THE IMPACTS OF INCARCERATION ON WOMEN’S MENTAL HEALTH
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10631248
Géssica Mayara Costa Bezerra1
Jordanya Reginaldo Henrique2
Laura Amélia Fernandes Barreto3
Rodrigo José Fernandes De Barros3
Sabrina Raquel De Oliveira4
RESUMO
O encarceramento gera impactos na vida das pessoas que vão além da privação de liberdade, afetando dimensões biológicas, psicológicas e sociais dos que são submetidos a tal. O encarceramento feminino se sobrepõe a essas questões, pois, somando esses elementos à precariedade dos presídios brasileiros, encontram-se também a presença de fatores voltados a questões de gênero. Sendo assim, o presente estudo busca investigar os impactos do encarceramento na Saúde Mental de mulheres em privação de liberdade, tendo como objetivo, analisar tais impactos a partir da literatura disponível nas bases de dados. Trata-se, portanto, de uma revisão integrativa de literatura, em que, a pesquisa foi realizada através de artigos publicados nos últimos 5 anos, isto é, entre 2017 e 2022, por meio das bases de dados científicas Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC), Scopus e Medline, operacionalizada através do cruzamento dos descritores “Saúde da Mulher”, “Gênero” “Saúde Mental” e “Encarceramento”, articulados por meio do operador booleano “AND”. ao analisar os materiais encontrados, foi possível visualizar como as prisões brasileiras não acolhem particularidades de gênero, estas sendo a falta de acesso à saúde ginecológica, falta de acompanhamento especializado para a gestantes, além da má nutrição. Também foi possível observar as disparidades de gênero quanto a questões sociais, pois, enquanto os homens continuam com sua rede de apoio presente no período de encarceramento, é socialmente aceito que as mulheres percam esse suporte. A justaposição desses fatores corrobora com a intensificação do sofrimento psíquico das mulheres em privação de liberdade.
PALAVRAS-CHAVE: Psicologia. Encarceramento feminino. Saúde Mental da mulher.
ABSTRACT
Imprisonment generates impacts on people’s lives that go beyond the deprivation of liberty, affecting biological, psychological and social dimensions of those who are subjected to it. Female incarceration overlaps these issues, because, adding these elements to the precariousness of Brazilian prisons, there is also the presence of factors related to gender issues. Therefore, the present study seeks to investigate the impacts of incarceration on the Mental Health of women deprived of liberty, with the objective of analyzing such impacts from the literature available in the databases. It is, therefore, an integrative literature review, in which the research was carried out through articles published in the last 5 years, that is, between 2017 and 2022, through the scientific databases Virtual Health Library (BVS ), Psychology Electronic Journals Portal (PePSIC), Scopus and Medline, operationalized by crossing the descriptors “Women’s Health”, “Gender”, “Mental Health” and “Incarceration”, articulated through the Boolean operator “AND”. when analyzing the materials found, it was possible to visualize how Brazilian prisons do not accommodate gender particularities, these being the lack of access to gynecological health, lack of specialized monitoring for pregnant women, in addition to malnutrition. It was also possible to observe gender disparities regarding social issues, because, while men continue to have their support network present during the period of incarceration, it is socially accepted that women lose this support. The juxtaposition of these factors corroborates the intensification of the psychic suffering of women deprived of liberty.
KEYWORDS: Psychology. Female incarceration. Women’s Mental Health.
1 INTRODUÇÃO
Materializando-se enquanto parte do acordo social entre descumprimentos de leis e pactos para ordem, o sistema prisional torna-se em sua essência um aspecto inevitável, encarado como permanente, adentrando no imaginário coletivo de forma que o enclausuramento transfigura-se a única maneira capaz de efetivar o cumprimento das normas vigentes. Tem-se a partir disso, uma naturalização das prisões, de maneira que se impossibilita pensar no convívio tido como normal sem a existência delas¹.
Esse sistema, ao mesmo tempo que legalizado, também assume uma conotação trágica, coexistindo como produto e produtor dos princípios sociais, sendo consequência das formas de organização econômica e obedecendo ideias de legitimação que validam as suas configurações na atualidade². Dessa forma, levando em consideração a forma como esses arranjos foram sendo construídos historicamente, tem-se que enquanto os homens passaram a ser punidos por meio da privação de liberdade em prisões, as mulheres foram penalizadas em instituições mentais e espaços religiosos, construindo-se a visão de que eram histéricas e anormais³.
Nesse sentido, a medida em que passaram a ser punidas igualmente em unidades prisionais, agravaram-se suas condições de opressão, visto que tendo necessidades específicas negadas, às mulheres passam a ser submetidas a constante negação de direitos humanos nas prisões³. Diante disso, o encarceramento gera impactos na vida das pessoas que vão além da privação de liberdade, afetando dimensões biológicas, psicológicas e sociais dos que são submetidos a tal. O encarceramento feminino se sobrepõe a essas questões, pois, somando esses elementos à precariedade dos presídios brasileiros, encontram-se também a presença de fatores voltados a questões de gênero.
Sendo assim, a confecção do presente artigo, vincula-se, a priori, ao interesse pessoal na temática do abolicionismo prisional, bem como a questões de gênero e feminismo, norteando-se teoricamente da Psicologia Social e seu compromisso com as coletividades. Somado a isso, caminhando em acordo com essa responsabilidade, a relevância científica desse estudo pauta-se na análise crítica da realidade social, permitindo reflexão e debate acerca do encarceramento feminino e a lógica prisional enquanto partícipe de uma engrenagem de violações.
Diante disso, surge a necessidade da inserção da classe psicológica no debate voltado à violação dos direitos básicos das mulheres em situação de privação de liberdade, munindo-se do compromisso ético e social que integra essa profissão, investiga-se quais os impactos do encarceramento na Saúde Mental de mulheres a partir da literatura disponível nas bases de dados. Busca-se, portanto, identificar como as violações de direitos fundamentais, bem como a desconsideração das especificidades de gênero nas prisões, atingem a Saúde Mental de mulheres encarceradas, bem como verificar os fatores associados ao gênero, à raça e à classe que podem vir a potencializar o sofrimento psíquico.
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 “VIGIAR E PUNIR”: A HISTÓRIA DO CORPO APRISIONADO
A compreensão dos arranjos que baseiam o sistema prisional como o conhecemos hoje, perpassa por um esquema histórico até se estabelecer enquanto um objeto em que a punição torna-se a privação de liberdade e assume uma conotação corretiva para aqueles que infringem às leis e às normas vigentes. Considerando esse percurso, na obra Vigiar e Punir ⁴ o filósofo Michel Foucault discute as organizações sociais e políticas que envolvem esse aspecto, bem como suas reformulações.
Nesse sentido, o autor aponta que as punições ocorriam por meio dos suplícios, modelos de castigos físicos em que o corpo era o alvo direto de condenação, marcado pelo flagelo e exposição pública, tido como um espetáculo. É a partir dos séculos XVIII e XIX que o objeto central do aparato repressivo passa a não ser mais a matéria corporal, atinge-se algo que não é o corpo propriamente, mas sim, age-se na reclusão, no trabalho forçado, na prisão⁴.
Sendo assim, o corpo punido passa de fisicamente atingido para uma espécie de intermediário, já não se usa mais as sensações dolorosas, e sim a supressão de direitos. O ato espetacularizado da execução pública torna-se, em grau de violência, similar ao crime daquele julgado e, desse modo, a justiça deixa de assumir publicamente seu papel em tais atos. Os rituais dessas penalidades “incorpóreas” passam a ter como aliados os psicofármacos, não se prolonga a morte por meio de sucessivos ataques dolorosos e violentos⁴.
Assim, observa-se uma reinvenção da punição, mas que, apesar do caráter incorpóreo, ainda carrega o poder sobre o corpo, pois a privação de liberdade e os castigos forçados apareciam somados a redução alimentar, privação sexual, expiação física, tendo, portanto, um grau de sofrimento corporal, um resquício supliciante do qual a prisão sempre utilizou para aplicação de sofrimento físico⁴.
O objeto da punição desloca-se, mudam-se os objetivos. No entanto, permanece constante aquilo que é proibido e permitido, modificando o elemento punível que seria o crime, o que o constitui, levando em consideração sua qualidade e natureza. Julga-se não somente os crimes e os delitos previstos no Código de Conduta, como também as anomalias, as enfermidades e as inadaptações. Além disso, aplica-se também às chamadas “medidas de segurança”, como a liberdade vigiada, tutela penal e tratamento médico obrigatório, visando o controle do sujeito e a supressão das suas inclinações criminosas⁴.
Percorrendo os delineamentos trazidos pelo autor, estudar as transformações dos processos punitivos levando em consideração o corpo, coloca-se em plano as relações de poder e de objeto, pois ainda que os castigos físicos e violentos não sejam propriamente usados, é valendo-se dos métodos “suaves” de correção e aprisionamento que atinge-se o corpo, sua docilização e submissão. Investe-se na matéria corpórea, obedecendo sua utilização econômica, em arranjos políticos complexos e recíprocos, já que o corpo utilizado como força de produção é também colocado em um sistema de sujeição, sendo assim, só é útil quando torna-se produtivo e ao mesmo tempo submisso⁴.
Logo, esse apanhado histórico acerca das modificações econômicas, sociais, políticas e ideológicas que fazem da prisão uma instituição de privação de liberdade e direitos, oferecenos subsídios para compreendê-la na atualidade. Sendo assim, levando em consideração questões de gênero, raça e classe envolvidas no espectro do sistema punitivo, Davis¹ questiona de que forma a justiça pode passar de punitiva para reparadora, visto que o cárcere, enquanto objeto de punição, enclausura os problemas sociais do qual a sociedade se recusa a enfrentar. É dessa maneira que pessoas negras são vistas como “malfeitores”, que jovens de comunidades pobres são criminalizados e que as mulheres carregam julgamentos morais intensos, baseandose assim quem é passível de punição. Dessa maneira, “O desafio mais difícil e urgente hoje é explorar de maneira criativa novos terrenos para a justiça nos quais a prisão não seja mais nossa principal âncora”¹.
2.2 MULHERES EM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE
Desde o surgimento das construções sociais, a mulher foi designada à esfera doméstica, impossibilitada de ocupar outros espaços políticos à medida que sua natureza feminina passou a ser vista como pertencendo apenas à família, imposta a exercer seu papel apenas nas atividades domésticas e na maternidade.
Consequentemente, o Estado, por meio de leis penais, que acaba por reproduz os valores construídos na sociedade e leva em consideração estereótipos pré-concebidos, calcados no sexismo, realizou o controle da sexualidade feminina, dividindo as mulheres conforme seu comportamento perante a sociedade, como por exemplo as mulheres que se recusavam a ter relações sexuais restritas a apenas um parceiro, foram taxadas como desonestas e prostitutas, assim como aquelas que optaram por não exercerem a maternidade e sofreram preconceito por parte da sociedade⁵.
No final da Idade Média, aconteceu a conhecida caça às bruxas, um dos maiores massacres femininos da história, no qual as mulheres passaram a ser perseguidas e criminalizadas. Esse período foi marcado pelas intersecções biológico-racistas do positivismo europeu e pelas terras expropriadas durante a colonização, além da campanha de definição do poder punitivo, da formação das teorias do Direito Penal, do início dos mecanismos e instrumentos e controle social e do estabelecimento do Estado hodierno⁶.
No Brasil, para discutir o encarceramento deve-se considerar seu passado escravocrata, tendo-se em mente esses corpos como historicamente perpassados pelo controle e pela punição. Nas narrativas engendradas da casa grande, as mulheres negras têm como embrião famílias desorganizadas, desintegradas e anônimas, apresentadas como origem de futuras gerações de delinquentes. Dessa forma, deve-se analisar a privação de liberdade como complexa e recheada de fatores que devem ser levados em consideração³.
A maioria das internas brasileiras têm de 18 a 29 anos, das quais 67% são negras, isto significa que duas a cada três mulheres são negras, um número alarmante que salienta a juventude negra como alvo de ações genocidas produzidas pelo Estado brasileiro. A maioria dos atos infracionais apresentados estão voltados ao tráfico de drogas e roubo e as razões apresentadas em sua grande maioria estão ligadas a vulnerabilidade social, desestrutura familiar, carência de sustento dos filhos e da família, violência e abuso doméstico-sexual³.
2.3 O PAPEL DA PSICOLOGIA E O SOFRIMENTO ÉTICO POLÍTICO DE MULHERES APRISIONADAS
A promoção de reflexões acerca da saúde de mulheres em situação de cárcere defronta também com questões relacionadas ao sofrimento vivenciado em decorrência da dupla invisibilidade, em virtude da condição de estar na prisão ao mesmo tempo que se vivencia as opressões do ser mulher³.
Nesse sentido, ao considerar essa perspectiva, é possível analisá-la sob a ótica do
sofrimento ético político, que dimensiona o caráter histórico e social das emoções⁷. A díade que o compõe, relaciona-se com a dialética exclusão/inclusão, um tipo de sofrimento com gênese em desdobramentos que tem origens sociais, ou seja, é o sujeito que sofre, mas tal dor é concebida pelas injustiças e descompromisso do Estado⁷.
Assim, é preciso analisar a prisão de mulheres a partir de bases interseccionais, pois racismo e sexismo são aspectos impregnados nesse sistema, visto que se observa a inclinação da polícia em tendenciar a punição para o segmento negro, bem como punir mulheres das camadas estigmatizadas⁸. Desse modo, o sofrimento ético político de mulheres que vivenciam a situação do encarceramento atinge a Saúde Mental à medida em que retrata uma dor que surge a partir da condição social de subalternização, sem valor ou utilidade, afetando o corpo e alma, objeto de mutilação da vida em diversas faces⁷.
A desconsideração das especificidades de gênero dentro do complexo prisional, atingem também o acesso digno de condições de saúde adequadas, como falta de absorventes, papel higiênico, negligência médica, negação de acesso ao controle reprodutivo, bem como de medicamentos³. Dessa maneira, essas constantes violações podem vir a impactar negativamente a saúde psíquica, já que o corpo é constituído por matéria biológica, emocional e social, sendo a morte não apenas o momento em que os órgãos falecem, mas também, a morte social advinda do decreto da comunidade, ou seja, morre-se em vida por exclusão, esquecimento e negligência⁷.
Sendo assim, pensar nos sujeitos e nas coletividades que sofrem, adentra em um campo fértil de reflexão para a ciência psicológica, que inserida na prisão tem a possibilidade de promover saúde mental visto as consequências experienciadas pelo cárcere, agindo na desconstrução das bases históricas, sociais e ideológicas que dão força para sua existência. As rotas para trilhar esse caminho, exigem uma postura crítica quanto ao legado do sistema prisional, oportunizando refletir sobre o que significa justiça e a noção punitiva como única estratégia de responsabilização. Partindo desse ponto, tem-se uma perspectiva ética para construção de uma sociedade democrática².
Dessa forma, cabe a ciência psicológica adentrar nesse contexto, considerando que segundo princípio fundamental número II do código de ética que rege a profissão⁹, o psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Devido a complexidade que envolve o sistema prisional, fazse necessário uma equipe de saúde que reoriente de forma constante o serviço de saúde mental dentro das penitenciárias ou mesmo um serviço de referência na rede de saúde mental com a finalidade de assegurar a continuidade da atenção à saúde das mulheres encarceradas¹⁰.
3 METODOLOGIA
Esse artigo trata-se de uma revisão integrativa da literatura, que pode ser conceituada como um método que proporciona a síntese de conhecimento e a integração de resultados de estudos na prática¹¹.
Sendo assim, a pesquisa foi realizada através de artigos publicados nos últimos 5 anos, isto é, entre 2017 e 2022, por meio das bases de dados científicas Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC), LILACS e Medline, o operacionalizada através do cruzamento dos descritores “Saúde da Mulher”, “Gênero” “Saúde
Mental” e “Encarceramento”, articulados por meio do operador booleano “AND”.
Os critérios de inclusão utilizados foram: artigos disponíveis na íntegra, no idioma Português e que estejam de acordo com a temática pesquisada. Em relação aos critérios de exclusão, serão eliminados os artigos encontrados em duplicidade nas bases de dados, estiverem incompletos, monografias, dissertações e teses.
A seleção dos artigos ocorreu em três etapas: 1ª Etapa: leitura dos títulos; 2ª Etapa:
leitura dos resumos; 3ª Etapa: leitura na íntegra. Também foram incluídos outros estudos contidos nas referências dos artigos selecionados anteriormente, cujos padrões de inclusão deverão ser obedecidos.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir do cruzamento dos descritores, foram encontradas 157 publicações nas bases de dados escolhidas mediante o percurso metodológico estabelecido. Na primeira etapa (Leitura de títulos), foram excluídos 120 trabalhos, sendo selecionados 37 títulos. Após a exclusão de 11 artigos por duplicação, passou-se para a segunda etapa (Leitura dos resumos), em que foram selecionados 26 para análise, totalizando 18 resumos excluídos. Na terceira etapa (Leitura na íntegra), foram lidos 8 artigos dos quais 2 foram excluídos por tratarem indiretamente da temática a qual nos propomos estudar. Dessa forma, foram selecionados 6 artigos para constituir o corpo da presente revisão integrativa.
Figura 1 – Fluxograma com os critérios de seleção dos artigos usados nos resultados e discussões.
Fonte: Elaboração das autoras (2023).
A partir da leitura dos 6 artigos, elaboramos duas categorias de análise: Violações de direitos e agravos na saúde de mulheres encarceradas e Apagamento das especificidades de gênero nas prisões. As duas categorias nortearam as nossas discussões.
4.1 VIOLAÇÕES DE DIREITOS E AGRAVOS NA SAÚDE DE MULHERES ENCARCERADAS
Levando em consideração os estudos que compõem a presente revisão, observa-se que estes fornecem um panorama amplo acerca das condições vivenciadas pelas mulheres em situação de cárcere no Brasil, transitando pelas violações de direitos e opressões de gênero identificadas. Dessa forma, o estudo proposto por Sousa et al. ¹² aponta-nos uma questão urgente voltada para alimentação no sistema penitenciário feminino, que a partir de entrevistas realizadas em presídios no estado da Paraíba constata que a fome torna-se instrumento penalizante, ou seja, a negação do acesso à alimentação se apresenta enquanto um castigo.
Além disso, os discursos das mulheres encarceradas descortinam uma realidade que viola a constituição cidadã, visto que, os alimentos nas prisões além de escassos, não são diversificados, o que acarreta má nutrição¹². Assim, as apenadas são expostas a diversos fatores de risco e potencial agravo à saúde em decorrência desse fator. A comida trazida pela família se apresenta não somente enquanto valor nutricional, como também se materializam os afetos e a manutenção de vínculos externos.
No entanto, de acordo com Leite ¹³, existe uma diferença entre o número de visitas recebidas por homens e mulheres em situações de cárcere, visto que, seguindo a ordem patriarcal existente, a mulher na estrutura familiar é concebida enquanto cuidadora, e ao ser encarcerada sua necessidade de cuidado é negligenciada. Com isso, se o alimento trazido nas visitas resgata o seu processo de identidade individual ¹², essas mulheres também sofrem o impacto de romper com suas famílias e consigo mesmas, enfrentando o esquecimento e não experienciando a carga afetiva do alimento trazido do seu lugar de referência enquanto casa.
Dessa forma, o aspecto nutricional e as condições sanitárias precárias atingem dimensões biológicas, como também psíquicas, afetando a saúde como um todo. Corroborando com esse aspecto, o estudo realizado por Aquino et al. ¹⁴, apresenta a autoavaliação do estado de saúde, realizado com 99 mulheres encarceradas que apresentavam o seguinte perfil: 20 a 39 anos, em sua maioria casadas, de cor de pele preta ou parda e de 5 a 8 anos de escolaridade, sendo o tráfico de drogas o maior responsável pelas prisões. Os resultados da pesquisa apontam para uma pior autoavaliação da saúde se comparada com as mulheres da população em geral. ¹⁴ Além disso, o estado de saúde que foi percebido como pior diz respeito aquelas mulheres que afirmam terem vivenciado tratamentos inferiores por outras em decorrência da sua aparência física, somado aquelas que apontam o risco de explosão da unidade prisional, bem como de quem sofreu queda durante o processo de cumprimento da pena ¹⁴. Um grande número de mulheres também descreveram sintomas ansiosos e depressivos, indicando que para além do corpo biológico, o processo de adoecimento advindo do contexto a qual estão inseridas impõe condições que intensificam as desigualdades sociais e interferem no bem-estar psicológico. ¹⁴
Levando tais questões em consideração, tem-se que o cárcere enquanto ambiente que dilacera subjetividades, pode vir a ser um mecanismo que impacta negativamente a Saúde Mental, visto a negação de direitos básicos como premissa de punição. Esse apontamento, remete-se a pesquisa realizada por Nunes e Macedo ¹⁵, que analisaram as condições do encarceramento feminino em um presídio misto. A existência de prisões nesse formato contradiz a lei de Execução Penal (LEP) n.º 7.210/84, que estabelece a divisão das unidades prisionais. Nesse sentido, o estudo aponta que em primeiro lugar, a situação de cárcere da mulher em presídio misto, já consta enquanto violação de direitos, além de denunciar o caráter de sexismo impregnado nas instituições.
Assim, a organização do sistema misto, obedece a estrutura da sociedade tendo em vista os interesses masculinos, e levando em consideração a pesquisa mencionada, observou-se essas questões na distribuição dos espaços, na oferta de trabalho e cursos na prisão, que para as mulheres estavam voltados para atividades tidas como femininas. Somado a isso, a revista no pavilhão feminino tinha um caráter vexatório e invasivo, ampliando a condição de subjugação das mulheres. ¹⁵
As questões que demandavam acompanhamento pela equipe de saúde mental diziam respeito a inexistência de locais voltados para o cuidado dos filhos e a permanência na prisão, que acarretava sofrimento psíquico acentuado. Desse modo, o cárcere torna-se para a mulher uma punição de maneira maximizada, visto que a organização institucional baseia-se em estruturas de cunho moral e masculinas, que regem a sociedade e seu alicerce sexista. ¹⁵
4.2 APAGAMENTO DAS ESPECIFICIDADES DE GÊNERO NAS PRISÕES
Ao analisar os textos selecionados, nota-se a discrepância do tratamento voltado às particularidades de gênero das prisões no Brasil. Geralmente, as especificidades de gênero mais atingidas no contexto carcerário estão referentes na saúde ginecológica, sexual e as necessidades de acompanhamento da gravidez ¹⁵. Segundo estudo realizado por Pinto et al ¹⁶, o encarceramento feminino não pode ser considerado equivalente ao masculino, uma vez que seu efeito sobre si, sua família, seus filhos e a sociedade em geral têm pesos distintos.
A partir de pesquisas realizadas por Aquino et al ¹⁴, um terço das mulheres entrevistadas relatou pior perspectiva de saúde em relação às condições de saúde pós-encarceramento, com comorbidades e sintomas de ansiedade. É nessa conjuntura, marcada pela intensa vulnerabilidade, que muitas mulheres enfrentam a maternidade. Diversos textos analisados abordam a violência sofrida por gestantes no contexto prisional, Pinto et al. ¹⁶, por exemplo, trazem depoimentos nos quais mulheres em cárcere descrevem a experiência materna em palavras como “difícil, distante, sofrimento, triste, culpa”. Além disso, a perda de laços afetivos e o abandono familiar são alguns dos principais elementos que diferenciam a maternidade dentro do contexto prisional. ¹⁶
Já com base no material elaborado por Germano, Monteiro e Liberato ¹⁷, durante o período de cárcere, as mulheres estão sujeitas a diversos tipos de violência, sejam elas mais explícitas, como dar à luz enquanto estão algemadas, ou menos evidente, como aqueles voltadas a arquitetura das selas, com a falta de creche ou ausência de vaso sanitário e um buraco no chão no lugar, ou até voltadas a higiene feminina, com acesso restrito a produtos como absorventes, levando-as a usarem miolos de pão para estancar o sangue, por exemplo.
O encarceramento feminino é coberto por uma atmosfera de ausências, além das violações de direito, retrato das instituições prisionais, as quais corroboram para além do isolamento penal e privação de liberdade, caracterizando-se como locais geradores de adoecimento mental daquelas sujeitas a tal. ¹⁶
Contrastando com a prisão masculina, o contexto prisional voltado ao gênero feminino afeta, além da privação de liberdade em si, as relações sociais das detentas. De acordo com Sousa ¹² e Cordeiro ¹⁸, é evidente a diferença da taxa de visitação das mulheres encarceradas em relação aos homens no mesmo contexto. Segundo os estudos supracitados, enquanto existem longas filas de visitação nas penitenciárias masculinas, nas penitenciárias femininas a realidade é totalmente diferente, na qual a maioria das mulheres não recebe nenhuma visita, nas raras ocasiões recebendo a de outras figuras parentais femininas.
Os materiais abordados retratam o reflexo do patriarcado no sistema carcerário, pois assim como na sociedade, espera-se que a mulher desempenhe o papel de cuidadora. Quando o homem está em situação de cárcere, espera-se que a mulher permaneça na relação e dê seguimento ao seu papel. Já quando a mulher está em situação de privação de liberdade, rompendo com a estrutura de papéis imposta pela sociedade, é esperado, e até aceitável que em relações heterossexuais, que seu cônjuge a abandone. ¹² e ¹⁸
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, ao analisar os materiais encontrados, foi possível visualizar como as prisões brasileiras não acolhem particularidades de gênero, estas sendo a falta de acesso à saúde ginecológica, falta de acompanhamento especializado para a gestantes, além da má nutrição. Também foi possível observar as disparidades de gênero quanto a questões sociais, pois, enquanto os homens continuam com sua rede de apoio presente no período de encarceramento, é socialmente aceito que as mulheres percam esse suporte. A justaposição desses fatores corrobora com a intensificação do sofrimento psíquico das mulheres em privação de liberdade.
Mediante aos resultados encontrados, observa-se que o objetivo geral desse artigo foi alcançado, visto que a partir dos estudos selecionados verificou-se que o encarceramento impacta na Saúde Mental das mulheres submetidas a tal. Assim, levando em consideração essa questão, tem-se que a desconsideração das especificidades de gênero, bem como a violações de direitos e condições sanitárias precárias, as mulheres sobrevivem em situações de intenso sofrimento psíquico, além da invisibilidade trazida pela condição de estar em cárcere, impactando em suas identidades e relacionamentos interpessoais.
Dessa forma, o presente artigo pode vir a contribuir para descortinar realidades apagadas, demonstrando o compromisso social e ético da Psicologia em buscar alternativas que andem contrárias à violência e negação de direitos básicos, visto que, o processo de saúde e doença não se liga somente a sintomas clínicos isolados, mas a questões estruturais da sociedade.
No que concerne às dificuldades na elaboração deste trabalho, tem-se a sobrecarga de atividades acadêmicas como um fator latente, corroborando para a falta de tempo e desgaste emocional, visto as obrigações com estágios supervisionados e disciplinas a cursar. No entanto, a afinidade com a temática e as orientações dadas durante o processo, foram primordiais para o desenvolvimento e elaboração da pesquisa.
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[1] Graduada em Psicologia pela Faculdade de Enfermagem Nova Esperança de Mossoró. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8257987947452210
[2] Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual da Paraíba. Mestra em Cognição, Tecnologias e Instituições pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9099086004683521
[3] Graduada em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Doutora em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus Avançado de Pau dos Ferros. Docente da Faculdade de Enfermagem Nova Esperança de Mossoró. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0562725197602978
[3] Graduado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Docente da Faculdade de Enfermagem Nova Esperança de Mossoró. Lattes:http://lattes.cnpq.br/6635706146608200
[4] Graduada em Psicologia pela Faculdade de Enfermagem Nova Esperança de Mossoró. Lattes:http://lattes.cnpq.br/7357100417954935