OS SABERES DAS BENZEDEIRAS DE BOM SUCESSO-MG

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12707634


Cássio Silva Castanheira[1]


Resumo:

Este trabalho surgiu à partir de trabalhos desenvolvidos em caráter de pesquisa e de desenvolvimento de projetos de ensino para turmas de escola pública. Esses trabalhos foram feitos com a finalidade de resgatar os saberes de Benzedeiros de Bom Sucesso, cidade localizada no sul de Minas Gerais. Sabe-se, à partir de estudos complexos e dinâmicos, que esses saberes tem origem em Portugal e vem sendo reconstruído aqui no Brasil, recebendo influências de religiões afro-brasileiras e indígenas. Como metodologia, foram coletadas entrevistas de caráter mais qualitativo, com vistas a conhecer a história de vida e dos rituais de cura dos benzedeiros entrevistados.

Palavras-chave: cultura popular, ensino, benzedeiras.

1. Introdução:

Vivemos em uma sociedade que valoriza muito o conhecimento científico e tecnológico, por isso, compreender os saberes da cultura popular torna-se um grande desafio para aqueles que estão em um lugar outro em relação a essa cultura. Para o projeto de ensino citado, foi feita uma pesquisa voltada para a história de vida de benzedeiras (os), que, por se tratar de uma questão cultural e histórica, não cabe trazer apenas amostragens. Para tal, vemos na BNCC (2018) que:

A história não emerge como um dado ou um acidente que tudo explica: ela é a correlação de forças, de enfrentamentos e da batalha para a produção de sentidos e significados, que são constantemente reinterpretados por diferentes grupos sociais e suas demandas – o que, consequentemente, suscita outras questões e discussões. (BNCC, 2018, p.397)

Neste sentido, foi pensado o desenvolvimento de um trabalho pautado na escuta do outro, trazendo vivências de um contexto sociocultural, por vezes, diferente do contexto dos alunos.  É neste lugar de escuta que se produzem sentidos e significados e suscitam discussões sobre a sociedade, o saber e a história.

Como bem traz a BNCC, os saberes produzidos pela escuta do outro (no caso, benzedeiros) é um instrumento necessário para o respeito à pluralidade cultural, social e política, e também para a resolução de conflitos e tensões que sempre ocorrem em ambientes sociais, marcados pela diversidade de culturas, pensamentos e posicionamentos. Pretendeu-se assim, trazer para a sala de aula a questão da escuta do outro, com vistas a não reproduzir um apagamento da cultura popular, que no caso aqui relatado, tem como recorte a cultura popular do benzimento, especificamente, dentro dos recortes da cultura local, da cidade de Bom Sucesso, Minas Gerais, Brasil. Com vistas a justificar a temática da pesquisa e trabalhos desenvolvidos, recorre-se à BNCC, que diz:

Convém destacar as temáticas voltadas para a diversidade cultural e para as múltiplas configurações identitárias, destacando-se as abordagens relacionadas à história dos povos indígenas originários e africanos. Ressalta-se, também, na formação da sociedade brasileira, a presença de diferentes povos e culturas, suas contradições sociais e culturais e suas articulações com outros povos e sociedades. (BNCC, 2018, p.401)

É importante ressaltar que pensar sobre as benzedeiras envolve questões identitárias, pois exercer uma atividade, e/ou identificar-se com ela, compõe a identidade de um sujeito. Além disso, questões identitárias estão relacionadas com a relação de diversos povos e culturas, como será exposto adiante.

Objetiva-se então, com este trabalho, discorrer sobre o papel das benzedeiras na comunidade local e também relatar o trabalho desenvolvido sobre o assunto em turmas do Ensino Fundamental na Escola Estadual Antônio Carlos de Carvalho, situada na cidade supracitada neste artigo.

2. Percurso metodológico:

Para o desenvolvimento deste projeto em sala de aula, foi preciso ser feito uma pesquisa teórica sobre as(os) benzedeiros (os). Portanto, o primeiro passo foi dado pelo desenvolvimento dessa pesquisa, com vistas a embasar e preparar para a criação de uma sequência didática. Posteriormente, em sala de aula, foi pedido aos alunos que entrevistassem pessoas conhecidas como benzedeiras, para que desenvolvesse a discussão sobre o assunto em sala de aula. A metodologia deste trabalho consiste em expor resultados da pesquisa teórica e, em sequência, expor os resultados deste trabalho em sala de aula.

3. Referencial teórico:

Os Benzedeiros são pessoas que acionam saberes do catolicismo popular (Sincrético) e saberes de outras culturas, como gestos, rezas, chás, emplastos e garrafadas, com o objetivo de curar as pessoas que buscam a sua ajuda. Estes serviços prestados por estas pessoas, em sua maioria senhoras, se diferencia dos demais, pelo motivo deles guardarem seus saberes na memória. Devido ao enfoque da pesquisa, será tratada aqui a questão das benzedeiras, no feminino, ainda que saibamos que alguns homens também praticam tal função.

 Bethencourt (2004) afirma que durante a idade média em Portugal a figura da mulher é marcante nessa prática, a partir dessa informação é possível perceber que todas elas partilham da figura arquetípica da mãe e do dom de cuidar. Conforme Mary Del Priore (2007) no Brasil colonial devido a falta do profissional médico, as mulheres recorriam às curas informais por meio de fórmulas gestuais e orais ancestrais para restabelecer a saúde das pessoas. Estes conhecimentos foram se misturando com saberes vindos da África, baseados no emprego de talismãs, amuletos e com a flora medicinal brasileira. Estudos realizados pelo professor Joaquim Roque (1946) na região do Baixo Alentejo – Portugal mostra que a prática das rezas nessa localidade se assemelha a rituais de cura feitos pelas benzedeiras do Brasil. É possível concluir então que a origem destas rezas vieram da Europa, mas com o passar do tempo recebeu influências das religiões afro-brasileiras e dos rituais indígenas. Mas é conveniente lembrar que existem também tradições parecidas com estas em rituais budistas e hindus.

Por meio da memória, essas senhoras tornaram-se guardiãs desses saberes, que ao longo do tempo foram adquiridos, transmitidos e reconstruídos. Segundo a antropóloga Elda Rizzo (1985) essas práticas foram, no Brasil, deslocadas do campo para a cidade juntamente com o fenômeno das migrações, que ocorreram principalmente após 1930  com a industrialização do país. No ambiente urbano estas práticas foram novamente modificadas e/ou reinventadas atendendo sempre as necessidades das populações mais carentes. Uma destas mudanças pode ter sido uma maior especialização destas práticas: nas cidades há casos em que uma benzedeira só reza para carne triada, outra reza para cobreiro e assim por diante. Esta mudança acabou por favorecer a construção de uma rede de relações, pois quando uma benzedeira não conseguia resolver o problema que afligia o doente, a outra conseguia, e assim foi se construindo uma rede de relações em torno dessa prática.

Atualmente muitas benzedeiras acreditam que fazem um trabalho complementar ao dos médicos, mas é importante destacar que o médico faz uma distinção entre o corpo e o espírito, enquanto elas curam não apenas o corpo, mas também atuam na esfera psicológica e/ou espiritual (Santos, 2007). De acordo com Leví-Strauss (1996), no texto “O feiticeiro e sua magia”, é possível haver a cura se houver a crença, por parte do doente, que o benzedeiro cura, e também é necessário a confiança da coletividade. Em analogia ao texto, a prática do benzimento pode trazer a cura desde que haja uma predisposição à fé, tanto por parte das benzedeiras como da parte dos doentes que procuram seus serviços. É muito comum ouvir dessas senhoras que elas são instrumento da força divina, pois quem cura é Deus.

A prática de benzer pode estar aparentemente em desuso, mas o fato dessas senhoras perceberem o corpo em sua totalidade, talvez nos dê pistas para entender a razão de sua existência até os dias atuais.

4. Resultados e discussões:

            O conhecimento adquirido pela pesquisa foi explanado em sala de aula, em diversas turmas do Ensino Fundamental. Para isso foram feitas aulas expositivas com o intuito de levar a reflexão e conhecimento do tema aos alunos. Em sequência foi pedido para que os alunos fizessem entrevistas com benzedeiros de sua localidade. Em uma turma de sétimo ano, por exemplo, os alunos entrevistaram muitas(os) benzedeiras(os), e puderam trazer questões interessantes para a sala de aula. Nessa prática, os alunos puderam ver o conhecimento histórico escolarizado “acontecer” na realidade social onde eles estão inseridos.

            Na entrevista foi possível perceber que os entrevistados se declaram católicos, o que marca a influência portuguesa, católica, na prática do benzimento. Além disso, puderam ver como os benzedeiros aprenderam a prática, quem são os sujeitos que os procuram, quais suas queixas e quais tipos de benzimento e instrumentos são utilizados. Além disso, os alunos perguntaram sobre a visão dos benzedeiros sobre o reconhecimento que eles tem na cidade e se já sofreram algum tipo de preconceito em relação a sua prática.

            Após a prática da entrevista, os estudantes discutiram sobre os depoimentos e confeccionaram cartazes para expor seus trabalhos para a comunidade escolar.

5. Considerações finais:

Por meio deste trabalho foi possível perceber que os saberes sobre benzimento, que foram adquiridos, transmitidos e reconstruídos pelas (os) benzedeiras(os), são frutos de uma hibridação cultural brasileira, merecendo ser preservados. Foi possível também provar que é possível trabalhar a história e cultura local dando protagonismo e espaço de fala para as pessoas que vivem a prática / cultura/ história sobre a qual se fala. Pelo trabalho desenvolvido em sala de aula, foi possível promover, ou ao menos tentar, o respeito à pluralidade cultural e social, além de trazer reflexão sobre as práticas que existem em nossa cultura local.  Assim, em consonância com a BNCC (2018) o presente trabalho permitiu refletir sobre relevância da história dos benzedeiros e compreender os diversos meios de expressão da fé, do conhecimento, do cuidado consigo e com outro, da cultura e da história que coexistem em nossa sociedade.

6. Referências:

BETHENCOURT, Francisco. O imaginário da magia, feiticeiras, adivinhos e curandeiros em Portugal no século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

DEL PRIORE, Mary. Magia e Medicina na Colônia: o corpo feminino. In – (org) História das mulheres no Brasil, 9ª ed. São Paulo: Contexto, 2007.

LEVÍ – STRAUSS, Claude. O feiticeiro e sua magia. In: Antropologia estrutural, 5ª Ed. Rio de Janeiro. Tempo brasileiro, 1996, p.193-214.

OLIVEIRA, Elda Rizzo. O que é benzeção. São Paulo: Brasiliense, 1985.

OLIVEIRA, Elda Rizzo. O que é medicina popular. São Paulo: Brasiliense, 1985 (Coleção Primeiros Passos).

ROQUE, Joaquim. Rezas e benzedeiras populares: Etnografia Alentejana. Beja: Minerva Comercial, 1946.


[1] Professor Doutor em Ciências da Linguagem, Mestre em Educação e professor da rede estadual de ensino de Minas Gerais, Escola Estadual Benjamim Guimarães, Bom Sucesso-MG, Brasil. (https://orcid.org/0000-0002-4084-318X). cassio.castanheira@educação.mg.gov.br, c.silva.castanheira@gmail.com