OS IMPACTOS NOS COFRES PÚBLICOS ORIUNDOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR: UM ESTUDO SOBRE A MEDIDA ADOTADA PELO ESTADO PARA O RESSARCIMENTO DOS VALORES DESEMBOLSADOS COM AS PRESTAÇÕES SOCIAIS

THE IMPACTS ON PUBLIC COFFERS ARISING FROM DOMESTIC AND FAMILY VIOLENCE: A STUDY ON THE MEASURE ADOPTED BY THE STATE TO REIMBURSE THE AMOUNTS DISBURSED WITH SOCIAL BENEFITS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10238602


Marcio Santos de Cerqueira1
Orientadora: Profa. Catrine da Mata2


Resumo: Este artigo tem como propósito investigar e discutir os impactos nos cofres públicos oriundos da violência doméstica e familiar, fazendo um estudo sobre a medida adotada pelo Estado para o ressarcimento dos valores desembolsados com as prestações sociais. Além disso, tem-se como objetivo examinar se a referida medida tem caráter preventivo e punitivo, como também debater os impactos da violência doméstica e familiar nos cofres públicos. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, bibliográfica e documental, realizado com dados coletados de artigos já publicados sobre o tema, doutrinas, jurisprudências e legislação. Assim, acredita-se que o conhecimento disseminado através das informações, das pesquisas e dos materiais jurídicos desenvolvidos, levará a sociedade muito mais além do que dados, mais informações específicas com sua abordagem simplificada, o que será de suma importância para todos aqueles que buscam desenvolver e ampliar o conhecimento na área, onde não é limitado ao estudante do campo jurídico e sim todos aqueles que estão envolvidos no processo.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Violência doméstica e familiar; Cofres públicos; Estado.

Abstract: This article aims to investigate and discuss the impacts on public coffers arising from domestic and family violence, carrying out a study on the measure adopted by the State to reimburse the amounts disbursed with social benefits. Furthermore, the objective is to examine whether the aforementioned measure has a preventive and punitive nature, as well as to debate the impacts of domestic and family violence on public coffers. This is a study with a qualitative, bibliographic and documentary approach, carried out with data collected from articles already published on the topic, doctrines, jurisprudence and legislation. Thus, it is believed that knowledge disseminated through information, research and legal materials developed will take society much further than data, more specific information with its simplified approach, which will be of utmost importance for all those seeking develop and expand knowledge in the area, which is not limited to students in the legal field but rather all those involved in the process. 

Keywords: Maria da Penha Law; Domestic and family violence; Public safes; State.

1 INTRODUÇÃO

A violência doméstica e familiar é um problema social que transcende fronteiras, culturas e classes sociais. Ela se manifesta de várias formas, como agressões físicas, psicológicas, sexuais e econômicas, deixando cicatrizes profundas nas vítimas e afetando não apenas o âmbito privado, mas também repercutindo de maneira expressiva nos conflitos públicos e nas estruturas sociais. Este artigo se propõe a explorar os impactos desses conflitos públicos decorrentes da violência doméstica e familiar e a investigar as medidas adotadas pelo Estado para o ressarcimento dos valores embolsados contra estações sociais.

Essa temática, muitas vezes, é tratada como uma questão que ocorre nos bastidores da sociedade, oculta pelas paredes das residências, longe dos olhos do público em geral. No entanto, suas repercussões ultrapassam as fronteiras do âmbito privado, deixando uma marca indelével na saúde mental, física e emocional das vítimas. Além disso, a violência doméstica tem implicações significativas na dinâmica familiar e nas relações interpessoais, frequentemente resultando em conflitos públicos que afetam não apenas as partes envolvidas, mas também a comunidade e a sociedade como um todo.

Nesse contexto, é imperativo compreender os mecanismos pelos quais a violência doméstica desencadeia conflitos públicos e como esses conflitos podem ser mitigados ou resolvidos. Um aspecto crítico dessa análise é a avaliação das medidas adotadas pelo Estado para o ressarcimento dos valores embolsados contra estações sociais, ou seja, como as políticas governamentais visam reparar os danos causados por essa violência e prevenir a escalada de conflitos.

À medida que a conscientização sobre a violência doméstica cresce e as demandas por justiça e reparação se intensificam, os governos em todo o mundo têm implementado uma série de iniciativas para lidar com esse problema. Essas medidas incluem a criação de leis específicas, a implementação de sistemas de apoio às vítimas, a oferta de abrigos e serviços de aconselhamento, bem como estratégias de educação pública. A eficácia dessas políticas varia de país para país e é influenciada por diversos fatores, como recursos disponíveis, conscientização pública e cultura.

Este estudo visa, portanto, aprofundar a compreensão dos efeitos dessas medidas governamentais no que se refere à resolução de conflitos públicos oriundos da violência doméstica e familiar. Através de uma análise crítica e empírica, examinaremos como as políticas estatais têm contribuído para a prevenção da violência doméstica, o apoio às vítimas e a promoção de soluções que reduzam os impactos negativos sobre a sociedade como um todo.

A partir dessa investigação, esperamos fornecer insights valiosos para formuladores de políticas, profissionais da área de assistência social, acadêmicos e a sociedade em geral, contribuindo para a construção de estratégias mais eficazes na luta contra a violência doméstica e na redução dos conflitos públicos relacionados a esse problema. Neste contexto, a análise crítica das medidas do Estado desempenha um papel fundamental na construção de uma sociedade mais justa e segura, onde a violência doméstica e seus impactos possam ser abordados de maneira efetiva e compassiva.

2 AÇÕES REGRESSIVAS PREVIDENCIÁRIAS

Das diversas formas de tentativas de coibir a violência doméstica e familiar, as ações regressivas previdenciárias tem sido uma das opções adotadas  pela máquina judiciária. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), através da Advocacia Geral da União (AGU), busca o ressarcimento dos valores desembolsados com as prestações sociais, desde que a causa que deu origem ao benefício foi consumada por ato ilícito do polo passivo.

Sendo assim, o INSS poderá propor as ações de regresso quando estiver deparado com os casos de acidentes de trânsito provocados por culpa exclusiva dos motoristas; nos frequentes casos de acidente do trabalho, por culpa das empresas que não cumpriram as normas legais; e, por fim, nos crimes de violência doméstica.

A intenção da Previdência Social ao aplicar esse diploma é fazer com que a sociedade não seja responsabilizada, sendo que o ressarcimento dos cofres públicos é realizado por todo o povo, em razão de um ato ilícito provocado por culpa exclusiva de outrem.

As ações regressivas previdenciárias são um instrumento jurídico utilizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e outros órgãos da administração pública para reaver os valores gastos com benefícios previdenciários ou assistenciais concedidos a segurados que tenham sofrido acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais decorrentes de negligência ou falta de segurança por parte do empregador. 

A ação regressiva previdenciária é uma medida judicial em que o INSS ou outro órgão previdenciário busca recuperar os valores despendidos com benefícios concedidos a segurados que sofreram acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais devido à culpa ou negligência do empregador.

As ações regressivas previdenciárias baseiam-se nos seguintes fundamentos: O princípio da reparação integral: Quando um trabalhador sofre um acidente de trabalho devido à negligência do empregador, a legislação previdenciária prevê que o INSS pague os benefícios devidos, mas também estabelece o direito de regresso contra o empregador. Responsabilidade objetiva: Em muitos casos, a responsabilidade do empregador é considerada objetiva, o que significa que não é necessário provar a culpa, apenas que o acidente ocorreu no ambiente de trabalho ou em decorrência da atividade profissional.

Os objetivos das ações regressivas previdenciárias incluem: Recuperar os custos previdenciários com benefícios concedidos aos segurados acidentados, incentivar os empregadores a adotar medidas de segurança e prevenção de acidentes no ambiente de trabalho e promover a responsabilidade das empresas em relação à segurança dos funcionários.

Existem duas principais espécies de ações regressivas previdenciárias: Ação Regressiva Acidentária: Visa recuperar os custos com benefícios concedidos devido a acidentes de trabalho, Ação Regressiva Previdenciária por Doença Ocupacional: Busca recuperar os valores gastos com benefícios decorrentes de doenças ocupacionais.

Os procedimentos para as ações regressivas previdenciárias incluem: Verificação da concessão do benefício ao segurado acidentado ou doente ocupacional, investigação para determinar a responsabilidade do empregador no acidente ou na doença, ajuizamento da ação judicial com base nos documentos e provas coletados, julgamento da ação, que pode resultar na condenação do empregador ao ressarcimento dos valores pagos pelo INSS e recuperação dos valores, que podem ser utilizados para repor os cofres da Previdência Social.

Assim, as ações regressivas previdenciárias são uma importante ferramenta legal que visa responsabilizar os empregadores por acidentes de trabalho e doenças ocupacionais e recuperar os custos previdenciários relacionados a essas situações. Elas desempenham um papel crucial na promoção da segurança no ambiente de trabalho e na proteção dos direitos dos trabalhadores.

Outrossim, no dia 18 de janeiro de 2013 foi promulgada a Portaria Conjunta nº 6, que tem por objetivo disciplinar critérios e procedimentos a serem realizados pela Procuradoria-Geral Federal no exercício da representação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) (art. 1º, da Portaria nº 6).

No artigo seguinte (art. 2º) da Portaria mencionada, as ações regressivas foram conceituadas. Assim dispõe:

Art. 2º Considera-se ação regressiva previdenciária para efeitos desta portaria conjunta a ação que tenha por objeto o ressarcimento ao INSS de despesas previdenciárias determinadas pela ocorrência de atos ilícitos.

As despesas previdenciárias ressarcíveis relativas ao pagamento pelo INSS estão previstas no art. 3º da Portaria Conjunta nº 6/2013:

Art.3º Consideram-se despesas previdenciárias ressarcíveis as relativas ao pagamento, pelo INSS, de pensão por morte e de benefício por incapacidade, bem como aquelas decorrentes do custeio do programa de reabilitação profissional.

Sampaio (2013) alude que o direito previdenciário brasileiro assumiu, em relação à responsabilização das despesas decorrentes de eventos danosos, uma forma mista de ressarcimento, combinando a teoria do seguro social, com a responsabilidade objetiva, segundo a qual o ente público é responsável pelas prestações previdenciárias para garantir o sustento do trabalhador e de seus dependentes, com a responsabilidade subjetiva e integral do agente negligente, se empregador, motorista ou autor do crime no âmbito doméstico ou familiar, pela qual serão responsabilizados pelo ressarcimento dos valores despendidos pela Previdência Social com o pagamento das prestações sociais decorrentes dos atos danosos.

Assim, no caso de violência doméstica que resulte dano à vítima ou que a mesma deixe dependente, a Previdência Social assume o benefício que se deu origem a partir do ato ilícito praticado pelo agressor, mas poderá ser ressarcida pelos gastos que despendeu com as prestações sociais, desde que comprove o cometimento da violência doméstica ou familiar.

O art. 15 da Portaria nº 6 de 2013 versa sobre essa necessidade do INSS comprovar o cometimento do ato ilícito, da culpabilidade, do nexo causal e da realização de despesas previdenciárias para existir o direito de regresso:

Art. 15. A ação regressiva será proposta quando estiverem presentes os elementos suficientes de prova da ocorrência do ato ilícito, da culpabilidade, do nexo causal e da realização de despesas previdenciárias.

 Considera-se ato ilícito quando o indivíduo, por ação ou omissão voluntária, age com culpa, em outras palavras, quando o indivíduo tem a intenção de causar dano (dolo), ou quando por negligência, imprudência ou imperícia provoca dano à outrem. Dessa forma, aquele que provocar dano à outrem tem o dever de reparar. É nesse sentido que a inteligência do Código Civil dispõe nos seus artigos 186, 927 e 934:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.

O art. 7º, inciso XXII da Constituição Federal preceitua que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. O inciso XXVIII do artigo mencionado acrescenta que o trabalhador tem direito ao “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.

Ressalta-se que o pagamento do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT) não exclui a culpa do empregador, visto que o mesmo tem a obrigação de cumprir as normas de segurança e saúde do trabalho, assim como descreve a Carta Magna.

Com fulcro no artigo 8º da Lei 11.340/06, que dispõe acerca da criação de políticas públicas para proteção da mulher em 31 de julho de 2012 foi criado um acordo de cooperação entre o INSS e o Instituto Maria da Penha para aplicação de medidas preventivas e repressivas à violência doméstica e familiar, daí a explicação do ajuizamento das ações regressivas contra os agressores. 

Quanto aos acidentes de trânsito, a ação regressiva tem previsão no Código de Trânsito Brasileiro em seu artigo 257, § 3º:

Art. 257. As penalidades serão impostas ao condutor, ao proprietário do veículo, ao embarcador e ao transportador, salvo os casos de descumprimento de obrigações e deveres impostos a pessoas físicas ou jurídicas expressamente mencionados neste Código.

[…]

§ 3º Ao condutor caberá a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo.

Uma vez constatado o ato ilícito, o órgão de execução da PGF instaurará o Procedimento de Instrução Prévia – PIP, que, segundo a  portaria conjunta nº 6/2013 dispõe  que este procedimento compreenderá o levantamento das informações, documentos previdenciários e constituição de prova da ocorrência dos ilícitos para o ajuizamento das ações regressivas.

A instauração e a conclusão do PIP serão de responsabilidade do órgão de execução da PGF. A instauração ocorrerá mediante expedição de portaria interna e a finalização por meio de nota que deverá concluir pelo ajuizamento da ação regressiva ou pelo não ajuizamento, que se dará nos casos da não comprovação ou ausência do ato ilícito, do dolo ou culpa, do nexo causal entre a ação ou omissão ilícita e o evento que gerou a concessão do benefício previdenciário, ou quando o benefício não foi concedido.

De acordo com art. 4º da Portaria n. 6 de 2013 da Advocacia- Geral da União existem três espécies de ações regressivas, com fundamento nos atos ilícitos praticados.

O inciso I diz que no caso de “descumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho que resultar em acidente de trabalho” pode ser proposta a Ação Regressiva Acidentária. O inciso II descreve “o cometimento de crimes de trânsito na forma do Código de Trânsito Brasileiro” que dá ensejo a Ação Regressiva de Trânsito.

E por fim, o inciso III da mesma Portaria ora mencionada aduz que o “cometimento de ilícitos penais dolosos que resultarem em lesão corporal, morte ou perturbação funcional”. É este inciso que fundamenta as Ações Regressivas Maria da Penha, que tem por objetivo punir o agressor para prevenir as agressões.

A ação regressiva previdenciária possui dois importantes objetivos, sendo um mediato e outro imediato. O objetivo imediato está ligado ao ressarcimento das despesas da Previdência Social com a concessão dos benefícios previdenciários em razão dos atos ilícitos provocados por empregadores, motoristas ou agressores de mulheres em ambiente doméstico ou familiar. Já o objetivo mediato está relacionado à prevenção, buscando mostrar aos que não respeitam os ditames legais que eles deverão arcar com o ônus do ato ilícito praticado.

O ressarcimento dos gastos com as prestações sociais pelo INSS é necessário para a reposição ao Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS), que não foi criado para arcar com benefícios ou serviços previdenciários oriundos de fatos ocasionados por culpa exclusiva dos agentes passivos da ação de regresso previdenciária. Ademais, a Previdência Social do Brasil já vem apresentando carência no que tange aos valores disponíveis para quitar benefícios, serviços e aposentadorias, para ainda dispor de dinheiro para suportar as prestações sociais ocasionadas por um ato que poderia não ter ocorrido se tivesse sido evitado pelos agentes, como, por exemplo, se o agressor não tivesse praticado nenhum tipo de violência elencado no art. 7ª da Lei n. 11.340/06 contra a mulher.

A prevenção tem caráter punitivo-pedagógico, consistindo na percepção de que, por exemplo, o investimento em ações de prevenção de acidentes do trabalho é muito menos dispendioso que uma eventual condenação de ressarcimento. 

Assim, a tentativa é a criação da ideia no mundo empresarial da cultura preventiva tendente a evitar danos pessoais aos trabalhadores. Do mesmo modo, os agressores de mulheres em ambiente doméstico devem estar cientes que além de responder criminalmente, e eventualmente serem condenados a indenizar a vítima, poderão ainda vir a ser condenados a suportar toda a despesa do INSS com prestações sociais para com ela, ainda que a vítima não queira, daí a razão do lema da campanha: “Ressarcir para prevenir”. (SAMPAIO, 2013)

Com fulcro no artigo 120 da Lei nº 8.213/91 caberá à Previdência Social, através do INSS, figurar no polo ativo das ações regressivas previdenciárias. 

Em outras palavras, o INSS, Autarquia Pública Federal indicada para gerir, controlar e efetuar a remuneração à rede prestadora da Previdência Social, por meio da PGF, que representa judicialmente e extrajudicialmente as autarquias e fundações públicas federais, têm a capacidade postulatória de ingressar com as ações regressivas.

Configura o polo passivo nas ações regressivas aquele que praticou o ato ilícito que propiciou as prestações sociais. Destarte, será considerado agente passivo nas espécies de ações regressivas:

a)     Ação regressiva Acidentária: aquele que descumpriu as normas de saúde segurança de trabalho que resultar em acidente de trabalho;

b)     Ação regressiva de Trânsito: o motorista que ocasionou o acidente por inobservância das regras do Código de Trânsito Brasileiro

c)      Ação Regressiva Maria da Penha: aquele que praticou agressões na mulher que deu ensejo a qualquer dos benefícios previdenciários.

Como foi exposto no tópico de legitimidade ativa (2.5.1), o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS figura no polo ativo das ações regressivas previdenciárias. Assim, de acordo com artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar as causas em que as entidades autárquicas federais estiverem interessadas na condição de autora.

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

Confirmando o ensinamento da Carta Magna, o artigo 16 da Portaria Conjunta no 6 da AGU, afirma que a ação regressiva será proposta perante a Justiça Federal: “A ação será ajuizada perante a Justiça Federal no foro do domicílio do réu.” Forçoso perceber, mediante a leitura do art. 16 da Portaria supracitada, que o foro competente da ação de regresso previdenciária, seja ela Acidentária, de Trânsito ou Maria da Penha, será o domicílio do réu. 

Todavia, em que pese a possibilidade de mais de um réu figurar no pólo passivo das ações regressivas previdenciárias, o foro competente será onde tiver ocorrido o fato. A ação regressiva previdenciária tem natureza indenizatória, e por essa razão segue o que está previsto no artigo 206, §3º, inciso V do Código Civil no que tange ao prazo prescricional.

Destarte, no prazo de 3 (três) anos ocorrerá a perda da pretensão do titular do direito da ação de regresso que, no caso em tela, será a Previdência Social, representada pela Procuradoria- Geral Federal – PGF.

3.  AÇÃO REGRESSIVA PARA CONDENAÇÕES DA LEI MARIA DA PENHA

O INSS, representado pelo seu presidente, Mauro Hauschild, o Ministério da Previdência Social, com o ministro Garibaldi Alves Filho, a Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres –SPM, e o Instituto Maria da Penha firmaram uma parceria que cobra nos tribunais, para os agressores, através de ações regressivas, ressarcir os gastos que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) teve com as prestações sociais (auxílio doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte) pagas às mulheres vítimas de violência doméstica. 

O objetivo da parceria realizada é que o agressor devolva para os cofres públicos o que foi gasto com o seu ato ilícito, visto que não é justo que o erário arque com as consequências ocasionadas pela violência doméstica ou familiar praticada pelo agressor.

No dia 07 de agosto de 2012 foram ajuizadas as três primeiras ações regressivas Maria da Penha, através da Advocacia-Geral da União (AGU), sendo uma no Rio Grande do Sul e duas no Distrito Federal. A data escolhida para acionar as regressivas férias previdenciárias foi para simbolizar o 6º aniversário da Lei Maria da Penha- Lei 11.340/06.

Antes de propor as ações através da Procuradoria Geral Federal, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS faz uma análise dos casos que envolvem violência doméstica ou familiar que são encaminhados pelas delegacias especializadas, ou na falta, pelo Ministério Público e até mesmo pelo depoimento das vítimas e só então, se entender cabível, as propõe.

Além de tentar ressarcir a Previdência Social, a ação regressiva previdenciária tem como objetivo evitar futuras agressões em âmbito doméstico ou familiar, isto é, possui um caráter preventivo. Entretanto, além do caráter preventivo, possui ao mesmo tempo o caráter repressivo, tendo em vista que os agressores terão ciência que além de responder criminalmente, poderão arcar economicamente com qualquer prestação social.

Tendo em vista que a condenação criminal não foi suficiente para acabar ou diminuir a violência doméstica, que de acordo com os dados da Fundação Perseu e do Instituto Avon só vem aumentando na última década, o Estado necessita criar mecanismos para coibir este tipo de violência, e as ações regressivas são consideradas como mais um mecanismo para se prevenir e punir os agressores do âmbito doméstico.

O Núcleo de Estudos em Ações Regressivas Previdenciárias – NEARP – desenvolveu uma nova versão atualizada e ampliada da Cartilha de Atuação nas Ações Regressivas Previdenciárias (ANO), e nesta estão os requisitos para o ajuizamento das ações regressivas previdenciárias Maria da Penha. 

Como já foi exposto no capítulo anterior, de acordo com a Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, considera-se violência doméstica e familiar contra a mulher a ação ou omissão que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial no âmbito da unidade doméstica, da família, ou de qualquer relação íntima de afeto (BRASIL, 2006).

É notório que dentre esses atos de violência, o que dará ensejo à ação regressiva será a violência física ou sexual que acarrete o afastamento do trabalho ou cause a morte da agredida segurada, resultando em despesas previdenciárias.

Salienta-se que é necessário que o ato de violência doméstica e/ou familiar vitime uma segurada do INSS, tendo em vista que o STJ tem o posicionamento da não aplicação da Lei Maria da Penha a homens. Entrementes, não importa o sexo para ser considerado agressor, podendo ser este homem ou mulher, que conviva permanentemente com a vítima no ambiente doméstico ou, ainda, que possua vínculos familiares ou uma relação íntima de afeto com a vítima.

No art. 3º da Portaria Conjunta PGF/PFE-INSS nº 06/2013, “Consideram-se despesas previdenciárias ressarcíeis as relativas ao pagamento, pelo INSS, de pensão por morte e de benefícios por incapacidade, bem como aquelas decorrentes do programa de reabilitação profissional”.

Quando a segurada é vítima da violência doméstica e/ou familiar e já se encontrava aposentada à época da agressão que lhe causou a morte ou a impossibilitou de trabalhar, e ocorrer mera conversão da aposentadoria em pensão por morte, sem dispêndio adicional ao INSS, não se consideram ressarcíeis as despesas com o benefício pago aos dependentes. Assim, não há o que se falar em ação regressiva contra o agressor. 

O ato de violência deverá estar previsto em uma das ações ou omissões contidas no caput do art. 5º da Lei 11.340/06.

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.(BRASIL, ANO).

Para o ajuizamento da ação regressiva Maria da Penha é necessária à comprovação apenas do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado (lesão ou morte) que dão ensejo às despesas previdenciárias. 

  O último pressuposto que a cartilha traz é a inexistência de convivência da vítima com o agressor. Tendo em vista que a finalidade do ajuizamento da ação regressiva não é vitimizar ainda mais a mulher agredida, é necessário que a PGE apure se ainda há convivência entre o agressor e a vítima, visto que existindo convivência não será possível o ajuizamento de tais ações. 

Somente será possível o ajuizamento se a vítima estiver separada do agressor, não só de direito, mas de fato. Ademais, se a vítima vier a óbito, é imprescindível que o agressor não tenha a guarda dos filhos.

Ausentes qualquer um destes quatro requisitos não será possível o ajuizamento das ações regressivas Maria da Penha. Entre as diversas ações regressivas Maria da Penha, duas delas merecem um maior destaque: a da comarca de Teutônia/RS (nº dos autos 5006374- 73.2012.404.7114) e outra da comarca de Brasília/DF (nº dos autos 38828- 65.2012.4.01.3400).

A primeira sentença que foi dada referente às ações regressivas cujo objeto era o ressarcimento aos cofres públicos em virtude da prática de um ato ilícito em razão de violência doméstica e/ou familiar praticada foi em Teutônia/RS. O agressor confessou ter assassinado a sua ex-mulher e foi condenado a ressarcir ao INSS 20% dos valores pagos em pensão por morte aos filhos da vítima, o equivalente a R$90.000,00 (noventa mil reais).

A defesa recorreu pedindo a anulação da sentença. O INSS também recorreu, no entanto, solicitando o pagamento integral do valor, e não só a condenação de 20%, como foi proferida na sentença de primeira instância. O Tribunal Regional (TRF) da 4ª Região decidiu a favor do INSS. O desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz considerou que a finalidade institucional do INSS não impede a busca do ressarcimento quando o evento gerador do seu dever de pagar benefício decorrer da prática de ato ilícito por terceiro, ainda que a regulamentação somente tenha se dado no que toca ao acidente de trabalho, e, assim, apontou para a reforma da sentença, para que o réu arcasse com a integralidade dos dispêndios que o INSS teve em razão da prática da violência doméstica e/ou familiar. (PRADO, 2013)

A ação regressiva Maria da Penha que foi proposta no Distrito Federal também obteve uma decisão favorável ao INSS. A Procuradoria Regional da 1ª Região em conjunto com a Procuradoria Federal Estadual entrou com a ação regressiva Maria da Penha para que o INSS fosse ressarcido com valores a serem pagos ao filho menor da vítima até que complete os vinte e um anos de idade, o que somava uma totalidade de R$ 156.094,00 (cento e cinquenta e seis mil, noventa e quatro reais)

A decisão foi favorável, e a 3ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal determinou o ressarcimento integral dos valores que já tinham sido pagos e os que ainda seriam desembolsados pelo INSS, em razão do benefício da pensão por morte.

Prado (2013) ressalta que a intenção da Previdência Social, representada pela PGF, é usar as ações regressivas como um viés punitivo-pedagógico, indo muito além do ressarcimento, e ainda cita as palavras da chefe da Divisão de Ações Prioritárias da PFE/INSS, Tatiana Sanches, acerca do assunto:

Punimos para ensinar, para que, por meio do exemplo, os demais sejam inibidos de cometer esse tipo de ato, para que seja mais uma pena a quem agride uma mulher. É claro que o valor acaba voltando ao erário, o que também é positivo, já que quem está pagando a conta da ação ilícita no fim são todos os trabalhadores do Brasil.

Destarte, salienta-se a grande importância de mais um mecanismo que além de possuir um objetivo imediato (ressarcimento aos cofres públicos), possui um objetivo mediato de prevenção e punição daqueles que praticaram o ato ilícito, concretizando mais uma punição para os agressores de mulheres em âmbito doméstico ou familiar.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Nas considerações finais deste artigo que analisou os impactos nos cofres públicos decorrentes da violência doméstica e familiar, bem como as medidas adotadas pelo Estado para o ressarcimento dos valores desembolsados com a prestação social, é fundamental destacar as principais conclusões e implicações deste estudo.

O estudo revelou que a violência doméstica e familiar, muitas vezes, não se limita apenas à esfera privada das famílias, mas tem repercussões significativas nos recursos financeiros do Estado. As vítimas desses abusos frequentemente buscam apoio e proteção dos serviços públicos, resultando em despesas substanciais para o sistema de saúde, assistência social, segurança pública e justiça.

As medidas adotadas pelo Estado, incluindo a implementação de leis específicas, programas de apoio às vítimas e campanhas de conscientização, desempenham um papel crucial na prevenção da violência doméstica e na promoção de soluções adequadas. No entanto, o estudo também apontou desafios significativos na eficácia dessas políticas, como a necessidade de recursos adequados, educação contínua e a importância da conscientização pública.

As implicações deste estudo são vastas. Primeiramente, ele ressalta a necessidade de um compromisso contínuo por parte do Estado e da sociedade em combater a violência doméstica e familiar, não apenas em termos de justiça e proteção das vítimas, mas também como um imperativo econômico. A prevenção e o ressarcimento dos valores despendidos têm o potencial de economizar recursos significativos a longo prazo.

Além disso, o estudo destaca a importância da colaboração entre diversos órgãos e setores da sociedade, incluindo saúde, assistência social, justiça, educação e organizações não governamentais. A abordagem multidisciplinar é fundamental para criar soluções abrangentes e eficazes.

Por fim, este estudo enfatiza a necessidade de continuar pesquisando e avaliando as políticas e práticas relacionadas à violência doméstica e ao ressarcimento dos valores desembolsados. O conhecimento e a compreensão aprofundados são essenciais para aprimorar as estratégias de prevenção e proteção das vítimas, ao mesmo tempo em que aliviam a carga financeira sobre os cofres públicos.

Em última análise, a violência doméstica e familiar é um desafio complexo que requer esforços coordenados e contínuos. A proteção das vítimas e a redução do impacto nos recursos públicos são objetivos que devem ser perseguidos de forma incansável, com a compreensão de que a erradicação desse problema exige uma abordagem holística e a conscientização de toda a sociedade.

REFERÊNCIAS

Ação regressiva acidentária movida pelo INSS e suas principais controvérsias. Disponível em:<https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-previdenciario/acao-regressiva-acidentaria-movida-pelo-inss-e-suas. Acesso em: 08/02/2022.

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1 Acadêmico do curso de Direito da Faculdade Ages de Senhor. E-mail: mmarcio2@hotmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da Ages. 2023. 2Orientadora: Profa. Catrine da Mata, Professora universitária de direito na Ages Senhor do Bonfim (Anima Educação), Mestra em Economia Regional e Políticas Públicas pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (DINTER UFSC/UESC), especialista em Direito Público pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICID), bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Ilhéus (CESUPI). E-mail: catrinedamata.adv@gmail.com.