PARCELAMENTO DE DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

INSTALLMENT OF TAX DEBTS AND EXTINCTION OF PUNISHMENT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11508909


Wahlbrinck Luiz Felipe Schiller1
Gubert Marcelo Wordell2


RESUMO – O parcelamento de dívidas tributárias representa uma medida de extrema  relevância no contexto fiscal e jurídico brasileiro. Este mecanismo possibilita aos  contribuintes a regularização de débitos com o fisco, oferecendo prazos e condições  facilitadas para o pagamento de impostos em atraso. Além de contribuir para a  recuperação de receitas públicas, o parcelamento de dívidas tributárias também  exerce um impacto significativo no âmbito penal, especialmente no que diz respeito à  extinção da punibilidade de crimes tributários. A legislação brasileira prevê que, ao  aderir ao parcelamento e cumprir as condições estabelecidas, o contribuinte pode ver  extinta a sua responsabilidade penal, evitando, assim, as severas consequências  associadas à condenação criminal. Este artigo examina os aspectos jurídicos e  práticos do parcelamento de dívidas tributárias, suas implicações para a extinção da  punibilidade e a sua importância como instrumento de política fiscal e de justiça penal. Para compreender melhor a dinâmica e os efeitos do parcelamento de dívidas  tributárias, este artigo adotará uma metodologia que combina análise jurisprudencial,  revisão bibliográfica e estudo de casos. A relação entre o parcelamento de dívidas  tributárias e a extinção da punibilidade destaca a necessidade de políticas fiscais  sólidas. Essas políticas não só facilitam a regularização de débitos, mas também  promovem o cumprimento das obrigações fiscais e reforçam a confiança no sistema  tributário. 

Palavras-chaves: Dívidas. Extinção da punibilidade. Parcelamento. 

ABSTRACT – The installment of tax debts represents an extremely relevant measure  in the Brazilian fiscal and legal context. This mechanism allows taxpayers to settle debts with the tax authorities, offering easier deadlines and conditions for paying  overdue taxes. In addition to contributing to the recovery of public revenue, the  payment of tax debts in installments also has a significant impact in the criminal sphere, especially with regard to the extinction of the punishability of tax crimes. Brazilian  legislation provides that, by adhering to the installment plan and complying with the  established conditions, the taxpayer can have his criminal liability extinguished, thus  avoiding the severe consequences associated with a criminal conviction. This article  examines the legal and practical aspects of paying tax debts in installments, their  implications for the extinction of punishment and their importance as an instrument of  fiscal policy and criminal justice. To better understand the dynamics and effects of  paying tax debts in installments, this article will adopt a methodology that combines  jurisprudential analysis, literature review and case studies. The relationship between  the payment of tax debts and the extinction of punishment highlights the need for solid  fiscal policies. These policies not only facilitate debt settlement, but also promote  compliance with tax obligations and reinforce confidence in the tax system. 

Keywords: Debts. Extinction of punishment. Installment. 

1. INTRODUÇÃO 

O presente trabalho de conclusão de curso busca analisar o parcelamento de  dívidas tributárias e a extinção da punibilidade no âmbito do direito brasileiro. O  objetivo é compreender os conceitos e os mecanismos envolvidos no parcelamento  de dívidas tributárias, incluindo a legislação vigente, procedimentos, prazos e critérios  de elegibilidade. Ademais, pretende-se analisar as condições sob as quais a  punibilidade pode ser extinta e a relação entre a esfera tributária e a esfera penal. 

O parcelamento de dívidas tributárias representa uma importante ferramenta  na gestão fiscal tanto para os contribuintes quanto para o Estado. Permite ao devedor  regularizar suas pendências financeiras de forma parcelada, viabilizando a quitação  de tributos. Paralelamente, para o Estado, esta prática favorece a recuperação de  créditos tributários, contribuindo para a manutenção do equilíbrio fiscal. 

A questão do parcelamento de dívidas tributárias ganha uma dimensão  adicional quando se trata da extinção da punibilidade por crimes tributários. A  legislação brasileira estabelece que o pagamento integral dos débitos tributários pode  extinguir a punibilidade de delitos relacionados, destacando-se nesse contexto a Lei  no 10.684/03 e suas disposições específicas. Este artigo explora os aspectos legais e  práticos do parcelamento de dívidas tributárias, suas implicações na extinção da  punibilidade e as recentes alterações legislativas. 

Ao abordar esses pontos, busca-se esclarecer as condições e efeitos do  pagamento e parcelamento de tributos na esfera penal, contribuindo para uma  compreensão mais aprofundada da interação entre direito tributário e penal no Brasil,  ambos desempenham um papel fundamental da regularização fiscal, no estímulo ao  cumprimento das obrigações fiscais e na manutenção da confiança no sistema  tributário. 

Para atingir esses objetivos, este estudo se divide em diversas seções.  Inicialmente, será realizada uma análise detalhada da legislação vigente que  regulamenta o parcelamento de dívidas tributárias, destacando suas principais  características, os procedimentos envolvidos e os prazos estabelecidos. Em seguida,  será examinado o impacto do parcelamento no comportamento dos contribuintes e na  arrecadação tributária. 

Posteriormente, o foco será direcionado para a relação entre o parcelamento  de dívidas tributárias e a extinção da punibilidade, com uma análise das condições  específicas previstas na legislação brasileira que permitem essa extinção. 

Com este trabalho, espera-se fornecer uma contribuição significativa para a  literatura jurídica sobre o tema, oferecendo uma visão abrangente e crítica do  parcelamento de dívidas tributárias e da extinção da punibilidade, bem como suas  implicações para o direito tributário e penal no Brasil. 

2. A COMPETÊNCIA DE TRIBUTAR 

Na visão de Carrazza, “competência tributária é a aptidão jurídica para criar,  in abstracto, tributos”( Carrazza, 2023, p.454). 

Em conformidade com o princípio da legalidade, os tributos são instituídos, de  forma abstrata, mediante legislação (conforme estipulado no art. 150, I, da  Constituição Federal), a qual deve abranger todos os elementos fundamentais da  norma tributária. Esses elementos compreendem aspectos que impactam tanto na  incidência quanto no montante do tributo, incluindo a hipótese de sua ocorrência, o  sujeito ativo e passivo, a base de cálculo e a alíquota. Tais componentes só podem  ser estabelecidos por meio de legislação (Carrazza, 2023). 

A competência tributária é circunscrita à legislação. Após a promulgação  desta, não subsiste mais a competência tributária (o direito de instituir o tributo), mas  apenas a capacidade tributária ativa (o direito de arrecadá-lo, após a ocorrência do  fato gerador). É evidente que a competência tributária, uma vez exercida, cede lugar  à capacidade tributária ativa. Por conseguinte, a competência tributária não se desloca  do âmbito do Poder Legislativo; ao contrário, é exaurida com a promulgação da lei que  veicula a norma tributária (Carrazza, 2023). 

O artigo 6º do CTN traz expresso:  

Art. 6º A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o disposto nesta Lei.
Parágrafo único. Os tributos cuja receita seja distribuída, no todo ou em parte, a outras pessoas jurídicas de direito público pertencerá à competência legislativa daquela a que tenham sido atribuídos (Brasil, 1966). 

Para Eduardo de Moraes Sabbag “O poder de tributar é, em verdade, um  poder de direito, lastreado no consentimento dos cidadãos, destinatários da invasão patrimonial, tendente à percepção do tributo. Se há em seu emprego uma parcela de  força, ela se mostra institucionalizada, dotada de juridicidade”( Sabbag, 2017, p54). A capacidade de tributação em um Estado de Direito representa a autoridade  para cobrar impostos que é reconhecida, definida e, às vezes, compartilhada por  disposições constitucionais. Em Estados federativos, onde há uma separação vertical  de poder entre o governo central e as entidades locais, essa competência deriva tanto  das restrições estabelecidas pelas normas quanto da distribuição do poder de criar  impostos entre as diversas entidades federativas. No Brasil, por exemplo, a  Constituição determina que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios  possuem a competência para instituir impostos (Machado, 2018).  O Estado deve garantir a obtenção de recursos adequados para manter sua  estrutura e fornecer serviços ao cidadão-contribuinte, segundo Sabbag “o Estado  necessita, em sua atividade financeira, captar recursos materiais para manter sua  estrutura, disponibilizando ao cidadão-contribuinte os serviços que lhe compete, como  autêntico provedor das necessidades coletivas” (Sabbag, 2017, p.34). O conceito de “Direito Tributário” tem duas interpretações diferentes. Em  primeiro lugar, refere-se ao conjunto de leis que regulam a criação, cobrança e  controle de impostos, englobando as normas, os eventos que as desencadeiam e os  princípios que as orientam. Em segundo lugar, representa uma área do conhecimento  humano dedicada ao estudo dessas leis, eventos e princípios. Essa segunda  interpretação indica que o Direito Tributário se tornou independente do Direito  Financeiro, motivado pelo crescente interesse na regulamentação das receitas  tributárias e nos conflitos relacionados a elas (Machado, 2018). 

Embora o campo do Direito Tributário tenha suas próprias regras específicas,  ele se conecta de forma intrínseca a outras áreas do direito, como a estruturação do  Estado, a Administração Pública e o Direito Penal. Sua principal missão é estabelecer  limites para a tributação, assegurando que a arrecadação de impostos siga regras  predefinidas e respeite princípios como igualdade e capacidade contributiva, em vez  de apenas prover recursos ao Estado (Machado, 2018). 

Há uma clara relação entre o Direito Tributário e o Direito Penal, visto que o  primeiro, caracterizado pela compulsoriedade na tributação, possibilita a aplicação de  sanções em casos de inadimplemento ou infração tributária, como prisão, multa,  regime especial de fiscalização, interdição, perdimento de bens e apreensão de  coisas. O vínculo entre Direito Penal e Direito Tributário é evidente, especialmente na  interpretação dos crimes tributários e das infrações fiscais que resultam em penas  pecuniárias (Sabbag, 2017). 

3. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 

O Estado, como entidade soberana, possui intrinsecamente o poder de  tributar, que se refere à capacidade de coletar dos cidadãos os tributos necessários.  Esse poder tributário é uma das características fundamentais do Estado, embora o  tributo seja uma prática inerente a qualquer governo ao longo da história, houve  períodos marcados por revoluções, muitas vezes motivadas por questões tributárias,  que resultaram no estabelecimento ou na reafirmação mais eficaz de normas que  limitam esse poder de tributar (Machado, 2018). 

Essas revoluções foram fundamentais para o surgimento e a consolidação do  Estado de Direito, assim como para a promulgação das primeiras Constituições e Declarações de Direitos, nas quais são estabelecidos limites ao poder estatal em  várias áreas (Machado, 2018). 

Exemplos notáveis dessas revoluções incluem a revolta dos barões contra  João Sem Terra, que resultou na Carta Magna de 1215; a Revolução Gloriosa de  1688; a independência americana, que surgiu em parte devido às tentativas de  tributação sem representação dos colonos; e a Revolução Francesa, na qual o povo  se rebelou contra os pesados tributos impostos pela monarquia de Luís XVI. Esses  eventos históricos foram cruciais para estabelecer os princípios de limitação do poder  estatal, incluindo o poder de tributar (Machado, 2018). 

Na visão de Eduardo Sabbag: 

[…] os arts. 150, 151 e 152 da Carta Magna hospedam variados comandos principiológicos, insculpidos à luz de pautas de valores pontualmente prestigiados pelo legislador constituinte. Aliás, em muitos casos, como já se viu, servem esses princípios como verdadeiras garantias constitucionais do contribuinte contra a força tributária do Estado, assumindo a postura de nítidas limitações constitucionais ao poder de tributar. Nessa toada, “consoante a jurisprudência firmada pelo STF, o poder que tem o Estado de tributar sofre limitações que são tratadas como cláusulas pétreas”(Sabbag,  2017, p.57). 

O caput do artigo 150 da Constituição Federal de 1988, evidencia que as  restrições constitucionais ao poder de tributar não se limitam apenas ao rol  mencionado neste artigo. Essas limitações também estão previstas em outras partes  da Constituição, ou são implicitamente compreendidas dentro de seu escopo. Isso se  aplica, por exemplo, à exigência de que as ações do Poder Público, inclusive em  assuntos relacionados à tributação (Machado, 2018). 

Carrazza aduz:  

A Constituição, conforme acenamos, ocupa o nível supremo da ordem jurídica, acima do qual não se reconhece outro patamar de juridicidade  positiva. É ela que enumera os princípios fundamentais, organizativos e finalísticos da comunidade estatal, definindo as relações do poder político,  dos governantes e governados e – respeitados os direitos e garantias individuais e sociais e o princípio da livre iniciativa – até das pessoas físicas e jurídicas (Carrazza, 2013, p35). 

A Constituição não é apenas um conjunto de recomendações facultativas,  mas um conjunto de normas supremas que devem ser incondicionalmente observadas  por todos, incluindo o legislador infraconstitucional, o administrador público e o juiz.  Essas normas protegem os cidadãos contra possíveis arbitrariedades estatais e  estabelecem diretrizes, tanto implícitas quanto explícitas, que devem ser seguidas por  todos, sejam administrados ou administradores, pessoas físicas ou jurídicas,  nacionais ou estrangeiros que residem ou mantêm negócios no país, e membros dos  Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Qualquer ato que não observe essas  diretrizes é considerado sem efeito. Além disso, as normas constitucionais devem ser  interpretadas de forma a lhes conferir a maior efetividade possível, e não cabe ao  aplicador modificar o que considera inadequado na Constituição com base em suas  próprias peculiaridades ou opiniões pessoais (Carrazza,2013).  

Tais princípios pertinentes para o estudo deste trabalho serão analisados; 

3.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE  

Conforme o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal de 1988, é proibido à  União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo  sem que haja uma lei que o estabeleça, princípio conhecido como estrita legalidade.  Esse princípio é considerado mais rigoroso do que a legalidade geral prevista no artigo  5º, inciso II, da Constituição Federal. Segundo a legalidade tributária, não basta  apenas que o dever de pagar esteja previsto na lei; todos os seus aspectos devem  estar expressamente determinados nela, conforme explicitado pelo artigo 97 do  Código Tributário Nacional (Machado, 2018). In verbis: 

Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: 
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (Brasil, 1988). 

Ainda ressalta que é incumbência da autoridade da administração tributária  empreender todos os esforços necessários para determinar a veracidade dos fatos no  processo de cobrança de um tributo. É responsabilidade da autoridade responsável  pelo lançamento do tributo demonstrar que os eventos descritos na lei como requisitos  para a aplicação da norma tributária ocorreram, além de investigar quaisquer aspectos  de fato levantados pelo contribuinte em oposição à cobrança. A produção de  evidências não deve ser encarada como um favor concedido ao contribuinte, mas sim  como uma medida essencial para garantir a correta aplicação da lei (Machado 2018). Aduz ainda Eduardo Sabbag (2017, p. 61): 

“O Estado de Direito tem-no como inafastável garantia individual a serviço dos cidadãos, implicando uma inexorável convergência e, também, equivalência de ambos: se há Estado de Direito, há, reflexamente, a legalidade no fenômeno da tributação” (Sabbag, 2017, p. 61). 

O conceito de Estado de Direito é essencial como uma proteção individual em  benefício dos cidadãos. Ele exige uma ligação inseparável entre o Estado de Direito  e a conformidade com a lei, especialmente no âmbito da tributação. 

3.2 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE 

“O princípio da anterioridade tributária, expresso no art. 150, III, b da CF,  destacasse como um postulado tipicamente tributário, cujos efeitos direcionam-se  para a seara da tributação, seja ela federal, estadual, municipal ou distrital” (Sabbag,  2017, p101). In verbis:  

Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: 
III – Cobrar tributos: 
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou (BRASIL, 1988).  

Machado conceitua que:  

“[…] a anterioridade pode ser vista como fruto da mitigação que a jurisprudência do STF fez, ainda sob a vigência da Constituição de 1946, ao princípio da anualidade, por meio da Súmula 66/STF – “É legítima a cobrança do tributo que houver sido aumentado após o orçamento, mas antes do início do respectivo exercício financeiro. ” Essa mitigação foi incorporada aos textos constitucionais posteriores, que passaram a prever – como prevê a CF/88 –a anterioridade, e não mais a anualidade” (Machado, 2018, p.81).  

O princípio da anterioridade tributária implica uma análise sobre a eficácia da  lei tributária. O aspecto temporal da norma apresenta particularidades que fornecem  ao sujeito passivo do tributo uma sensação de segurança jurídica, transmitindo  “ondas” de previsibilidade sobre o que está por vir no âmbito da tributação. Isso  aumenta a confiança do contribuinte no Estado Fiscal (Sabbag, 2017). 

A aplicação de uma lei que institui ou aumenta tributos, incluindo aquelas que  extinguem ou reduzem isenções tributárias, é vedada sobre fatos ocorridos no mesmo  exercício financeiro em que a lei entrou em vigor. Isso limita as ações tanto da  Administração Fazendária quanto do Poder Legislativo, impedindo que tais leis se  apliquem a fatos ocorridos no mesmo exercício financeiro de sua publicação  (Carrazza, 2013). 

Machado ainda menciona que a anterioridade, conforme a classificação de  Dworkin e Alexy, é uma regra e não um princípio, diferindo da anualidade, que exigia  previsão orçamentária anual para a vigência da lei em cada exercício. A anterioridade  impõe uma vacatio legis às leis que instituem ou aumentam tributos, limitando a  liberdade do legislador para definir o início da vigência da lei, que não pode ser anterior  à sua publicação, conforme os artigos 150, III, b e c, e 195, § 6º da Constituição.  Mesmo com essas limitações, o Poder Público adotou práticas que comprometem a  segurança jurídica da anterioridade, como a criação ou aumento de tributos por leis  publicadas no Diário Oficial em 31 de dezembro, que passavam a vigorar já em 2 de  janeiro, entendendo-se que o princípio da anterioridade estava respeitado (Machado,  2018). 

3.3 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL 

Hugo de Brito Machado aduz que as contribuições de seguridade social,  conforme o artigo 195 da Constituição, não estão sujeitas à anterioridade do exercício  prevista no artigo 150, III, b, mas apenas à exigência de um prazo de 90 dias a partir  da publicação da lei que as instituiu ou modificou. Esta exigência, conhecida como  anterioridade nonagesimal, está em vigor para essas contribuições desde 1988, de  acordo com o artigo 195, § 6º, da Constituição (Machado, 2018). In verbis:  

Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:  
III – cobrar tributos:  
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Brasil, 1988). 

Na visão de Roque Carrazza as contribuições de seguridade social só podem  ser exigidas após noventa dias da data de publicação da lei que as instituiu ou  modificou, conforme o artigo 195, § 6º da Constituição. Dessa forma, a lei que cria ou  aumenta esses tributos entra em vigor e tem eficácia após noventa dias,  independentemente do exercício financeiro (Carrazza, 2013).

3.4 PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 

A Constituição estabelece que, sempre que possível, os impostos devem ter  caráter pessoal e ser graduados de acordo com a capacidade econômica do  contribuinte. Para assegurar a efetividade desses objetivos, é permitido à  administração tributária identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades  econômicas do contribuinte, respeitando os direitos individuais e conforme a lei,  conforme disposto no artigo 145, § 1º da Constituição (Machado, 2018). In verbis:  

Art. 145 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
§ 1° – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte (Brasil, 1988). 

Neste contexto Carrazza menciona: 

“Os impostos, quando ajustados à capacidade contributiva, permitem que os cidadãos cumpram, perante a comunidade, seus deveres de solidariedade política, econômica e social. Os que pagam este tipo de exação devem contribuir para as despesas públicas não em razão daquilo que recebem do Estado, mas de suas potencialidades econômicas. Com isso, ajudam a remover os obstáculos de ordem econômica e social que limitam, de fato, a liberdade e a igualdade dos menos afortunados” (Carrazza, 2013, p100). 

As leis que estabelecem impostos devem estruturá-los de maneira que suas  alíquotas aumentem conforme as bases de cálculo aumentam. Assim, quanto maior a  base de cálculo do imposto, maior deverá ser a alíquota aplicável. A legislação deve  assegurar um desenvolvimento gradual das alíquotas, tornando-as percentualmente  maiores à medida que a base de cálculo se eleva (Carrazza, 2013). 

3.5 PRINCÍPIO DA IGUALDADE 

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são proibidos de instituir  tratamento desigual entre contribuintes em situações equivalentes, não sendo  permitida qualquer distinção com base na ocupação profissional ou função exercida,  independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos,  conforme o artigo 150, II da Constituição. In verbis:  

Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:  
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (Brasil, 1988). 

A Constituição consagra o princípio da igualdade tributária não apenas em  seu aspecto formal, que é atendido pela generalidade da lei tributária, mas também em sua dimensão substancial, que implica tratar igualmente os iguais e desigualmente  os desiguais, na medida de suas desigualdades (Machado, 2018). Sempre que se discute o princípio da igualdade em seu aspecto material ou  substancial, a questão reside em determinar qual medida de desigualdade o legislador  deve adotar para tratar os desiguais de forma desigual, e por que razão isso deve ser  feito. No contexto tributário, essa medida, geralmente, é a capacidade contributiva,  como será discutido posteriormente. Contudo, há situações excepcionais em que  outras medidas de desigualdade podem ser consideradas, como quando o tributo é  utilizado para objetivos extrafiscais, como tributar mais os produtos nocivos, como o  cigarro, não devido à maior capacidade contributiva dos consumidores, mas devido à  nocividade do produto. Portanto, em geral, dois contribuintes são considerados em  situação equivalente e devem receber o mesmo tratamento tributário quando possuem  a mesma capacidade contributiva, ou seja, a mesma capacidade econômica para  contribuir com as despesas públicas. No entanto, em circunstâncias específicas, dois  contribuintes podem receber tratamento desigual mesmo que tenham capacidade  contributiva semelhante, como quando um deles pratica atividades que preservam o  meio ambiente enquanto o outro as polui. Nesse caso, o critério de discriminação não  será a capacidade contributiva, mas sim o caráter nocivo ou poluente da atividade  exercida (Machado, 2018). 

4. DISPOSIÇÕES DA LEI NO 8.137/90  

A Lei no 8.137/90, também conhecida como Lei dos Crimes contra a Ordem  Tributária, Econômica e contra as Relações de Consumo, foi sancionada no Brasil em  27 de dezembro de 1990. Esta lei estabelece os crimes contra a ordem tributária,  econômica e contra as relações de consumo, e dispõe sobre as penalidades  aplicáveis a tais infrações.  

Na visão de Luciano Amaro o crime a respeito da Lei no 8.137/90 “[…] suprimir  ou reduzir tributo mediante práticas artificiosas, sem as quais o crime não se perfaz  ainda que o tributo seja efetivamente suprimido” (Amaro, 2006, p.465). 

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: 
I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; 
II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; 
III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; 
IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; 
V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. 
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V (Brasil,1990). 

Observa-se, inicialmente, que o crime, conforme o artigo 1º da Lei no 8.137/90,  não se configura apenas com o não pagamento do tributo. “Suprimir”, nesse contexto, implica não apenas em não pagar, mas também em ocultar da autoridade a ocorrência  do fato gerador correspondente, de forma que esta não consiga sequer efetuar o  eventual lançamento de ofício revisional. Por isso, as condutas descritas nos incisos,  todas envolvendo fraude, são essenciais para a caracterização do crime (Machado,  2018). 

A súmula vinculante do STF no 24 menciona “Não se tipifica crime material  contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei no 8.137/1990, antes  do lançamento definitivo do tributo” (Brasil, 2010).  

A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) destaca  esse ponto:

Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Penal e Processual Penal. Sonegação de contribuição previdenciária. Continuidade delitiva. Condenação. 3. Ausência de repercussão geral (Tema 660). 4. Prescrição retroativa. 4.1. A tese ventilada no extraordinário não foi discutida no acórdão contestado. Incidência das súmulas 282 e 356. 4.2. Inocorrência de aplicação regressiva in malam partem da Súmula Vinculante 24. Consolidação da jurisprudência do STF que, há muito, tem entendido que ‘a consumação do crime tipificado no art. 1º da Lei 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, a partir daí, a prescrição’ ( HC n. 85.051/MG, rel. min. Carlos Velloso). 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. ( ARE XXXXX AgR, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 25/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-177 DIVULG XXXXX-09-2015 PUBLIC XXXXX-09-2015)(STF – AgR ARE: XXXXX RJ – RIO DE JANEIRO XXXXX-55.2006.4.02.5101, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 25/08/2015, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-177 09-09-2015) 

A decisão consolidou o entendimento de que o crime previsto no art. 1º da Lei  no 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária) só se consuma com a constituição  definitiva do crédito tributário, a partir de quando começa a contagem do prazo  prescricional. 

O artigo 2° da Lei no 8.137/90 constitui crime da mesma natureza: 

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:  
I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; 
II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; 
III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; 
IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de  desenvolvimento; 
V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública. Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa (Brasil,1990).

Em relação ao crime previsto no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90, é importante  destacar que ele não depende de resultado. Em outras palavras, não é relevante se o  contribuinte conseguiu efetivamente eximir-se do tributo. Se assim fosse, o art. 2º, I,  e o art. 1º, I e II, estariam impondo penas distintas para o mesmo fato típico. Portanto,  afirma-se que os crimes previstos no art. 2º da Lei no 8.137/90 são crimes formais ou  de mera conduta (Machado, 2018). 

Machado menciona que “além do dolo específico, a “falsidade” a que alude o artigo,  como caracterizadora do tipo penal, deve estar necessariamente ligada ao aspecto  factual da declaração, e não aos seus efeitos jurídicos” (Machado, 2018, p.372). 

A análise de Luciano Amaro (2006) pela Lei no 8.137/90, pode-se observar  que várias condutas tipificadas como “crimes contra a ordem tributária” eram  anteriormente classificadas pela Lei no 4.729/64 como “sonegação fiscal”, esses  crimes envolvem falsidade, como “declaração falsa”, “elementos inexatos”, “alteração  de faturas ou documentos”, e “documentos graciosos”, que são elementos comuns  nos crimes de falsificação. Na Lei no 4.729/65, a intenção de evitar o pagamento de  tributos, fraudar a Fazenda Pública ou obter deduções de tributos era essencial, e o  crime se consumava com a prática de qualquer dessas ações, independentemente do  resultado final, caracterizando-se como crimes de consumação antecipada. 

O julgado do STF menciona tal conduta prevista na Lei no 8.137/90:

Habeas corpus. Direito penal. Processo penal. 2. Crime contra a ordem tributária. Imputação de responsabilidade penal. Terceiro estranho ao quadro social da pessoa jurídica. Possibilidade. Art. 11 da Lei 8.137/90. 3. Inépcia da denúncia. Ausência de descrição do conjunto que levou a enquadrar o denunciado como administrador de fato da pessoa jurídica. Denúncia inepta. 4. Lavagem de dinheiro. Ocultação do pagamento de vantagem indevida a funcionário público. Precedente pela atipicidade – Décimos Sextos Embargos  Infringentes na Ação Penal 470 – Tribunal Pleno, julgados em 13.3.2014. Semelhança apenas parcial entre os casos. Inexistência de jurisprudência consolidada. Excepcionalidade do trancamento da ação penal por atipicidade da conduta. Descabimento do reconhecimento imediato da atipicidade. 5. Quebra de sigilo bancário. Prova ilícita. Distribuição ao juízo especializado em crimes contra a ordem tributária. Alegação de direcionamento da distribuição e de incompetência do juízo. Fatos com forte ligação com ilícitos contra a ordem tributária. Enquadramento dos fatos na legislação específica que não seria absurdo. Aplicação da teoria do juízo aparente. Ilicitude da prova afastada. 6. Nulidade do interrogatório. Falta de intimação do corréu. Inocorrência. Defesa intimada para o interrogatório realizado ao início da instrução e para novo interrogatório ao final. 7. Ordem concedida em parte, para extinguir a ação penal em quanto à imputação da prática do crime do art. 1º, V, da Lei 8.137/90, em relação ao paciente e a corréu em idêntica situação. (HC 121719, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24-11-2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-094 DIVULG 10-05-2016 PUBLIC 11-05-2016 REPUBLICAÇÃO: DJe-133 DIVULG 24-06-2016 PUBLIC 27-06-2016) (STF – HC 121719, Relator: Gilmar Mendes,  Segunda Turma, julgado em 24-11-2015, Publicação: 27-06-2016). 

A Lei no 8.137/90 ampliou a definição penal, criando uma lista mais extensa  de condutas que configuram “crimes contra a ordem tributária”, todas unificadas pelo  objetivo de “suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social e qualquer acessório”.  Esses crimes envolvem práticas fraudulentas sem as quais o crime não se caracteriza,  embora a simples prática dessas ações sem o resultado lesivo não se enquadre no  art. 1º. O art. 2º, I, descreve um crime onde a intenção de evitar o pagamento do tributo é suficiente para a consumação, sem necessidade de resultado lesivo,  caracterizando-se como crime de “dolo específico” (Amaro, 2006). A redefinição da “apropriação indébita” tornou-se mais limitada devido à  proibição de prisão por dívida, sendo agora descrita como “deixar de recolher, no  prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social descontado ou cobrado” (art. 2º,  II). A Lei no 8.137/90 também inclui, no art. 3º, diversos crimes específicos para  funcionários públicos, visando proteger a moralidade administrativa e a arrecadação  tributária (Amaro, 2006). 

De acordo com a introdução da Lei no 8.137/90, as normas anteriores sobre  crimes de sonegação e apropriação indébita de tributo foram revogadas, embora  ainda sejam referenciadas pelo legislador. A Lei no 8.383/91, art. 98, por exemplo,  revogou diversos dispositivos de leis anteriores. Posteriormente, o Código Penal  passou a tratar separadamente os crimes de apropriação indébita previdenciária (art.  168-A, acrescentado pela Lei no 9.983/2000) e de sonegação de contribuição  previdenciária (art. 337-A, também acrescentado pela Lei no 9.983/2000)  (Amaro,2006). 

5. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE  

Os crimes tributários são de ação penal pública incondicionada, o que significa  que, embora normalmente cheguem ao conhecimento do Ministério Público através  de representação fiscal para fins penais formulada por autoridade fiscal, a  apresentação de denúncia independe de tal provocação. Ainda que o Ministério  Público tenha conhecimento do crime por outras fontes, poderá oferecer denúncia  (Machado, 2018). 

A condição objetiva de punibilidade é um requisito externo à conduta  criminosa, não incluído no elemento subjetivo, e geralmente não faz parte do tipo  penal, funcionando como um pré-requisito para a aplicação da punição. Sua presença  no ordenamento jurídico é justificada por razões de utilidade relacionadas ao bem  jurídico protegido, representando uma expressão de política criminal. Trata-se de uma  causa extrínseca ao ato delituoso, não englobada pelo dolo do agente (Nucci, 2014). 

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), em relação a  extinção da punibilidade, entende que: 

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRELIMINAR QUANTO À VALIDADE CONSTITUCIONAL DA ATRIBUIÇÃO E COMPETÊNCIA CONFERIDA AO RELATOR PARA, MONOCRATICAMENTE, NEGAR TRÂNSITO A RECURSOS, PEDIDOS OU AÇÕES, QUANDO INCABÍVEIS, INVIÁVEIS OU CONTRÁRIOS À JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. INSUBSISTÊNCIA DA ARGUIÇÃO. QUESTÕES DE MÉRITO: CRIME TRIBUTÁRIO. PAGAMENTO DO TRIBUTO E CONSEQUENTE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI FEDERAL Nº 10.684/2003. PRECEDENTES DA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O artigo 21, § 1º, do Regimento Interno, expressamente dispõe estar incluída, na esfera de atribuições do relator, a competência para negar, monocraticamente, trânsito a recursos, pedidos ou ações, quando incabíveis, inviáveis, intempestivos, sem objeto ou que veiculem pretensão incompatível com a jurisprudência predominante, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarado a validade constitucional deste dispositivo legal por ocasião do julgamento do Mandado de Injunção nº 375 (AgRg), relator Ministro Carlos Velloso, e Mandado de Segurança nº 22.626 (AgRg), relator Ministro Celso de Mello, acórdãos publicados na Revista Trimestral de Jurisprudência nºs 139, p. 53, e 168, p. 174-175, respectivamente. Preliminar rejeitada. 2. A novel legislação penal, que de qualquer modo beneficia o réu – lex mitior -, tem incidência retroativa para alcançar os processos em curso, à vista do disposto no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal, devendo o juiz, em face dos termos do artigo 61, caput, do Código de Processo Penal, aplicá-la em qualquer fase do processo e, se reconhecer extinta a punibilidade, há de declará-la e de deferir, ex officio, ordem de habeas corpus. 3. In casu, a Lei Federal nº 10.684/2003, ao se referir a casos dos crimes descritos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90,  dispôs expressamente em seu parágrafo segundo sobre a extinção da punibilidade dos crimes acima referidos, quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, razão pela qual o Tribunal Regional Federal, ante a comprovação do pagamento do débito tributário pela pessoa jurídica a qual vinculados os agentes, declarou a extinção da punibilidade, o que está em consonância com a jurisprudência assente no Supremo Tribunal Federal: Habeas Corpus nº 81.828-0/RJ,  redator para o acórdão Ministro Cezar Peluso, publicado no DJ de 27.02.2004, e Habeas Corpus nº 85.452, relator Ministro Eros Grau, julgado em 17.05.2005, iter alia. 4. Agravo regimental a que se nega provimento (STFAgravo Regimental no Recurso Extraordinário 575071/SP. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgamento: 05 de fevereiro de 2013. Publicação: 27 de fevereiro de 2013. Primeira Turma. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, n. 38, 27 fev. 2013). 

Machado menciona que:  

O Código Penal tem diversos dispositivos com pertinência ao Direito Tributário, por vincularem sanções a condutas levadas a efeito em descumprimento de suas disposições. É o caso dos artigos que tipificam a falsificação de documentos, corrupção, facilitação do descaminho, dentre  outros (Machado, 2018. p. 363). 

A extinção da punibilidade ocorre quando a pretensão punitiva ou executória  do Estado desaparece devido a certos obstáculos previstos na lei, por motivos de  política criminal. O rol do artigo 107 do Código Penal é meramente exemplificativo,  havendo diversas outras causas previstas nas normas da Parte Especial do Código  Penal e nas leis penais especiais (Nucci, 2014). 

As causas que extinguem o direito de punir do Estado são mencionadas no  art. 107 do Código Penal, mas esse rol não é exaustivo. Existem outras causas  previstas tanto no próprio Código Penal quanto em legislações especiais. Por  exemplo, o ressarcimento do dano antes do trânsito em julgado da sentença, no caso  de peculato culposo, extingue a punibilidade (art. 312, § 3º, do CP), assim como o  pagamento do tributo ou contribuição social em determinados crimes de sonegação  fiscal (Capez, 2011 p.589). 

O artigo 107 do CP menciona nos seus respectivos incisos: 

Art. 107 – Extingue-se a punibilidade:  
I – pela morte do agente; 
II – pela anistia, graça ou indulto; 
III – pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; 
IV – pela prescrição, decadência ou perempção; 
V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;
VI – pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; 
VII – (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
VIII – (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei (Brasil, 1940). 

Contudo, para a aplicação aos crimes previstos em normas especiais, como  os crimes contra a ordem tributária, é preciso que haja uma ligação com os crimes  tributários, dentre o rol exemplificativo do artigo 107 CP, juntamente com o artigo 156  do CTN que traz o seguinte:  

Art. 156. Extinguem o crédito tributário: 
I – o pagamento;
II – a compensação;
III – a transação;
IV – remissão;
V – a prescrição e a decadência;
VI – a conversão de depósito em renda;
VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º; 
VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo  164; 
IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória; 
X – a decisão judicial passada em julgado. 
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições  estabelecidas em lei (Brasil, 1966).  

A Lei nº 10.684/2003 estabelece o parcelamento de débitos tributários e  contribuições com a Secretaria da Receita Federal, Procuradoria da Fazenda Nacional  e Instituto Nacional do Seguro Social (BRASIL, 2003). Esta lei possibilita que o  contribuinte parcele suas dívidas em até 180 meses, proporcionando assim uma forma  mais viável de quitação. 

Jurisprudência do STF menciona: 

CRIME FISCAL – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO – REFIS – ARTIGO 9º DA LEI Nº 10.684/2003 -APLICAÇÃO NO TEMPO. O artigo 9º da Lei nº 10.684/2003, a versar sobre a suspensão da pretensão punitiva do Estado no caso de adesão ao Refis, aplica-se aos processos criminais pendentes, ou seja, ainda que já se tenha decisão condenatória, desde que não coberta pela preclusão na via recursal. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA – REGÊNCIA. A regência da suspensão da pretensão punitiva faz-se sob o ângulo do princípio da unidade,  do conglobamento, descabendo aplicar a cabeça do artigo 9º da Lei nº 10.684/2003 sem a observação do que previsto, no § 1º nele contido, a respeito da prescrição. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA -CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS E NÃO RECOLHIDAS – ARTIGO 9º DA LEI Nº 10.684/2003. O veto ao § 2º do artigo 5º da Lei nº 10.684/2003 é desinfluente, para efeito da suspensão da pretensão punitiva, quando o contribuinte haja logrado, quer em período anterior à citada lei, quer no posterior, a adesão ao Refis.(STF – HC: 85661  DF, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 03/08/2007, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-165 DIVULG XXXXX-12-2007 PUBLIC  XXXXX-12-2007 DJ XXXXX-12-2007 PP-00054 EMENT VOL-02304-01 PP 00155).

De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, estabelecida  com base na Lei no 10.684/2003, o pagamento do tributo, independentemente do  momento ou se realizado de forma integral ou parcelada, resulta na extinção da  punibilidade em relação aos crimes contra a ordem tributária. No caso de pagamento  parcelado, é essencial que o montante seja quitado integralmente, sendo que o  parcelamento apenas suspende a pretensão punitiva do Estado, com a extinção da  punibilidade ocorrendo após o pagamento da última parcela. Isso evidencia o uso do  Direito Penal, no contexto dos crimes contra a ordem tributária, como um meio de  cobrança (Machado, 2018). 

Leandro Paulsen aduz que, mesmo que o agente não tenha parcelado o débito  até o recebimento da denúncia ou não tenha cumprido o parcelamento até o final, a  extinção da punibilidade pelo pagamento do débito ainda é possível. Isso ocorre  porque a Lei no 12.381/11 alterou apenas a regra para o parcelamento, não para o  pagamento integral. O art. 9º, § 2º, da Lei no 10.684/03, que determina a extinção da  punibilidade quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento  integral dos débitos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, continua  em vigor. Portanto, o pagamento integral do débito, antes ou depois do recebimento  da denúncia, tem efeito extintivo da punibilidade (Paulsen, 2014). 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS  

Ao término deste trabalho, é possível compreender profundamente a  relevância do parcelamento de dívidas tributárias e sua relação com a extinção da  punibilidade. A análise minuciosa da legislação, doutrinas e jurisprudências  pertinentes nos permitiu elucidar o universo jurídico-tributário que gira em torno desse  tema. 

O parcelamento de dívidas tributárias é uma importante ferramenta para o  contribuinte e também para a administração pública. Para o primeiro, representa uma  oportunidade de regularizar sua situação fiscal, evitando penalidades mais severas.  Para o segundo, é uma forma eficiente de recuperação do crédito tributário, garantindo  receitas que serão revertidas ao bem comum. 

No entanto, ainda há muita controvérsia sobre a questão da extinção da  punibilidade com o parcelamento das dívidas tributárias. A legislação atual prevê essa  possibilidade em alguns casos específicos, mas ainda há discussões doutrinárias e  jurisprudenciais sobre o alcance dessa medida e os requisitos para sua aplicação. 

A pesquisa mostrou que, quando o contribuinte adere ao parcelamento do  débito fiscal, a punibilidade é extinta desde que o acordo seja cumprido integralmente.  No entanto, a rescisão do acordo por inadimplemento pode resultar na retomada da  punibilidade. Portanto, o estudo das condições para adesão e manutenção dos  parcelamentos tributários é essencial para evitar surpresas desagradáveis ao  contribuinte.  

Os princípios tributários desempenham um papel fundamental na organização  e funcionamento do sistema tributário, orientando tanto os contribuintes quanto o  Estado na aplicação e interpretação das normas fiscais. Ao garantir a justiça, a  legalidade, a igualdade e a capacidade contributiva, esses princípios asseguram um  equilíbrio entre os interesses do Estado na arrecadação de tributos e os direitos dos  contribuintes, promovendo a segurança jurídica e a eficiência do sistema tributário  como um todo.

Em conclusão, a intersecção entre parcelamento de dívidas tributárias e  extinção da punibilidade revela a importância de políticas fiscais bem delineadas, que  não apenas facilitam a regularização de débitos, mas também incentivam o  cumprimento das obrigações fiscais e fortalecem a confiança no sistema tributário. A  contínua análise e aprimoramento dessas políticas são fundamentais para assegurar  um sistema tributário justo e eficiente, que atenda aos interesses do Estado e dos  contribuintes. 

REFERÊNCIAS 

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BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem  tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências.  Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8137.htm. Acesso em: 28  mai. 2024. 

BRASIL. Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003. Institui o Programa de Recuperação  Fiscal (REFIS) e dá outras providências. Diário Oficial da União. Disponível em:  https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.684.htm. Acesso em: 28 mai.  2024. 

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. (STF – HC: 85661 DF, Relator: MARCO  AURÉLIO, Data de Julgamento: 03/08/2007, Primeira Turma, Data de Publicação:  DJe-165 DIVULG XXXXX-12-2007 PUBLIC XXXXX-12-2007 DJ XXXXX-12-2007 PP 00054 EMENT VOL-02304-01 PP-00155) Disponovel em:  https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search Acesso em: 20 mai. 2024 

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1 Acadêmico de Direito da Faculdade ISEPE/RONDON. luizwahlbrinck5@gmail.com
2Professor Orientador da Faculdade ISEPE/RONDON. marcelo@gubertepaz.com