carlos Alberto Gonçalves (2012a), a dinâmica familiar refere-se às interações, padrões de comunicação, papéis e relações que ocorrem dentro de uma família. Ela abrange como os membros da família se relacionam, se comunicam, tomam decisões e interagem emocionalmente uns com os outros.

Essa dinâmica pode variar consideravelmente de uma família para outra, dependendo de fatores como cultura, valores pessoais, estrutura familiar e histórico familiar. No entanto, existem alguns elementos comuns que podem influenciar a dinâmica familiar, como: 

1. Papéis familiares, sendo cada membro da família pode ter um papel atribuído, como pai/mãe, irmão/irmã, filho/filha. Esses papéis podem influenciar as responsabilidades, as expectativas e as interações dentro da família. (GONÇALVES, 2012b).

2. Comunicação: A comunicação é essencial na dinâmica familiar. A forma como as informações são trocadas, como os sentimentos são expressos e como os problemas são discutidos pode influenciar muito a dinâmica familiar. (GONÇALVES, 2012c).

3. Hierarquia familiar: Em algumas famílias, existe uma hierarquia estabelecida, na qual os pais têm autoridade sobre os filhos e tomam as principais decisões. Em outras, a dinâmica pode ser mais igualitária, com decisões tomadas de forma mais coletiva. (GONÇALVES, 2012d)

4. Valores e crenças: Os valores e crenças familiares têm uma influência significativa na dinâmica familiar. Eles podem afetar as expectativas em relação ao comportamento dos membros da família, as regras estabelecidas e as prioridades familiares. (GONÇALVES, 2012e).

5. Interação emocional: A forma como os membros da família demonstra afeto, apoio emocional e lidam com conflitos também afeta a dinâmica familiar. Uma dinâmica familiar saudável geralmente envolve um ambiente emocionalmente positivo e a capacidade de resolver conflitos de forma construtiva. (GONÇALVES, 2012f).

É importante observar que a dinâmica familiar pode mudar ao longo do tempo, à medida que os membros da família crescem, as circunstâncias mudam ou ocorrem eventos significativos. Também é válido ressaltar que existem diferentes tipos de dinâmica familiar, que podem variar desde famílias nucleares tradicionais até famílias monoparentais, famílias recompostas ou famílias adotivas, por exemplo.

4.3 IMPLICAÇÕES JURÍDICAS SOBRE A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

O Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002a), especificamente o artigo 1.593, aborda a questão da paternidade socioemocional ao reconhecer a importância do vínculo afetivo entre o filho e seu genitor não biológico. Podemos extrair do artigo que a relação de paternidade socioemocional pode ser reconhecida, protegida e estabelecida por meio de laços afetivos e não apenas por laços biológicos.

O artigo 1593 (BRASIL, 2002b) não só tem em conta o bem-estar da criança, mas também os direitos e responsabilidades do progenitor não biológico. Permite o reconhecimento e a proteção jurídica da ligação emocional entre uma criança e o seu progenitor socioemocional, garantindo que o progenitor não biológico possa assumir um papel e participar nas decisões relacionadas com a educação da criança.

Rolf Madaleno (2016a), nos ensina que a inclusão do artigo 1.593 no Código Civil Brasileiro reflete a disposição de reconhecer a importância da paternidade socioemocional e de criar uma estrutura legal que apoie o vínculo emocional entre uma criança e seu pai não biológico. 

Este reconhecimento é particularmente importante em casos de adoção, barriga de aluguer, parcerias entre pessoas do mesmo sexo e famílias mistas, onde os laços biológicos podem não existir ou podem ser complementados por ligações emocionais.

Vale ressaltar que a interpretação e aplicação do artigo 1.593 podem variar em casos e contextos jurídicos específicos. (MADALENO, 2016b).

4.3.1 Das Análises Jurisprudenciais

Com base em jurisprudências, é possível observar uma tendência favorável ao reconhecimento e valorização da paternidade socioafetiva. As decisões dos tribunais têm reconhecido que o vínculo afetivo estabelecido entre pais e filhos é tão relevante quanto os laços biológicos ou jurídicos.

Algumas das principais jurisprudências que influenciaram o país a proceder com julgamentos análogos:

Um exemplo de jurisprudência que trata do tema é o julgamento do Recurso Especial nº 1.159.242/SC (STF, 2010). Nesse caso, a Corte reconheceu a paternidade socioafetiva baseada no princípio do melhor interesse da criança, destacando que o afeto e a convivência são elementos fundamentais para o desenvolvimento saudável da criança. 

Outra decisão importante foi proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO SUL, 2018), no Agravo de Instrumento nº 70083885548. Nesse caso, o TJRS reconheceu a paternidade socioafetiva ao considerar que o pai, mesmo sem vínculo biológico com a criança, sempre exerceu a figura paterna e atuou de forma ativa em sua criação e educação.

Uma jurisprudência relevante também é o julgamento do Recurso Extraordinário nº 898.060/DF, pelo Supremo Tribunal Federal (STF, 2016). Nessa decisão, o STF reconheceu a multiparentalidade, permitindo que uma criança possa ter tanto um pai biológico quanto um pai socioafetivo no registro de nascimento.

Por fim, temos o Recurso Especial nº 1.421.650-SP (STJ, 2015), julgado pelo Superior Tribunal de Justiça que reconheceu a paternidade socioafetiva. A decisão foi baseada no princípio do melhor interesse da criança e na perspectiva do afeto como elemento essencial para a formação da filiação socioafetiva.

Essas jurisprudências refletem uma tendência de compreensão mais abrangente e atualizada do conceito de paternidade, reconhecendo que o afeto e a convivência são essenciais para o desenvolvimento infantil. Os tribunais têm se posicionado no sentido de garantir o pleno exercício dos direitos da criança e a proteção de seus interesses, superando a rigidez formal do vínculo biológico para considerar a realidade socioafetiva vivenciada pelos envolvidos.

4.3.2 Dificuldade encontradas para comprovação da paternidade socioafetiva

Não é suficiente apenas o amor e o carinho entre o pai e o filho não biológicos, deve haver uma comprovação de que essa relação existe, ou seja, que é verdadeira.

A ilustríssima professora Vanessa Ouza (2005a), nos ensina que uma das principais dificuldades é comprovar a existência e a intensidade do vínculo socioafetivo entre o pai/mãe e a criança. Nem sempre existem documentos formais ou evidências claras dessa relação, o que pode dificultar o reconhecimento da paternidade socioafetiva perante a lei.

Outra dificuldade é o conflito com vínculos biológicos ou registrais. Em alguns casos, a paternidade socioafetiva pode entrar em conflito com a paternidade biológica ou com o registro civil existente. Isso pode gerar disputas legais e demandar análise minuciosa das circunstâncias para determinar o reconhecimento ou a prevalência de um vínculo sobre o outro. (OUZA, 2005b).

Em sistemas legais que priorizam os vínculos biológicos ou jurídicos, pode ser difícil garantir os direitos do pai/mãe socioafetivo em relação à tomada de decisões importantes sobre a criança, como o direito de visitação, guarda e sustento.

Outro problema encontrado é a ausência de legislação específica. Em alguns países, a legislação pode não abordar de forma clara a paternidade socioafetiva. Isso pode causar incerteza jurídica e dificultar a obtenção de proteção legal para os pais/mães e filhos envolvidos nessa relação. (OUZA, 2005c).

Por fim, temos dificuldades nos casos de separação/divórcio. Quando há separação ou divórcio, a paternidade socioafetiva pode ser questionada, principalmente se a relação entre o pai/mãe socioafetivo e o filho não foi formalizada legalmente. Isso pode levar a disputas sobre guarda, visitação e pensão alimentícia e um processo judicial moroso, com final muitas vezes não desejados para algumas ou ambas as partes. (OUZA, 2005d).

4.3.3 Direito Comparado

O direito comparado é o estudo das leis e sistemas jurídicos de diferentes países, permitindo comparar as abordagens legais e jurisprudenciais adotadas em relação a determinadas questões.

No contexto da paternidade socioafetiva, o direito comparado pode ser útil para analisar como diferentes países tratam essa questão em suas legislações e jurisprudências. Algumas abordagens encontradas no direito comparado incluem o reconhecimento automático, ou seja, alguns países, como a Argentina e Portugal, têm sistemas jurídicos que reconhecem automaticamente a filiação socioafetiva, desde que existam elementos que comprovem a relação de afeto e convivência.

No Brasil temos o Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002), que reconhece a paternidade socioafetiva no artigo 1.593, onde estabelece que a posse de estado de filho é determinante para a filiação.

Na Argentina, temos o Código Civil e Comercial da Nação Argentina (ARGENTINA, 2014), que reconhece a filiação socioafetiva no artigo 558, onde estabelece que a filiação pode ser determinada pelo estabelecimento voluntário e inequívoco de uma relação de filiação.

Outra abordagem possível é adoção plena, quer dizer, em outros países, a paternidade socioafetiva pode ser reconhecida por meio de uma adoção plena, mesmo que o pai ou mãe biológico esteja presente e não tenha revogado seus direitos parentais. Como acontece no Brasil, onde a adoção plena é regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), estabelecendo uma nova filiação e extinguindo os vínculos jurídicos e biológicos entre a criança e a família de origem.

Em Portugal, também há possiblidade da adoção plena, prevista no Código Civil português (PORTUGAL, 1966), que resulta no estabelecimento de um novo vínculo de filiação entre a criança e a família adotiva, com a extinção dos vínculos jurídicos e biológicos com a família de origem.

Por último, de acordo com Maria Helena Diniz (2008a), há uma abordagem sobre o estabelecimento voluntário, ou seja, alguns sistemas jurídicos permitem que os pais biológicos ou adotivos estabeleçam voluntariamente uma relação de filiação socioafetiva, mesmo sem vínculo biológico ou formal de adoção. 

Como acontece também no Brasil, onde é possível estabelecer voluntariamente uma relação de paternidade/maternidade socioafetiva por meio do reconhecimento espontâneo ou da escritura pública de manifestação de vontade.

Essa opção permite que os pais biológicos ou adotivos formalizem a relação de afeto e convivência com a criança, mesmo sem vínculo biológico ou formal de adoção.

5 CONSIDERÇÕES FINAIS

O reconhecimento da paternidade socioemocional nos quadros jurídicos e nas políticas é crucial para proteger o bem-estar e o psicossocial das crianças e das suas famílias. Os sistemas jurídicos devem adaptar-se às mudanças nas atitudes da sociedade, proporcionando vias para os pais não biológicos estabelecerem os seus direitos e responsabilidades paternos. Isto inclui considerações sobre adoção, barriga de aluguel, parcerias entre pessoas do mesmo sexo e famílias mistas.

O artigo aborda as dificuldades jurídicas relacionadas à paternidade socioafetiva, levando em consideração as informações disponíveis, além de trazer as sérias complicações da ausência desse acolhimento da paternidade, afetando o desenvolvimento da criança.

Através do direito comparado, foi possível compreender que diferentes países possuem abordagens distintas em relação ao reconhecimento legal da paternidade socioafetiva.

É notório que a paternidade socioafetiva desempenha um papel relevante no desenvolvimento e no bem-estar de uma criança. No entanto, sua aceitação e proteção legal nem sempre são amplamente estabelecidas. As dificuldades evidenciadas incluem a prova da relação socioafetiva, os possíveis conflitos com vínculos biológicos ou registrais, a proteção dos direitos do pai/mãe socioafetivo e a ausência de legislação específica em alguns casos. 

Considerando-se a importância da paternidade socioafetiva e do interesse do bem-estar da criança, é relevante que os sistemas jurídicos busquem enquadrar essa forma de parentesco, garantindo a proteção adequada dos direitos e assegurando uma interpretação flexível da legislação para reconhecer e valorizar os laços de afeto e convivência.

O conceito de paternidade socioemocional reconhece a importância das conexões emocionais entre pais e filhos. A pesquisa científica demonstra consistentemente o impacto positivo da paternidade socioafetiva no desenvolvimento socioemocional das crianças, no ajustamento psicológico e na dinâmica familiar geral.

A sociedade deve promover um ambiente inclusivo e solidário que reconheça e valorize o papel da paternidade socioemocional.

Em resumo, embora ainda existam dificuldades jurídicas no reconhecimento da paternidade socioafetiva, sendo resolvida principalmente por jurisprudências, haja vista a falta de legislação adequada, é reconhecida amplamente a sua importância afetiva e o papel fundamental que desempenha na estruturação familiar e no desenvolvimento das crianças. 

Portanto, é necessário que os sistemas jurídicos continuem a evoluir e se adaptar, buscando um equilíbrio entre os vínculos biológicos, jurídicos e afetivos para melhor atender ao interesse superior da criança.

REFERÊNCIAS

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1Acadêmica Agena Cristiane Ferraz de Oliveira, curso de Direito. E-mail: agena.oliveira@gruposapiens.com.br;
2Acadêmico Charles da Cunha Lourenço, curso de Direito. E-mail: charleslou12345@gmail.com;
3Professora Especialista Catiene Santanna. Professora de Direito, na Faculdade UniSapiens, E-mail: catiene.santanna@gruposapiens.com.br.