“OS IMPACTOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS À COMUNIDADE LGBT NO BULLYING SOFRIDO PELOS ALUNOS NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE SÃO PAULO”

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411300568


Prof. Ms. Cidclei Santos Guimarães


RESUMO

Este artigo tem como principal função contribuir nas compreensões das relações entre as políticas públicas atualmente aplicadas pela prefeitura de São Paulo nas escolas municipais, os conceitos pedagógicos e o bullying sofrido pela comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros). Esta reflexão tomou como fonte as atuais políticas públicas existentes na capital paulista, fazendo uma contraposição com as realidades das necessidades da comunidade LGBT e o papel desempenhado pelos profissionais da educação. A intenção deste artigo foi olhar a produção dessas políticas a partir das tensões presentes na interlocução da Pedagogia com demandas sociais por diminuição da desigualdade e construção de direitos sociais advindas do movimento LGBT. Deste modo, evidenciando a desconstrução de concepções naturalizadas, que geram inquietações aos indivíduos pela experiência escolar, bem como os conceitos que integram esta discussão, dos quais, é possível destacar o gênero, a sexualidade e a identidade de gênero. As metodologias aqui utilizadas serão embasadas: na pesquisa bibliográfica, que terá como foco tentar confrontar teorias relacionadas ao papel da pedagogia no processo de construção do homem-social, também será utilizada a pesquisa descritiva com o propósito de mapear alguns dados sobre a violência sofrida pela comunidade LGBT nas escolas e como eles se sentem em relação ao tema e a pesquisa documental, que irá analisar documentos primários (relatórios, leis, jornais, reportagens, etc.) para construir uma argumentação mas ampla de relatos e dados estatísticos. Como resultados e conclusões o artigo mostrou que a as políticas públicas de inclusão da comunidade LGBT nas escolas municipais de São Paulo tem se mostrado quase inexistente o que demonstra ser um desafio complexo, refletindo não apenas as dificuldades estruturais e educacionais, mas também os preconceitos e estigmas profundamente enraizados na sociedade, outro ponto é o despreparo de alguns professores com a temática da diversidade sexual e de gênero. Muito se tem a fazer para que esse abismo seja diminuído e que a comunidade LGBT se sinta mais amparada, menos invisibilizada e violada nos seus direitos.

Palavras-Chave: Pedagogia; Políticas Públicas; Gênero; Diversidade sexual; Comunidade LGBT

ABSTRACT

The main purpose of this article is to contribute to the understanding of the relationships between public policies currently implemented by the city of São Paulo in municipal schools, pedagogical concepts, and bullying suffered by the LGBT community (Lesbian, Gay, Bisexual, Transgender, and Transgender). This reflection was based on current public policies in the city of São Paulo, contrasting them with the realities of the needs of the LGBT community and the role played by education professionals. The intention of this article was to examine the production of these policies based on the tensions present in the dialogue between Pedagogy and social demands for reducing inequality and building social rights arising from the LGBT movement. In this way, it highlights the deconstruction of naturalized concepts that generate concerns in individuals regarding the school experience, as well as the concepts that are part of this discussion, of which it is possible to highlight gender, sexuality, and gender identity. The methodologies used here will be based on: bibliographical research, which will focus on trying to confront theories related to the role of pedagogy in the process of constructing the social man; descriptive research will also be used with the purpose of mapping some data on the violence suffered by the LGBT community in schools and how they feel about the topic; and documentary research, which will analyze primary documents (reports, laws, newspapers, news reports, etc.) to build a broader argument based on reports and statistical data. As results and conclusions, the article showed that public policies for the inclusion of the LGBT community in municipal schools in São Paulo have been almost non-existent, which proves to be a complex challenge, reflecting not only structural and educational difficulties, but also prejudices and stigmas deeply rooted in society. Another point is the lack of preparation of some teachers with the theme of sexual and gender diversity. Much needs to be done to reduce this gap and for the LGBT community to feel more supported, less invisible and less violated in its rights. 

Keywords: Pedagogy; Public Policies; Gender; Sexual Diversity; LGBT Community

1. Os conceitos e os métodos para uma reflexão

A reflexão aqui apresentada tem como objetivo levar para discussão alguns pontos relevantes para a criação de uma visão de como as políticas públicas na pedagogia vem se relacionando com temas sociais e em específico a relação de professores – escolas e a comunidade de jovens LGBT, fazendo um recorte nas escolas da capital de São Paulo. 

As metodologias aplicadas nesse artigo serão as seguintes: (I) realizar um levantamento juntos aos órgãos públicos municipais as políticas públicas existentes para a proteção e amparo da comunidade LGBT; (II) será utilizado também para análise bibliografias existentes na pedagogia que contribua na construção da análise crítica e (III) análise de material jornalístico que tenham tratado o bullying e a violência nas escolas com o público LGBT. Buscado sempre a imparcialidade nas análises e tendo como foco principal com o tema.

São pontos que devem ser alinhavados buscando um melhor esclarecimento do papel do professor em sala de aula como agente acolhedor, função essa que irá além do processo de ensinamento, as também mudar uma realidade que está presente nas escolas públicas não só da capital paulista, mas se faz presente em todas as escolas brasileiras públicas e particulares, estamos falando do bullying que jovens LGBT sofrem diariamente.

Para o pedagogo Paulo Freire em seu livro “A Pedagogia do Oprimido” (FREIRE, 1987), ele e argumenta que a sociedade se baseia na manutenção de uma estrutura de poderes desiguais de forma que favorece a relação de poder de um grupo domina o outro e os exploram. As formas de opressão, segundo ele, podem ser apresentadas de diferentes formas, como por exemplo: econômico, política, cultural e a educacional. 

“ Nenhuma pedagogia realmente libertadora pode ficar distante dos oprimidos, quer dizer, pode fazer deles seres desditados, objetos de um “tratamento” humanitarista, para tentar, através de exemplos retirados de entre os opressores, modelos para a sua “promoção”. Os oprimidos hão de ser o exemplo para si mesmos, na luta por sua redenção.” (FREIRE, 1987)  

O bullying contra jovens LGBT nas escolas públicas é um problema alarmante e persistente, que atinge profundamente a saúde mental e emocional de milhares de estudantes. Esse tipo de violência psicológica, verbal e, muitas vezes, física, resulta em consequências devastadoras: exclusão social, queda no desempenho acadêmico e uma sensação de isolamento que pode deixar cicatrizes para toda a vida. Quando pensamos em como abordar o bullying contra a juventude LGBT em escolas, é essencial considerar o pensamento de Paulo Freire, que oferece uma visão crítica sobre a opressão e propõe formas de resistência e conscientização.

As dinâmicas entre o opressor e o oprimido, expondo como a sociedade estabelece padrões de poder e exclusão que permitem que uma parte dos indivíduos seja marginalizada, desumanizada e alienada. No contexto do bullying contra jovens LGBT, a escola, que deveria ser um espaço seguro e inclusivo, muitas vezes se torna palco de atos de violência e preconceito que acabam reforçando estruturas de dominação e opressão. O agressor, na maioria das vezes, age embasado em valores culturais, políticos e religiosos em que ele se vê como a única forma aceitável. Dessa forma, aqueles que fogem desse padrão são considerados “estranhos” e, como consequência, acabam sofrendo a opressão. Vamos fazer uma breve reflexão, qual o papel da escola nesse caso? Qual o papel dos professores? Quais políticas públicas existem para reverter essa relação?

A importância de uma educação libertadora, onde o diálogo e a conscientização são usados para combater as estruturas de opressão e permitir que os oprimidos – nesse caso, jovens LGBT – possam se ver, se reconhecer e se valorizar como sujeitos de sua própria história. Esse processo passa, necessariamente, pela sensibilização de professores e gestores, que precisam assumir uma postura ativa contra o bullying, entendendo as dinâmicas de poder e preconceito em sala de aula. Através da transmissão não apenas de conteúdos programáticos, mas também levando os jovens a reflexão do seu papel na sociedade se apropriando do conhecimento e com ele buscar mudanças fazendo que os oprimidos se tornem agentes de sua própria libertação, por meio da compreensão e da transformação do contexto que os cerca.

A pedagogia exerce um papel central no desenvolvimento integral dos alunos, indo além da transmissão de conhecimentos técnicos e científicos. Nas escolas, ela é fundamental para a formação do caráter dos estudantes, ajudando-os a desenvolver valores éticos, habilidades sociais e competências emocionais que serão determinantes em suas vidas pessoais e profissionais.

O caráter, entendido como o conjunto de qualidades morais que definem a conduta de um indivíduo, é moldado por diversos fatores, como a família, o ambiente social e, significativamente, a educação escolar. Nesse contexto, a pedagogia atua como mediadora entre os conteúdos acadêmicos e as práticas educativas que promovem a ética, a cidadania e a convivência pacífica. Segundo Libâneo (2013), a prática pedagógica deve buscar “a formação do ser humano em sua totalidade, considerando tanto as dimensões cognitivas quanto as afetivas e éticas”.

Uma abordagem pedagógica que prioriza a formação do caráter é aquela que estimula o pensamento crítico e reflexivo, proporcionando aos alunos oportunidades para discutir dilemas morais e explorar valores como respeito, empatia e justiça. Paulo Freire (1996) enfatiza que o processo educativo deve ser dialógico, permitindo que os educandos se tornem sujeitos conscientes e responsáveis em suas comunidades. Assim, os professores, como mediadores, têm a responsabilidade de criar um ambiente propício para o aprendizado ético, promovendo o respeito mútuo e a inclusão.

Além disso, a escola, como instituição social, é um espaço privilegiado para a vivência e a prática de valores. O currículo escolar deve contemplar ações e projetos que incentivem a solidariedade, o trabalho em equipe e a resolução pacífica de conflitos. Nessa linha, Oliveira (2009) destaca que a pedagogia escolar é responsável por integrar a educação moral aos demais componentes curriculares, criando condições para o desenvolvimento pleno do caráter dos estudantes.

Portanto, o papel da pedagogia na formação do caráter dos alunos é indispensável. Ao promover práticas pedagógicas humanizadoras e propor diálogos com temáticas tão sensíveis como o bullying aos alunos LGBT, trazendo para a sala de aula não só o problema, mas junto com os alunos tentar encontrar soluções para que essa violência diária e muitas vezes cruel. Os jovens de hoje são abastecidos de muitas informações quase em tempo real e muitas dessas informações são proveitosas e muitas outras só aumentam a desinformação e a violência. A pedagogia, assim, se consolida como um instrumento transformador, capaz de formar cidadãos críticos e comprometidos com o bem-estar coletivo.

2. Bullying: Uma Realidade Alarmante no Ambiente Escolar

Nos últimos anos, o tema bullying tem crescido de maneira significativa entre jovens de 10 a 15 anos, tornando-se pauta de discussões acadêmicas e institucionais para encontrar soluções eficazes. Segundo dados do IBGE (2019), em cada dez alunos do 9º ano do ensino fundamental na cidade de São Paulo, quatro já sofreram bullying ou algum tipo de violência psicológica. Essa estatística reflete uma média nacional de 40,3%, demonstrando que o problema é um fenômeno disseminado em diversas regiões do Brasil.

O bullying manifesta-se de diversas formas, como verbal, físico, psicológico, social, cibernético, sexual, racial e acadêmico. Cada um desses tipos pode impactar profundamente a vítima, causando consequências emocionais, sociais e acadêmicas. Por exemplo, o cyberbullying, amplificado pela era digital, pode transformar redes sociais em ambientes hostis e levar vítimas ao isolamento ou mesmo à automutilação, como destaca Almeida et al. (2020).

Conforme a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), realizada pelo IBGE (2019), 32,1% dos meninos e 43,3% das meninas relataram ter sofrido bullying, com diferenças relacionadas ao sexismo exacerbando essas disparidades. O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, 2023) destacou ainda que 1 em cada 10 estudantes brasileiros é vítima de bullying e que 38% das escolas enfrentam dificuldades relacionadas ao problema.

Esses números são ainda mais preocupantes entre a comunidade LGBTQIA+. Pesquisa realizada pela Agência Senado (2022) revelou que:

  • 73% dos estudantes LGBTQIA+ relataram ter sofrido bullying;
  • 37% sofreram agressões físicas;
  • 70% não se sentem seguros nas escolas.

A omissão das instituições escolares em lidar com essas situações agrava o problema, levando a episódios extremos, como o caso do jovem Pedro Henrique, de 14 anos, que cometeu suicídio após sofrer bullying homofóbico em uma renomada escola da capital paulista.

Conforme Paulo Freire (1970), a educação tem um papel central na transformação social, servindo como um instrumento de libertação e empoderamento. Incorporar práticas pedagógicas inclusivas e humanizadoras pode ajudar as escolas a se tornarem espaços de acolhimento e respeito às diferenças. A pedagogia freiriana enfatiza o diálogo, a escuta ativa e a valorização das vivências individuais como pilares para a criação de uma comunidade educativa transformadora.

Apesar da gravidade do problema, políticas públicas específicas voltadas para combater o bullying e promover inclusão ainda são insuficientes. Segundo dados do Centro de Empreendedorismo Social e Administração do Terceiro Setor (2019), 70% dos alunos relataram ter presenciado bullying em escolas públicas e privadas, refletindo uma lacuna na implementação de programas educativos.

No entanto, iniciativas como a Lei nº 13.185/2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), representam avanços importantes. Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) destacam a importância de uma educação que valorize a tolerância e os direitos humanos (Brasil, 1990; 1996).

A formação continuada de professores e a criação de espaços seguros são essenciais para combater o bullying nas escolas. Estudos mostram que a capacitação dos educadores contribui significativamente para a redução de casos de violência escolar (Dayrell et al., 2019). Diretores, coordenadores e outros profissionais da educação precisam estar preparados para implementar estratégias que promovam um ambiente inclusivo e respeitoso.

O bullying não é apenas um problema escolar, mas uma questão social que requer atenção integrada de educadores, gestores públicos e sociedade civil. Como Freire (1996) argumenta, “a educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”. É fundamental que políticas públicas sejam aplicadas de forma eficiente para garantir que as escolas deixem de ser espaços de opressão e se tornem ambientes de acolhimento e crescimento humano.

3. As políticas públicas aplicadas à comunidade LGBT nas escolas da capital paulista.

As políticas públicas na educação consistem em ações governamentais nos âmbitos nacional, estadual e municipal, voltadas ao desenvolvimento do sistema pedagógico e à garantia do direito à educação, conforme previsto na Constituição Federal de 1988 (Art. 205). Essas políticas, ao incluir questões de gênero e sexualidade, desempenham um papel crucial na promoção da igualdade, respeito às diferenças e no combate à discriminação e violência (BRASIL, 1988; JUNQUEIRA, 2009).

Contudo, as políticas voltadas para questões de gênero e sexualidade frequentemente enfrentam resistência, especialmente no ensino fundamental, onde há receio de que os adolescentes sejam expostos a estereótipos de gênero. Essa resistência é alimentada por debates ideológicos que envolvem padrões religiosos e sociais, muitas vezes sustentados por grupos de pais, professores e diretores que interpretam essas iniciativas como “doutrinação” (LOURO, 1997).

Na cidade de São Paulo, diversas iniciativas têm buscado superar essas barreiras. Entre elas, destacam-se:

  • Formação de profissionais da educação para a cidadania e diversidade sexual;
  • Iniciativas de promoção da diversidade sexual e igualdade de gênero nas escolas;
  • Programas como o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (PNDCDH-LGBT).

Além disso, a Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo possui um departamento específico para tratar das demandas da comunidade LGBTQIA+, desenvolvendo projetos voltados ao acolhimento em escolas e outras áreas da cidade. Entre as iniciativas com maior impacto está o Programa Transcidadania, criado em 2008, que promove a reintegração social de travestis, mulheres transexuais e homens trans em situação de vulnerabilidade. Esse programa utiliza a educação inclusiva como ferramenta principal, oferecendo acompanhamento psicológico, jurídico, social e pedagógico, além de qualificação profissional. Os participantes recebem uma bolsa-auxílio vinculada a sua frequência escolar, demonstrando a integração entre políticas sociais e educacionais (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2023).

Mesmo assim, há desafios no enfrentamento da homofobia e no preparo de educadores para tratar dessas temáticas. Muitos professores relatam dificuldades em abordar o tema devido à falta de formação ou ao medo de rejeição por parte de alunos e pais (JUNQUEIRA, 2009). Por exemplo, frases como “Estão ensinando meu filho a ser gay” refletem o impacto das barreiras religiosas e sociais na implementação de políticas públicas (LOURO, 1997).

Casos de violência contra estudantes LGBTQIA+ destacam a urgência de medidas mais eficazes. Em Arujá (SP), um estudante de 16 anos sofreu bullying prolongado, culminando em agressões físicas. A omissão da escola e de outros órgãos de proteção ilustra as lacunas no enfrentamento à violência escolar (G1, 2022). Essa situação reforça a importância de implementar políticas que promovam ambientes escolares seguros e inclusivos.

Portanto, é essencial capacitar os profissionais da educação, sensibilizar a comunidade escolar e articular políticas que combatam os preconceitos. Tais esforços são fundamentais para garantir o direito à educação inclusiva, conforme preconizado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996).

O Estado de São Paulo e a Prefeitura de São Paulo possuem políticas públicas importantes para a promoção dos direitos da comunidade LGBTQIA+, como:

  • Lei Estadual nº 10.948/01: Proíbe a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, punindo administrativamente quem a praticar (SÃO PAULO, 2001).
  • Decreto 58.228/18: Garante o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero em todos os órgãos da Administração Pública Municipal (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2018).
  • Política Municipal de Saúde Integral da População LGBTIA+: Composta por sete eixos, incluindo atenção integral à saúde, promoção da saúde e prevenção de doenças.

Apesar desses avanços, a aplicação de políticas voltadas especificamente ao ambiente escolar ainda é limitada. Poucas iniciativas tratam diretamente do bullying e das dificuldades enfrentadas por estudantes LGBTQIA+ no ensino fundamental e médio. Além disso, a qualificação insuficiente de professores e diretores para lidar com situações de violência e discriminação contribui para um ambiente escolar hostil. Estudos mostram que a falta de preparo dos profissionais impede a promoção de um espaço seguro e inclusivo, agravando casos de evasão escolar e problemas de saúde mental entre os alunos (JUNQUEIRA, 2009; LOURO, 1997).

Desde 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou a LGBTfobia ao crime de racismo, reforçando a importância de medidas protetivas. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/96, o ensino deve ser baseado no “respeito à liberdade e apreço à tolerância”. No entanto, essa criminalização nem sempre se traduz em ações eficazes no ambiente escolar. A Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil (2016) revelou que estudantes LGBTQIA+ enfrentam agressões constantes, o que impacta negativamente seu desempenho acadêmico. Muitos relatam que chegaram a cogitar o suicídio devido à violência sofrida (UNESCO, 2016).

No município de São Paulo, há uma preocupante redução no número de escolas públicas com projetos voltados ao combate à homofobia, racismo e machismo. Conforme levantamento do Todos Pela Educação (2023), apenas 25,5% das escolas no Brasil relataram ações de combate à discriminação em 2021, uma queda significativa em comparação aos 43,7% registrados em 2017. Essa redução reflete uma regressão preocupante no enfrentamento da LGBTfobia nas escolas paulistanas, onde apenas um quarto das instituições trabalha ativamente para combater preconceitos.

A evasão escolar é uma das principais consequências desse ambiente hostil. Dados da Prefeitura de São Paulo indicam que mais de 20% dos jovens LGBTQIA+ abandonam os estudos por não se sentirem seguros. Esse abandono, por sua vez, limita suas oportunidades de qualificação profissional, levando muitos à marginalização e à prostituição. Estudos mostram que a evasão escolar não apenas prejudica os indivíduos, mas também impacta negativamente a economia do país, reforçando a importância de ações inclusivas (IPEA, 2018).

Um exemplo positivo no enfrentamento dessa realidade é a história de Paula Beatriz de Souza Cruz, a primeira diretora trans da rede pública de São Paulo. À frente da Escola Estadual Santa Rosa de Lima desde 2023, Paula promove ações inclusivas baseadas em sua própria experiência como vítima de bullying escolar. Segundo ela, “a revolução começa na Educação Infantil, continua no Ensino Fundamental e, futuramente, chega na sociedade” (UOL, 2022). Ela defende a desconstrução de estereótipos de gênero desde cedo, permitindo que crianças tenham liberdade de vivenciar brincadeiras e papéis sem imposições sociais, promovendo respeito e igualdade.

No entanto, Paula reconhece que o caminho para a inclusão não é fácil, destacando o despreparo e o medo de muitos professores. Em um cenário onde o conceito de “família” também está em transformação, com diversas configurações familiares, a conscientização e a formação sobre esses temas precisam ser apoiadas por governantes, educadores e famílias para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

4. Conclusão e Propostas de Ação: Avanços e Desafios na Construção de um Ambiente Escolar Inclusivo

O enfrentamento ao bullying contra jovens LGBT nas escolas da capital paulista exige uma abordagem integrada e efetiva, que combine a aplicação de políticas públicas existentes com novas iniciativas capazes de superar as lacunas identificadas. Apesar dos avanços, como a implementação da Lei Estadual nº 10.948/01 e do Decreto 58.228/18, que reforçam a proteção e a inclusão da população LGBT em espaços públicos, ainda há desafios substanciais na transformação do ambiente escolar em um local seguro e acolhedor.

Um dos principais problemas identificados é a falta de articulação e implementação prática de políticas públicas voltadas ao combate à violência e à discriminação nas escolas. Dados indicam que o despreparo de professores e gestores escolares contribui para a perpetuação de ambientes hostis, agravando a evasão escolar entre jovens LGBT. Algumas ações são necessárias e devem ser cobradas não só pela comunidade LGBT mas a sociedade como um todo, como por exemplo: Uma formação continuada para os professores, desde da pré-escola até os que lecionam para os 18+, com programas obrigatórios de capacitação de professores e gestores escolares sobre diversidade, inclusão e enfrentamento ao bullying, outra medida seria desenvolver materiais didáticos inclusivos e promover o diálogo constante com especialistas em pedagogia e direitos humanos. O fortalecimento das políticas públicas já existentes seria uma outra frente necessária que iria contribuir muito no combate ao bullying, atualmente algumas não são praticadas, ficando apenas no âmbito teórico e não no prático, expandir iniciativas como o Programa Transcidadania para abranger não apenas jovens em situação de vulnerabilidade, mas também todos os alunos LGBT em escolas públicas e privadas, ampliar o alcance da Lei nº 13.185/2015, assegurando que todas as escolas implementem programas de combate à intimidação sistemática com monitoramento e fiscalização efetiva. Criar espaços permanentes de discussão sobre cidadania e direitos humanos no currículo escolar, com abordagens interdisciplinares e participativas, estimular projetos que promovam a inclusão de jovens LGBT, como clubes de apoio, rodas de conversa e atividades culturais que fomentem a empatia e o respeito às diferenças, desenvolver sistemas de monitoramento para avaliar os impactos das políticas públicas nas escolas e acompanhar a redução de casos de bullying. Se esses pontos propostos aqui forem amplamente realizados, talvez possamos diminuir a violência sofrida pela comunidade LGBT.

A dificuldade de criação de leis de fortalecimento do combate ao bullying com os LGBTs infelizmente barram nos conceitos ideológicos, religiosos e sociais, porém é necessário sempre estarmos na busca de novos projetos que possam virar Leis, no âmbito estadual e municipal que tratem da capacitação obrigatória em direitos humanos para profissionais da educação, como o Projeto de Lei nº 438/2022, que visa incluir diretrizes para o combate à LGBTfobia nas escolas. Na esfera municipal, a PMSP pode fortalecer o papel da Secretaria de Direitos Humanos ao ampliar recursos para programas de apoio e sensibilização voltados às comunidades escolares.

Avanços são necessários para um futuro inclusivo e a luta contra o bullying nas escolas não é apenas uma questão de implementar leis e políticas públicas; é, acima de tudo, um esforço coletivo para transformar a mentalidade e as práticas culturais que perpetuam a exclusão. A pedagogia libertadora de Paulo Freire oferece uma base sólida para a construção de um modelo educacional que promova o respeito, a igualdade e o empoderamento dos jovens LGBT.

Embora São Paulo conte com algumas das iniciativas mais avançadas do país, como o uso do nome social e programas de diversidade, o impacto dessas ações ainda é limitado pela falta de integração entre as políticas públicas e a realidade cotidiana das escolas. É urgente priorizar o diálogo com educadores, alunos e a comunidade escolar para superar as barreiras ideológicas e estruturais que impedem o pleno desenvolvimento de um ambiente educativo inclusivo.

Com o engajamento das diferentes esferas governamentais, da sociedade civil e da comunidade escolar, é possível reverter o cenário atual e garantir que jovens LGBT não apenas permaneçam na escola, mas se sintam valorizados como protagonistas de suas histórias. A educação, quando fundamentada em práticas inclusivas e humanizadoras, pode cumprir seu papel transformador, criando as bases para uma sociedade mais justa, solidária e igualitária.

A Prefeitura de São Paulo tem incentivado a criação de espaços seguros em escolas públicas, onde estudantes possam discutir questões relacionadas à diversidade, como: Grupos de apoio e escuta ativa, coordenados por psicólogos escolares, esses grupos oferecem suporte emocional e promovem discussões sobre inclusão; Centros de referência da diversidade (CRD), esses centros oferecem acolhimento a jovens LGBTQIA+ e suas famílias, incluindo suporte para enfrentamento de situações de violência escolar. Combinando esforços pedagógicos e políticos, é possível avançar na criação de escolas mais inclusivas e acolhedoras, garantindo que estudantes LGBTQIA+ tenham acesso a uma educação de qualidade, livre de violência e preconceitos.

A luta da comunidade LGBT+ por igualdade, respeito e representatividade tem se intensificado ao longo das últimas décadas, mas ainda enfrenta barreiras significativas em diversos setores da sociedade brasileira. Um dos campos mais sensíveis e desafiadores para essa batalha é a educação, especialmente nas escolas públicas de São Paulo, onde a falta de políticas públicas efetivas compromete o bem-estar e o desenvolvimento de crianças e adolescentes que se identificam como LGBT+. A mobilização da comunidade LGBT+ no Brasil começou a ganhar visibilidade a partir dos anos 1970, em um contexto de repressão pela ditadura militar. Durante essa época, ser LGBT+ era visto como uma ameaça à moralidade e à ordem social. Mesmo após a redemocratização em 1985, a discriminação persistiu, muitas vezes apoiada por discursos religiosos e culturais enraizados no preconceito.

Nos últimos anos, avanços importantes foram conquistados, como a criminalização da homofobia pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, que equiparou atos de discriminação contra pessoas LGBT+ ao crime de racismo. No entanto, a implementação de direitos garantidos na esfera legal ainda esbarra em resistências políticas e culturais A luta por inclusão e igualdade para a comunidade LGBT+ é um reflexo da busca por uma sociedade mais justa e solidária. Embora avanços tenham sido conquistados, os desafios são imensos, especialmente no campo da educação.

Podemos concluir que nas escolas públicas de São Paulo, a ausência de políticas públicas eficazes perpetua a exclusão e o sofrimento de estudantes LGBT+, comprometendo seu futuro e negando-lhes o direito a uma educação digna e respeitosa. Para mudar esse cenário, é necessário que a sociedade como um todo – governos, escolas, famílias e organizações – se mobilize para promover um ambiente inclusivo, onde cada aluno, independentemente de quem seja, possa aprender e crescer sem medo de ser quem é. A luta não é apenas da comunidade LGBT+, mas de todos que acreditam em um mundo onde a diversidade é celebrada e os direitos humanos são respeitados. Como professor e integrante da LGBT sei o que é sofrer bullying e discriminação por parte de outros alunos e também por parte de outros colegas e pela direção de escolas, nos meus mais de 20 anos lecionando, pouco presenciei ações efetivas nas escolas tanto municipais, estaduais e particulares, pelo contrário o tema sempre foi um tabu e era tratado como algo proibido de se tratar ou debater com os alunos. Essa é uma triste realidade que povoa o ambiente acadêmico e que se não forem tomadas urgentemente medidas mais duras e contínuas que envolvam os professores, os alunos, a comunidade LGBT e os pais, pouco progresso será alcançado e teremos cada vez mais violência, abandono e marginalização de uma comunidade que luta pelo simples direito de existir. 

5 Referências 

  • Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.
  • Libâneo, J. C. (2013). Didática. São Paulo: Cortez.
  • Oliveira, Z. (2009). Educação e valores: A importância da escola na formação moral. São Paulo: Loyola.
  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
  • BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.
  • JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: UNESCO, 2009.
  • LOURO, Guacira Lopes. Corpo, gênero e sexualidade: uma reflexão sobre a diferença na escola. Educação e Pesquisa, São Paulo, 1997.
  • Almeida, A. C., Silva, R. C., & Martins, F. J. (2020). O impacto do bullying escolar: Aspectos sociais e emocionais. Editora Acadêmica.
  • Brasil. (1990). Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
  • Brasil. (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
  • Freire, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra.
  • IBGE. (2019). Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
  • PISA. (2023). Programa Internacional de Avaliação de Estudantes.
  • PREFEITURA DE SÃO PAULO. Transcidadania. Disponível em: [site oficial]. Acesso em: 09 nov. 2024.
  • G1. Adolescente é espancado por ser gay em Arujá (SP). 2022. Disponível em: [site oficial]. Acesso em: 11 nov. 2024.
  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
  • BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.
  • JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília: UNESCO, 2009.
  • LOURO, Guacira Lopes. Corpo, gênero e sexualidade: uma reflexão sobre a diferença na escola. Educação e Pesquisa, São Paulo, 1997.
  • PREFEITURA DE SÃO PAULO. Decreto 58.228/18. Disponível em: [site oficial]. Acesso em: 15 nov. 2024.
  • UNESCO. Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil: As experiências de adolescentes e jovens LGBT em nossos ambientes educacionais. Brasília: UNESCO, 2016.
  • UOL. Diretora trans Paula Beatriz e a luta por inclusão nas escolas. 2022. Disponível em: [site oficial]. Acesso em: 19 nov. 2024.
  • TODOS PELA EDUCAÇÃO. Levantamento sobre discriminação nas escolas brasileiras. 2023. Disponível em: [site oficial]. Acesso em: 20 nov. 2024.