REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10515973
Timna da Paixão Fagundes Pereira1;
Lucia Marisy Souza Ribeiro de Oliveira2;
Maria Auxiliadora Tavares da Paixão3
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar as políticas públicas que contemplam as comunidades remanescentes de quilombo, de forma a perpassar pelo período escravocrata até os dias atuais, com o intuito de compreender como este período nebuloso da história brasileira ainda reflete, e muito, nos desdobramentos que constituem essa sociedade. Através de uma revisão bibliográfica e uma consulta a instrumentos legais normativos este artigo propõe abordar de forma breve o Programa Brasil Quilombola, Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) Quilombola e como a Extensão Rural dialoga com as especificidades identitárias dos povos quilombolas bem com o contexto social em que eles se encontram inseridos. Por fim, será possível verificar que ainda existem muitos entraves, que por vezes, impossibilitam a execução de determinadas políticas públicas de forma real e eficiente.
Palavras – Chaves: Comunidades Remanescentes de Quilombo; Programa Brasil Quilombola; Identidade; ATER
ABSTRACT
This article aims to analyze the public policies that address the remaining quilombo communities, from the slave period to the present day in order to understand how this dark period of Brazilian history still reflects a lot on the developments that constitute this society. Through a bibliographical review and a consultation of normative legal instruments, this article proposes to briefly address the Programa Brasil Quilombola, Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) Quilombola, and how Rural Extension dialogues with the specific identity of quilombola peoples and the social context in which they live. Finally, it will be possible to verify that there are still many obstacles that sometimes make it impossible to execute certain public policies in a real and efficient way.
Keywords: Quilombo Remnant Communities; Brazil Quilombola Program; Identity; ATER
1. INTRODUÇÃO
Comumente atrelados a uma visão limitada de rebeldia e resistência das desigualdades que lhes eram inerentes, os quilombos ainda hoje são localidades que carregam o estigma de lugares lendários fixados à margem da sociedade. O que pouco se sabe é que a palavra “quilombo”, se originou durante um período da história que houve muitas migrações, devido às guerras e alianças entre os povos africanos de língua bantu. Conforme Munanga (2001):
“A palavra quilombo tem a conotação de uma associação de homens, aberta a todos sem distinção de filiação a qualquer linhagem, na qual os membros eram submetidos a dramáticos rituais de iniciação que os retiravam do âmbito protetor de suas linhagens e os integravam como co-guerreiros num regimento de super-homens invulneráveis às armas de inimigos (MUNANGA, 2001, p. 25)”.
Tempos depois com a chegada dos povos negros escravizados aqui no Brasil, o termo foi adquirindo novos significados no decorrer dos anos. Primeiramente seu uso serviu para caracterizar a forma de resistir ao sistema escravocrata, para Arruti (1997), no período colonial e imperial esse primeiro significado de “quilombo” tinha um sentido meramente repressivo. Nos escritos de Almeida (2002) é possível encontrar que se conceituava quilombo como sendo “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele”.
Para Arruti (2008), esse processo da palavra “quilombo” adquire novos significados ao longo dos tempos, pode ser dividido em três fases: resistência cultural, resistência política e resistência negra. Cada uma dessas fases contou com alguns nomes relevantes discutindo essas imbricações, entre eles temos Gilberto Freyre (1936), Clóvis Moura (1959), Emilia Viotti da Costa (1966), Décio Freitas (1973) e Abdias do Nascimento (1980), e para este último pensador, quilombo não resumia a escravo fugido, mas sim tinha um significado mais amplo que abrangia uma reunião fraterna, livre e que vive em comunhão existencial. Abdias, acreditava ser possível uma revolução pacífica dos negros, pensada em recuperar tradições comunitárias africanas.
Mais tarde essa caminhada fez com que a palavra quilombo aparecesse pela primeira vez na Constituição Federal de 1988, por meio do Art. 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), onde constava que “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” (BRASIL, 1988, s.p.).
Transcorrido um período de tempo é que percebe-se com mais substancialidade um caminho para se conquistar aquilo que foi estabelecido pelo Art. 67 do ADCT da CF/88, por meio de políticas públicas como o Programa Brasil Quilombola e o ATER Quilombola. A primeira tinha como propósito consolidar os marcos da política de Estado para as áreas quilombolas de forma a executar “ações voltadas à melhoria das condições de vida e ampliação do acesso a bens e serviços públicos das pessoas que vivem em comunidades de quilombos no Brasil” (BRASIL, 2007). Já a segunda foi instituída pela Lei nº 12.188 de 2010, pleiteando um desenvolvimento local, com autonomia dos povos e comunidades remanescentes de quilombo, além de outros grupos sociais e comunidades tradicionais (BRASIL, 2010).
Uma vez que o processo de efetivação das políticas públicas devem ter uma preocupação essencial, que nada mais é do que se certificar de que está acontecendo mudanças a ponto de verdadeiramente melhorar a qualidade de vida das pessoas alcançadas por essas políticas, promovendo oportunidades e um futuro melhor, já que, o quilombo foi e continua sendo uma das mais expressivas manifestações de promoção de territórios e modos de vida baseados na solidariedade, democracia e bem comum.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. OS QUILOMBOS E SEU POVO
Partindo do princípio de que a história de vida dos povos que habitam este país é marcada por diferentes possibilidades e oportunidades a depender de gênero, raça e classe envolvidas na situação, pensar política pública como uma forma de assegurar direitos fundamentais é uma medida de ampliação da viabilidade socioeconômica e promoção de melhoria na qualidade de vida, especialmente para aqueles que vêm sendo deixados desassistidos e a margem da sociedade por tanto tempo.
Em “Mato, Palhoça e Pilão: o quilombo, da escravidão às comunidades remanescentes”, Fiabani (2005) sistematizou de forma cronológica a forma como a palavra “quilombo” foi ganhando diferentes significados ao longo do tempo, perdendo o caráter estigmatizado de ser apenas mais um episódio durante o período da escravidão para, enfim, ganhar um valor sociocultural da luta do povo negro.
A ideia de quilombo se tornou “[…] ao longo da história colonial, imperial e parte da republicana, […] um conceito cristalizado do que seja quilombo, construído a partir da ótica do poder instituído, negando todo um modo de vida e cultura dos sujeitos dessas comunidades […].” (SOUSA, 2011, p.3).
Em 1850, foi promulgada a primeira Lei de Terras do país, que ao analisar o que ali constava e contexto histórico da epoca, tornou possivel perceber que a mesma só serviu para manter as terras nas mãos dos mais abastados que consequentemente eram os não negros, uma vez que, está lei estipulou que qualquer aquisição de terras devolutas seria efetuada por meio da compra, o que já discriminou o escravo, visto que o valor cobrado era inacessível ao recém-liberto, uma vez que para grande parcela desse povo não lhes eram possíveis uma forma de aferir renda que viabilizasse essa aquisição, além também de os africanos e seus descendentes não poderem ter acesso à terra, pois não eram considerados brasileiros. Assim, já ficava demonstrada a vedação do escravo liberto em ter acesso à propriedade.
Após a promulgação da Lei Áurea em 1888 os quilombos, também se tornaram a única forma de resistência de muitos ex-escravos, visto que não foi elaborada uma política pública pós-abolicionista, que concedesse um apoio socioeconômico aos negros recém libertos, e até os dias de hoje o estado ainda falha na concessão dessas políticas.
As políticas de reconhecimento quilombola têm seu marco inicial no Art. 68º dos ADCTs da Constituição Federal (CF) de 1988, segundo o qual “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos.” (BRASIL, 1988).
Apesar de o Art. 68º ADCT ser considerado marco do processo de reconhecimento dos direitos aos remanescentes quilombolas, ele ainda deixou questões em aberto. Defende-se o caráter reducionista do mesmo, colocando-se que “Os legisladores apresentaram o Art. 68 ADCT e os grupos organizados interessados no tema, perceberam que o dispositivo reduzia os territórios quilombolas, identificando-os apenas como comunidades negras formadas por escravos fugidos, percebiam os quilombos como um monumento histórico” (MENDES, 2014, p. 51). Também Menezes (2012, p. 1) considerou que “Esse dispositivo […] não explicitou o que são comunidades quilombolas, dando margem a profundos debates sobre esse aspecto”. E ainda discute que
O direito fundamental à terra, à moradia, aos direitos culturais dos quilombolas, assegurado pelo artigo 68 do ADCT, juntamente com o aparato infraconstitucional que lhe dá suporte, encontra dificuldades em ser aplicado, quer por imprecisões legais; quer pela existência de conceitos que ampliam os conceitos meramente civilistas; quer por outras medidas que visam a obstar a efetivação do direito constitucional quilombola e esboçar um novo campo de tensões, com regimes de forças diversas (MENEZES, 2012, p. 12).
Apenas no século XX se torna possível perceber novos marcos categóricos no que diz respeito às questões dos povos remanescentes de quilombos, a partir dos quais a economia, a cultura, a política e a organização social destes atores são repensados e reconstruídos. Essa mudança só acontece devido a necessidade de expansão do atendimento de disposições legais apontadas pelos artigos 215 e 216 da CF/88, nos quais “os documentos e sítios detentores de reminiscências históricas de antigos quilombos” são estabelecidos como tombados (BRASIL, 1988).
Legalmente, a certificação, reconhecimento e titulação dos quilombos competem, segundo o Art. 3º do Decreto n° 4.887 de 2003, ao Ministério de Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que pode estabelecer convênios diversos a fim de que esta atribuição seja cumprida. Ao Ministério da Cultura, por meio da Fundação Cultural Palmares, cabe o trabalho de acompanhamento do processo, conferindo seguridade no que tange a questões culturais e identitárias. A Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial deverá assistir o INCRA nas questões relativas aos direitos raciais e territoriais.
As orientações para a titulação das comunidades quilombolas se iniciam com a identificação, realizada através da autodefinição do grupo, confirmada com documento de Certidão de Registro, no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos, emitida pela Fundação Cultural Palmares. Após a certificação, é necessária a elaboração de um relatório sobre a comunidade e o levantamento de toda a cadeia dos imóveis localizados na área pleiteada. A demarcação e titulação do território com outorga do título coletivo e pro-indiviso são realizadas em nome da associação comunitária. Os títulos das terras são inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis. Conforme se verifica em informações contidas nos sites da Fundação Cultural Palmares e do INCRA.
Embasando este entendimento, Leroy (1997, p. 253) afirma que “No caso de comunidades étnicas, a afirmação da identidade e da diferença é em geral necessário para que seus membros individualmente e como grupo, possam ser reconhecidos e dialogar em pé de igualdade com outros grupos e setores da sociedade”.
Pensando em dados quantitativos e trazendo uma perspectiva para o Submédio São Francisco, mais especificamente para a cidade de Juazeiro/BA, município que conta com 73% da população que se autodeclara negra (pretos e pardos) (BRASIL, 2010), foi possível constatar que neste município segundo informações divulgadas pelo projeto Geografia dos Assentamentos na Área Rural (GeografAR), em 2011, existem neste território 14 comunidades remanescentes de quilombos, são elas: Alagadiço, Aldeia, Angico, Barrinha do Cambão, Barrinha da Conceição, Capim de Raiz, Curral Novo, Deus Dará, Junco, Pau Preto, Passagem, Rodeadouro, Salitre e Quipá.
Dentre elas, segundo dados daquela época, nenhuma comunidade quilombola possuía certificação da Fundação Cultural Palmares (FCP), nem definição de sua situação fundiária, muito menos processos abertos no INCRA por comunidade.
Contudo, essa realidade precisa mudar uma vez que para Rodrigues (2010, p. 10):
O grau de importância da titulação territorial pode ser avaliado tanto pelos entraves à sua efetivação quanto pela ótica do seu significado para as comunidades quilombolas. O território é fundamental para a reprodução física, social e cultural das comunidades. Nesse sentido, vai além da dimensão da terra como espaço físico e geográfico, mas consiste na base mantenedora da historicidade, coesão e existência das gerações atuais e futuras.
Ainda que as políticas públicas não constem de forma expressa na Constituição Federal, é possível afirmar que elas tomam como princípios norteadores o que lá está exposto, visto que, em alguns de seus artigos a Constituição fala sobre: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, construção de uma sociedade livre, justa e solidária, redução das desigualdades sociais e regionais, entre outros (BRASIL, 1988).
Acredita-se ainda que se faz necessário que alguns esforços, como por exemplo a promoção de políticas públicas e o incentivo à titulação territorial, sejam direcionados a promover a autonomia das comunidades territorialmente organizadas em vista de oportunizar um melhor desenvolvimento das mesmas (FREY, 2001).
2.2 A EXTENSÃO RURAL
A Extensão Rural, enquanto política pública, começou a ganhar força aqui no País por volta de 1948, com a criação da Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR) de Minas Gerais (MG), que logo depois foi seguida pela criação de associações nos demais estados da federação.
Por muito tempo, a ação extensionista tinha uma característica extremamente focada na práticas exacerbadas de produção que faziam com que o processo de degradação do meio ambiente se acelerasse cada vez mais, contribuindo dessa forma para as desigualdades socioeconômicas no meio rural, já que os pequenos produtores não tinham como competir com esse mercado desleal.
Isso fez com que entre 1964 e 1979, ocorresse um crescimento de 124,3% no consumo de fertilizantes químicos, 233,6% no de inseticidas, 584,5% no de fungicidas, 5.414,2% no de herbicidas e 389,1% no de tratores. O que resultou em apenas um aumento de 16,8% da produtividade dos principais 15 cultivos do Brasil, durante o mesmo período (FAO, 2007). Contudo, para que a mudança fosse possível fez-se necessário romper alguns paradigmas. Freire (1977, p. 26) fez duras críticas quanto a isso, uma vez que para o autor:
Na medida em que, no termo extensão, está implícita a ideia de levar, de transferir, de entregar, de depositar algo em alguém, ressalta nele, uma conotação indiscutivelmente mecanicista. Mas, como este algo, transmitido, transferido (para ser, em última instância, depositado em alguém – que são os camponeses) é um conjunto de procedimentos técnicos, que implicam em conhecimento, que são conhecimento, se impõem as perguntas: será o ato de conhecer aquele através do qual um sujeito, transformado em objeto, recebe pacientemente um conteúdo de outro? Pode este conteúdo, que é conhecimento ser tratado como algo estático? Estará ou não submetendo o conhecimento a condicionamentos históricos sociológicos? (FREIRE, 1977, p. 26).
A extensão rural no campo é deveras importante uma vez que faz a ponte entre os conhecimentos adquiridos no campo e os conhecimentos adquiridos em cursos técnicos, universidades e etc. De forma a propagar informações sobre agricultura, combate e prevenção de pragas e doenças nas plantas, conservação e segurança de alimentos, pecuária, saúde no campo, entre outros.
Um dos pilares fundamentais da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar – PNATER é o “respeito à pluralidade e às diversidades sociais, econômicas, étnicas, culturais e ambientais do país, o que implica a necessidade de incluir enfoques de gênero, de geração, de raça e de etnia nas orientações de projetos e programas” (BRASIL, 2004). Há ainda de se falar de forma complementar, em uma necessidade premente “de um horizonte estratégico entre seus protagonistas decisivos”. (ABRAMOVAY, 2010)
2.3 O PROGRAMA BRASIL QUILOMBOLA
O Programa Brasil Quilombola foi criado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário por meio da Secretaria Especial para Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR (BRASIL, 2005).
Este programa tem a finalidade de coordenar as ações governamentais, por intermédio de articulações transversais, setoriais e interinstitucionais para as comunidades quilombolas, com ênfase na participação da sociedade civil. O caráter inovador deste Programa Brasil Quilombola dedica-se aos seguintes itens: promoção da intersetorialidade de intervenção pública, na medida em que busca envolver, de forma integrada, convergente e articulada; os recursos dos diversos órgãos governamentais das três esferas de governo e o respeito à identidade étnica das comunidades. O desenho do Programa parte da lógica de que os quilombos se organizam em conjuntos em que as dimensões sociopolíticas, econômicas e culturais são significativas para a construção de forma plural de sua identidade e que a discussão do desenvolvimento está ligada a este aspecto (Ibidem).
Alguns anos após a criação do Programa Brasil Quilombola em março de 2004, em 2007, se estabeleceu o Decreto Federal 6.261/2007, que trata da agenda social no âmbito do Programa Brasil Quilombola. Este trata de ações de um comitê gestor envolvendo 11 ministérios sob a coordenação da SEPPIR. Este Programa tem 04 eixos temáticos: a) acesso à terra; b) infraestrutura e qualidade de vida; c) desenvolvimento local e inclusão produtiva; d) direitos e cidadania (Grifo nosso).
Ainda em 2007, foi criada mais uma política na tentativa de materializar os direitos quilombolas, através do Decreto Federal 6.040/2007. A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais tem foco no incremento do desenvolvimento sustentável com ênfase na garantia de direitos territoriais, sociais, ambientais, culturais e econômicos, buscando a valorização da identidade dos povos.
Também em 2007 houve o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento Quilombola (PAC Quilombola) com a finalidade de melhorar o acesso à educação, saúde, infraestrutura, por meio de edificação de estradas, abastecimento de água e também a regularização fundiária.
Por fim, em 2007 há de se falar na Portaria nº 98/2007 da Fundação Cultural Palmares, que regulamenta o procedimento de certificação das comunidades quilombolas, além da Instrução Normativa nº 57/2009 do INCRA que, por sua vez, prevê o procedimento para identificação, delimitação, demarcação, desintrusão e titulação das terras quilombolas.
A voz dessa parcela da população também precisa ser ouvida e ecoada em eventos que visam colaborar com a formulação de diretrizes para esse povo e que somado a isso, prezam pela participação popular, como foi o caso da Conferência de Desenvolvimento Nacional Rural Sustentável e Solidário que aconteceu em 2008 (CARVALHO & DAVID, 2011).
Outra legislação que repercute para os quilombolas é a Lei 12.288/2010, que se refere ao Estatuto da Igualdade Racial.
Ainda quando se fala no Programa Brasil Quilombola, não se pode deixar de lado a importância de as questões trazidas por este programa constarem sempre que possível no plano plurianual, visto que, essa inclusão é relevante de tal maneira que viabiliza a previsão de parcela orçamentária para ações de monitoramento e avaliação de políticas que tem como foco principal as comunidades quilombolas. No plano plurianual de 2012-2015, registrou-se que a questão quilombola conseguiu se fazer presente através da rubrica “enfrentamento ao racismo e promoção da igualdade racial”.
Pensando no Programa Brasil Quilombola não se pode deixar de fora o diálogo que ele também exerce com o Programa Brasil sem Misérias à medida que, conforme Guia de Políticas Públicas para Comunidades Quilombolas, 2013, do SEPPIR, 74,73% das famílias quilombolas estão abaixo da linha da extrema pobreza (BRASIL, 2013).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de constar com princípios norteadores que muito dialogam entre si, a ATER Quilombola e o Programa Brasil Quilombola não fazem com que seus beneficiários garantam o direito essencial de posse coletiva de terras ou mesmo de reconhecê-los como sujeitos ativos nas articulações socioculturais em face aos espaços que ocupam.
Os dispositivos legais não fizeram com que surgisse uma nova forma de quilombo, mas sim, abarcaram ao seu escopo as comunidades negras, rurais e/ou urbanas, que firmaram consigo e com sua comunidade a responsabilidade de preservar o legado cultural a eles passados por seus ancestrais, estando elas localizadas em terras de antigos quilombos ou não.
A essência quilombola da atualidade não está apenas nas raízes históricas […], ela se concebe a partir de um projeto de autodefinição, de uma articulação cultural de comunidades negras que, de alguma forma, se aglomeraram e preservam relações identitárias com a cultura afro-brasileira (SANTOS; DOULA, 2008, p. 72).
Importante salientar que a regularização fundiária definitiva, é o meio mais seguro para construção da cidadania dos povos remanescentes de quilombos, pois faz com que seja possível que os mesmos sejam contemplados por uma segurança jurídica no que diz respeito ao território de suas comunidades, caso seja pensada concomitantemente com políticas públicas que visam a sustentabilidade ambiental, social, cultural, econômica e política dessa parcela da população.
Sendo assim, a inclusão da população quilombola como destinatários das políticas públicas, exige a abordagem das instituições que promoveram as políticas públicas e de seus agentes, com uma atenção capaz de lidar de forma coerente com as especificidades deste povo devido às suas formas distintas de organização social e cultural. Logo, as ações de desenvolvimento voltadas para essa população devem seguir estratégias pautadas em um modelo de desenvolvimento, baseadas nas características territoriais e nas particularidades culturais dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana, visando a sua sustentabilidade ambiental, social, cultural, econômica e política.
Por fim, compreende-se que apenas a exigência legal das ações afirmativas não são suficientes para que haja uma mudança efetiva. Urge a necessidade de se mudar a maneira como os extensionistas compreendem e desenvolvem seu papel como agentes firmadores da implementação de políticas públicas, buscando sempre atualizar e nivelar o conhecimento em Extensão Rural nas inúmeras questões que são pertinentes para transformar nossa sociedade em uma sociedade cada vez mais justa, igualitária e inclusiva.
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2Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF;
3Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF