OS IMPACTOS DAS FAKE NEWS POTENCIALIZADO PELA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NOS RESULTADOS DE CAMPANHAS ELEITORAIS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202408192037


Dennis Miguel Dias Marques de Oliveira1
Daniel Monteiro da Silva2


RESUMO

Considerando que a tecnologia da inovação traz benefícios, mas também impactos negativos na sociedade e nas relações humanas, um estudo bibliográfico foi realizado com objetivo de investigar a influência do uso de algoritmos de inteligência artificial para disseminação de Fake News sobre opinião pública, bem como a sua tomada de decisão no processo de escolhas de candidatos à cargos majoritários que, pode comprometer a integridade do processo eleitoral. Foi realizada uma revisão bibliográfica sobre o objeto de estudo, partindo da leitura sistemática de artigos científicos publicados e selecionados por meio das bases de dados Google Acadêmico e SCIELO. Além disso, foram estudados casos práticos em que a IA foi usada para propagar informações falsas em contextos eleitorais e as possíveis mudanças nos resultados das eleições, exemplificando os desafios éticos enfrentados na aplicação de inteligência artificial em contextos eleitorais, desinformação e comunicação política.  

A análise dos resultados mostra que o estudo de caso de eleições recentes, indica que o uso de fake News potencializada pela inteligência artificial pode induzir o eleitor a erros e, comprometer a sua liberdade de escolha nas eleições, influenciando diretamente na ética e nos responsáveis do uso das ferramentas tecnológicas na sociedade e nas relações humanas quanto ao seu poder de decisão e escolha de candidatos. Urge, portanto, a necessidade de medidas governamentais, regulação das redes sociais e plataformas digitais como garantia de campanhas eleitorais mais justas e transparentes, preservando a integridade democrática. 

Palavras-chave: Inteligência Artificial. Fake News. Campanhas Eleitorais. Desinformação. Ética da IA. Transparência Eleitoral.

ABSTRACT

Considering that innovation technology brings benefits, but also negative impacts on society and human relations, a bibliographic study was carried out with the objective of investigating the influence of the use of artificial intelligence algorithms to disseminate Fake News on public opinion, as well as the their decision-making in the process of choosing candidates for majority positions, which may compromise the integrity of the electoral process. A bibliographic review was carried out on the object of study, based on the systematic reading of scientific articles published and selected through the Google Scholar and SCIELO databases. Furthermore, practical cases were studied in which AI was used to propagate false information in electoral contexts and possible changes in election results, exemplifying the ethical challenges faced in the application of artificial intelligence in electoral contexts, disinformation and political communication.  

The analysis of the results shows that the case study of recent elections indicates that the use of fake news enhanced by artificial intelligence can induce voters to make mistakes and compromise their freedom of choice in elections, directly influencing ethics and those responsible for the election. use of technological tools in society and in human relations regarding their decision-making power and choice of candidates. Therefore, there is an urgent need for government measures, regulation of social networks and digital platforms to guarantee fairer and more transparent electoral campaigns, preserving democratic integrity. 

Keywords: Artificial Intelligence. Fake News. Election Campaigns. Disinformation. AI ethics. Electoral Transparency.

1. INTRODUÇÃO

As inovações tecnológicas proporcionaram mudanças substanciais na qualidade de vida e das pessoas, mas também, podem causar muitos impactos negativos na sociedade e nas relações humanas. É notório que, o avanço tecnológico cresce exponencialmente ao passo de que, o avanço legislativo regulamentador das tecnologias é muito discreto, sendo este fator, provavelmente, o que mais impacta negativamente nas relações humanas e sociais. 

No Brasil, por exemplo, não há tipificação prevista na legislação penal que criminalize a ação do sujeito em divulgar fake News potencializada pela divulgação em massa com o uso da Inteligência Artificial (IA). No entanto, a consequência devido a divulgação de fake News pode ser caracterizado como crime, uma vez que pode gerar tipicidade, ilicitude e culpabilidade (JusBrasil, 2024).

De acordo com a Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) e Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, se as redes sociais não forem regulamentadas, elas poderão ser controladas por indivíduos que abusam da liberdade de expressão para disseminar inverdades1.

Pode-se inferir que se não houver a regulação das redes sociais como medidas mitigadoras para evitar as consequências da propagação de fake News, as pessoas irão padecer de forma cruel.

Especificamente nas campanhas eleitorais brasileiras, notadamente nos últimos anos, a IA é ferramenta importante nas campanhas eleitorais e, deve-se intensificar ainda mais nas eleições que estão por vir, sendo um tema bastante atual e que deve ser de muita procura por ser um ano de eleições. Essa tecnologia é imensurável na dimensão do pensamento humano, uma  vez que revolucionou o modo de interação humana, criatividade e, sobretudo, na distribuição de conteúdos. 

Por exemplo, por meios de automações, a IA tem o potencial de transformar a comunicação política, tornando-a mais eficiente e personalizada. Além disso, possibilita a criação de conteúdos de maneira mais rápida e precisa, atendendo a demandas específicas e ampliando horizontes, como também pode interagir com mais pessoas simultaneamente. Ao integrar essas tecnologias, podem alcançar níveis de inovação e produtividade nunca antes imaginados, impulsionando a campanha.

Entretanto, esse mesmo sistema de inteligência artificial, da mesma forma que pode ser usado de forma positiva, também pode ser danoso ao processo eleitoral. As famosas “deepfakes”, por exemplo, que usam a IA para gravações de voz e imagens de alta precisão, podem ser usadas como propulsora de fake News, ou para agravar a honra de candidatos adversários e induzir o eleitor na escolha do candidato. Essa pauta merece ser debatida, tanto do ponto de vista ético e pelo ponto de vista jurídico, quais sanções podem ser aplicadas para este tipo de conduta e quais são as diretrizes legais que regulamentam essas ferramentas.

Outro quesito interessante a ser discutido em relação às campanhas eleitorais é a proteção dos dados captados através da inteligência artificial e sua conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). É essencial garantir que a coleta e o uso desses dados estejam em conformidade com a legislação vigente, assegurando a manutenção adequada e prevenindo o vazamento de informações sensíveis. 

A integridade e a segurança dos dados são cruciais para proteger a privacidade dos eleitores e manter a confiança no processo eleitoral. Assim, as campanhas eleitorais devem adotar rigorosos protocolos de segurança e transparência no uso de IA para garantir que os dados sejam utilizados de maneira ética e legal, evitando abusos e protegendo os direitos dos cidadãos.

Ao longo dos anos, diversas estratégias foram desenvolvidas para obter êxito político e, as “notícias falsas” ou fake News ganharam destaque. A propagação de fake News na internet, tanto a favor quanto contra candidatos, pode influenciar na tomada de decisão do eleitor no mundo inteiro, incluindo as últimas eleições brasileiras, as eleições presidenciais nos Estados Unidos, o referendo do Brexit, entre outras. 

As redes sociais, inicialmente foram projetadas para facilitar a comunicação dos candidatos, a interação e o compartilhamento de ideias entre as pessoas tornaram-se gradualmente fontes principais de informação para muitas pessoas. Nesse contexto, indivíduos ou grupos com más intenções empregam uma variedade de táticas, como o uso de Inteligência Artificial em conjunto com fake News, que é o foco desta análise, para disseminar informações falsas. 

Como consequência, indivíduos que não verificam a autenticidade das informações e que já possuem uma predisposição política e acabam acreditando e disseminando essas notícias falsas entre seus contatos que circulam com muita rapidez. Esse comportamento reforça a popularidade de certos candidatos, enquanto difama seus adversários com inverdades e acusações infundadas.

Esse cenário evidencia a necessidade urgente de um debate mais profundo e de regulamentações eficazes sobre o uso da inteligência artificial no contexto eleitoral. A propagação de fake News facilitada por tecnologias avançadas não só ameaça a integridade das eleições, mas também a confiança pública no processo democrático. 

Portanto, é essencial que legisladores, plataformas digitais e a sociedade como um todo colaborem para desenvolver mecanismos que mitiguem os riscos associados à IA, garantindo que essa poderosa ferramenta seja utilizada de forma ética e responsável, promovendo a transparência e a equidade nas campanhas eleitorais. Somente através de um esforço conjunto poderemos assegurar que a inovação tecnológica contribua positivamente para a democracia, ao invés de comprometê-la.

Levando-se em consideração esses aspectos, alguns estudos bibliográficos foram realizados com objetivo de investigar a influência do uso de algoritmos de inteligência artificial para disseminação de Fake News sobre a percepção e comportamento dos eleitores na tomada de decisão em processo de escolhas de candidatos à cargos majoritários que, pode comprometer a integridade do processo eleitoral. 

Além disso, o artigo aponta diversas medidas mitigadoras para evitar o uso de Fake News, tendo como objeto principal de estudo as campanhas eleitorais. 

2. Abordagem metodológica

A abordagem metodológica da pesquisa foi a revisão bibliográfica, analisando os casos práticos, estudo de casos concretos e ênfase nos princípios éticos, sendo realizada uma revisão bibliográfica sobre o objeto de estudo, partindo da leitura sistemática de artigos científicos publicados e selecionados por meio das bases de dados Google Acadêmico, SCIELO, periódicos, com o resumo e fichamento de cada obra, ressaltando os pontos abordados pelos autores pertinentes ao assunto em questão. Na revisão buscou-se identificar e compreender os fundamentos da ética da inteligência artificial, direitos humanos e políticas eleitorais.

Além disso, foram analisados casos práticos de utilização de algoritmos em campanhas eleitorais para a divulgação em massa de fake News que, possivelmente pode ter alterado os resultados das eleições com interferência na liberdade de escolha dos eleitores, buscando entender as implicações éticas e os impactos negativo causados pelo uso indevido da IA. A pesquisa também envolveu a coleta e a análise de dados qualitativos e quantitativos, quando disponíveis, para identificar padrões e tendências, permitirá uma compreensão mais aprofundada das questões éticas envolvidas.

Por fim, a pesquisa enfatizará os princípios éticos essenciais, como transparência, equidade, proteção da privacidade, diversidade e inclusão, visando garantir a integridade do processo eleitoral. As conclusões foram elaboradas com base nos resultados obtidos, contribuindo para o debate sobre o desenvolvimento e utilização ética de algoritmos de inteligência artificial em campanhas eleitorais e as possíveis medidas mitigadoras para evitar os impactos negativos da IA nas relações humanas e sociais.

2.1 Métodos de Avaliação do Comportamento Eleitoral

A revisão da literatura revela diversos métodos empregados para avaliar o impacto das fake News no comportamento eleitoral e as pesquisas qualitativas e quantitativas foram utilizadas para mensurar as mudanças na percepção e comportamento dos eleitores. Estudos de caso, análises de redes sociais, pesquisas de opinião pública e experimentos controlados são algumas das abordagens utilizadas para investigar como a exposição a desinformação afeta as decisões eleitorais (PENNYCOOK; RAND, 2018; VOSOUGHI; ROY; ARAL, 2018)

3. Resultados e Discussão 

3.1 Impacto das Fake News e IA no resultado das Eleições

A disseminação de fake News em campanhas eleitorais não é um fenômeno recente, no entanto, com o auxílio da inteligência artificial (IA) aumentou exponencialmente a capacidade de propagar essa prática que prejudica e deixa em dúvida a escolha por vias democráticas dos candidatos. A utilização de algoritmos de IA na criação e distribuição de desinformação representa um desafio significativo para a integridade dos processos democráticos. 

Estudos indicam que a capacidade desses algoritmos de segmentar e influenciar audiências específicas tem implicações profundas na formação da opinião pública e nas decisões eleitorais (Allcott & Gentzkow, 2017; Tucker et al., 2018). A seguir, há a análise científica de estudos de casos nas eleições em que o direito de escolha dos eleitores foi violado devido a propagação em massa de fake News. 

 Caso 1: Eleições Presidenciais nos Estados Unidos (2016)

A eleição presidencial de 2016 nos Estados Unidos é um dos exemplos mais estudados sobre o impacto das fake News e, várias pesquisas indicam que a disseminação de notícias falsas, propagadas por bots e algoritmos de IA, foram cruciais na formação da opinião pública (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017). Estudos sugerem que eleitores expostos a essas informações desenvolveram percepções distorcidas sobre os candidatos, afetando suas decisões de voto.

Especificamente, nas eleições presidenciais dos Estados Unidos de 2016, considerado o país mais democrático do mundo, o uso de Fakes News pode ter influenciado significativamente nas escolhas dos eleitores, considerando a relação direta entre a propagação em massa de Fake News pelo candidato ou equipe de campanha e o resultado final producente ao candidato que mais divulgou notícias falsas. Um levantamento feito pelo jornal “Washington Post” em julho mostrou que Trump já fez mais de 20 mil declarações não verdadeiras desde que assumiu a presidência, em janeiro de 2017. Apenas sobre o coronavírus, o jornal estimou que ele tenha dito mais de mil frases enganosas ou mentirosas do início da pandemia até julho (G1, 2024).

No Quadro 1, são demonstradas as Fakes News que marcaram a história política e a campanha de Donald Trump, presidente americano eleito em 2016, o que, provavelmente, pode ter influenciado no voto do eleitor.

Quadro 1. As Fakes News mais famosas de Donald Trump durante a campanha eleitoral de 2016 para presidência dos Estados Unidos da América.

Fake NewsDescrição
Obama não é americanoEm 2011, Trump se converteu no mais famoso porta-bandeira de um movimento chamado “birther”, que questionava se o ex-presidente americano, Barack Obama, era mesmo nascido nos Estados Unidos. Durante um debate eleitoral com a então candidata democrata Hillary Clinton, em 2016, Trump finalmente admitiu que o presidente americano é americano mesmo.
México envia estupradores e outros criminosos para os EUAEm 8 de julho de 2015, em um programa de televisão, Trump acusou o México de enviar criminosos deliberadamente para os Estados Unidos como imigrantes ilegais. Dias antes, no lançamento de sua campanha, ele havia feito uma generalização comparando imigrantes ilegais hispânicos a estupradores.
Democratas criaram o Estado IslâmicoEm 2016, Trump afirmou em algumas entrevistas que a então candidata Hilary Clinton e o presidente Barack Obama haviam criado o Estado Islâmico, grupo militante islâmico.
Fonte: G1 Mundo (2024)

Cada notícia falsa pode levar à destruição ou desqualificação de adversários políticos e, por conseguinte, ser decisiva no processo de escolha dos eleitores. No Quadro 1, observa-se que, quando o então candidato Donald Trump criticou os imigrantes mexicanos, ele conquistou o apoio de eleitores americanos que compartilham sentimentos contrários aos imigrantes. Esse tipo de discurso foi um fator relevante no processo de escolha dos eleitores. Na ocasião, Trump afirmou que o México estava enviando ao país pessoas com problemas, mencionando crimes e outros atos ilícitos, ao mesmo tempo em que assumia que alguns dos imigrantes poderiam ser boas pessoas2.

Em 2016, durante uma entrevista ao canal CNBC, Trump acusou a então candidata Hilary Clinton e o presidente Barack Obama de serem responsáveis pela criação do Estado Islâmico. Ele chegou a declarar que Obama era o fundador da organização militante e que Hillary seria co-fundadora, alimentando a narrativa de que ambos contribuíram para o surgimento do grupo terrorista3.

De fato, a maioria da sociedade Americana está preocupada com notícias falsas, mas uma parcela da população acredita na desinformação e, este percentual de eleitores pode decidir uma disputa eleitoral. Uma pesquisa realizada pela Fundação Knight a apenas 26 dias da eleição presidencial dos Estados Unidos – em meio a um grande movimento pela justiça racial durante uma pandemia –, os norte-americanos estão preocupados com possível influência da desinformação nos resultados do pleito. 

O resultado da pesquisa apontou que 4 a cada 5 norte-americanos estavam preocupados –muito (48%) ou um pouco (33%) que a desinformação nas redes sociais iria influenciar o resultado da eleição presidencial de 2020”. Ainda em relação a essa pesquisa, a maioria dos norte-americanos acredita que Trump (58%) e a rede social (36%) são responsáveis por espalhar “muita” informação incorreta, enquanto 11% disseram que Trump espalha “uma boa quantidade” e 36% afirmaram o mesmo sobre as mídias sociais.

Caso 2: Referendo do Brexit (2016)

Outro caso emblemático é o referendo do Brexit, onde a circulação de informações enganosas influenciou significativamente a opinião dos eleitores. A utilização de IA permitiu a segmentação precisa do eleitorado, direcionando mensagens personalizadas que reforçavam preconceitos e falsas narrativas sobre as consequências da permanência ou saída da União Europeia (NARAYANAN et al., 2017).

Caso 3: Eleições Gerais no Brasil (2018)

No Brasil, as eleições de 2018 também foram marcadas pela proliferação de fake News. Estudos apontam que as plataformas digitais foram inundadas com informações falsas, muitas vezes geradas e disseminadas por IA (ARNAUDO, 2017). 

A desinformação impactou a percepção dos eleitores sobre questões críticas, influenciando diretamente o resultado eleitoral. Um caso que ficou publicamente conhecido, foi do Jair Bolsonaro, onde na época era candidato a presidente da república, o mesmo disse em uma entrevista de jornal de rede aberta, que o governo havia distribuído “kit gays”, e mostrou o livro “Aparelho Sexual e Cia”. O que posteriormente foi provado que o livro nunca tinha sido distribuído que o “kit gay” não existia.

Estudos reportados por TUCKER et al. (2018) indicam que há um consenso sobre a influência significativa das fake News geradas por IA nas eleições, pois os eleitores expostos a notícias falsas tendem a formar opiniões baseadas em desinformação, ou seja, informações chamativas e mentirosas, o que pode levar a decisões de voto que não refletem a realidade. Para os autores, o avanço dos algoritmos de IA permite a criação de conteúdo altamente convincente e personalizado, aumentando a eficácia da desinformação.

Estudos indicam que a disseminação de fake News pode aumentar a polarização política e diminuir a confiança nas instituições democráticas (SUNSTEIN, 2018). A desinformação gera um ambiente de incerteza, onde os eleitores se tornam mais suscetíveis a acreditar em narrativas que confirmam seus preconceitos e desconfianças (LAZER et al., 2018). Este fenômeno não só afeta a escolha dos eleitores, mas também a legitimidade do processo eleitoral como um todo.

A revisão bibliográfica evidencia que a disseminação de fake News por meio de algoritmos de inteligência artificial tem um impacto profundo e em diversos aspectos nas eleições. Ao influenciar a percepção e o comportamento dos eleitores, essas práticas comprometem a integridade dos processos democráticos. 

Compreender esses impactos é essencial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de mitigação e para a promoção de eleições mais transparentes e justas. Nos capítulos subsequentes, serão discutidos os desafios éticos e legais dessa prática, bem como as possíveis medidas para mitigar seus efeitos negativos.

3.2  Desafios Éticos e Legais na Propagação de Fake News por IAs

A propagação de fake News por meio de inteligência artificial (IA) durante campanhas eleitorais levanta uma série de desafios éticos e legais significativos. O uso de algoritmos avançados para disseminar desinformação não apenas compromete a integridade dos processos democráticos, mas também coloca em risco princípios fundamentais como a veracidade, a responsabilidade e a proteção da privacidade dos eleitores. Neste capítulo, serão explorados esses desafios à luz da literatura existente, destacando a complexidade e a importância de abordar essas questões de maneira adequada.

A utilização de IA para propagar fake News envolve dilemas éticos complexos. Primeiramente, a questão da veracidade. A disseminação de informações falsas por algoritmos de IA compromete o direito dos eleitores à informação verdadeira, essencial para uma decisão informada (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017). A manipulação da opinião pública através de desinformação intencional viola o princípio da moralidade, que deve ser um pilar em qualquer processo eleitoral.

Além disso, a responsabilidade é outro desafio ético central. Quem deve ser responsabilizado pela disseminação de fake News geradas por IA? A dificuldade em atribuir responsabilidade entre criadores, plataformas digitais e aqueles que utilizam essas tecnologias para fins maliciosos complica a implementação de medidas corretivas e preventivas (TUCKER et al., 2018). A falta de transparência nos algoritmos utilizados agrava essa questão, tornando difícil identificar as fontes e os mecanismos de disseminação de fake News.

A privacidade dos eleitores também está em risco com o uso de IA para propagação de desinformação. Algoritmos sofisticados podem coletar e analisar vastas quantidades de dados pessoais para segmentar e manipular eleitores com mensagens personalizadas (NARAYANAN et al., 2017). Essa prática não só infringe o direito à privacidade, mas também pode levar a um uso discriminatório de dados sensíveis.

No âmbito legal, a propagação de fake News por IA durante campanhas eleitorais apresenta desafios significativos. A regulamentação existente muitas vezes é insuficiente para lidar com a complexidade e a velocidade com que a desinformação se espalha. A legislação eleitoral tradicional pode não cobrir adequadamente as novas formas de manipulação possibilitadas pela IA (SUNSTEIN, 2018).

A ausência de regulamentações específicas para o uso de IA em campanhas eleitorais cria um vácuo legal que pode ser explorado para fins nefastos. É necessário desenvolver e implementar leis que abordem especificamente a propagação de fake News por IA, impondo penalidades claras e efetivas para desencorajar essa prática (Lazer et al., 2018). Além disso, a cooperação internacional é crucial, dado que a desinformação frequentemente ultrapassa as fronteiras.

3.3 Propostas de Soluções Éticas e Legais

Para enfrentar os desafios éticos e legais apresentados pela propagação de fake News por IA, várias medidas podem ser propostas. Primeiramente, a transparência nos algoritmos de IA deve ser aumentada. Desenvolvedores e plataformas digitais devem ser obrigados a revelar como seus algoritmos funcionam e como eles decidem o conteúdo que é disseminado (PENNYCOOK; RAND, 2018). Essa transparência permitirá uma melhor compreensão e controle sobre o uso dessas tecnologias.

Além disso, a implementação de sistemas de verificação de fatos automatizados pode ajudar a identificar e reduzir a disseminação de fake News. Esses sistemas podem ser integrados nas plataformas digitais para alertar os usuários sobre a veracidade das informações que estão consumindo (VOSOUGHI; ROY; ARAL, 2018).

No campo legal, é essencial desenvolver uma regulamentação robusta que aborde a propagação de fake News por IA. As leis devem incluir disposições específicas sobre a responsabilidade dos desenvolvedores de IA e das plataformas digitais, bem como sanções adequadas para a disseminação de desinformação (ARNAUDO, 2017). Além disso, a cooperação internacional e a harmonização das leis entre diferentes países são fundamentais para enfrentar a natureza global da desinformação.

A propagação de fake News por meio de inteligência artificial durante campanhas eleitorais apresenta desafios éticos e legais complexos. A literatura revisada indica que a falta de veracidade, responsabilidade e proteção da privacidade são questões críticas que precisam ser abordadas. Da mesma forma, a ausência de regulamentação específica e a necessidade de cooperação internacional são aspectos legais que devem ser enfrentados para mitigar os impactos negativos dessas práticas na integridade eleitoral. Nos capítulos seguintes, serão exploradas estratégias adicionais e medidas práticas para garantir campanhas eleitorais mais justas e transparentes.

3.4 Estratégias e Medidas para Mitigar os Impactos Negativos das Fake News por IA

A mitigação dos impactos negativos da disseminação de fake News por meio de inteligência artificial (IA) em campanhas eleitorais é um desafio que exige abordagens complexas. Este capítulo examina diversas estratégias e medidas que podem ser adotadas por governos, plataformas digitais e a sociedade civil para enfrentar este problema. A análise é baseada em uma revisão abrangente da literatura existente, destacando soluções propostas e práticas recomendadas para combater a desinformação gerada por IA.

Uma das estratégias mais discutidas na literatura é a implementação de regulamentações e políticas públicas específicas para o uso de IA em contextos eleitorais. Leis e diretrizes claras são essenciais para responsabilizar os atores envolvidos na disseminação de fake News e estabelecer padrões para a transparência dos dados. Sunstein (2018) argumenta que a criação de regulamentações que exigem a divulgação das fontes de financiamento e a identidade dos operadores de bots e algoritmos de IA pode aumentar a transparência e reduzir a propagação de desinformação.

Além disso, a harmonização das leis entre diferentes países é fundamental, considerando que a desinformação frequentemente tem uma proporção global. A cooperação internacional pode facilitar a criação de padrões globais e a implementação de sanções eficazes contra aqueles que utilizam IA para propagar fake News (Lazer et al., 2018).

Outra medida crucial é o desenvolvimento e a implementação de tecnologias de verificação de fatos automatizados. Sistemas de verificação de fatos baseados em IA podem analisar rapidamente grandes volumes de informações e identificar conteúdos falsos. Pennycook e Rand (2018) sugerem que a integração dessas tecnologias nas plataformas digitais pode ajudar a alertar os usuários sobre a veracidade das informações que estão consumindo, reduzindo a disseminação de fake News.

Esses sistemas também podem ser utilizados para monitorar o comportamento dos algoritmos de IA, garantindo que eles não sejam utilizados para propósitos maliciosos. A adoção de tecnologias de verificação de veracidade pode, portanto, atuar como uma linha de defesa eficaz contra a desinformação.

A alfabetização digital é uma estratégia essencial para capacitar os eleitores a reconhecer e resistir à desinformação. Programas educacionais que ensinam habilidades críticas de análise de informações e avaliação de fontes podem reduzir a vulnerabilidade dos eleitores às fake News. Segundo Allcott e Gentzkow (2017), a alfabetização digital é uma ferramenta poderosa para fortalecer a resiliência da sociedade contra a manipulação de informações.

Iniciativas educacionais podem ser implementadas em escolas, universidades e através de campanhas públicas, promovendo uma compreensão mais profunda sobre como as informações são criadas, distribuídas e consumidas na era digital.

As plataformas digitais desempenham um papel central na disseminação de fake News e, portanto, têm uma responsabilidade significativa na mitigação de seus impactos. A literatura sugere que essas plataformas devem adotar políticas rigorosas para identificar e remover conteúdos falsos rapidamente. Tucker et al. (2018) destacam a importância de algoritmos de moderação que priorizem a qualidade e a veracidade das informações.

Além disso, as plataformas digitais devem ser transparentes sobre como seus algoritmos funcionam e como decidem o conteúdo que é exibido aos usuários. Esta transparência pode ser alcançada através da publicação de relatórios regulares e da colaboração com pesquisadores independentes para auditar e melhorar os sistemas de IA.

A cooperação entre governos, setor privado, organizações não governamentais e as universidades é fundamental para enfrentar a disseminação de fake News por IA. A formação de parcerias pode promover a troca de conhecimentos e a implementação de soluções inovadoras. Narayanan et al. (2017) afirmam que a colaboração intersetorial é essencial para desenvolver abordagens abrangentes e eficazes contra a desinformação.

A mitigação dos impactos negativos das fake News geradas por IA em campanhas eleitorais requer uma abordagem que inclua regulamentações robustas, tecnologias de verificação de veracidade, alfabetização digital, responsabilidade das plataformas digitais e cooperação entre setores. Essas estratégias, quando implementadas de forma coordenada, podem ajudar a proteger a integridade dos processos eleitorais e a fortalecer a democracia.

CONCLUSÃO

Há efeitos diretos na utilização de algoritmos de inteligência artificial (IA) na disseminação de fake News nos resultados das campanhas eleitorais e na integridade do processo;

A desinformação gerada por IA pode manipular a percepção dos eleitores e distorcer o processo democrático;

A utilização de algoritmos de IA na disseminação de fake News afeta significativamente a decisão dos eleitores durante campanhas eleitorais comprometendo integridade do processo eleitoral, manipulando a opinião pública e potencialmente alterando os resultados das eleições;

As fake News geradas por IA têm um impacto profundo na percepção dos eleitores, muitas vezes exacerbando polarizações e promovendo desinformação de maneira rápida e eficaz;

É preciso substituir autocracia nas redes pela regulação democrática como forma de mitigar os impactos negativos da fake News sobre a liberdade de escolhas dos candidatos por parte dos eleitores; 

A falta de regulamentação específica dos algoritmos utilizados são grandes desafios, permitindo que a desinformação se espalhe sem controle adequado. Além disso, a responsabilidade das plataformas digitais e a necessidade de transparência e educação midiática foram identificadas como fatores cruciais para combater esses impactos negativos;

Foi destacado que a implementação de tecnologias de verificação de veracidade e a cooperação entre diferentes setores podem atuar como barreiras eficazes contra a propagação de fake News. A promoção da alfabetização digital também se mostrou essencial para capacitar os eleitores a reconhecer e resistir à desinformação.

1Cármen Lúcia, discurso em sessão do STF.
2Discurso de Trump em 16 de junho de 2015, Nova York
3Entrevista de Trump em 2016 ao canal CNBC

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