REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202506172116
Henrique Bernardes Alves
Orientador: Prof. Michael Jhonathan Rodrigues
Resumo
O presente artigo aborda os impactos causados pela violência doméstica na esfera da vítima, destacando sua relação com a cultura machista e estrutura arcaica presente na sociedade brasileira. Trazendo à tona as formas mais relatadas de violência desferidas e a posição do Estado em relação a tal crime.
Enfatizando o meio mais acessível e eficaz no combate a tal violência, a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) que apesar de sua triste história de criação, hoje representa uma vitória a todas as mulheres que sofrem algum tipo de agressão no âmbito familiar. Bem como, trouxe dados recentes dos índices de violência registrados e de denúncias realizadas, que crescem cada vez mais a cada ano.
E, por fim foram abordados todas as forma de violência que podem ou não ocorrer dentro do âmbito doméstico e os impactos mais relatados pelas vítimas em caráter singular de modo a explicar como cada um tem o efeito na vida da vítima.
Palavras-chave: violência doméstica; impactos psicossociais; Lei Maria da Penha; machismo; justiça; vítima; Direitos Humanos.
Abstract
This article addresses the impacts caused by domestic violence on the victim, highlighting its relationship with the machista culture and the archaic structure present in Brazilian society. It brings to light the most related forms of deferred violence and the position of the State in relation to such crime.
It emphasizes the most accessible and effective means of combating violence, Law 11.340/2006 (Maria da Penha Law), which despite its sad history of creation, today represents a victory for all women who suffer some type of aggression within the family. In addition, we brought recent data on rates of registered violence and complaints made, which increase more and more each year.
Finally, we involved all forms of violence that may or may not occur within the domestic sphere and the impacts most reported by victims on a singular basis in order to explain how each one has an effect on the victim’s life.
Keywords: domestic violence; psychosocial impacts; Maria da Penha Law; machismo; justice; victim; Human Rights.
1. Introdução
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), violência são atos desferidos mediante uso de força física, com intenção de causar dor, sofrimento ou até mesmo morte da vítima. Importante ressaltar que, atos incidentais que causem lesões não intencionais, não são considerados atos de violência. Ampliando o entendimento do que é um ato violento tem-se o termo “poder” que, complementa o “uso da força física”, o que engloba situações que surgem a partir de relações de poder como ameaças ou intimidações1.
Violência doméstica, segundo a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), trata-se de qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial2. O Brasil tem raízes históricas e profundas, remontando ao período colonial e às estruturas patriarcais, onde o homem ocupava o lugar de autoridade máxima, enquanto mulheres, crianças e até mesmo idosos, eram vistos como subordinados. Sob diversas formas e intensidades, tal violência é recorrente, motivando graves violações de direitos humanos.
Um marco contra a violência doméstica no Brasil foi a promulgação da Lei nº 11.340/2006, (Lei Maria da Penha). Que se deu como forma de reparação pelos anos de omissão do Estado pela impunidade do agressor de Maria da Penha Maia Fernandes. Além de representar um acesso para as vítimas denunciarem seus ofensores e, garantir o cumprimento e desenvolvimento da referida lei.
Em pleno século XXI, com toda tecnologia e acesso à informação a cultura machista ainda se encontra presente nos lares brasileiros e, trazendo à tona a desigualdade de gênero e a imagem da mulher como sexo frágil e, consequentemente a violência contra sua pessoa.
Em análise à 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher3, tem-se que em média 30% das mulheres já foram vítimas de algum tipo de violência e, geralmente praticada por um homem. Nesse contexto, cerca de 68% das mulheres entrevistadas, alegam conhecer outras mulheres que já foram ou mesmo são vítimas de agressão.
1.1. Violência contra mulher
Quando se fala em violência, há diversas modalidades e formas que a constituem, dentre elas tem-se uma peculiar modalidade, a violência contra mulher. Tal termo vai além da violência física, podendo ser de cunho psicológico, sexual, patrimonial e moral, ou seja, trata-se de qualquer ato ou manifestação que resulte em humilhar, causar sofrimento, lesão ou a morte da vítima.
A violência física sendo a mais comum e conhecida por toda a sociedade, é a forma mais de violência mais fácil de ser identificada, sendo aquela onde há presença de atos lesivos como tapas, murros, empurrões, caracterizada independente do uso de armas brancas. A violência psicológica apesar de não causar lesões aparentes no corpo, é aquela que ofende a autoestima da vítima, por meio de afrontas às suas crenças, humilhações, chantagens ou outros meios de manipulação.
A violência sexual trata-se de qualquer atividade realizada por seu (sua) parceiro(a) sem o consentimento da outra parte, incluindo até mesmo o assédio sexual. Diante dessa forma de violência, podem ocorrer danos como a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis (DST) ou uma gravidez indesejada, ocasionando assim, um convívio forçado da vítima com seu agressor. A violência patrimonial é todo e qualquer ato que destrua ou danifique objetos, bens ou mesmo recursos econômicos da vítima, como, por exemplo, quando o ofensor quebra o telefone celular da vítima, impedindo-a de contatar familiares e afins.
Violência moral é aquela onde a ofensa atenta contra a reputação da vítima, como imputações falsas ou críticas. Ou seja, a conduta do ofensor se enquadra nos crimes contra a honra, sendo eles: calúnia, injúria ou difamação, previstos nos artigos 138 a 140 do Código Penal brasileiro. Vale ressaltar que, a consumação de tal forma de violência também pode se dar mediante redes sócias ou qualquer outro meio eletrônico.
Diante o exposto, percebe-se que são diversas as formas de violência contra a mulher, as quais podem variar de pequenas lesões a graves ferimentos com risco de morte. Além das doenças sexualmente transmissíveis ou até mesmo uma gravidez indesejada, que podem se desenvolver. Sendo a última mais preocupante, haja vista que pode ocasionar uma convivência da vítima com o autor do fato. Aliados aos riscos físicos citados estão os riscos psicológicos da vítima que afetam o modo de viver e de se comportar, desencadeando doenças como a depressão. Onde o estado emocional da vítima é afetado, prejudicando a qualidade de vida, relacionamentos, carreiras e o próprio cuidado com a saúde. E, nos casos mais graves, o autoextermínio.
No último ano o índice de violência contra a mulher aumentou de forma significativa no Brasil, aumentando também a percepção da população em considerar o país machista, tendo em vista a constante violação dos direitos humanos. De forma a conter esse avanço da violência, tem-se dispositivos legais que resguardam os direitos da mulher e que vem se aprimorando constantemente.
Tais dispositivos legais citados anteriormente, se mostram presentes na Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. O qual tem por objetivo proteger as vítimas de violência doméstica, sua criação se deu por diversas agressões e tentativas de homicídio que Maria da Penha Maia Fernandes sofreu de seu marido e, que, inconformada com a falta de proteção por parte do Estado, levou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), resultando na criação de uma lei para proteção das mulheres vítimas da violência doméstica4. Apesar de todas as ofensas desferidas contra Maria da Penha Fernandes, seu amásio foi condenado após 19 anos de julgamento e, permaneceu 2 anos recolhido no regime fechado.
A violência contra a mulher é reconhecida como uma questão de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde (OMS), além de ser uma grave violação dos direitos humanos. De modo a garantir a efetiva aplicação da lei, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atua de forma ativa para divulgar e difundir a legislação entre a população, facilitando o acesso à justiça.
Apesar de presente na atualidade, a violência doméstica é uma herança do patriarcado que reflete a desigualdade de gênero de modo que a mulher é inferior ao homem e, que este tem poder sobre a mesma. E, apesar da facilidade que a tecnologia oferece nos dias atuais, muitas vítimas não sabem a quem recorrer e acabam entrando no ciclo vicioso de violência.
2. Metodologia
Foi realizada uma revisão de literatura narrativa, incluindo textos e artigos científicos, consultas na plataforma do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), Instituto Maria da Penha (IMP) e Organização das Nações Unidas (ONU), colhendo informações referentes à violência doméstica no país nos últimos anos e obtendo índices de vítimas e relatos de violência sofrida. A pesquisa dos artigos foi realizada utilizando plataformas como o Google Acadêmico, Scielo.
Como critério de inclusão, foram englobados materiais que retratam a violência doméstica contra a mulher a nível nacional, demonstrando as formas e critérios que desencadearam tal ato, índices e estatísticas de tal agressão, bem como, artigos, monografias, capítulos de livros, que descrevem os impactos e consequências emocionais, psicológicas e dependências que tal ato pode causar. Os critérios de exclusão foram textos não científicos, artigos incompletos ou mesmo não referenciados e, que não tinham relação com o tema abordado.
3. Resultados e discussão
3.1. Índices de Violência Doméstica
Quando se trata de violência doméstica, há duas questões a serem consideradas, são elas:
Em primeiro plano é sobre a percepção da vítima de uma possível violência. Em segundo plano a vivência da vítima com a violência, quando se trata de algo recorrente e diário a vítima pode se acostumar com a forma que é tratada por seu companheiro e não consegue visualizar que seu comportamento se trata de uma forma de violência. Tais casos devem ser analisados, visto que questões como dependências ou traumas podem contribuir para continua convivência. Tem-se por base hoje que cerca de 61% das mulheres agredidas nos últimos 12 meses não notificaram as autoridades policiais.
Segundo a 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, 46% das mulheres entrevistadas afirmam que não são tratadas com o devido respeito e, locais como o trabalho e seus lares são os principais locais que tal desrespeito ocorre. O que aumenta ainda mais a percepção feminina de um país machista5.
Em análise ao infográfico abaixo sobre os registros de violência praticada contra as mulheres, houve preeminência das ameaças. Com o mundo cada vez mais conectado, formas de violência como o stalking, também tendem a aumentar, bem como, o mesmo indicou o maior crescimento dentre todas as formas de violência. Outras formas de violência também cresceram de forma considerável, como a tentativa de feminicídios e a violência psicológica. Mas, ainda assim, ameaças e agressões decorrentes de violência doméstica estão entre as mais recorrentes e praticadas.

Considerando os dados de 2024 foram deferidas um total de 540.255 medidas protetivas de urgência, o que representa um crescimento de 26,7% em relação ao ano anterior. Em relação aos casos de feminicídios, apresentaram um aumento de 0,8% no ano de 2024, resultando em 1.467 vítimas e, em sua maioria assassinadas por seus ex-parceiros6.
Apesar do crescente índice de relatos de violência doméstica no Brasil, estima-se que apenas 24% das brasileiras conhecem muito bem a lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). O desconhecimento da Lei resulta em agressões não denunciadas ou mesmo não percebidas ocasionam a subnotificação, ou seja, agressões não denunciadas e, portanto, não tratadas.
Fatores como o medo do agressor, falta de punição e a dependência financeira são as principais razões pela qual as vítimas não denunciam as agressões sofridas, o que contribui para um recorrente ciclo de violência7.
Mulheres em idade reprodutiva e produtiva, ou seja, entre 20 e 29 anos, com baixo grau de escolaridade são mais suscetíveis a sofrerem violência doméstica, os motivos mais frequentes que desencadeiam as agressões são o ciúme de seu parceiro, visto se tratar de jovens mulheres e a busca pela independência financeira. Com isso, tornam-se mais vulneráveis as agressões8.
3.2. Os impactos psicossociais na esfera da vítima
Vítimas de violência doméstica podem apresentar diversos problemas tanto de saúde quanto mentais. Em geral, doenças como depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e ideações suicidas, são as mais comuns. Tais problemas são desencadeados pelas agressões sofridas, estes que, podem se estender por vários períodos e, até mesmo após o término do relacionamento com o agressor.
Os impactos causados pelas agressões variam de pessoa pra pessoa, mas seus efeitos podem ser devastadores, visto que afetam gravemente a autoestima e autoconfiança, o que desenvolve um ciclo de autocrítica e insegurança, levando-as a sentirem vergonha de si mesma, culpa pelo ocorrido e o isolamento social, o que resulta na dificuldade em procurar ajuda necessária. Além de impactar negativamente a vida pessoal, profissional e acadêmica da vítima.
Brito et al. (2020), relatou os seguintes sintomas a possível presença de transtornos mentais em mulheres vítimas de violência doméstica, com idades entre 30 e 50 anos, foram-lhe relatados os seguintes sintomas:
Medo fácil (70%): grande parte das mulheres participantes alegaram que sentem medo com mais facilidade, o que reflete às experiências que conviveu, ou seja, experiências traumáticas de violência.
Sentimento de infelicidade (66,7%): a sensação de infelicidade faz-se presente no cotidiano das vítimas, o que pode ser relacionado a doenças como depressão e ansiedade.
Chorar frequentemente (56%): o choro frequente das vítimas, além de indicar os sinais de tristeza profunda, também reflete o medo constante que vivem.
Nervosismo, tensão e preocupação (86%): abrangendo quase todos os casos temos o nervosismo, tensão e preocupação, onde agem diretamente no psicológico da vítima afetando sua vida cotidiana e sendo gatilho para o desenvolvimento de transtornos de ansiedade e depressão9.
Outro ponto importante é que ambas as vítimas alegaram que sofreram violência psicológica em seu relacionamento, afetando-as negativamente em seu bem-estar. Dito isso, é evidente que as vítimas de violência doméstica enfrentam sérios desafios emocionais e psicológicos, frequentemente relacionados à agressão que sofreram em seus relacionamentos.
O transtorno de estresse pós-traumático trata-se de um transtorno mental que pode se desenvolver após a vítima sofrer um evento traumático, como a violência doméstica. E, nesse caso pode levar a problemas como síndrome do pânico, fobia social ou transtornos como o obsessivo compulsivo ou mesmo a ansiedade generalizada10.
A depressão trata-se de um transtorno mental frequente que atinge cerca de 264 milhões de pessoas no mundo. Sendo a principal causa de incapacidade, além de contribui de maneira significativa para a carga global de doenças. Pois tal doença afeta o psicológico dos indivíduos causando tristeza profunda, baixa autoestima e pessimismo, podendo aparecer de forma isolada ou conjunta. A depressão provoca ainda ausência de prazer nas atividades cotidianas, além da oscilação de humor e pensamentos que podem culminar em comportamentos e atos suicidas11.
A violência doméstica pode ser um gatilho para o desenvolvimento de doenças psicológicas, uma vez que a constante agressão física ou psicológica, desenvolvem nas vítimas a sensação de impotência, medo, além da intensificação de sentimentos de tristeza e falta de sentido na vida. A prevalência de tais doenças é mais comum entre mulheres, o que pode ser atribuído a fatores como classe social, discriminação de gênero ou até mesmo exposição diferencial a violência12.
As consequências da violência doméstica são diversas, estas que normalmente afetam não apenas as vítimas, mas também seus filhos, parentes, família e até mesmo a sociedade em geral devido à transgeracionalidade da violência. As marcas deixadas pelo ato podem deixar marcas permanentes nas vítimas, afetando a saúde emocional, mental e as relações sociais. Se tratando das consequências nos filhos do casal, a mesma pode afetar tanto seu desempenho escolar e social, quanto pode desenvolver na criança a agressividade, se tornando assim um ciclo vicioso de violência entre as gerações13.
3.3. Ciclo de violência
Dentre as diversas formas da violência contra mulher, dentro de um contexto conjugal as agressões ocorrem seguindo um ciclo composto por três fases são elas: aumento da tensão, ato de violência e arrependimento e comportamento carinhoso.
Na primeira fase do ciclo, o agressor se mostra furioso, tenso e irritado por coisas banais, enquanto a vítima tenta acalmá-lo, porém, sem sucesso. Nesta fase, a mulher se sente culpada pelo comportamento de seu companheiro e, tenta achar uma “desculpa” para justificar a ação do mesmo. Ofensas verbais, ameaças ou quebra de objetos domésticos são comuns nesta fase.
Na segunda fase toda a tensão acumulada do ofensor é materializada, resultando em violência verbal, física, psicológica, moral e até mesmo patrimonial. No momento a reação da vítima é de paralisia, onde a mesma se sente impotente e frágil, levando-a sofrer uma espécie de tensão psicológica e medo, onde problemas como insônia, exaustão, emagrecimento e problemas emocionais se encontram presentes. Esta fase é o ápice da violência, o que leva algumas mulheres a pedirem ajuda para se mudar de endereço, término do relacionamento ou nos piores casos o autoextermínio.
A terceira fase também chamada de “Lua de Mel” trata-se da fase mais perigosa, uma vez que o agressor demonstra arrependimento do que fez e torna-se amável para conseguir reatar a relação com sua companheira, mediante promessas de mudanças e recompensas para a vítima. A mulher se sente pressionada e confusa para manter o relacionamento principalmente quando há filhos em comum. Posteriormente há momentos de calma do ofensor, o que leva a vítima a se sentir feliz, acreditando que as promessas de seu amásio eram verdadeiras e que novas agressões não acontecerão. Por fim, o ofensor manipula a vítima fazendo-a se sentir culpada pelo que aconteceu e que suas ações desencadearam as agressões, tornando-a emocionalmente dependente, e o ciclo de violência recomeça14.
Frequentemente as vítimas não conseguem sair desse ciclo sozinhas, pois os vínculos patológicos se tornam mais fortes a cada reconciliação. Diversos motivos “seguram” a vítima nesse ciclo, seja por acreditar nesse falso amor e acreditar na mudança prometida, dependências econômicas ou emocionais e até mesmo por temer por sua vida, visto que algumas sofrem ameaças de morte no caso de separação. E, em alguns casos, não se consideram vítimas de violência, como nem sempre as agressões são físicas, acabam passando despercebido ou mesmo são aceitas pela vítima. Que, acostumada a servir seu amásio e os filhos, não consegue encontrar em si gratificação pelo trabalho prestado. Além da convivência com a cultura e costumes machistas no decorrer de sua vida, acaba considerando que determinados serviços são exclusivamente dela, como cuidar dos filhos ou estar à disposição de seu companheiro15.
Outro ponto a ser analisado, é a dependência da vítima. Faz-se necessário aqui entender a subjetividade de cada vítima, ou seja, é preciso analisar todo o contexto da mulher para entender porque ela não consegue sair desse ciclo de violência. Um ponto comum é que as vítimas de violência presenciaram agressões durante sua infância e juventude, o que pode leva-la a acreditar que tal ação seja “comum” entre o casal, ou mesmo que a mulher deve ser submissa ao homem e, que a agressão não seja um problema.
Em relação às dependências das vítimas tem-se a financeira e/ou emocional. Se tratando da dependência financeira, acontece quando a própria vítima não consegue prover sua subsistência e de seus filhos, como consequência não denunciam as agressões por medo de não prover condições mínimas de sobrevivência.
Já a dependência emocional reflete no estado psicológico da vítima, que abalada e cansada, acredita nas promessas de mudança e nos pedidos de desculpa do agressor. E, na esperança de que novas agressões não voltem a acontecer, acaba não denunciando o caso. Ocorrendo o favorecimento da renovação do ciclo de violência16.
4. Considerações finais
A cultura machista e patriarcal presente no cotidiano brasileiro é notadamente um grande impulsionador da violência contra as mulheres. Pois, em pleno século XXI ainda há pessoas que se sentem “donos” de outras, como, por exemplo, o homem provedor de sua família se sentir dono de sua esposa. E, mais preocupante quando as próprias vítimas não percebem a violência sofrida e convive com a mesma por longos períodos.
É notório que a violência doméstica afeta gravemente suas vítimas, além de ser uma afronta aos direitos humanos, de modo que também reflete a estrutura machista e arcaica presente na sociedade brasileira. Os impactos causados pelas agressões sofridas transcendem o campo jurídico e alcançam a saúde das vítimas tanto de forma emocional, quanto de forma física.
Conforme os dados apresentados neste artigo, os mesmo evidenciam não apenas a alarmante frequência dos episódios de agressão, mas também o drama das vítimas que não conseguem romper o ciclo da violência, seja por motivos de dependências financeiras ou emocionais, seja por fatores pessoais como medo, vergonha e até mesmo por falta de conhecimento de seus direitos.
A Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) representou um grande marco no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que deu voz às vítimas de violência doméstica e a devida responsabilização a seus agressores. Além de toda função social instituída pela referida lei. Que visa garantir ás mulheres uma vida sem violência e com o devido respeito aos direitos fundamentais.
Porém, sua efetividade ainda encontra diversos obstáculos, sejam eles a comunicação da vítima com os órgãos de segurança pública, que por vezes é suprimida por falsas promessas ou mesmo por graves ameaças dos ofensores.
A responsabilização penal do agressor, embora necessária, não mostra resultados suficientes por si só, com isso é importante que o sistema jurídico caminhe com políticas públicas de prevenção e conscientização das mulheres, de modo a garantir o conhecimento e compreensão da lei. Logo, o combate à violência doméstica não se trata apenas de um dever jurídico, mas também de um compromisso ético social.
Com isso, conclui-se que, a luta contra a violência doméstica exige o esforço tanto dos legisladores, quanto da sociedade em geral, por meio de políticas públicas eficazes e investimentos em conscientização e ações preventivas de modo a garantir o respeito e proteção das vítimas.
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[2] LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm.
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