OS LIMITES DO DIREITO PENAL SOBRE OS DIREITOS DOS ANIMAIS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411181033


Ana Luisa Gonçalves Dias1
Anna Luiza Benincasa Monico2
Andréia Alves de Almeida3


RESUMO

Este artigo tem como objetivo geral relatar que a atual legislação, Lei 9.605/98, para proteção desses animais não é suficiente para prevenir práticas de crueldade, demonstrando a necessidade premente de uma proteção mais efetiva na esfera jurídica. O artigo discute os crimes violentos contra animais no Brasil e a necessidade de explorar formas de reduzir essa violência, com base nas contribuições da Teoria do Link e a ineficácia das normas jurídicas atuais, demonstrando a problemática da violência contra animais no Brasil, e destacando a insuficiência e ineficácia das normas jurídicas vigentes para a proteção dos direitos desses seres.

Quanto aos objetivos específicos, busca-se avaliar a ineficácia das sanções aplicadas contra aqueles que praticam maus-tratos, analisar a Teoria do Link como método de prevenção e repressão dos crimes contra os animais, bem como, explanar a senciência dos animais como requisito para a proteção e dignidade dos animais.

A pesquisa explora como a ausência de punições efetivas e preventivas falha em impedir a crueldade contra animais, uma vez que a atual legislação, a Lei 9.605/98, não é suficiente para prevenir práticas de crueldade contra esses animais, tendo como problemática: analisar qual o papel do Direito Penal na proteção dos direitos dos animais e a Lei existente n° 9.605/98 é suficiente para prevenir práticas de crueldade?

A metodologia utilizada é através da revisão bibliográfica e análise de dados, como também fontes bibliográficas da internet, artigos científicos, livros e a legislação vigente que tutela os direitos dos animais.

Ao final, conclui-se que compreender a necessidade de normas mais eficazes contra os indivíduos que praticam crueldade contra animais pode fornecer a prevenção da violência em geral, promoção de valores sociais, responsabilização e justiça.

Palavras chaves: animais; crueldade; teoria do link; violência.

ABSTRACT

The general objective of this article is to report that the current legislation, Law 9.605/98, for the protection of these animals is not sufficient to prevent cruelty practices, demonstrating the pressing need for more effective protection in the legal sphere. The article discusses violent crimes against animals in Brazil and the need to explore ways to reduce this violence, based on the contributions of the Link Theory and the ineffectiveness of current legal norms, demonstrating the problem of violence against animals in Brazil, and highlighting the insufficiency and ineffectiveness of the current legal rules for the protection of the rights of these beings.

As for the specific objectives, it seeks to evaluate the ineffectiveness of the sanctions applied against those who practice mistreatment, analyze the Link Theory as a method of prevention and repression of crimes against animals, as well as explain the sensitivity of animals as a requirement for the protection and dignity of animals.

The research explores how the absence of effective and preventive punishments fails to prevent cruelty against animals, since the current legislation, Law 9.605/98, is not sufficient to prevent cruelty practices against these animals, having as a problem: analyze what is the role of Criminal Law in the protection of animal rights and is the existing Law No. 9.605/98 sufficient to prevent cruelty practices?

The methodology used is through bibliographic review and data analysis, as well as bibliographic sources from the internet, scientific articles, books and current legislation that protects animal rights.

In the end, it is concluded that understanding the need for more effective rules against individuals who practice cruelty to animals can provide the prevention of violence in general, promotion of social values, accountability and justice. 

Keywords: animals; cruelty; link theory; violence.

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa abordar e demonstrar que os animais não humanos também possuem seus direitos (mesmo que subjetivos), pois apesar de não possuírem identidade civil e nem serem registrados em cartórios, ou seja, sem personalidade, isso não pode ser suficiente para reconhecimento de direitos as suas determinadas espécies e quanto a sua natureza de ser vivo. Também busca-se evidenciar a necessidade de leis mais severas para que sejam coibidas com maior rigor condutas para aqueles que infringirem as leis de proteção, já que a que está em vigor (Lei 9.605/98 – Art. 32) não tem sido suficiente para impedir os crimes praticados contra animais.

Também irá abordar a correlação das pessoas que praticam maus-tratos contra os animais com a violência contra as pessoas, a luz da Teoria do Link, desenvolvendo o debate sobre a contextualização da teoria e a necessidade de se ter leis mais rígidas, bem como a contribuição que a referida teoria possa trazer para o combate e prevenção de crimes futuros.

Para uma melhor compreensão da dimensão do tema, importante realçar que há necessidade de uma ótica voltada para uma concepção biocêntrica, onde os animais não humanos devem ser observados não apenas para servirem os seres humanos, mas sobre uma perspetiva mais holística, considerando a evolução das espécies no planeta, em uma condição de interdependência da humanidade e de seres não humanos, tudo em assonância com a necessidade de preservação da vida com saúde e dignidade em todo planeta.

A partir disso, o problema a ser abordado nesse artigo é: Qual é o papel do Direito Penal na proteção dos direitos dos animais e a lei existente n° 9.605/98 é suficiente para prevenir práticas de crueldade?

Para responder o presente problema de pesquisa, definiu-se como objetivo geral relatar que a atual legislação, Lei 9.605/98, para proteção desses animais não é suficiente para prevenir práticas de crueldade, demonstrando a necessidade premente de uma proteção mais efetiva na esfera jurídica. Sendo essencial a análise crítica das omissões e brechas presentes no ordenamento jurídico brasileiro em relação aos animais.

Partindo disso, o presente trabalho tem como objetivos específicos: avaliar a ineficácia das sanções aplicadas contra aqueles que praticam maus-tratos, analisar a Teoria do Link como método de prevenção e repressão dos crimes contra os animais, bem como, explanar a senciência dos animais como requisito para a proteção e dignidade dos animais.

Seguindo uma linha de análise, este trabalho será dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo, faz-se uma breve análise da definição de crueldade contra os animais. 

No segundo capítulo, será analisado o conceito de senciência e dignidade animal, demonstrando o valor intrínseco desses seres que devem ser reconhecidos e respeitados.

No terceiro capítulo, será analisado a ineficácia das normas jurídicas na proteção dos animais, bem como a dificuldade do ordenamento jurídico brasileiro em proteger os animais contra os maus-tratos

No último capítulo, será analisado a Teoria do Link ou Teoria do Elo, que propõe uma ligação entre a violência perpetrada contra animais e a violência contra seres humanos, se mostrando relevante na prevenção de maus tratos, uma vez que reconhece a conexão entre esses comportamentos, permitindo intervenções mais eficazes na prática de futuros delitos.

Como se pode observar, a hipótese do presente trabalho considerou que  o reconhecimento e a proteção dos direitos dos animais são essenciais para a construção de uma sociedade mais ética e ecologicamente equilibrada, onde os animais sejam tratados com dignidade, respeito e que não se mostram meramente instrumentais aos seres humanos. A criminalização de condutas lesivas ou potencialmente lesivas ao meio ambiente representa etapa sobremaneira significativa na consolidação de proteção jurídica ecológica.

Isto posto, o assunto aqui discutido deve ser cobrado e promovido por toda a população, exigindo que as punições de maus-tratos contra animais sejam devidamente reforçadas e cumpridas, sendo levadas a sério pela sociedade.

Assim, em relação à metodologia utilizando o método dedutivo e descritivo, com base em fundamentos teóricos encontrados em pesquisas bibliográficas, como documentos públicos, livros, artigos científicos e dados da internet.

2  DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE CRUELDADE CONTRA OS ANIMAIS   

A convivência entre seres humanos e animais de estimação tem se estreitado significativamente nos últimos anos. Atualmente, muitos animais são vistos como parte integrante da família, recebendo cuidados especializados, como consultas veterinárias regulares, afeto constante, celebrações em datas especiais e uma alimentação adequada que prioriza sua saúde. No entanto, há uma parcela de animais que vive em condições menos favoráveis: alguns enfrentam tratamentos rígidos e privação emocional no ambiente familiar, enquanto outros são expostos a situações ainda mais extremas, como abandono e sofrimentos físicos ou psicológicos.

O conceito de crueldade contra os animais envolve práticas e ações que causam sofrimento, dor ou morte desnecessária a seres que, apesar de não humanos, possuem a capacidade de sentir dor e angústia. A crueldade pode manifestar-se de diversas formas, abrangendo não apenas o abuso físico direto, mas também a negligência e a privação de condições básicas de vida, como alimentação, abrigo e cuidados médicos.

A crueldade e os maus-tratos contra animais são uma questão de preocupação global e não se limitam a um problema regional ou isolado. A Declaração da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), sobre proteção aos animais, proclamada em 27 de janeiro de 1978 e assinada pelo Brasil e outros países, sugere que já existe um compromisso internacional formal de tratar essa questão com seriedade:

Artigo 1º: Todos os animais nascem iguais diante da vida, e têm o mesmo direito à existência.

Artigo 2º:

a)  Cada animal tem direito ao respeito.

b)  O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais, ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais.

c)  Cada animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem.

Artigo 3º:

a)  Nenhum animal será submetido a maus-tratos e a atos cruéis.

b)  Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor ou angústia.

Artigo 4º:

a)  Cada animal que pertence a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu ambiente natural terrestre, aéreo e aquático, e tem o direito de reproduzir-se.

b)  A privação da liberdade, ainda que para fins educativos, é contrária a este direito. Artigo 5º:

a) Cada animal pertencente a uma espécie, que vive habitualmente no ambiente do homem, tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e de liberdade que são próprias de sua espécie.

b)  Toda a modificação imposta pelo homem para fins mercantis é contrária a esse direito.

Artigo 6º:

a)  Cada animal que o homem escolher para companheiro tem o direito a uma duração de vida conforme sua longevidade natural

b)  O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.

Artigo 7º: Cada animal que trabalha tem o direito a uma razoável limitação do tempo e intensidade do trabalho, e a uma alimentação adequada e ao repouso. Artigo 8º:

a)  A experimentação animal, que implica em sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra.

b)  As técnicas substutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas

Artigo 9º: Nenhum animal deve ser criado para servir de alimentação, deve ser nutrido, alojado, transportado e abatido em que para ele tenha ansiedade ou dor.

Artigo 10º: Nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem. A exibição dos animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal.

Artigo 11º: O ato que leva à morte de um animal sem necessidade é um biocídio, ou seja, um crime contra a vida.

Artigo 12º:

a) Cada ato que leve à morte um grande número de animais selvagens é um genocídio, ou seja, um delito contra a espécie.

b) O aniquilamento e a destruição do meio ambiente natural levam ao genocídio.

Artigo 13º:

a)  O animal morto deve ser tratado com respeito.

b)  As cenas de violência de que os animais são vítimas devem ser proibidas no cinema e na televisão, a menos que tenham como fim mostrar um atentado aos direitos dos animais.

Artigo 14º:

a) As associações de proteção e de salvaguarda dos animais devem ser representadas a nível de governo.

b)  Os direitos dos animais devem ser defendidos por leis, como os direitos dos homens.

Essa declaração atua como uma diretriz ética e legal, estabelecendo que a proteção dos animais é um dever reconhecido mundialmente, o que coloca pressão sobre os países signatários, como o Brasil, para adotar e aplicar leis e políticas que combatam os maus-tratos e promovam o bem-estar animal.

Quando a Carta Magna de 1988 proíbe qualquer crueldade contra animais (artigo 225, § 1º, VII), destaca de forma implícita que esses seres possuem senciência, fato que gera um valor, qual seja, a dignidade animal. E como possuem dignidade própria, são sujeitos de direitos fundamentais e não meramente instrumentais em relação ao homem.

Na parte final do artigo 225, § 1º, VII, da CF, há menção do termo “crueldade”. Como o termo cruel carece de precisão conceitual, é difícil avaliar quais casos típicos dariam origem à aplicação das normas jurídicas. 

Ocasionalmente, é dispensável pesquisas em grande escala para que um caso específico seja entendido como ato de crueldade. Outras vezes, o significado pode ser compreendido pesquisando os elementos descritivos do termo. Em alguns casos, porém, o alcance de um número normativo só pode ser definido por avaliação objetiva e/ou subjetiva do intérprete e aplicador da norma.

Em termos filosóficos e éticos, o conceito de crueldade está intrinsecamente ligado ao reconhecimento dos direitos dos animais como seres sencientes, capazes de experienciar dor e sofrimento de maneira semelhante aos humanos. Teóricos como Peter Singer, autor de Libertação Animal, apontam que a crueldade contra os animais é um reflexo de uma ética antropocêntrica, que desconsidera o valor moral da vida animal, permitindo que os animais sejam explorados e maltratados em nome de interesses humanos. A não consideração dos interesses animais significa uma forma de discriminação, que é nomeada de especismo (SINGER,2010, p. 19-21).

No que diz respeito à palavra crueldade, em alguns casos é fácil determinar se um ato é cruel ou não sem ter que ponderar no significado do termo (ex.: farra do boi).

Desta forma, temos o artigo 32 da Lei 9.605/98 como intermediário de práticas cruéis. No caput menciona atos de abuso, maus-tratos, ferimentos e mutilações, todos esses comportamentos foram, e são considerados cruéis.

O referido artigo passou por alterações importantes desde sua criação, especialmente com a crescente conscientização sobre o bem-estar animal. O texto original previa “Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.”, sem especificações sobre os tipos de animais nem agravantes. 

Através da Lei nº 14.064/2020 houve alterações significativas para o artigo 32. Com a sanção dessa lei, a pena para casos de maus-tratos a cães e gatos foi substancialmente aumentada, passando a ser de reclusão de 2 a 5 anos, multa e proibição da guarda para os responsáveis pelo crime. Tal  modificação trouxe mais atenção ao tema, além de incentivar denúncias contra casos de maus-tratos.

Eis o entendimento de jurisprudências acerca do tema:

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE GOVERNADOR CELSO RAMOS – LEI No 542, DE 18 DE ABRIL DE 2007 – AUTORIZAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DA ‘BRINCADEIRA DO BOI’ – TRADIÇÃO AÇORIANA – CONFLITOS ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS – ACESSO À CULTURA – PROTEÇÃO E PRESERVAÇÃO À FAUNA E FLORA – CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – PREVALÊNCIA DA PROTEÇÃO AOS ANIMAIS – MANIFESTAÇÃO SÓCIO-CULTURAL POLÊMICA – VIOLAÇÃO AO ART. 182, III, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – CRUELDADES PRATICADAS CONTRA OS ANIMAIS BOVINOS – PADECIMENTO – VEDAÇÃO À REALIZAÇÃO DA ‘FARRA DO BOI’ PELA AFRONTA À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – LEI MUNICIPAL DECLARADA   INCONSTITUCIONAL PEDIDO PROCEDENTE (Relator Desembargador Wilson Augusto do Nascimento, julgamento em 29.06.2009, disponível em www.tjsc.jus.br) Acesso em 02 abr. 2024.

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. APELAÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO MEDIATO. CERCEAMENTO DE DEFESA. Não configuração. Interesse na produção de prova testemunhal. Hipótese em que o meio de prova não reúne aptidão e potencial para a esclarecer fato relevante e, com isso, contribuir na solução da matéria controvertida. A parte não demonstra a insuficiência dos documentos e da perícia. Inutilidade da prova oral. Prevalência do princípio da livre convicção motivada ou persuasão racional. Adequação e regularidade do ato processual. Nulidade não reconhecida. Motivação empregada pelo julgador considera os meios de prova produzidos possibilitam formar a convicção sobre a dinâmica e as circunstâncias do fato. A pretendida prova oral não serve para contrastar as informações prestadas pela perícia. Jurisprudência pacífica do STJ. Objeção rejeitada. SUSPEIÇÃO DO PERITO. Inocorrência. Reconhecimento de conduta da parte e seu assistente técnico para criar situação de suspeição do perito judicial. A indevida provocação caracteriza tentativa de desvirtuamento e retardamento da marcha processual, sem reunir potencial para configurar a suspeição. Inteligência do art. 156, §4º c. C. 145, §2º, I, do CPC. O relato no laudo pericial sobre a postura inadequada do assistente técnico e do advogado da apelante não determina a relação de inimizade. Inexistência de indícios de falta de isenção da prova pericial. Prevalência da aptidão e idoneidade da profissional para realização da perícia. Higidez do dever de imparcialidade para o exercício da função. Precedentes. RESPONSABILIDADE CIVIL. A causa de pedir descreve a repercussão moralmente danosa a partir da atuação de agentes do Município que realizaram a apreensão e tratamento inadequado dos cães, que foram removidos para o centro de zoonoses. Os meios de prova informam que a apreensão e remoção de 34 cães ocorreu durante a autuação em flagrante da autora pela prática do crime de maus tratos a animais, que foram transferidos para o Centro de Controle de Zoonoses do Município de Araçatuba. A prova produzida revela o ingresso na residência da autora ocorreu inicialmente pela polícia militar e pelo corpo de bombeiros, que prestaram socorro aos animais que estavam em risco, inalando fumaça de incêndio. Os agentes estatais constataram a precariedade da situação dos animais domésticos e acionaram os agentes do centro de zoonoses. Apreensão dos cachorros em razão da constatação do flagrante do crime de abuso de animais. Incidência do disposto no art. 32 c. C. Art. 25, §2º, da Lei nº 9.605/98. Não identificação de ilegalidade no ingresso dos agentes estatais à residência. Os policiais entraram na residência para prestar socorro e atuaram para cumprir dever funcional associado à situação de flagrante delito. A prova documental revela que a interação com a autora foi realizada apenas pela polícia militar. Ingresso na residência foi inicialmente pelos agentes do Estado, que não figura no polo passivo da relação processual. A atuação das servidoras municipais ficou restrita ao cumprimento do dever legal consistente na verificação das condições de saúde dos animais. A prova reúne aptidão para demonstrar a dinâmica dos fatos e conferir legitimidade para a adequada atuação das agentes municipais na apreensão dos animais. Não identificação de dano durante a custódia dos cães no centro de zoonoses. A prova técnica atesta a regularidade das condições de tratamento durante o período em que os cães ficaram abrigados no centro de zoonoses. Perícia registra a suficiência do espaço para a circulação dos cães, dispensação de tratamento veterinário, vacinação, vermifugação, coleira repelente contra o mosquito transmissor da leishmaniose visceral. Os cães que foram a óbito durante a estadia no centro de zoonoses apresentavam doenças pré-existentes. A prova documental e pericial comprova a legalidade da apreensão dos animais e legitimidade e adequação à atuação dos prepostos municipais. Ausência de qualquer prática lesiva a direito de personalidade da autora pelos agentes municipais. Competência do juízo criminal, que deferiu o depósito dos animais à Associação de Proteção e Defesa dos Animais de Araçatuba. APDA, para apreciação do pedido de restituição dos animais.

Manutenção da sentença. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (TJSP; Apelação Cível 1010689-24.2022.8.26.0032; Relator (a): José Maria Câmara Junior; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Público; Foro de Araçatuba – Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 11/09/2024; Data de Registro: 12/09/2024) (TJSP; AC 101068924.2022.8.26.0032; Araçatuba; Oitava Câmara de Direito Público; Rel. Des. José Maria Câmara Junior; Julg. 11/09/2024) Disponível em https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do) Acesso em 02 de Nov. 2024.

O desafio para as legislações e as sociedades contemporâneas é, além de tipificar com clareza os atos de crueldade, reconhecer os animais como sujeitos de direitos e garantir que suas necessidades e bem-estar sejam respeitados e protegidos. Assim, o conceito de crueldade contra os animais deve ser interpretado e expandido para incluir não apenas a violência física, mas também qualquer ato ou omissão que cause sofrimento evitável a esses seres, respeitando sua dignidade e seus direitos como criaturas sencientes.

3  SERES SENCIENTES E A DIGNIDADE ANIMAL

A concepção de senciência animal é um grande marco nas discussões sobre ética, legislação e proteção aos direitos dos animais. Seres sencientes são aqueles capazes de sentir dor, prazer, medo e outras diversas emoções, assim, são capazes de experimentar sofrimento e bem-estar de forma subjetiva. Dessa forma, ultrapassamos a ideia tradicional de que os animais são meros recursos ou propriedades humanas, introduzindo uma perspectiva que considera o valor intrínseco da vida animal e a dignidade dos seres vivos não-humanos. A dignidade animal, no contexto apresentado, se refere ao reconhecimento do direito dos animais a uma existência livre de crueldade.

Esse entendimento tem um papel fundamental na definição de políticas públicas de bem-estar animal, na imposição de restrições a práticas que exploram os animais, como também impulsiona movimentos de proteção que defendem, por exemplo, o fim de práticas industriais que geram sofrimento extremo, a regulamentação de experimentação animal e a promoção de alternativas que respeitem a vida animal.

O artigo 82 do Código Civil Brasileiro define como “bens” todas as coisas que podem ser objeto de direito, incluindo imóveis, móveis, e quaisquer elementos que possam ser apropriados. Tal definição levanta desafios éticos e legais à proteção animal, tendo em vista que não considera os animais como seres com direitos próprios, mas sim como propriedade humana, limitando o alcance das leis que protejam os animais. Assim, quando ocorre um caso de abuso, os argumentos de defesa frequentemente se apoiam na ausência de direitos subjetivos dos animais, dificultando a aplicação plena das sanções.

Devido à inadequação do artigo 82 para os princípios éticos e jurídicos atuais, alguns projetos de lei e propostas de alteração legislativa têm sugerido a reforma do Código Civil para que os animais sejam reconhecidos como “seres sencientes”. Esse tipo de reforma seria capaz de alinhar o Código Civil com outras legislações de proteção e reconhecimento da senciência animal, ampliando a proteção jurídica desses seres.

A dimensão dada pelo legislador para definir meio ambiente, através do artigo 3º, I, da Lei 6.938/81, lei que introduziu a Política Nacional do Meio Ambiente no Brasil, recepcionada pela Constituição Federal de 1988, já perfaz a necessidade de uma compreensão mais ampla, onde todos os seres vivos devam ser respeitados. E, com o advento da CF/88, seu artigo 225 dispôs sobre as obrigações do Poder Público em garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado, apresentando-se a necessidade de defender a fauna e flora e a proibição legal de ações que representem riscos e causem danos as suas funções ecológicas, que causem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

O Decreto nº 16.590/24 foi uma das primeiras leis no país tratando da proteção dos animais, que proibiu atividades causadoras de sofrimento, como as brigas de galo. Em 1943 veio o Decreto nº 24.645, que trouxe 31 atitudes consideradas maus-tratos (MÓL; VENANCIO, 2014, p. 21).

De um ponto de vista antropocêntrico, Immanuel Kant proporciona uma visão particular sobre a relação entre seres humanos e animais, defendendo que os seres humanos possuem obrigações indiretas com os animais, visto que a forma como tratamos esses seres refletem sobre a conduta moral dos seres humanos. Em sua visão, a crueldade contra os animais é uma expressão da falta de compaixão, empatia e respeito à vida, elementos que são fundamentais na formação de uma conduta moral íntegra. Assim, ao evitar atos cruéis contra os animais, os indivíduos fortalecem virtudes fundamentais, como a empatia e o respeito pela vida. 

O pensador iluminista François-Marie Arouet, mais conhecido pelo pseudônimo Voltaire, apresenta em sua obra “Dicionário Filosófico” uma coletânea de ideias ousadas e reflexões críticas sobre temas variados, como religião, política, moral e ciência. Publicado em um período de intenso questionamento social e intelectual, o “Dicionário Filosófico” de Voltaire desafia dogmas e tradições, oferecendo análises provocativas e argumentos racionais que buscam despertar nos leitores uma postura crítica e esclarecida frente ao mundo, entre elas:

A imbecilidade é afirmar que os animais são máquinas destituídas do conhecimento e de sentimentos, agindo sempre de igual modo, e que não aprendem nada, não se aperfeiçoam e daí por diante!

Talvez seja…Nesse caso, esse pardalzinho que constrói o ninho em semicírculo quando o prende a uma parede, que constrói num quarto de círculo quando o faz num ângulo e em círculo num ramo de árvore – faz sempre de maneira igual? O cão de caça amestrado, que ensinaste a obedecer-te durante três meses, porventura não estará sabendo mais ao término desse período do que sabia no início das lições? Dedicando-te a ensinar uma melodia a um canário, será que ele repete-a logo no mesmo instante? Por acaso não levarás um certo tempo até o animalzinho a decolar? Veja como ele se engana, com frequência, e só vai se corrigindo com o tempo?

Apenas por eu ser dotado de fala é que julgas que tenho sentimentos, memórias, ideias? Ora, nada te direi. No entanto, vês-me entrar em casa com um ar preocupado, aflito, andar a procurar um papel qualquer com nervosismo, abrir a secretária onde me recorda tê-lo guardando, encontrá-lo afinal, lê-lo jubilosamente. Imaginas que passei de um sentimento de aflição para outro de prazer, que sou possuidor de memória e conhecimento.

Agora, pegue esse teu raciocínio, por comparação, e transfere para aquele cão que se perdeu do dono, que entra em casa, agitado, inquieto, que desce, percorrer as casas, umas após outras, até que acaba, finalmente, por encontrar o dono de que tanto gosta no gabinete dele e ali manifesta a sua alegria pela ternura dos latidos, em pródigas carícias. Esse animal, que excede o homem em sentimentos de amizade é pego por algumas criaturas bárbaras, que pregam-no numa mesa, dissecam-no vivo ainda para demonstrar as veias mesentéricas. No corpo deste animal encontras todos os órgãos das sensações que também existem em ti. Acaso ainda atreve-te a argumentar, se fores capaz, que a natureza colocou todos estes instrumentos do sentimento no animal para que ele não possa sentir? Dispõe de nervos para manter-se impassível? Será que não te ocorre ser por demais impertinente essa contradição da natureza?

Como se pode observar, o reconhecimento e a proteção dos direitos dos animais são essenciais para a construção de uma sociedade mais ética e ecologicamente equilibrada, onde os animais sejam tratados com dignidade, respeito e que não se mostram meramente instrumentais aos seres humanos. A criminalização de condutas lesivas ou potencialmente lesivas ao meio ambiente representa etapa sobremaneira significativa na consolidação de proteção jurídica ecológica (SARLET; FENSTERSEIFER, 2021, p. 161).

4  INEFICÁCIA DAS NORMAS JURÍDICAS NA PROTEÇÃO DOS ANIMAIS

O Direito Penal deve ser entendido como ultima ratio, devendo intervir somente quando outros ramos do Direito não se mostrarem capazes de proteger os bens, sua intervenção deve ser mínima. 

Assim, é visto que a grande dificuldade do ordenamento jurídico brasileiro em proteger os animais contra os maus-tratos, a desumanidade e perversidade, se encontra no fato de que as leis e dispositivos legais se esbarram em adversidades na forma de aplicar e fiscalizar essas normas.

 A luta na defesa do meio ambiente tem encontrado no direito penal um de seus mais significativos instrumentos. Muitas são as hipóteses em que as sanções administrativas ou civis não se mostram suficientes para a repressão das agressões contra o meio ambiente. O estigma de um processo penal gera efeitos que as demais formas de repressão não alcançam (FREITAS, 2012).

Apenas em 1998, com a promulgação da Lei de Crimes Ambientais, os atos de maus-tratos contra animais deixaram de ser considerados simples contravenções penais e passaram a ser classificados como crimes, representando um marco legal significativo no combate a essas práticas.

Essa lei trouxe um avanço significativo para a luta de proteção aos animais, sendo um marco legal no combate aos maus-tratos. Entretanto, os crimes previstos no artigo 32 da lei 9.605/98 são de menor potencial ofensivo, ou seja, seguirá o rito do Juizado Especial Criminal (JeCrim), onde nele cabe transação penal, o que limita a aplicação de penalidades mais rigorosas, pois possui duas espécies: multa e restritiva de direitos. Sem medidas efetivas que possam coibir e punir adequadamente os responsáveis.

Adicionalmente, a aplicação de penas alternativas, como prestação de serviços à comunidade, muitas vezes não corresponde à gravidade dos atos cometidos. Isso resulta em uma resposta penal que não é proporcional ao sofrimento imposto aos animais e à lesão de seus direitos. A ausência de uma política punitiva efetiva também enfraquece a percepção social da importância de proteger os animais contra abusos e maus-tratos, perpetuando a ideia de que esses crimes são “menores” ou menos relevantes.

Desta forma, aqueles que praticam crimes desta natureza tem a certeza da impunidade e até contribuem para a banalização dos crimes cometidos contra os animais.

Outro fator que contribui para a ineficácia da Lei 9.605/98 é a falta de estrutura e especialização das autoridades responsáveis pela investigação e punição desses crimes. Muitas vezes, as delegacias não possuem departamentos especializados para tratar de crimes contra animais, resultando em investigações superficiais e baixa prioridade nos processos. A subnotificação de casos também é comum, dado o contexto cultural em que os direitos dos animais não são adequadamente reconhecidos e respeitados por parte da sociedade.

De acordo com dados do IPB Instituto (Instituto Pet Brasil) entre os anos de 2018 para 2020, os números de animais em condições vulneráveis subiram de 3,9 milhões para 8,8 milhões. Em uma pesquisa realizada em março do ano de 2022 em São Paulo mostrou que o número de animais em condições de vulnerabilidade dobrou entre os anos de 2018 a 2020, resultado da pesquisa ACV (Animais em Condição de Vulnerabilidade), realizada a cada dois anos pelo IPB (Instituto Pet Brasil).

Cerca de 400 ONG’s foram consultadas para a realizar a pesquisa pelo IPB (Instituto Pet Brasil) e estimou que cerca de 60% desses animais foram vítimas de maus-tratos e 40% foram encontrados em situação de abandono (Instituto Pet Brasil, 2022).

Com base nesses dados, é fundamental aceder que os animais não humanos merecem atenção, dignidade, respeito e consideração moral. Todavia, a legislação atual muitas vezes não os contempla adequadamente, deixando lacunas que possibilitam práticas abusivas e cruéis sem as devidas sanções.

Necessitando para a quebra do ciclo da violência e impunidade, a tipificação de novos crimes, leis que estabelecem penas mais severas e a devida punição para aqueles que as infrinjam. E isso requer o investimento que garante que as autoridades competentes para isso tenham recursos, sejam especificamente capacitados e trabalhem para órgãos fortalecidos.

A elevação das penas garantirá um caráter dissuasório mais forte quanto a melhoria das práticas de fiscalização e aplicação da lei. Sem essas mudanças estruturais, a proteção dos animais no Brasil continuará sendo insuficiente, e o ciclo de violência e impunidade persistirá.

Em uma comparação internacional, a Sociedade Britânica pela Prevenção da Crueldade Contra Animais (RSPCA) estabelecida em 1824, e a Sociedade Americana pela Prevenção da Crueldades aos Animais (ASPCA) fundada em 1866, que tem mais de 1 milhão de adeptos, são organizações que possuem autoridade legal para investigar e efetuar prisões por crimes contra animais, por meio de condutas nãoviolentas. Além disso, a atuação da RSPCA e da ASPCA destaca a importância da educação e conscientização da população. Ambas as organizações realizam campanhas educativas e programas de treinamento que visam prevenir a crueldade e promover o bem-estar animal.

A “Animal Welfare Act 2006” no Reino Unido prevê penas mais rígidas para quem pratica crueldade contra animais, incluindo até cinco anos de prisão e a proibição permanente de posse de animais em casos graves de maus-tratos. A criação de um quadro legal robusto, que inclui a capacitação das autoridades para fiscalizar e investigar casos de maus-tratos, fortalece a capacidade de resposta do sistema judicial. Essa ação preventiva é crucial, especialmente em contextos onde o abuso animal pode estar ligado a outras formas de violência, como evidenciado pela Teoria do Link.

Estabelecendo um padrão elevado para o tratamento de animais no Reino Unido, e servindo como um exemplo para outros países, como o Brasil, para incentivar o desenvolvimento de legislações mais eficazes e abrangentes para a proteção dos direitos dos animais. 

Em 2002 Alemanha inseriu o bem-estar animal em sua Constituição, chamada de Lei Fundamental ou Grundgesetz, tornando-se um dos primeiros países a elevar a proteção animal ao status de direito constitucional. O §20a da Lei Fundamental estabelece a responsabilidade do Estado em proteger “animais e o meio ambiente no interesse das gerações futuras”. A inclusão de um artigo constitucional que aborda especificamente o bem-estar animal também pode servir como um fundamento jurídico para a criação e a implementação de leis que proíbam práticas cruéis e que promovam a educação e a conscientização sobre os direitos dos animais. 

Somente um real comprometimento poderá promover uma mudança que seja significativa na proteção dos animais tão marginalizados no ordenamento jurídico brasileiro

5 TEORIA DO LINK/ELO E SUA RELAÇÃO COM OS MAUS-TRATOS A ANIMAIS

A Teoria do Link/Elo, também conhecida como Link Theory, tem sido amplamente estudada nas áreas de criminologia e psicologia, estabelecendo uma conexão direta entre a crueldade contra os animais e outras formas de violência. 

A crueldade com os animais e a violência contra as pessoas têm algo em comum: ambos os tipos de vítimas são seres vivos, sentem dor, sofrem angústia e podem morrer devido aos ferimentos (ROGUSKI, 2012).

Link significa ligação, de modo que essa teoria busca interligar os maus tratos aos animais com a violência doméstica e contra as pessoas no geral. Tal teoria, busca evidenciar o preditivo de que o agressor também pode ocasionar violência às pessoas.

Assim, a crueldade contra os animais pode ser vista como um indicativo ou “elo” de um padrão mais amplo de comportamento agressivo e antissocial.

Pesquisas apontam que crianças expostas a violência no ambiente familiar, seja ela moral, física ou sexual, têm maior tendência a manifestar comportamentos violentos contra animais ainda na infância e, posteriormente, a desenvolver atitudes agressivas tanto em relação aos animais quanto a outras pessoas na fase adulta. Esse padrão é especialmente comum quando não há intervenções educativas ou corretivas nesse período. Estudos realizados em adultos indicam, ainda, uma correlação estatisticamente relevante entre prisões por abuso sexual contra animais e detenções por abuso sexual contra seres humanos, em especial quando as vítimas são menores de idade.

Os estudos que relacionam os maus-tratos aos animais a violência contra pessoas, iniciaram-se com os trabalhos de John Marshall Macdonald (1963 apud SOARES, 2018), pesquisador que descreveu a chamada Tríade do Sociopata ou Tríade Macdonald em sua obra A Ameaça de matar. O autor analisou 100 pacientes adultos, condenados por homicídio, do Hospital Colorado de Psiquiatria, em Denver, nos Estados Unidos. Ao avaliá-los, percebeu três comportamentos comuns, à maioria deles na infância e adolescência: enurese persistente, atos incendiários frequentes e crueldade contra os animais (NASSARO, 2013).

A Teoria do Link/Elo também examina a ligação entre a crueldade infantil contra animais e o desenvolvimento de comportamentos criminosos na vida adulta. Pesquisadores identificaram que crianças que abusam de animais estão mais propensas a exibir comportamentos violentos à medida que crescem, possivelmente devido à falta de empatia e à desvalorização da vida. Esse tipo de comportamento, muitas vezes, é um sinal de alerta para o desenvolvimento de transtornos de conduta ou distúrbios psicossociais que, se não tratados, podem evoluir para formas mais graves de violência.

Além disso, essa teoria tem impulsionado a criação de programas educacionais e de reabilitação para infratores. Ao identificar a crueldade contra os animais como um comportamento que pode estar relacionado a distúrbios psicológicos ou sociais, as políticas públicas podem ser direcionadas para o tratamento de raiz dessas tendências violentas, seja por meio de programas terapêuticos ou através da conscientização social sobre a importância do respeito aos animais como seres sencientes.

Assim, é possível analisar que os indivíduos que cometem maus-tratos contra animais tendem a desenvolver insensibilidade à violência e a apresentar uma baixa capacidade de empatia pelas vítimas. Diante disso, compreender os métodos, motivações e o estado psicológico das pessoas que cometem crueldades contra animais pode fornecer aos tribunais e aos profissionais de saúde mental instrumentos adicionais para avaliar a gravidade desses crimes e os potenciais riscos que os agressores representam para outros seres e para a sociedade em geral.

Esse entendimento de que o abuso de animais pode estar associado à violência doméstica, ao abuso infantil e ao abuso de idosos fornece às autoridades uma ferramenta relevante para combater a criminalidade. Tal reconhecimento contribui para criar um ambiente mais seguro e saudável, permitindo a aplicação de programas de combate à violência de forma mais eficaz e abrangente.

Numa análise sobre o contexto de maus-tratos, a Teoria do Link tem o impacto de incentivar medidas de proteção pública, assim, iniciativas baseadas nessa teoria visam não apenas proteger os animais, mas também promover ações interinstitucionais entre as áreas de proteção animal, social e de segurança, tratando a violência como um problema multifacetado.

A crueldade contra os animais, foi caracterizada como um indicativo de uma possível psicopatia. Isto pois, todos aqueles que executam atos de maus-tratos ou atentem contra a vida dos animais, são aptos a atentar contra o ser humano. 

É um problema crescente em que os agressores começam com coisas que podem facilmente controlar e vão progredindo. Uma pessoa que só se sente poderosa e no controle quando inflige dor ou morte está propensa a continuar mantendo esse sentimento cometendo atos mais hediondos.

No contexto brasileiro, a Lei 9.605/98 classifica o abuso animal como crime de menor potencial ofensivo, sendo fundamental a interpretação dessa teoria para uma maior conscientização sobre os crimes contra animais. Visto que essa teoria surge como uma facilitadora para a atribuição de responsabilidade em casos de danos ambientais e contra animais, possibilitando a responsabilização tanto de quem pratica o dano direto, quanto de forma indireta, por meio de terceiros.

Compreende-se com o abordado na Teoria, que a devida punição dos agressores de animais, serve como uma prevenção de crimes futuros e repressão de tais condutas, efetivando um dos principais objetivos do Direito Penal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa sobre a questão dos maus-tratos aos animais no Brasil demonstrou que essa é uma realidade social, que precisa ser amplamente conhecida e discutida pela população, com o objetivo de transformar o panorama atual. 

Em suma, no primeiro capítulo, foi realizada uma análise do conceito de crueldade contra animais, demonstrando que a crueldade animal abrange práticas intencionais de abuso, negligência e violência, e exige uma regulamentação mais rigorosa e uma interpretação uniforme para que a aplicação da lei possa ser efetiva. A falta de clareza em torno do conceito de crueldade resulta em interpretações subjetivas que limitam a responsabilização adequada dos agressores, criando, na prática, um obstáculo ao combate de abusos. Nesse contexto, uma definição jurídica mais rigorosa e abrangente de crueldade contra animais é essencial para que as normas brasileiras atinjam seu objetivo de proteger efetivamente esses seres e prevenir a reincidência de tais atos violentos.

Assim, no segundo capítulo, conclui-se que, que os animais são seres sencientes, e a dignidade animal deveria ser considerada central nas práticas de combate aos maus-tratos, uma vez que essa sensciência implica a capacidade de experimentar sofrimento, dor e prazer. A legislação brasileira, no entanto, ainda precisa adaptar-se a essa perspectiva, demandando uma reavaliação da classificação jurídica dos animais no ordenamento brasileiro, a fim de que sejam reconhecidos como seres sencientes, e não apenas tratados como objetos.

Por derradeiro, no terceiro capítulo, foi realizada uma exploração da legislação brasileira, constatando que as normas vigentes, apesar de preverem a punição para crimes de maus-tratos, apresentam grande ineficácia na prática, em parte devido ao fato de que tais crimes são tipificados como de menor potencial ofensivo, visto que as penas são consideradas leves e não geram os efeitos desejados. Essa classificação limita as punições e cria uma sensação de impunidade, enfraquecendo os efeitos dissuasórios da lei e contribuindo para a recorrência desses crimes.

Por final, no último capítulo, é debatido a importância da Teoria do Link/Elo para a legislação brasileira no combate aos crimes contra animais, pois destaca a correlação entre esse tipo de violência e outras formas de violência interpessoal, como violência doméstica e abuso infantil. Tendo em vista que, reconhecer a relação entre esses comportamentos violentos é fundamental para que políticas públicas possam tratar o problema de maneira integrada, promovendo um ambiente de segurança não apenas para os animais, mas para toda a sociedade.

Os objetivos foram alcançados com sucesso: foi explanado que a atual legislação, sobretudo a Lei 9.605/98, não é suficiente para a prevenir as práticas de crueldade contra os animais, sendo demonstrado por meio dos dados levantados e por meio da Teoria do Link a necessidade de uma proteção mais efetiva, visando a repressão e prevenção de crimes futuros, bem como foi relatado que a senciência é um dos fundamentos principais para a defesa dos animais, levando em consideração  a dignidade animal.

As hipóteses foram confirmadas. Pelo que foi demonstrado nesse artigo ficou claro que o direito penal brasileiro assegura de mecanismos para coibir a violência contra os animais. Todavia, a constitucionalização da proteção aos animais, especialmente a proibição de maus-tratos, indica que há necessidade de leis mais severas para a proteção animal, e somente com uma aplicação adequada das leis e com um fortalecimento interinstitucional para a aplicação destas, é que podemos garantir a proteção jurídica ecológica.

REFERÊNCIAS

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1 Acadêmica de Direito. E-mail: annaluiza1903@hotmail.com. Artigo apresentado a Faculdade UNISAPIENS, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO,2024.
2 Acadêmica de Direito. E-mail: ana.dias@faculdadesapiens.edu.br.Artigo apresentado a Faculdade UNISAPIENS, como requisito para obtenção do título de Bacharel de Direito, Porto Velho,2024.
3Professora Orientadora. Doutora em Ciências Jurídicas DINTER entre FCR e Univali. Mestre em Direito Ambiental pela UNIVEM/SP. Especialista em Direito Militar pela Verbo Juridico-Rj. Professora do curso de Direito. E-mail: Andreia.almeida@gruposapiens.com.br.