PARTO DOMICILIAR PLANEJADO: PROGRESSO OU RETROCESSO NA ASSISTÊNCIA MATERNA?

PLANNED HOME BIRTH: PROGRESS OR REGRESSION IN MATERNAL CARE?

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11116453


Andressa Vilar Torres do Nascimento Pires¹;
Mariana Eloy de Amorim².


Resumo

Este estudo investiga sobre o Parto Domiciliar Planejado (PDP) como alternativa ao parto hospitalar no Brasil, observando sua baixa prevalência e os potenciais benefícios percebidos em termos de experiência personalizada e redução do estresse. No entanto, persistem questões sobre sua segurança. A revisão bibliográfica qualitativa busca entender melhor os aspectos do PDP, seus riscos para a saúde materna e neonatal, as percepções das mulheres e familiares, bem como suas implicações éticas e legais. Entende-se que o PDP pode oferecer uma abordagem humanizada ao parto, mas são necessários mais estudos e apoio e diretrizes políticas para garantir sua segurança e acessibilidade no Brasil.

Palavras-chave: Parto Domiciliar Planejado. Parto Normal. Parto Humanizado.

1 INTRODUÇÃO

O Parto Domiciliar Planejado (PDP), trata-se de uma das modalidades do parto normal, o qual é realizado no domicílio da gestante, de maneira planejada por uma equipe de assistência qualificada. Esse modelo já está bem difundido em alguns países, entretanto, no Brasil, essa opção ainda é pouco ofertada (Cursino e Benincasa, 2020).

A assistência obstétrica no Brasil é predominantemente hospitalizada e medicalizada, com a maioria dos nascimentos ocorrendo em ambiente hospitalar. Essa realidade é acompanhada por uma taxa de cesarianas que ultrapassa 50%, especialmente na rede privada, contrastando fortemente com as recomendações da Organização Mundial da Saúde – OMS (Oliveira, 2020).

Nesse contexto, defensores dessa alternativa de parto humanizado argumentam que essa assistência em casa proporciona uma experiência mais personalizada, reduzindo o estresse e aumentando a autonomia das parturientes. Por outro lado, críticos expressam preocupações relacionado a segurança dessa técnica, especialmente em casos de complicações obstétricas, embora haja pesquisas que apontem que, em condições ideais, pode ser seguro para mulheres de baixo risco, desde que haja seleção adequada de candidatas e a presença de profissionais de saúde qualificados, destacando a necessidade contínua de revisão das práticas de cuidados de saúde materna à medida que novas evidências emergem (Sanfelice e Shimo, 2014).

A crescente divergência entre a assistência obstétrica hospitalizada e medicalizada, predominante no Brasil, e o movimento em favor do parto domiciliar planejado representa uma problemática central. Enquanto a taxa de cesarianas, especialmente na rede privada, ultrapassa 50%, em contraste com as recomendações da Organização Mundial da Saúde, defensores do parto domiciliar enfatizam uma experiência mais personalizada, redução do estresse e aumento da autonomia das mulheres (Fundação Oswaldo Cruz, 2014). Entretanto, críticos expressam preocupações com a segurança deste modelo, especialmente em casos de complicações (Valinho, 2021). Assim, a problemática desta pesquisa reside na necessidade de investigar os benefícios e riscos associados ao parto domiciliar planejado no contexto brasileiro, considerando sua segurança, experiência materna e impacto na saúde neonatal, além de explorar as percepções das mulheres, e analisar as implicações éticas, legais, políticas de saúde e práticas obstétricas que influenciam essa escolha (Volpato, 2021).

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

O PDP refere-se à assistência oferecida à mulher durante a gestação, o parto e o puerpério imediato, ocorrendo no ambiente doméstico e conduzido por profissionais capacitados e qualificados, conforme a escolha autônoma dessa (Floriano, Costa e Silva, 2023). Em alguns países já é uma prática comum, mas no Brasil tem crescido de maneira tímida nos grandes centros urbanos (Cursino e Benincasa, 2020).

A principal diferença comparado a outras modalidades do parto normal, consiste no local onde ocorre. Enquanto o PDP ocorre no ambiente doméstico da gestante, as outras opções, como o normal hospitalar e o humanizado, ocorrem em instalações hospitalares ou em clínicas de parto. Essa distinção do ambiente influencia diversos aspectos do processo de parturição, incluindo o espaço, as intervenções médicas disponíveis, a autonomia e a presença de familiares (Sanfelice e Shimo, 2014). Vale destacar, que existem critérios para que seja possível a realização dessa abordagem, ela precisa ser de baixo risco e sem intercorrências durante o prénatal (Brasil, 2017).

Outrossim, essa técnica visa evitar procedimentos desnecessários, reconhecendo que estes não garantem a segurança da mulher e podem tornar a experiência traumática para mãe e familiares. O aumento nas últimas décadas de intervenções médicas contrasta com a abordagem mais natural e humanizada do PDP, o qual permite à parturiente controle sobre seu corpo (Castro, 2015). Além disso, o ambiente familiar do lar fortalece o seu protagonismo, possibilitando que ela conduza o processo conforme suas preferências e necessidades, expressando sua individualidade por meio de rituais e práticas religiosas se preferir, além de escolher quantas e quais pessoas farão parte desse momento. O apoio emocional proporcionado pelo vínculo parental durante o procedimento, é essencial para o seu encorajamento e enfrentamento os desafios emocionais, criando uma sensação de segurança e conforto que contribui para uma vivência menos traumática e mais positiva (Carneiro e Dias, 2020).

Em um estudo transversal sobre os resultados maternos dos partos domiciliares planejados assistidos por enfermeiras da equipe Hanami no sul do Brasil, de 2002 a 2012, revelou que 187 das 212 parturientes acompanhadas deram à luz em domicílio. A maioria dessas, com idades entre 24 e 28 anos, com ensino superior completo e com trabalho remunerado (Koettker, Bruggemann e Knobel, 2017).

Nesse levantamento, foi identificado que a episiotomia (corte cirúrgico feito no períneo durante a parturição para facilitar a passagem do bebê) foi realizada em apenas 0,5% das 187 mulheres. Houveram 27,3% de mulheres com períneo íntegro, e as mulheres que sofreram lacerações, foram exclusivamente de primeiro e segundo grau, e dessas, aproximadamente metade não precisou de sutura perineal. Durante o acompanhamento fetal, a maioria dos batimentos cardíacos permaneceu dentro dos padrões considerados normais. A taxa de transferência materna durante a gestação foi de 4,7% e durante o trabalho de parto foi de 7,4%, sem transferências nos pós. As principais causas de transferência durante o processo foram paradas da dilatação cervical e dificuldade de descida fetal. Destacou-se ainda, a baixa taxa de transferência para cesarianas (9,9%) em comparação com a taxa nacional e com as recomendações da OMS (Koettker, Bruggemann e Knobel, 2017).

No contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), o PDP não é amplamente incentivado, exceto em áreas de difícil acesso ou para populações tradicionais (Gonçalves, Brigagão, e Hokama, 2021). A falta de diretrizes e políticas públicas específicas, juntamente com a não cobertura pelo sistema de saúde suplementar, explica o perfil das mulheres estudadas, já que esse serviço geralmente é oferecido apenas de forma particular (Cursino e Benincasa, 2020).

Atualmente no Brasil, não existe uma lei específica que regulamente o parto domiciliar planejado. Essa prática em casa é abordada em leis e regulamentações relacionadas à saúde e ao exercício profissional, como o da enfermagem. No entanto, as diretrizes específicas podem variar de acordo com o estado ou município, e muitas vezes dependem da interpretação das normas por parte dos profissionais de saúde e das instituições responsáveis pela regulamentação. Algumas entidades oferecem diretrizes e recomendações para a tal conduta, mas estas não têm força de lei. Todavia, é considerada legal, desde que seja realizado por profissionais de saúde qualificados e que sigam protocolos de segurança adequados (COFEN, 2019).

3 METODOLOGIA

Nesta pesquisa, optou-se por realizar uma abordagem descritiva básica qualitativa, por meio de uma revisão bibliográfica, com o intuito de explorar o tema do parto domiciliar planejado. Para realizar essa investigação, foram selecionadas as bases de dados LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde) e SciELO (Scientific Electronic Library Online). Essas, são reconhecidas por conterem uma vasta gama de trabalhos científicos relacionados à saúde, incluindo estudos realizados por pesquisadores nacionais e internacionais. A busca literária tem sido realizada utilizando os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) pertinentes ao tema, que incluem “parto domiciliar” e “parto normal”. Esses descritores foram selecionados para garantir a abrangência da pesquisa e a inclusão de estudos relevantes.

Foram considerados para inclusão na análise os artigos completos publicados nos últimos dez anos, disponíveis nos idiomas português e inglês. Esta delimitação temporal foi estabelecida para garantir a atualidade das informações utilizadas na pesquisa. Os critérios de inclusão foram aplicados de forma a selecionar artigos do tipo documental e estudo de caso, que abordassem diretamente os aspectos do parto domiciliar planejado, incluindo seus benefícios, riscos, percepções das mulheres e profissionais de saúde, bem como considerações éticas e jurídicas associadas a essa prática, permitindo uma compreensão aprofundada das diferentes perspectivas e informações apresentadas na literatura revisada.

4 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

O PDP representa uma alternativa ao parto hospitalar tradicional, oferecendo às mulheres a oportunidade de dar à luz em um ambiente familiar e com maior controle sobre o processo de parturição. Ao enfatizar a autonomia da mulher e minimizar intervenções médicas desnecessárias, o PDP busca proporcionar uma experiência mais natural e humanizada.

Os estudos revisados destacam que o PDP pode ser uma opção segura para mulheres de baixo risco, com taxas relativamente baixas de complicações e intervenções médicas. Além disso, o apoio emocional fornecido durante o processo, especialmente por meio do vínculo familiar, desempenha um papel importante no bem-estar da parturiente e na percepção positiva da experiência de parto.

No entanto, o PDP enfrenta desafios significativos no Brasil, incluindo a falta de incentivo por parte do Sistema Único de Saúde (SUS) e a falta de diretrizes claras e políticas públicas específicas. Embora seja legal, sua prática muitas vezes depende da interpretação das normas por parte dos profissionais de saúde e das instituições reguladoras.

Em termos de pesquisa futura, é essencial continuar avaliando os resultados do PDP no contexto brasileiro, incluindo uma análise mais aprofundada das experiências das mulheres, o impacto do apoio familiar e comunitário, e a eficácia das diretrizes e protocolos de segurança. Além disso, a promoção de políticas públicas que apoiem e regulamentem o PDP pode ser crucial para expandir o acesso a essa opção de parto.

Em suma, o PDP representa uma abordagem alternativa e humanizada ao parto, com potencial para melhorar a experiência das mulheres durante o processo de parturição. No entanto, são necessários mais estudos e apoio institucional para promover sua adoção e garantir sua segurança e acessibilidade para todas as mulheres no Brasil.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes Nacionais De Assistência Ao Parto Normal: versão resumida. Brasília, DF, 2017. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_assistencia_parto_normal.pdf. Acesso em: 28 fev. 2024.

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¹Discente do Curso Superior de Bacharel em Enfermagem do Centro Universitário Mauá de Brasília Campus Taguatinga Sul. e-mail: andressatorrees@gmail.com.
²Docente do Curso Superior de Bacharel em Enfermagem do Centro Universitário Mauá de Brasília Campus Taguatinga Sul. e-mail: amorim.marianae@gmail.com.