OS REFLEXOS DAS REDES SOCIAIS NA PARTICIPAÇÃO CIDADÃ E NA FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA: UMA ANÁLISE ENTRE MOBILIZAÇÃO POLÍTICA E DESINFORMAÇÃO

THE IMPACT OF SOCIAL NETWORKS ON CITIZEN PARTICIPATION AND PUBLIC OPINION FORMATION: AN ANALYSIS BETWEEN POLITICAL MOBILIZATION AND DISINFORMATION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202506062150


Dirceu Olegário1
Jader Soares de Lima2
Antônio Coelho3


RESUMO

Este trabalho analisa os reflexos das redes sociais na participação cidadã e na formação da opinião pública, abordando a tensão entre mobilização política e desinformação. A pesquisa parte do pressuposto de que as plataformas digitais reconfiguraram o espaço público, criando tanto oportunidades para o ativismo democrático quanto riscos sistêmicos à qualidade do debate. O objetivo central é examinar como o direito pode regular esse ecossistema sem comprometer liberdades fundamentais, com foco no Marco Civil da Internet e nos desafios contemporâneos da desinformação. Metodologicamente, adotou-se a pesquisa bibliográfica qualitativa, revisando obras de teóricos como Castells e Moretzsohn, além de legislações e estudos sobre algoritmos e comportamento digital. Os resultados revelam um paradoxo: as redes sociais amplificam vozes marginalizadas e facilitam a organização coletiva, mas também alimentam polarização e erosão epistemológica através de mecanismos como bolhas de filtro, verbalização emocional e operações coordenadas de desinformação. Conclui-se que a regulação democrática do ambiente digital exige abordagens inovadoras que combinem transparência algorítmica, educação midiática e governança multissetorial, superando tanto o laissez-faire ingênuo quanto o intervencionismo autoritário. O estudo demonstra a urgência de atualizar os marcos jurídicos para enfrentar os novos desafios da esfera pública digital sem sacrificar seus potenciais emancipatórios.

Palavras-chave: Democracia digital; Desinformação; Marco Civil da Internet.

ABSTRACT

This paper analyzes the impact of social media on citizen participation and the formation of public opinion, addressing the tension between political mobilization and disinformation. The research is based on the assumption that digital platforms have reconfigured the public space, creating both opportunities for democratic activism and systemic risks to the quality of debate. The main objective is to examine how the law can regulate this ecosystem without compromising fundamental freedoms, focusing on the Internet Civil Rights Framework and the contemporary challenges of disinformation. Methodologically, qualitative bibliographic research was adopted, reviewing works by theorists such as Castells and Moretzsohn, as well as legislation and studies on algorithms and digital behavior. The results reveal a paradox: social media amplifies marginalized voices and facilitates collective organization, but they also fuel polarization and epistemological erosion through mechanisms such as filter bubbles, emotional verbalization, and coordinated disinformation operations. It is concluded that democratic regulation of the digital environment requires innovative approaches that combine algorithmic transparency, media literacy and multistakeholder governance, overcoming both naïve laissez-faire and authoritarian interventionism. The study demonstrates the urgency of updating legal frameworks to face the new challenges of the digital public sphere without sacrificing their emancipatory potential.

Keywords: Digital democracy; Disinformation; Internet Civil Rights Framework.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, as redes sociais têm se consolidado como um dos principais canais de comunicação e interação na sociedade moderna, influenciando diretamente diversos aspectos da vida pública e privada. No contexto político, essas plataformas têm se mostrado fundamentais para a mobilização de grupos, o engajamento de eleitores e a disseminação de informações que moldam a percepção popular sobre candidatos e propostas. 

Com seu alcance massivo e seu uso diário por milhões de usuários, plataformas como Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp tornaram-se não apenas espaços de interação social, mas também verdadeiras arenas de discussão política e disseminação de conteúdo. Essa transformação é especialmente visível durante períodos eleitorais, quando a necessidade de acesso à informação e a busca por engajamento popular se intensificam, tornando as redes sociais essenciais para a mobilização e o engajamento cívico.

A pesquisa delimita-se na análise dos impactos das redes sociais na mobilização política e na propagação de desinformação, considerando como essas dinâmicas afetam diretamente a participação cidadã e a formação da opinião pública em contextos eleitorais. Nesse sentido, o problema de pesquisa busca entender de que maneira as redes sociais têm potencializado o engajamento político, mas também facilitado a disseminação de informações falsas, criando um ambiente onde a opinião pública é constantemente moldada por conteúdos nem sempre verídicos.

Diante desse cenário, a pesquisa tem como objetivo analisar como as redes sociais impactam a mobilização política e a disseminação de desinformação, afetando a participação cidadã e a formação da opinião pública durante períodos eleitorais no Brasil. Especificamente, busca-se investigar de que forma as redes facilitam o engajamento cívico, com base em exemplos da eleição de 2022, além de examinar as estratégias usadas para espalhar desinformação e avaliar o efeito dessas práticas na percepção pública e nas escolhas eleitorais, assim sendo, avalia-se a relação entre mobilização e desinformação, destacando como essas dinâmicas influenciam a qualidade da participação e a formação da opinião pública.

Perante o problema de pesquisa, levantam-se algumas hipóteses. Primeiramente, supõe-se que as redes sociais, ao ampliarem o acesso à informação e possibilitarem maior engajamento cívico, tenham um papel positivo na mobilização política, incentivando a participação cidadã de forma mais ativa e imediata. Contudo, essas mesmas plataformas facilitam a propagação de desinformação, o que potencializa o risco de manipulação da opinião pública e distorção das percepções sobre temas políticos. Assim, surge a hipótese de que a influência das redes sociais é uma dualidade que traz tanto oportunidades quanto riscos, exigindo uma análise crítica sobre o seu papel e apontando para a necessidade de estratégias eficazes de mitigação, regulamentação e educação midiática para proteger a qualidade da participação democrática.

A escolha deste tema é motivada pela crescente influência das redes sociais nos processos políticos e sociais contemporâneos. Com a digitalização das interações sociais, as plataformas online se tornaram um dos principais meios de comunicação entre os cidadãos, facilitando o acesso à informação e a organização de movimentos políticos. Nesse sentido, a relevância deste estudo reside, na necessidade de compreender a dualidade das redes sociais como ferramentas de engajamento e, simultaneamente, de manipulação. Além de contribuir para a análise crítica desses fenômenos, este trabalho pode embasar políticas públicas e medidas de regulamentação que visem proteger a integridade do processo democrático e a qualidade da participação cidadã, sendo, assim, de grande importância para a sociedade e para a comunidade científica interessada nas dinâmicas sociais digitais.

A metodologia adotada nesta pesquisa é de caráter bibliográfico e qualitativo, fundamentada na análise de fontes teóricas e estudos publicados em revistas especializadas sobre o tema. O estudo examina casos reais para ilustrar como as redes sociais influenciam a mobilização política e a disseminação de desinformação, buscando compreender as dinâmicas envolvidas nesses processos e suas consequências para a participação cidadã e a opinião pública.

Este trabalho está dividido em três capítulos principais, cada um com o objetivo de aprofundar a compreensão sobre a influência das redes sociais na sociedade contemporânea. O primeiro capítulo traça um panorama histórico das redes sociais, analisando desde os primeiros fóruns online e comunidades virtuais até as plataformas mais utilizadas atualmente, como Facebook, Twitter, Instagram e TikTok. São discutidas as principais transformações tecnológicas e culturais que permitiram o crescimento dessas redes, bem como a estrutura básica de funcionamento dessas plataformas, destacando os algoritmos, a lógica do engajamento e a arquitetura de rede que molda as interações entre os usuários. A proposta é oferecer uma base sólida para entender como essas ferramentas digitais se tornaram centrais na vida social moderna.

O segundo capítulo volta-se para a análise da mobilização política e do engajamento cívico mediado pelas redes sociais. A partir de exemplos concretos, como protestos, campanhas e movimentos organizados no ambiente digital, investigase como essas plataformas têm sido utilizadas para fortalecer a participação política, criar redes de solidariedade e ampliar a voz de grupos historicamente marginalizados. Além disso, o capítulo explora os limites e desafios dessa forma de engajamento, como o ativismo de baixa intensidade (ou “ativismo de sofá”) e a polarização promovida por bolhas informacionais. Busca-se compreender o papel das redes como espaços de articulação política e os impactos disso para a democracia contemporânea.

O terceiro capítulo aprofunda a discussão sobre o fenômeno da desinformação nas redes sociais, com foco em seus efeitos na formação da opinião pública. Analisam-se as dinâmicas de propagação de fake news, a manipulação de narrativas e o uso estratégico da desinformação em disputas políticas e ideológicas. O capítulo também examina o enfraquecimento dos meios tradicionais de comunicação, especialmente o jornalismo local, e como esse vácuo informacional tem sido ocupado por conteúdos não verificados, influenciando diretamente a percepção dos cidadãos. Ao final, são refletidas as consequências desse cenário para a qualidade do debate público, a confiança nas instituições e a saúde da democracia.

1 HISTÓRIA E ESTRUTURA DAS REDES SOCIAIS

O termo ‘‘rede’’ possui uma origem etimológica que remonta ao vocábulo latino rete, carregando desde seus primórdios a noção fundamental de entrelaçamento e conexão. Essa palavra, aparentemente simples, desenvolveu-se ao longo dos séculos como um conceito-chave para compreender diversas dimensões da existência humana, desde as relações sociais até as estruturas tecnológicas que sustentam o mundo contemporâneo (Ferreira, 2011). A evolução semântica do termo reflete as transformações pelas quais passaram as sociedades humanas, demonstrando como um mesmo conceito pode adaptar-se para descrever realidades cada vez mais complexas.

Inicialmente, o significado de rede estava associado a objetos materiais concretos – malhas entrelaçadas de fios, cordas ou materiais semelhantes, utilizadas principalmente para fins de captura, proteção ou contenção (Stokel-Walker, 2024). Diante disso, segundo os autores Kurose e Ross (2021), essa concepção material persistiu através dos tempos, manifestando-se em artefatos como redes de pesca, redes de proteção ou redes de dormir. No entanto, à medida que as sociedades humanas se tornaram mais complexas, o termo começou a ser empregado metaforicamente para descrever sistemas de relações e interconexões abstratas, demonstrando uma notável capacidade de adaptação conceitual.

No âmbito das relações humanas, o conceito de rede transformou-se em ferramenta analítica fundamental para compreender a organização social. As chamadas redes sociais – conjuntos de indivíduos ou instituições que mantêm relações de comunicação e cooperação – tornaram-se objeto de estudo da sociologia e da antropologia. Manuel Castells (2013), em sua obra seminal ‘‘A Sociedade em Rede’’, demonstra como essas estruturas relacionais passaram a constituir a base organizacional das sociedades contemporâneas, onde o poder e a informação fluem através de conexões cada vez mais descentralizadas e globais. Essa abordagem revela como o termo migrou do campo material para o campo social, adquirindo novas camadas de significado.

Como resultado disso, as redes sociais tornaram-se parte integrante da sociedade contemporânea, influenciando desde a comunicação interpessoal até as dinâmicas políticas e econômicas globais. Sua evolução histórica está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento da internet e das tecnologias da informação, enquanto sua estrutura reflete as necessidades e comportamentos humanos em interação digital (Freitas, 2023). Este texto explora a trajetória histórica das redes sociais, desde seus primórdios até a atualidade, e analisa sua estrutura fundamental, considerando aspectos técnicos e sociais.

A história das redes sociais remonta a períodos anteriores à internet, com conceitos de redes de comunicação como cartas, telegramas e telefones (StokelWalker, 2024). No entanto, o surgimento das redes sociais digitais está diretamente associado ao advento da World Wide Web nos anos 1990.

Uma das primeiras plataformas reconhecidas como rede social foi o SixDegrees.com, lançado em 1997, que permitia a criação de perfis e conexões entre usuários (Freitas, 2023). Embora tenha sido desativado em 2001, seu modelo inspirou plataformas subsequentes, como Friendster (2002) e MySpace (2003), que popularizaram a ideia de compartilhamento de conteúdo e conexões online.

O marco definitivo na consolidação das redes sociais foi o lançamento do Facebook em 2004, inicialmente restrito a universitários e posteriormente expandido para o público geral (Freitas, 2023). Outras plataformas, como Twitter (2006), Instagram (2010) e TikTok (2016), diversificaram as formas de interação, introduzindo microblogging, compartilhamento de imagens e vídeos curtos.

1.1  IMPACTOS DAS REDES SOCIAIS NA COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

As redes sociais emergiram como uma força transformadora na vida cotidiana de bilhões de pessoas ao redor do mundo, alterando de forma fundamental a forma como nos comunicamos, compartilhamos informações e interagimos. De acordo com Bispo (2023), desde a ascensão do Facebook no início dos anos 2000, essas plataformas digitais têm desempenhado um papel crucial na configuração de relacionamentos interpessoais, na propagação de ideias e até mesmo no ativismo político. 

Nesse sentido Bispo (2023, p 2), determina que: 

As redes sociais têm o poder de conectar pessoas de diferentes partes do mundo, transcendendo barreiras geográficas e culturais. Elas permitem que amigos, familiares e até mesmo desconhecidos se comuniquem instantaneamente, compartilhem experiências e mantenham contato regularmente. Essa conectividade tem o potencial de fortalecer laços sociais e promover um senso de comunidade global. Além disso, as redes sociais oferecem oportunidades para conhecer novas pessoas, ampliar redes profissionais e descobrir interesses em comum.

Este fenômeno tem implicações significativas na formação da opinião pública, uma vez que as redes sociais atuam como um amplificador de informações, muitas vezes desafiando os meios de comunicação tradicionais e as estruturas estabelecidas de poder. Conforme Brasil (2019), uma pesquisa realizada pelo o Senado Federal, identificou que a natureza viral do conteúdo compartilhado nessas plataformas pode acelerar a disseminação de ideias e opiniões, tornando-as influentes na moldagem das percepções sociais e políticas. Por outro lado, a fragmentação da informação e a proliferação de notícias falsas (fake news) também representam desafios significativos, pois podem distorcer a realidade e influenciar a opinião pública de maneira prejudicial.

Moura (2020) enfatiza que, as redes sociais transformaram profundamente a dinâmica da participação cidadã e a formação da opinião pública nas últimas décadas. Inicialmente concebidas como espaços de interação social e compartilhamento de informações pessoais, essas plataformas digitais evoluíram para arenas cruciais de debate político e social. A interconexão instantânea proporcionada por redes como Facebook, Twitter e Instagram permite que cidadãos de todo o mundo participem ativamente de discussões e movimentos sociais, amplificando suas vozes e promovendo um engajamento mais direto com questões públicas.

Moura (2020) destaca que, o posicionamento público de diversas pessoas que expressam opiniões e pensamentos de forma não diplomática desempenha um papel significativo. Essas expressões diretas e, muitas vezes, provocativas geram empatia e legitimam aqueles que compartilham opiniões similares, mas que, por receio de reprimendas sociais e midiáticas, tendem a relativizar seus pensamentos. 

Este fenômeno é particularmente relevante em uma era em que os paradigmas de uma sociedade democrática estão em constante evolução. Ao desafiar normas estabelecidas e visões hegemônicas, esses posicionamentos contribuem para a discussão de conceitos sociais gerais destinados a qualificar e desenvolver a sociedade de maneira positiva e construtiva (Moura, 2020). 

No entanto, a questão dos limites da liberdade de expressão, garantida pela Constituição Federal no artigo 5º, incisos IV, IX, X, XII e XIV, torna-se central nesse debate (Brasil, 1988). Milan (2017, p. 4) ressalta que ‘‘a internet, enquanto espaço livre e sem controle, pode se deparar com limites quando o exercício da liberdade de expressão entra em conflito com outros direitos fundamentais também protegidos pela Constituição’’. A problematização surge quando se busca entender quando e como a liberdade de expressão pode ser restringida para preservar a integridade de outros direitos e valores constitucionais.

O impacto das redes sociais na formação da opinião pública é ambíguo e complexo. Embora elas democratizem o acesso à informação e ampliem a voz de grupos marginalizados, a proliferação de notícias falsas e a fragmentação da informação podem distorcer a realidade e contribuir para a polarização. A natureza viral dos conteúdos e o efeito das bolhas de filtro podem reforçar visões preconceituosas e limitar a diversidade de opiniões.

Diante disso, o Marco Civil da Internet, instituído pela Lei nº 12.965/2014, representa um marco fundamental na regulação do uso da internet no Brasil, estabelecendo um conjunto de princípios, garantias, direitos e deveres para a utilização do ambiente digital (Brasil, 2014). Esse diploma legal surge como uma resposta à necessidade de regulamentar a crescente influência das tecnologias digitais na vida cotidiana e no exercício dos direitos fundamentais, especialmente em um contexto de intensa transformação social e política mediada pelas redes sociais.

O Marco Civil da Internet tem como um de seus principais objetivos assegurar a liberdade de expressão e o direito à privacidade dos usuários, ao mesmo tempo em que estabelece regras claras para a responsabilidade de provedores de serviços e a proteção de dados pessoais. A lei estabelece que o uso da internet deve respeitar princípios como a liberdade de expressão, a privacidade dos usuários e a proteção de dados pessoais, consolidando direitos essenciais garantidos pela Constituição Federal (Milan, 2017). Ao garantir que os dados pessoais dos usuários sejam protegidos e tratados de acordo com normas específicas, o Marco Civil busca assegurar que a coleta, armazenamento e uso de informações pessoais sejam feitos de forma transparente e com o devido consentimento.

Assim sendo, a pesquisa conduzida por Aragão e Felisbino (2018) sobre o uso do Facebook e sua relação com a participação política oferece insights valiosos sobre o comportamento dos universitários em relação às redes sociais. O estudo revela que o Facebook é amplamente utilizado entre os estudantes universitários, com uma frequência de acesso notavelmente alta. Este dado é particularmente relevante para compreender o papel que essa plataforma desempenha no cotidiano dos jovens acadêmicos.

A pesquisa buscou identificar a relevância da política dentro do universo do Facebook e examinar se os usuários recorrem a essa rede social como uma fonte de notícias e debates políticos. Os resultados mostram que, embora o acesso a notícias políticas não seja uma das atividades prioritárias dos universitários ao usar o Facebook, a maioria deles (73,0%) utiliza a plataforma como um canal para obter informações políticas, ainda que de maneira esporádica (Aragão; Felisbino, 2018).

Esse dado indica que, mesmo que o Facebook não seja o principal meio pelo qual os universitários buscam informações políticas, ele desempenha um papel secundário importante nesse processo. A utilização do Facebook como uma fonte de informação política, ainda que não central, sugere que a plataforma contribui para a formação da opinião política e a participação cívica dos estudantes. 

Nesse sentido, conforme aponta Brasil (2019), o Senado Federal destaca que a influência das redes sociais na formação da opinião pública é amplamente reconhecida pelos brasileiros. Dados revelam que aproximadamente 83% da população acredita que essas plataformas exercem uma influência significativa sobre as opiniões das pessoas. Contudo, esse percentual demonstra variações notáveis conforme o nível de escolaridade dos indivíduos.

Para cidadãos com ensino fundamental, a percepção de influência das redes sociais é de 76%, enquanto entre aqueles com ensino superior, esse percentual aumenta para 90% (Brasil, 2019). Essa discrepância sugere que o grau de escolaridade pode impactar a percepção da influência das redes sociais, possivelmente refletindo uma maior consciência crítica e uma percepção mais acurada entre os indivíduos com níveis mais elevados de educação.

Baptista (2019) em conjunto com Agência Senado ressalta que, quanto à frequência com que meios de comunicação e redes sociais são utilizados como fontes de informação, os dados revelam padrões distintos no comportamento dos entrevistados, dependendo da faixa etária e da plataforma utilizada. 

De acordo com a pesquisa de Baptista (2019), 79% dos participantes afirmam que sempre utilizam o WhatsApp como uma fonte de informação. Este dado destaca a popularidade do aplicativo de mensagens instantâneas, que se consolidou como uma ferramenta essencial para a troca rápida e contínua de informações.

A televisão, por sua vez, de acordo Baptista (2019) é a fonte de informação para 50% dos entrevistados, indicando que, embora sua relevância esteja em declínio em comparação com plataformas digitais, ela ainda desempenha um papel significativo na obtenção de notícias e informações para uma parcela considerável da população. 

Interessantemente, o uso da televisão como fonte de informação mostra uma tendência de aumento com a faixa etária: quanto mais alta a faixa etária, maior é o percentual de entrevistados que afirmam utilizar sempre a televisão para se informar (Baptista, 2019). Esse padrão sugere que a televisão continua a ser uma fonte preferencial para as gerações mais velhas, que podem estar mais acostumadas com o meio tradicional de comunicação.

Em contraste, o uso do YouTube e do Instagram como fontes de informação apresenta um padrão oposto ao observado em outras mídias tradicionais. No caso do YouTube, destaca-se sua ampla popularidade como meio de acesso à informação, conforme apontado por Baptista (2019). 

De acordo com Baptista (2019), os dados apresentados, cerca de 49% dos entrevistados afirmaram recorrer frequentemente à plataforma como uma fonte principal de informações. Esse elevado índice reflete o impacto das redes sociais no consumo informacional contemporâneo.

A análise dos dados de acordo Baptista (2019), mostra que o percentual de uso do YouTube como fonte de informação aumenta conforme a faixa etária diminui, indicando que as gerações mais jovens têm uma propensão maior a buscar e consumir informações por meio de vídeos online. O Instagram, embora não detalhado em termos de percentual específico, segue uma tendência semelhante ao YouTube: sua utilização como fonte de informação é mais prevalente entre os entrevistados mais jovens.

A interação entre mobilização política e desinformação nas redes sociais destaca a necessidade de uma abordagem crítica e informada sobre o uso dessas plataformas. Embora as redes sociais possam ser ferramentas poderosas para o engajamento cívico e a promoção de causas políticas, é essencial que os usuários desenvolvam habilidades de alfabetização midiática para navegar efetivamente no ambiente digital. Isso inclui a capacidade de identificar fontes confiáveis, avaliar a veracidade das informações e entender o impacto das plataformas digitais na formação de opinião (Carvalho, 2020).

Além disso, a regulamentação e a responsabilidade das plataformas de redes sociais desempenham um papel crucial na mitigação dos efeitos negativos da desinformação. Políticas eficazes para combater a disseminação de notícias falsas e promover a transparência podem ajudar a criar um ambiente digital mais saudável e confiável (Carvalho, 2020). No entanto, encontrar um equilíbrio entre a liberdade de expressão e a necessidade de proteção contra desinformação é um desafio complexo que requer a colaboração de diferentes stakeholders, incluindo governos, empresas de tecnologia e a sociedade civil (Baptista, 2019).

Portanto, a análise dos reflexos das redes sociais na participação cidadã e na formação da opinião pública demonstra a complexa interação entre a mobilização política e os desafios impostos pela desinformação. Em relatórios como os do Instituto Reuters e do Pew Research Center, observam-se tendências globais que revelam o papel central das redes sociais como principal meio de informação para milhões de pessoas. Essas plataformas tornaram-se uma arena onde a mobilização política encontra espaço para crescer, promovendo causas e facilitando a formação de movimentos de resistência e mobilização social (Brito; Teixeira, 2021).

Um exemplo claro desse fenômeno é o impacto das redes nas eleições brasileiras de 2018, onde grupos de WhatsApp e campanhas nas redes impulsionaram debates e movimentaram o cenário eleitoral de maneira inédita, conforme documentado em reportagens do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio) (Marini, 2023). 

Nos últimos anos, as redes sociais se tornaram um espaço central para a participação cidadã, permitindo que os indivíduos se mobilizem em torno de causas políticas e sociais de forma rápida e eficiente. Um exemplo marcante é o movimento Black Lives Matter, que surgiu nos Estados Unidos e ganhou proporções globais através das redes sociais, gerando debates e ações concretas em prol da igualdade racial e contra a violência policial. Através de hashtags, vídeos e depoimentos compartilhados, milhões de pessoas puderam se informar e engajar, evidenciando o potencial das redes como ferramentas de mobilização social e engajamento cívico (Ceron, 2023).

Por outro lado, a mesma facilidade com que se compartilha informação também tem contribuído para a propagação de desinformação, criando desafios para a formação de uma opinião pública bem-informada. Durante a pandemia de COVID-19, por exemplo, houve uma onda de notícias falsas sobre tratamentos, vacinas e teorias conspiratórias, o que gerou confusão e desconfiança na população (Brasil, 2023).

Em consequência disso, conforme o Ministério da Saúde, de acordo com Brasil (2023, p. 2), destaca-se que:

Com o andamento da campanha de vacinação contra a gripe, também circula nas redes sociais a falsa informação de que não se deve tomar a dose contra a Influenza em conjunto com outras vacinas. O Ministério da Saúde reforça que é seguro tomar a vacina da gripe junto a outros imunizantes.  

Da mesma forma, nas eleições brasileiras de 2018 e 2022, diversas fake news influenciaram a percepção dos eleitores, com informações distorcidas e até mentirosas sobre candidatos e partidos sendo amplamente divulgadas. Essa prática não apenas altera a visão da população sobre fatos políticos, mas também dificulta o discernimento entre o que é verdadeiro e falso, comprometendo a qualidade do debate público (Falcão; Vivas, 2022).

No Brasil, as diretrizes legais estabelecidas pelo Marco Civil da Internet e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) constituem esforços para regulamentar a circulação de informações e preservar a privacidade dos usuários. No entanto, o impacto dessas leis na mitigação da desinformação ainda é limitado, conforme apontam especialistas da área jurídica e de regulação de plataformas (Brito; Teixeira, 2021).

Apesar desses instrumentos, as redes sociais mantêm a sua natureza fluida, onde a liberdade de expressão e os interesses comerciais das plataformas muitas vezes se sobrepõem à necessidade de controle de conteúdo enganoso (Brito; Teixeira, 2021).

Assim, a complexidade das redes sociais como instrumento de mobilização política e veículo de formação de opinião pública exige um debate contínuo sobre a eficácia e a ética de suas regulações. Conclui-se, portanto, que embora as redes sociais possam amplificar o poder de mobilização e o acesso à informação, elas também carregam o risco de fragmentar a realidade e distorcer a cidadania informada, caso não sejam acompanhadas de políticas que assegurem a transparência e a confiabilidade das informações compartilhadas.

2 MOBILIZAÇÃO POLÍTICA E ENGAJAMENTO CÍVICO NAS REDES SOCIAIS

As redes sociais emergiram como um espaço dinâmico para a mobilização política e o engajamento cívico, reconfigurando a maneira como os cidadãos interagem com questões públicas e participam dos processos democráticos. Segundo Castells (2013), a internet e as plataformas digitais criaram uma nova esfera pública, onde a comunicação em rede potencializa a organização coletiva e a expressão de demandas sociais. Nesse contexto, as redes sociais funcionam como instrumentos de democratização, permitindo que vozes marginalizadas ganhem visibilidade e influenciem a opinião pública.

A capacidade das redes sociais de mobilizar grandes grupos em tempo real tem sido evidenciada em movimentos como a Primavera Árabe em 2010 (foi uma série de protestos antigovernamentais, revoltas e rebeliões armadas que se espalharam por grande parte do mundo árabe no início da década de 2010) e as manifestações de junho de 2013 no Brasil. Tais episódios demonstraram o poder dessas plataformas na articulação de protestos e na disseminação de reivindicações políticas (Castells, 2013). Como afirma Brito e Teixeira (2021), as redes sociais reduzem os custos de organização e facilitam a coordenação descentralizada, permitindo que movimentos sociais contornem barreiras impostas por estruturas tradicionais de poder.

Para Castells (2013, p. 157), os movimentos sociais de 2011 correspondem a uma “ação coletiva fora dos canais institucionais prescritos”. Esses movimentos são realizados por meio da “emoção”:

Algum “evento significativo” provocou a indignação dos indivíduos. A pretensão do autor é testar uma nova teoria da revolução: quando se desencadeia o processo de ação comunicativa que induz a ação e a mudança coletivas, prevalece a mais poderosa emoção positiva: o entusiasmo, que reforça a mobilização societária intencional (Castells, 2013, p. 158).

Além disso, plataformas como Twitter, Facebook e Instagram tornaram-se espaços de pressão política, onde cidadãos exigem transparência e accountability dos governantes. Pereira (2015), destaca que a viralização de conteúdos críticos pode gerar respostas rápidas das autoridades, evidenciando uma nova forma de participação política mediada pela tecnologia.

Diante do que foi exposto Silva (2019, p. 54) complementa que:

Eles têm apenas uma capacidade de mobilização esporádica, exceto quando integrados em órgãos institucionais, como partidos políticos ou sindicatos. A velocidade com que os movimentos mencionados surgiram e se espalharam pelas redes sociais deu-lhes amplitude e dimensão, mas o seu conteúdo discursivo refere-se a uma realidade nacional muito concreta (a austeridade do momento) e o seu foco era mais local do que global.

Com base na citação de Silva (2019), é possível observar que a participação cidadã nas redes sociais, embora muitas vezes intensa e veloz, tende a se configurar de maneira pontual e efêmera. A mobilização política nesses espaços digitais, quando não respaldada por estruturas institucionais consolidadas — como partidos políticos ou sindicatos —, enfrenta dificuldades para se manter de forma contínua e estratégica. A internet e, sobretudo, as redes sociais ampliam o alcance das manifestações, oferecendo visibilidade e capilaridade a diferentes pautas, no entanto, o conteúdo dessas mobilizações, conforme aponta o autor, está frequentemente enraizado em demandas nacionais específicas, refletindo a conjuntura social e econômica de determinados momentos históricos, como foi o caso das reações à austeridade.

No contexto dos reflexos das redes sociais na participação cidadã e na formação da opinião pública, essa citação revela um ponto crucial: embora as redes permitam uma democratização do discurso e do acesso à informação, elas também favorecem ações reativas, pouco estruturadas e, muitas vezes, desarticuladas. Essa característica torna os movimentos digitais vulneráveis à desinformação e à manipulação de narrativas, visto que, sem uma base organizacional sólida e duradoura, a opinião pública pode ser rapidamente influenciada por conteúdos virais, mas nem sempre verificados ou comprometidos com a verdade. Assim, compreende-se que as redes sociais exercem papel ambíguo — ao mesmo tempo em que promovem uma nova forma de engajamento político e social, também apresentam riscos à formação crítica e consciente dos cidadãos.

O engajamento cívico nas redes sociais não se limita a grandes protestos, mas também se manifesta em ações cotidianas, como campanhas de conscientização, abaixo-assinados virtuais e debates online. Para Brito e Teixeira (2021), a cultura participativa digital estimula uma cidadania mais ativa, em que indivíduos colaboram na produção e disseminação de informações relevantes para a sociedade.

No entanto, esse engajamento apresenta ambiguidades. Se, por um lado, as redes sociais amplificam a participação, por outro, podem gerar um ativismo superficial, conhecido como ‘‘slacktivism’’ (Sousa; Morais, 2021). Esse fenômeno refere-se a ações de baixo comprometimento, como curtir ou compartilhar publicações, sem necessariamente traduzir-se em mudanças concretas. Apesar disso, Brito e Teixeira (2021), argumentam que mesmo formas leves de participação podem contribuir para a formação de redes de solidariedade e para a sensibilização sobre causas políticas.

2.1 ESTRATÉGIAS DE MOBILIZAÇÃO POLÍTICA

As redes sociais transformaram profundamente a dinâmica da participação política, reconfigurando as formas de engajamento cívico e de organização coletiva. Enquanto plataformas como Twitter, Facebook e TikTok facilitam a rápida disseminação de ideias e a articulação de movimentos sociais, também apresentam desafios relacionados à regulação, à privacidade e ao combate à desinformação. Nesse contexto, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) emerge como um dispositivo jurídico fundamental, estabelecendo diretrizes para o uso da rede no Brasil e refletindo tensões entre liberdade de expressão, neutralidade da rede e responsabilização de provedores.

A ascensão das redes sociais como espaços de mobilização política representa uma transformação significativa na dinâmica da participação cidadã contemporânea. Tais plataformas digitais têm se consolidado como instrumentos poderosos de articulação coletiva, possibilitando a conexão de indivíduos geograficamente dispersos em torno de causas comuns. De acordo com Castells (2013), a internet criou uma nova esfera pública, na qual a comunicação em rede permite que movimentos sociais ultrapassem as barreiras impostas pelos meios de comunicação tradicionais, democratizando o acesso à informação e possibilitando novas formas de expressão e organização política.

Essa nova configuração comunicacional é evidente em acontecimentos marcantes da história recente. A Primavera Árabe, as Jornadas de Junho de 2013 no Brasil e o movimento #BlackLivesMatter em 2020 são exemplos emblemáticos de como a viralização de demandas sociais pode pressionar governos, mobilizar multidões e influenciar profundamente a opinião pública (Santos, 2020). A agilidade na disseminação de informações, aliada ao caráter horizontal e descentralizado das redes sociais, confere aos usuários a possibilidade de engajamento ativo e imediato em questões de interesse coletivo, transformando o cidadão comum em um agente de mudança.

Entretanto, o uso político das redes sociais não está isento de contradições e desafios. Se por um lado essas plataformas ampliam o alcance de vozes historicamente marginalizadas e promovem maior visibilidade a pautas ignoradas pela grande mídia, por outro lado, também podem ser instrumentalizadas para fins manipulativos. A disseminação de desinformação, a propagação de discursos de ódio e a manipulação emocional de narrativas são elementos que comprometem o potencial emancipatório dessas ferramentas, como têm revelado diversas crises políticas recentes (Brito; Teixeira, 2021).

Outro aspecto preocupante é a chamada polarização algorítmica, um fenômeno caracterizado pela criação de “bolhas de informação”, nas quais os usuários são constantemente expostos a conteúdos que confirmam suas crenças pré-existentes. Essa lógica de funcionamento das plataformas digitais contribui para a radicalização das opiniões, dificulta o diálogo entre diferentes visões de mundo e fragiliza os processos de construção do consenso democrático (Santos, 2020).

Segundo Brasil (2014), promulgado em 2014, o Marco Civil da Internet foi concebido como uma “Constituição da Internet” brasileira, estabelecendo princípios como:

Art. 1º Esta Lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria. Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como:
I – o reconhecimento da escala mundial da rede;
II – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais;
III – a pluralidade e a diversidade;
IV- a abertura e a colaboração;
V- a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e
VI – a finalidade social da rede.

    Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

    I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;
    II- proteção da privacidade;
    III- proteção dos dados pessoais, na forma da lei;
    IV- preservação e garantia da neutralidade de rede;
    V- preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;
    VI- responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;
    VII- preservação da natureza participativa da rede;
    VIII- liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.

      Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

      Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

      O Art. 3º, I, do Marco Civil, garante a liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, alinhando-se ao disposto na Constituição Federal. Esse princípio é fundamental para a mobilização política nas redes sociais, pois assegura que movimentos sociais, organizações da sociedade civil e cidadãos possam se manifestar sem censura prévia. A Primavera Árabe descritas anteriormente, as Jornadas de Junho (2013) e o #EleNão (2018) exemplificam como a internet pode ser um espaço de contestação e organização coletiva quando há garantias mínimas de liberdade de expressão (Rossi, 2018).

      No entanto, essa liberdade não é absoluta. O Art. 19 estabelece que provedores de aplicações (como Facebook, Twitter e YouTube) só podem ser responsabilizados por conteúdos de terceiros após ordem judicial, evitando remoções arbitrárias que poderiam ser usadas para censura política. Essa disposição é crucial para movimentos sociais que dependem da agilidade das redes para denunciar abusos e convocar protestos. Contudo, também gera tensões, pois pode permitir a permanência temporária de conteúdos danosos, como discurso de ódio e desinformação, até que uma decisão judicial seja proferida (Rossi, 2018).

      O Art. 3º, IV, assegura a neutralidade da rede, impedindo que provedores de internet priorizem, bloqueiem ou degradem conteúdos com base em interesses comerciais ou políticos. Esse princípio é vital para a mobilização política, pois garante que vozes minoritárias e movimentos sem grande poder econômico tenham a mesma capacidade de disseminar suas mensagens que atores hegemônicos. Sem a neutralidade, grandes corporações ou governos poderiam privilegiar certos discursos e silenciar outros, comprometendo o caráter democrático da internet (Sousa; Morais, 2021).

      Os Arts. 3º, II e III, que tratam da proteção da privacidade e dos dados pessoais, são especialmente relevantes para a mobilização política. Em regimes autoritários ou mesmo em contextos democráticos com forte vigilância estatal, ativistas e manifestantes dependem de garantias de anonimato e segurança digital para evitar perseguições. O vazamento de dados ou a identificação indevida de usuários podem ser usados para intimidar opositores, como visto em casos de doxxing (exposição pública de informações pessoais com fins de assédio) contra militantes (Brito; Teixeira (2021).

      Apesar de seus avanços, o Marco Civil enfrenta desafios em sua implementação, especialmente diante da crescente desinformação e da polarização política. O Art. 19, ao exigir ordem judicial para remoção de conteúdo, pode retardar o combate a fake news e discursos de ódio, permitindo que danos sociais se amplifiquem antes de uma decisão legal. Por outro lado, alternativas como a autorregulação das plataformas (ex.: políticas de moderação do Facebook e Twitter) também são criticadas por supostamente reproduzir viéses políticos (Gillespie, 2021).

      Além disso, a Lei das Fake News (PL 2630/2020) surge como uma tentativa de complementar o Marco Civil, mas gera debates sobre censura indireta e excesso de controle estatal. Movimentos sociais temem que, sob o pretexto de combater a desinformação, governos possam restringir críticas legítimas (ABRANET, 2020).

      3 DESINFORMAÇÃO E SEUS EFEITOS NA OPINIÃO PÚBLICA

      A desinformação difere da simples informação equivocada por seu caráter intencional e estratégico. Enquanto a misinformação pode ser resultado de erros não intencionais, a desinformação é produzida e disseminada com objetivos específicos, muitas vezes políticos ou econômicos. Moretzsohn (2012) classifica a desinformação em três categorias principais: a desinformação propriamente dita (informação falsa criada para causar dano), a má-informação (informação verdadeira usada fora de contexto para causar dano) e a mal informação (informação que, embora verdadeira, é compartilhada com intenção de prejudicar).

      O ambiente digital, com sua arquitetura baseada em algoritmos de engajamento, cria condições ideais para a proliferação de desinformação. Estudos demonstram que conteúdos falsos ou sensacionalistas se espalham significativamente mais rápido que informações verdadeiras (Bispo, 2023). Esse fenômeno ocorre porque as plataformas digitais são projetadas para priorizar conteúdos que geram forte reação emocional, independentemente de sua veracidade. Como resultado, informações falsas, frequentemente associadas a apelos emocionais fortes, alcançam um alcance e impacto desproporcionais.

      Nesse sentido de acordo com os autores Santini e Barros (2022, p. 3) destaca-se que:

      No atual ecossistema da mídia digital, campanhas de desinformação vêm sendo articuladas com o uso de técnicas sofisticadas de propaganda computacional, operadas por diversos atores, como empresas, partidos políticos, associações e até instituições estatais. Essas campanhas são desenvolvidas por meio de estratégias que se adaptam às características específicas de cada plataforma digital, maximizando seu alcance e influência. Entre essas estratégias, destaca-se o uso do Twitter para pautar a imprensa e influenciar o debate público; a microsegmentação de anúncios no Facebook, que permite direcionar mensagens específicas a públicos altamente segmentados; além da utilização de mecanismos de financiamento variados, como doações, publicidade programática e apoio por meio de clubes de membros ou assinantes, especialmente em plataformas como o YouTube e em sites que propagam conteúdos sensacionalistas ou enganosos.

      Essa dinâmica revela a complexidade do ambiente informacional contemporâneo, em que a circulação de dados e narrativas é frequentemente moldada por interesses específicos, dificultando a distinção entre informação legítima e manipulação deliberada. Nesse contexto, torna-se essencial o desenvolvimento de uma consciência crítica por parte dos usuários, a fim de que possam identificar e resistir a práticas que ameaçam a integridade da informação e o exercício pleno da cidadania.

      A desinformação afeta a opinião pública através de múltiplos mecanismos psicológicos e sociais. Do ponto de vista cognitivo, os seres humanos são particularmente vulneráveis a vieses de confirmação – a tendência de buscar e valorizar informações que confirmem crenças pré-existentes (Carvalho, 2020). Esse viés é exacerbado pelas bolhas de filtro criadas pelos algoritmos das redes sociais, que tendem a mostrar aos usuários apenas conteúdos alinhados com suas visões de mundo anteriores.

      Outro mecanismo relevante é o efeito de ilusão de verdade, pelo qual a repetição constante de uma informação falsa aumenta sua percepção como verdadeira (Carvalho, 2020). Nas redes sociais, onde conteúdos podem ser compartilhados infinitamente, esse efeito é particularmente potente. Além disso, a heurística da autoridade faz com que informações compartilhadas por figuras públicas ou aparentemente especializadas sejam mais facilmente aceitas como verdadeiras, mesmo sem verificação (Ferreira, 2011).

      Os efeitos da desinformação na opinião pública têm implicações profundas para o funcionamento da democracia. Em primeiro lugar, ela corrói o consenso sobre fatos básicos, criando realidades paralelas que impedem o diálogo produtivo entre grupos com diferentes orientações políticas. Sendo assim os autores Aragão e Felisbino (2018) alertam para o fenômeno da “polarização de grupo”, onde indivíduos em câmeras de eco digitais tendem a adotar posições cada vez mais extremadas, dificultando a construção de acordos sociais.

      Eleições têm sido particularmente afetadas pela desinformação. Casos como a interferência russa nas eleições americanas de 2016 (Carvalho, 2020) e a disseminação massiva de notícias falsas durante as eleições brasileiras de 2018 demonstram como a desinformação pode ser instrumentalizada para influenciar resultados democráticos. Esses episódios revelam uma vulnerabilidade sistêmica: quando os cidadãos baseiam suas decisões eleitorais em informações falsas, o próprio princípio do consentimento informado, fundamental para a democracia representativa, é comprometido.

      Combater a desinformação exige uma abordagem multifacetada que envolva diferentes atores sociais. Em primeiro lugar, a educação midiática surge como ferramenta fundamental para capacitar os cidadãos a navegar criticamente no ambiente informacional digital. Programas de alfabetização midiática que ensinem a verificar fontes, identificar vieses e reconhecer técnicas de manipulação podem fortalecer a resistência individual à desinformação (Carvalho, 2020).

      A educação midiática, nesse sentido, vai além do ensino técnico sobre o uso de plataformas digitais. Ela promove habilidades essenciais como a verificação de fontes, a análise crítica de conteúdo, o reconhecimento de vieses e a compreensão das estratégias utilizadas na construção de discursos manipuladores (Carvalho, 2020). É sábio que, ao desenvolver essas competências desde os primeiros anos de escolarização até o ensino superior, cria-se uma base sólida de resistência individual e coletiva à desinformação. Além disso, a formação contínua de educadores, comunicadores e profissionais de diversas áreas sobre o tema é igualmente fundamental para ampliar o alcance e a efetividade dessas ações educativas.

      3.1 MECANISMOS DE DISSEMINAÇÃO DE DESINFORMAÇÃO

      A disseminação da desinformação nas sociedades contemporâneas constitui um fenômeno complexo que se insinua nos interstícios da cognição humana, da tecnologia digital e das dinâmicas sociais. Este processo não ocorre aleatoriamente, mas segue padrões estruturais que revelam uma sofisticada engenharia de manipulação da opinião pública. A compreensão desses mecanismos exige uma análise que ultrapasse a mera catalogação de falsidades para desvendar os processos sistêmicos que transformam informações distorcidas em crenças socialmente compartilhadas (Carvalho, 2020).

      No cerne desse ecossistema desinformativo encontra-se uma paradoxal simbiose entre a arquitetura das plataformas digitais e as vulnerabilidades da psicologia humana. As redes sociais, projetadas para maximizar o tempo de engajamento dos usuários, operam através de algoritmos que privilegiam conteúdos capazes de eliciar reações emocionais intensas (Carvalho, 2020). Essa lógica tecnocrática cria um ambiente onde informações falsas – frequentemente mais surpreendentes e emocionalmente carregadas que fatos objetivos – ganham vantagem competitiva na disputa pela atenção. Pesquisas demonstram que notícias falsas se espalham significativamente mais rápido e alcançam um público mais amplo que informações verdadeiras, não por acaso, mas porque exploram com maestria os pontos cegos de nosso processamento cognitivo (Brito; Teixeira (2021).

      A psicologia social revela como certos vieses cognitivos profundamente arraigados na mente humana tornam-nos particularmente suscetíveis à desinformação. O viés de confirmação, que nos leva a buscar e valorizar informações que corroboram nossas crenças pré-existentes, transforma cada indivíduo em potencial multiplicador involuntário de falsidades que ressoam com sua visão de mundo (Falcão; Vivas, 2022). Paralelamente, o efeito de ilusão de verdade – pelo qual a repetição constante de uma afirmação aumenta sua percepção de veracidade – é exponencialmente amplificado pelo funcionamento das redes sociais, onde conteúdos podem ser republicados infinitamente em diversas variações.

      A desinformação contemporânea distingue-se por sua capacidade de mimetizar as formas e linguagens da informação legítima. Produtores de falsidades empregam estratégias retóricas sofisticadas, desde a apropriação de símbolos de autoridade até a construção de narrativas emocionalmente ressonantes. Técnicas como a “inoculação prévia” – onde antecipam e descredibilizam futuras correções factuais – ou o uso estratégico de hiperlinks para fontes aparentemente confiáveis (mas na verdade criadas para validar a desinformação) demonstram o nível de refinamento alcançado por esses agentes (Sousa; Morais, 2021).

      As redes de disseminação operam em múltiplos níveis, desde o compartilhamento orgânico por cidadãos comuns – frequentemente movido por indignação moral genuína – até operações profissionais que combinam contas automatizadas, influenciadores digitais e táticas coordenadas de amplificação. Esse ecossistema híbrido confere à desinformação uma resiliência notável: quando uma narrativa falsa é desmascarada em um canal, já migrou para outros; quando um agente é identificado, múltiplos outros continuam a propagação (Sousa; Morais, 2021).

      O caráter adaptativo da desinformação moderna assemelha-se a um vírus que sofre mutações constantes para escapar às defesas imunológicas do corpo social. Narrativas falsas evoluem rapidamente, ajustando-se aos contextos culturais específicos e explorando com precisão cirúrgica as fissuras sociais e políticas de cada comunidade. Essa plasticidade torna particularmente ineficazes as abordagens meramente reativas de combate à desinformação (Sousa; Morais, 2021).

      A compreensão desses mecanismos revela que o desafio da desinformação não se resume à existência de informações falsas – fenômeno tão antigo quanto a comunicação humana – mas à convergência sem precedentes entre tecnologia, psicologia e estratégia que caracteriza sua disseminação contemporânea. 

      Esta análise sugere que respostas efetivas exigem intervenções igualmente multifacetadas, capazes de atuar simultaneamente nos níveis tecnológico, educacional, social e regulatório. A complexidade do fenômeno requer abandonar soluções simplistas e enfrentar a intrincada rede de fatores que tornam a desinformação uma força tão potente na configuração da opinião pública contemporânea.

      3.2 IMPACTOS DA DESINFORMAÇÃO NA FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA

      A desinformação, enquanto fenômeno sistêmico e estrutural das sociedades contemporâneas, tem reconfigurado profundamente os processos de formação da opinião pública, comprometendo as bases epistemológicas necessárias para o funcionamento da democracia. Diferentemente da mera informação falsa ou enganosa, a desinformação opera como um mecanismo de manipulação em larga escala, que explora vulnerabilidades cognitivas, dinâmicas sociais e arquiteturas tecnológicas para distorcer percepções e influenciar comportamentos coletivos (Santini; Barros, 2022). Seus impactos transcendem a esfera individual, atingindo o cerne do contrato social democrático, que pressupõe um mínimo de consenso factual e racionalidade discursiva para a tomada de decisões coletivas. 

      A formação da opinião pública, tradicionalmente entendida como um processo dialógico de confronto de ideias e argumentos, transformou-se em um campo de batalha onde narrativas emocionalmente carregadas e algoritmicamente amplificadas competem pela hegemonia cognitiva. Pesquisas em psicologia social demonstram que a exposição repetida a informações falsas – mesmo quando inicialmente reconhecidas como tal – aumenta significativamente sua probabilidade de ser internalizada como verdade (Pennycook et al., 2018). 

      Esse fenômeno, conhecido como “efeito de ilusão de verdade”, é exacerbado pelas dinâmicas das plataformas digitais, onde a viralização de conteúdos não guarda relação necessária com sua veracidade, mas sim com seu potencial de gerar engajamento emocional (Soares et al., 2021).

      Nesse sentido de acordo com Torre e Jerónimo (2023, p. 5) destaca-se que:

      Nas plataformas de mídias sociais, indivíduos constroem perfis públicos ou semipúblicos para participar de grupos onde realizam trocas sociais através de uma estrutura em rede, em uma nova geração de “espaços públicos mediados”. São ambientes onde as pessoas podem se reunir publicamente através da mediação da tecnologia, em que as estruturas sociais pré-existentes no mundo offline se repetem. As relações estabelecidas em grupos sociais, constituídas a partir de suas relações nos mais variados ambientes, vão conferir aos atores determinadas posições nas suas redes sociais, que são fundamentais para compreender seu comportamento. As conexões entre atores estão também associadas à ideia de capital social, ou seja, a rede de relacionamentos de conhecimento mútuo e reconhecimento ou a pertença a grupos sociais.

      Os impactos desse processo na qualidade do debate público são profundos e multifacetados. Em primeiro lugar, a desinformação corrói os alicerces epistemológicos compartilhados necessários para o diálogo democrático. Quando grupos sociais passam a operar com bases factuais radicalmente distintas – um fenômeno que Pennycook et al. (2018) denomina ‘‘realidades alternativas’’ – o próprio conceito de esfera pública como espaço de deliberação racional entra em crise. Não por acaso, estudos sobre polarização política identificaram que a exposição seletiva a conteúdos desinformativos está correlacionada com o aumento da radicalização ideológica e da hostilidade intergrupal.

      Em segundo lugar, a desinformação altera a própria natureza do processo de formação de opinião, substituindo gradativamente a avaliação racional de argumentos por mecanismos de identificação afetiva e tribalismo cognitivo. Como demonstram Aragão e Felisbino (2018), indivíduos tendem a avaliar a veracidade de informações não por seu conteúdo objetivo, mas por sua congruência com as crenças do grupo social com o qual se identificam. Esse “raciocínio motivado” transforma questões factuais em marcadores identitários, dificultando ainda mais o consenso social mínimo necessário para o funcionamento das instituições democráticas.

      O caso das eleições presidenciais brasileiras de 2018 oferece um exemplo paradigmático desses mecanismos. Pesquisas documentaram como campanhas coordenadas de desinformação exploraram clivagens sociais pré-existentes, utilizando estratégias sofisticadas de microdirecionamento para disseminar narrativas falsas sobre candidatos e propostas políticas (Soares et al., 2021). O resultado foi não apenas a distorção do debate eleitoral, mas a criação de um ambiente informacional tão fragmentado que diferentes segmentos do eleitorado passaram a operar com entendimentos radicalmente distintos sobre a própria natureza do processo democrático.

      Os efeitos dessa dinâmica extrapolam o momento eleitoral, contaminando a capacidade de governança e a qualidade da representação política. Quando parcela significativa da população passa a duvidar sistematicamente de instituições, especialistas e fontes de informação tradicionais – um fenômeno que Nichols (2017) caracteriza como ‘‘morte da expertise’’ – a própria possibilidade de políticas públicas baseadas em evidências é comprometida. A pandemia de COVID-19 ilustrou tragicamente esse processo, com a disseminação global de desinformação sobre origens do vírus, tratamentos ineficazes e riscos das vacinas, resultando em custos humanos mensuráveis (Pennycook et al., 2018).

      O direito, enquanto sistema normativo, enfrenta desafios extraordinários para responder a esses fenômenos sem sacrificar liberdades fundamentais. Como alertam Soares et al. (2021), soluções simplistas que ignoram a complexidade do ecossistema desinformativo – seja através de censura estatal indiscriminada, seja por meio da delegação irrestrita às plataformas privadas – tendem a agravar rather que resolver os problemas.

      Nesse sentido Torre e Jerónimo (2023, p. 6) complementa que: 

      A pandemia da Covid-19, ao mesmo tempo que amplificou os processos sociais mediados por plataformas, traduziu-se também no declínio dos meios regionais tradicionais. Nos Estados Unidos, por exemplo, se por um lado as versões digitais de jornais regionais alcançaram picos de audiência durante a pandemia, entre o final de 2019 e maio de 2022, mais de 360 impressos fecharam. Dificilmente uma comunidade que perde um jornal impresso vê uma alternativa digital nascer em seu lugar. A existência de uma identidade local definida conectada a um território específico e o compromisso comunicacional do jornalismo em um nível mais local com os pequenos territórios é denominado por alguns autores como jornalismo de proximidade.

      O trecho evidencia como a pandemia da Covid-19 não apenas acelerou a migração do consumo de informação para o ambiente digital, como também contribuiu para o enfraquecimento dos meios tradicionais de comunicação, especialmente os jornais regionais impressos. Esse processo tem implicações diretas na formação da opinião pública, principalmente no que se refere à desinformação.

      Com o fechamento de veículos locais e a ausência de alternativas digitais confiáveis, muitas comunidades ficaram desassistidas de fontes jornalísticas comprometidas com a checagem dos fatos e com a realidade do território. Esse “vazio informativo” foi, em grande parte, preenchido por conteúdos compartilhados nas redes sociais, onde a curadoria de informações é mais fluida e onde circulam com facilidade fake news, boatos e narrativas distorcidas.

      Nesse contexto, a desinformação atua como um fenômeno de forte influência na opinião pública, moldando percepções, polarizando debates e dificultando o acesso a dados precisos e contextualizados. A ausência do jornalismo de proximidade contribui para o enfraquecimento do senso crítico e da confiança nas instituições, deixando a população mais vulnerável à manipulação e ao sensacionalismo.

      A crise contemporânea da opinião pública diante da desinformação representa, em última análise, um teste de estresse para as democracias liberais. Como observam Recuero et al. (2020), sem algum grau de confiança epistemológica compartilhada, nem a deliberação racional nem a prestação de contas democrática são possíveis. Reconstruir essa confiança na era digital exige ir além das soluções técnicas para enfrentar as raízes sociais e políticas que alimentam a desinformação – incluindo desigualdades estruturais, crise de representação e erosão dos espaços públicos tradicionais.

      CONSIDERAÇÕES FINAIS

      A análise desenvolvida ao longo deste trabalho revela que as redes sociais constituem um fenômeno jurídico e social paradoxal, capaz de simultaneamente potencializar e corroer os fundamentos da democracia. Esta ambivalência fundamental não decorre de falhas pontuais no sistema, mas da própria natureza contraditória da esfera pública digital, que replica e amplifica as tensões da sociedade que a criou. 

      O direito, enquanto sistema normativo e instrumento de regulação social, encontra-se hoje diante de um desafio epistemológico sem precedentes: como normatizar fenômenos comunicacionais que escapam às categorias tradicionais do pensamento jurídico, sem sacrificar os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.

      A participação cidadã nas plataformas digitais desenvolveu-se como uma força política disruptiva, deslocando o eixo do debate público dos tradicionais gatekeepers midiáticos para uma rede descentralizada de atores. Esse processo, inicialmente celebrado como democratização radical da comunicação, mostrou-se progressivamente mais complexo.

      Se por um lado permitiu a emergência de vozes historicamente silenciadas – como movimentos feministas, antirracistas e LGBTQIA+ – por outro criou condições para a proliferação de discursos de ódio, teorias conspiratórias e campanhas sistemáticas de desinformação. O Marco Civil da Internet, em sua tentativa de equilibrar liberdade e responsabilidade, revela-se hoje um instrumento necessário, mas insuficiente para enfrentar a escala e sofisticação dos novos desafios digitais.

      A formação da opinião pública no ambiente das redes sociais obedece a uma lógica distinta daquela prevista pelos teóricos clássicos da democracia. Longe de ser um processo racional de confronto de argumentos, transformou-se numa batalha de narrativas onde fatores emocionais, algoritmos opacos e estratégias de manipulação em massa distorcem sistematicamente o debate. 

      A desinformação não age como mera falsificação pontual de fatos, mas como um mecanismo de desestabilização epistemológica que mina a própria possibilidade de consensos sociais mínimos. Quando cidadãos passam a habitar realidades informacionais radicalmente distintas – cada grupo com seus próprios “fatos alternativos” – o contrato social que sustenta a democracia representativa entra em colapso.

      O direito enfrenta aqui seu dilema mais agudo: como combater os excessos da comunicação digital sem replicar os autoritarismos do século XX? As soluções simplistas – seja a censura estatal disfarçada de “combate às fake news”, seja a fé ingênua na autorregulação do mercado – mostram-se igualmente inadequadas. O caminho deve passar por uma reconstrução teórica que reconheça a especificidade do fenômeno digital, desenvolvendo categorias jurídicas adequadas à sua complexidade. Isso implica superar visões binárias que opõem de forma abstrata liberdade e regulamentação, entendendo que na era algorítmica, a verdadeira liberdade de expressão exige garantias materiais de pluralismo e transparência.

      A experiência recente demonstra que as plataformas digitais não são meros canais neutros de comunicação, mas atores políticos com interesses próprios, cujas decisões de design e moderação impactam profundamente o espaço público. Ignorar esta realidade em nome de um suposto “neutralismo tecnológico” significa abandonar o campo de batalha justamente quando a democracia mais precisa de ferramentas para se defender. O direito deve assumir seu papel constitutivo, estabelecendo parâmetros claros para a governança democrática do ecossistema digital, sem no entanto cair na tentação de um controle estatal asfixiante.

      O futuro da democracia na era digital dependerá da nossa capacidade de construir instituições jurídicas tão ágeis e complexas quanto os fenômenos que buscam regular. Exige-se uma nova geração de políticas públicas que combinem a robustez dos princípios democráticos com a flexibilidade necessária para enfrentar desafios em constante mutação. Mais do que novas leis, precisamos de novas epistemologias jurídicas capazes de decifrar a gramática do poder na sociedade em rede.

      Neste contexto, a proteção da esfera pública deixa de ser questão setorial para tornar-se condição existencial da democracia. Pois quando o espaço de formação da opinião pública é colonizado por algoritmos de engajamento e campanhas de desinformação, não são apenas direitos individuais que estão em jogo, mas os próprios alicerces do governo do povo. O direito, como expressão institucionalizada da razão pública, não pode se eximir desta batalha decisiva do nosso tempo.

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