OS PROFESSORES DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE PALHOÇA E SUAS MANIFESTAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE FORMAÇÃO CONTINUADA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202509212024


Jair Joaquim Pereira¹


RESUMO

Este estudo analisa discursos de professores da Rede Municipal de Ensino de Palhoça acerca da formação continuada, utilizando a Análise do Discurso (AD) de linha francesa, fundamentada em Orlandi e Pêcheux. O referencial teórico destaca conceitos centrais, como sujeito, ideologia, memória discursiva, interdiscurso, intradiscurso, condições de produção e efeitos de sentido, compreendidos como elementos constitutivos dos enunciados. A metodologia baseou-se na seleção de cinco recortes discursivos, na análise das condições de produção e na interpretação dos efeitos de sentido. Os resultados revelam tensões entre políticas institucionais e prática docente, evidenciando tanto frustrações com formações descontextualizadas quanto reconhecimento de experiências mais eficazes. Conclui-se que o discurso pedagógico dos professores manifesta resistência, crítica e, em alguns casos, valorização, reafirmando a necessidade de formações continuadas contextualizadas e articuladas à prática docente.

Palavras-chave: Formação continuada; Análise do Discurso; Professores;

ABSTRACT

This study analyzes the discourses of teachers from the Municipal Education Network of Palhoça regarding continuing education, drawing on the French tradition of Discourse Analysis (DA), grounded in the works of Orlandi and Pêcheux. The theoretical framework highlights key concepts such as subject, ideology, discursive memory, interdiscourse, intradiscourse, conditions of production, and effects of meaning, understood as constitutive elements of enunciations. The methodology was based on the selection of five discursive excerpts, the analysis of the conditions of production, and the interpretation of the effects of meaning. The results reveal tensions between institutional policies and teaching practice, exposing both frustrations with decontextualized training and the recognition of more effective experiences. It is concluded that teachers’ pedagogical discourse manifests resistance, criticism, and, in some cases, appreciation, reaffirming the need for continuing education that is contextualized and articulated with school practice.

Keywords: Continuing education; Discourse Analysis; Teachers.

INTRODUÇÃO

A formação continuada de professores constitui uma das principais políticas educacionais voltadas à melhoria da qualidade do ensino. No entanto, a efetividade dessas iniciativas depende do modo como são concebidas no contexto escolar. Nesse processo, destacam-se as parcerias institucionais estabelecidas pelo município de Palhoça, entre as quais a colaboração com a Faculdade Municipal de Palhoça (FMP), que tem desenvolvido ações formativas junto aos professores da rede, buscando articular teoria e prática de forma contextualizada.

Para compreender como os docentes significam essas formações, este estudo adota a Análise do Discurso (AD) francesa, que entende a linguagem como atravessada por ideologia, história e relações de poder. Conforme afirma Orlandi (1999, p. 30), “a análise de discurso considera que a linguagem não é transparente, pois nela o sentido sempre se produz sob determinadas condições”. Assim, as manifestações discursivas dos professores revelam não apenas percepções individuais, mas também sentidos constituídos nas relações institucionais, nas políticas públicas e nos modos de organização da formação continuada.

Nessa perspectiva, a investigação busca problematizar os sentidos produzidos pelos professores da Rede Municipal de Ensino de Palhoça sobre a formação continuada, analisando suas manifestações discursivas à luz dos conceitos fundamentais da AD, considerando, ainda, o papel da FMP como parceira no processo formativo.

REFERENCIAL TEÓRICO

Entre os conceitos fundamentais da Análise do Discurso (AD) destacam-se o sujeito, a ideologia, a memória discursiva, o interdiscurso, o intradiscurso, as condições de produção e os efeitos de sentido. Na perspectiva da AD, o sujeito não é concebido como um ser autônomo, mas como efeito do discurso e das condições sociais. Como afirma Orlandi (2004, p. 45), “o sujeito se constitui nas práticas sociais e discursivas, sendo sempre um efeito das posições que o discurso lhe oferece”, enquanto Pêcheux (1982, p. 37) complementa ao dizer que o sujeito é “produzido e condicionado pelas relações de poder e ideologia presentes nos enunciados”. Essa concepção permite compreender o professor não como portador de uma opinião isolada, mas como sujeito histórico e socialmente constituído, cuja manifestação discursiva reflete experiências passadas e posições possíveis dentro da escola e das políticas educacionais.

A ideologia, por sua vez, atravessa os sentidos do discurso e determina as posições possíveis de enunciação, mesmo quando o falante se apresenta como neutro. Orlandi (2014, p. 60) destaca que “a ideologia está presente em todos os discursos, orientando os sentidos e limitando as interpretações possíveis”. Pêcheux (2009, p. 67) reforça essa concepção ao afirmar que “todo enunciado carrega vestígios ideológicos, mesmo quando se pretende ‘objetivo’ ou neutro”. No contexto escolar, a ideologia manifesta-se de forma evidente na maneira como as políticas de formação e as diretrizes curriculares influenciam os professores em sua prática.

Outro conceito central é a memória discursiva, que remete às experiências passadas do sujeito e condiciona a produção de sentidos. Orlandi (1999, p. 52) explica que “a memória discursiva atua como repertório de experiências que influencia a forma como os sujeitos se posicionam nos enunciados”. No caso do professor, as experiências anteriores com formações continuadas, sejam elas mais ou menos eficazes, moldam suas expectativas sobre novas atividades de formação, impactando a avaliação crítica das mesmas. Esse movimento se articula ao interdiscurso, entendido como a relação entre um enunciado e outros discursos. De acordo com Orlandi (2004, p. 47), “o interdiscurso permite situar o enunciado em um campo mais amplo de relações discursivas, estabelecendo conexões com outras formas de conhecimento e práticas sociais”. Na formação docente, o interdiscurso é percebido quando o professor relaciona a Base Curricular, as diretrizes da Secretaria de Educação e suas próprias experiências de sala de aula.

Já o intradiscurso desempenha papel igualmente relevante, pois evidencia a organização interna do enunciado, assim como a forma como as ideias se articulam para produzir sentido. Pêcheux (1982, p. 55) lembra que “o intradiscurso revela a dinâmica interna do enunciado, mostrando como as ideias se articulam para construir sentido dentro de uma posição discursiva”. Assim, ao expressar críticas ou valorizações sobre a formação continuada, o professor organiza suas manifestações de maneira a transmitir frustração, reconhecimento ou reivindicação de forma coerente com sua posição social. Nesse processo, as condições de produção também precisam ser consideradas, uma vez que determinam os limites e possibilidades dos sentidos do discurso. Orlandi (2014, p. 62) observa que “os sentidos não se produzem de maneira livre; eles estão sempre condicionados pelas condições de produção que determinam as possibilidades de enunciação”. No caso da formação continuada, tais condições incluem as políticas educacionais, a organização da escola e as metodologias empregadas, influenciando diretamente a percepção dos professores sobre a pertinência ou relevância da formação continuada.

Por fim, os efeitos de sentido resultam da interação entre discurso, sujeito e contexto, constituindo o impacto que o enunciado produz sobre a interpretação e a construção de significados. Pêcheux (2009, p. 71) enfatiza que “os efeitos de sentido não são dados apenas pelo que se diz, mas emergem da articulação entre o discurso, o sujeito que o produz e as condições de recepção e produção”. No cotidiano escolar, tais efeitos podem se manifestar de diferentes formas — frustração, valorização, resistência ou legitimação da prática docente — dependendo de como os professores vivenciam e interpretam os processos de formação continuada.

METODOLOGIA

O corpus deste estudo é constituído por cinco recortes discursivos extraídos de manifestações de professores da Rede Municipal de Ensino de Palhoça, registradas em momentos de formação continuada. A opção pela Análise do Discurso, fundamentada em autores como Michel Pêcheux e Eni Orlandi, deve-se ao seu potencial em problematizar a relação entre língua, história e ideologia, permitindo compreender como os sentidos não são dados de forma imediata, mas resultam das condições de produção do discurso. Como afirma Orlandi (2004, p. 21), “a Análise de Discurso não trata da língua como sistema fechado nem do sujeito como origem de si mesmo, mas da materialidade discursiva onde língua, história e ideologia se articulam”. Nesse sentido, a escolha metodológica possibilita acessar a dimensão simbólica que atravessa as falas docentes, determinando as tensões entre prática pedagógica, políticas institucionais e discurso pedagógico.

O processo de análise foi conduzido em etapas, fundamentadas nas orientações de Orlandi (1999) e aprofundadas a partir de Pêcheux (2009). A primeira etapa consistiu na delimitação do corpus, ou seja, na seleção dos recortes discursivos representativos das posições assumidas pelos professores diante da formação continuada. Esse movimento é fundamental, pois, como lembra Pêcheux (1982, p. 56), “não há discurso sem um recorte, sem uma fronteira que o situe em relação a outros discursos”, o que implica reconhecer que a seleção já se inscreve em uma posição de interpretação.

A segunda etapa correspondeu à análise das condições de produção, momento em que se buscou identificar não apenas o contexto imediato da enunciação, mas também os atravessamentos históricos, ideológicos e institucionais que a constituem. Nessa perspectiva, as manifestações dos professores foram interpretadas à luz de políticas educacionais da Secretaria de Educação de Palhoça, das orientações curriculares e das práticas cotidianas da escola. Como observa Orlandi (2014, p. 59), “os sentidos se produzem sob determinadas condições de produção, que compreendem tanto a situação imediata quanto a memória discursiva que sustenta o dizer.”

Por fim, a terceira etapa concentrou-se na interpretação dos efeitos de sentido, isto é, na compreensão das regularidades, tensões e deslocamentos que emergem das manifestações docentes sobre a formação continuada. Essa etapa não se restringe a identificar o conteúdo do que é dito, mas a problematizar como os enunciados significam em função da posição ocupada pelo sujeito no interior das relações discursivas. Assim, o objetivo da análise foi compreender de que maneira os professores constroem sentidos de resistência, crítica ou valorização em relação às formações oferecidas, situando-os no âmbito mais amplo do discurso pedagógico e das disputas em torno da prática docente.

ANÁLISE DOS RECORTES DISCURSIVOS

Recorte 1

“A formação continuada precisa ajudar de fato na minha prática de sala de aula. Não faz sentido vir para a formação e discutir assunto que pouco ou nada tem a ver com a sala de aula.”

Ao afirmar que “a formação continuada precisa ajudar de fato na minha prática de sala de aula”, o professor enuncia uma expectativa vinculada à utilidade e à aplicabilidade da formação no cotidiano escolar. Nesse enunciado, percebe-se que o sujeito docente se constitui a partir de experiências anteriores que produziram sentidos de insuficiência ou distanciamento entre teoria e prática. A posição-sujeito que emerge é a de alguém que reivindica uma formação situada, que dialogue com as demandas reais da sala de aula, revelando o atravessamento dos discursos pedagógicos pela experiência concreta da docência.

Na sequência, a formulação “não faz sentido vir para a formação e discutir assunto que pouco ou nada tem a ver com a sala de aula” mobiliza a memória discursiva, remetendo a situações passadas em que os conteúdos formativos foram percebidos como alheios às necessidades práticas do professorado. Essa memória produz um efeito de resistência, pois o sujeito interpela a ideologia institucional que frequentemente organiza a formação de modo mais prescritivo do que participativo. O uso da expressão “não faz sentido” funciona como marca de contestação e posiciona o professor no lugar de quem recusa a passividade diante das diretrizes impostas.

O interdiscurso, nesse recorte, conecta discursos institucionais sobre a formação — ancorados em políticas educacionais e orientações curriculares — às vozes docentes que reivindicam pertinência prática. Já o intradiscurso organiza a fala como crítica imediata, instaurando uma ruptura no consenso e construindo sentidos de descontinuidade entre o que é ofertado e o que é necessário.

As condições de produção dessa crítica são delimitadas pelo modo como a Secretaria de Educação planeja e conduz as formações, bem como pelo histórico de encontros que, segundo o relato, não responderam às demandas cotidianas da prática pedagógica. Assim, o dizer do professor é determinado pela relação entre as políticas formativas e sua experiência histórica de sala de aula.

Os efeitos de sentido desse recorte combinam frustração e reivindicação: há, por um lado, a insatisfação diante de uma formação percebida como descolada da realidade; por outro, a formulação de um apelo por relevância, na tentativa de integrar teoria e prática. O discurso docente, nesse caso, revela-se crítico e ativo, constituindo-se como resistência frente a uma lógica de formação homogênea e afirmando a necessidade de que o espaço formativo seja efetivamente significativo para o exercício profissional.

Recorte 2

“A formação continuada tem que tratar basicamente da Base Curricular de Palhoça. Esse é o ponto que precisamos entender melhor.”

Ao afirmar que “a formação continuada tem que tratar basicamente da Base Curricular de Palhoça”, o professor se inscreve em uma posição-sujeito atravessada por discursos institucionais e pedagógicos. Nessa formulação, observa-se como o sujeito docente é interpelado pelo discurso oficial, que regula e orienta sua prática. Tal enunciado evidencia a dimensão normativa da formação, indicando que o processo de desenvolvimento profissional docente não é apenas espaço de ampliação de saberes, mas também de adequação a diretrizes previamente estabelecidas.

No trecho seguinte, “Esse é o ponto que precisamos entender melhor”, emerge a memória discursiva, pois a necessidade de compreensão da Base Curricular não se dá em vazio, mas na articulação de experiências passadas de formação, de práticas pedagógicas anteriores e de sentidos já circulantes sobre o papel das políticas curriculares. A presença do “precisamos” desloca o enunciado para uma dimensão coletiva, indicando que a incompletude do saber não é individual, mas partilhada pelo grupo de professores. Esse aspecto ressalta que o discurso docente não se organiza apenas em função de uma imposição normativa, mas também como movimento de apropriação e de negociação de sentidos.

As condições de produção dessa fala também são determinantes. A centralidade da Base Curricular de Palhoça nos processos formativos resulta de uma escolha da Secretaria de Educação, que estabelece pautas, materiais e orientações a serem explorados. Assim, o alcance da compreensão reivindicado pelo professor não está apenas na dimensão individual, mas no modo como os conteúdos são disponibilizados e mediados institucionalmente.

Os efeitos de sentido projetados por esse recorte apontam, portanto, para uma tensão: de um lado, o reconhecimento da importância de compreender profundamente o documento normativo; de outro, a preocupação com o modo como essa compreensão se efetiva, indicando um espaço de resistência e de crítica. O discurso docente, nesse caso, não é passivo, mas constrói uma posição reflexiva que busca clareza frente às normas, revelando o embate entre regulação institucional e autonomia profissional.

Recorte 3

“Os encontros de formação continuada realizados na escola são mais eficazes do que as palestras realizadas na Casa do Educador, que infelizmente agregam muito pouco na prática pedagógica do professor.”

Ao afirmar que “os encontros de formação continuada realizados na escola são mais eficazes”, o professor evidencia uma valorização da formação situada, próxima ao cotidiano e às necessidades concretas da prática docente. Esse enunciado constrói uma posição-sujeito que reivindica a contextualização como condição de eficácia, em contraste com modelos de formação mais centralizados e homogêneos. Nesse movimento, observa-se que a constituição do sujeito docente está atravessada por discursos pedagógicos que defendem a aprendizagem colaborativa e a reflexão crítica, ancoradas no espaço escolar.

Na sequência, a formulação “que infelizmente agregam muito pouco na prática pedagógica do professor” produz um efeito de crítica às palestras realizadas na Casa do Educador, destacando a percepção de que tais encontros não dialogam com as demandas reais da docência. A memória discursiva é mobilizada na evocação de experiências anteriores de formações pouco significativas, que produz sentidos de insatisfação que afetam os professores. Como lembra Pêcheux (2009, p. 68), “todo enunciado carrega vestígios ideológicos, mesmo quando se pretende ‘objetivo’ ou neutro”. Assim, a manifestação do professor denuncia os vestígios de uma ideologia institucional centralizadora, que organiza a formação como dispositivo normativo, mas não garante sua efetiva relevância prática.

O interdiscurso articula, nesse recorte, tanto o discurso institucional, que valoriza a formação padronizada e centralizada; quanto, o discurso docente, que reivindica pertinência e aplicabilidade. Já o intradiscurso organiza a avaliação em termos de eficácia e utilidade, instaurando uma hierarquia entre diferentes modalidades de formação.

As condições de produção da fala estão diretamente vinculadas às políticas da Secretaria de Educação, que propõem tanto momentos coletivos em espaços institucionais quanto encontros formativos nas escolas. É nesse cenário de coexistência que o professor elabora sua crítica, atribuindo maior valor às formações que emergem do chão da escola.

Os efeitos de sentido dessa formulação incluem, de um lado, o reconhecimento da eficácia da formação contextualizada e, de outro, a denúncia das insuficiências dos encontros centralizados. O discurso docente, nesse caso, articula experiência prática e reflexão crítica, demarcando uma resistência ao modelo prescritivo e afirmando a necessidade de que a formação continuada seja construída em diálogo com a realidade da sala de aula.

Recorte 4

“Sinto que falta planejamento da secretaria de educação de Palhoça quanto à formação continuada do professor. Não basta obrigar o professor a participar.”

Ao afirmar “sinto que falta planejamento da secretaria de educação de Palhoça quanto à formação continuada do professor”, o docente evidencia uma resistência crítica à imposição institucional, destacando-se como sujeito atravessado por experiências históricas de formações consideradas pouco eficazes. Essa formulação remete à constituição do sujeito nos processos sociais e históricos, uma vez que, como afirma Orlandi (1999, p. 49), “o sujeito se constitui nas práticas sociais e discursivas”. A crítica ao planejamento institucional, portanto, não emerge isolada, mas se ancora em vivências anteriores que produzem sentidos de carência e de insatisfação.

Na sequência, o enunciado “não basta obrigar o professor a participar” reforça a tensão com a ideologia institucional, evidenciando a percepção de que a obrigatoriedade não garante engajamento nem relevância prática. Essa formulação mobiliza a memória discursiva ao retomar experiências de participação compulsória em formações pouco significativas, articulando um interdiscurso que conecta normas institucionais, políticas educacionais e a experiência docente. O intradiscurso organiza a fala como denúncia e reivindicação, instaurando um efeito de interpelação ao poder público.

As condições de produção dessa crítica são delimitadas pelas escolhas da Secretaria de Educação quanto ao planejamento e à metodologia das formações, que determinam os sentidos possíveis atribuídos pelos professores à sua participação. Nesse cenário, a voz docente se constrói em contraposição ao discurso oficial, buscando legitimar sua posição a partir da prática cotidiana e da necessidade de maior pertinência pedagógica.

Os efeitos de sentido projetados por esse recorte combinam frustração, resistência e demanda por relevância. A manifestação do professor consolida uma posição-sujeito crítica e reflexiva, que se recusa a assumir passivamente a ideologia institucional e que reivindica formações conectadas à prática docente. Como lembra Pêcheux (1982, p. 45), “não há sujeito fora do discurso; ele é produzido e condicionado pelas relações de poder e ideologia presentes nos enunciados”. Nesse caso, o discurso pedagógico se articula com a experiência concreta do professor, revelando os embates entre regulação e autonomia na constituição da formação continuada.

Recorte 5

“As duas formações conduzidas pela FMP na escola trouxeram contribuições importantes aos professores de nossa escola.”

Ao enunciar que “as duas formações conduzidas pela FMP na escola trouxeram contribuições importantes aos professores de nossa escola”, o docente evidencia uma posição de reconhecimento positivo, em contraste com experiências anteriores avaliadas como pouco eficazes. A expressão “trouxeram contribuições importantes” revela a constituição do sujeito histórico atravessado por memórias de formações diversas, que ora se mostraram distantes da prática, ora efetivamente significativas. Nesse caso, a valorização se ancora na percepção de aplicabilidade e de contextualização, articulando teoria e prática pedagógica no espaço formativo.

O recorte, em análise, também traz legitimidade à formação continuada conduzida por instituições como a Faculdade Municipal de Palhoça (FMP). Assim, a voz docente não apenas reconhece a relevância da experiência vivida, mas também se conecta à ideologia institucional que sustenta e difunde tais iniciativas. A memória discursiva, aqui, mobiliza o contraste entre momentos de insatisfação e a experiência positiva atual, possibilitando que o discurso produza sentidos de valorização e reconhecimento.

O interdiscurso articula normas educacionais, políticas institucionais e a experiência pedagógica concreta, enquanto o intradiscurso organiza a fala em torno da apreciação imediata da eficácia da formação recebida. Nesse movimento, o dizer do professor se configura como legitimação e, ao mesmo tempo, como afirmação de que formações contextualizadas podem, de fato, atender às demandas docentes.

As condições de produção dessa fala incluem tanto o papel da FMP como parceira da Secretaria de Educação quanto o espaço da escola como lócus privilegiado para a formação. Esses elementos moldam os sentidos possíveis do enunciado, garantindo sua circulação como discurso de reconhecimento institucional e pedagógico.

Os efeitos de sentido projetados por esse recorte são múltiplos: de um lado, consolidam a valorização da experiência formativa contextualizada; de outro, reforçam a legitimação de iniciativas institucionais que se aproximam da realidade escolar. O discurso docente, assim, se apresenta como crítico e reflexivo, ao mesmo tempo em que reconhece a pertinência da formação recebida. Como ressalta Orlandi (2014, p. 74), “os efeitos de sentido não são dados apenas pelo que se diz, mas emergem da articulação entre o discurso, o sujeito que o produz e as condições de recepção e produção”.

CONCLUSÃO

A análise dos recortes evidencia que as manifestações discursivas docentes sobre a formação continuada em Palhoça se organizam em um campo de tensões marcado pela coexistência de crítica, resistência e reconhecimento. As falas revelam sujeitos constituídos historicamente por experiências formativas diversas, que ora são percebidas como distantes da prática pedagógica, ora como significativas por sua aplicabilidade e contextualização.

Nos recortes analisados, observa-se que a principal reivindicação dos professores é por formações que dialoguem efetivamente com o cotidiano da sala de aula, superando modelos homogêneos, prescritivos e de caráter meramente obrigatório. A memória discursiva mobilizada nas manifestações traz à tona experiências de formações pouco eficazes, produzindo efeitos de frustração e descontinuidade, ao mesmo tempo em que fundamenta posicionamentos críticos frente à ideologia institucional. As críticas docentes não emergem isoladas, mas resultam de vivências acumuladas no processo de desenvolvimento profissional.

Ao mesmo tempo, as manifestações discursivas não se restringem à contestação. Há também espaço para o reconhecimento das iniciativas formativas que se aproximam da realidade escolar, como os encontros realizados nas próprias escolas conduzidos pela FMP. Esses enunciados revelam a valorização da contextualização e da aplicabilidade, consolidando sentidos de legitimação institucional quando a prática formativa atende às demandas docentes.

Assim, os efeitos de sentido que atravessam essas manifestações discursivas oscilam entre a denúncia de formações pouco significativas e a valorização daquelas que se mostram pertinentes. O interdiscurso conecta políticas educacionais, normas institucionais e experiências docentes, enquanto o intradiscurso organiza as falas como críticas, reivindicações e reconhecimentos.

Em síntese, as manifestações discursivas dos professores de Palhoça analisadas neste estudo revelam não apenas insatisfação, mas também uma postura crítica e reflexiva, marcada pela resistência a imposições centralizadoras e pela valorização de práticas formativas contextualizadas. Tais vozes apontam para a necessidade de uma formação continuada que vá além da mera normatização, assumindo-se como espaço de diálogo, de produção coletiva de saberes e de efetiva contribuição para a prática pedagógica.

REFERÊNCIAS

ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios & procedimentos. 5. ed. Campinas: Pontes, 1999.

ORLANDI, Eni P. Discurso e leitura. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2004.

ORLANDI, Eni P. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. 4. ed. Campinas: Pontes, 2014.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. 3. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1982.

PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso. In: GADET, Françoise; HAK, Tony (orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 5. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. p. 59-158.


¹Docente e Gestor da Faculdade Municipal de Palhoça
e-mail: jair.pereira@fmpsc.edu.br