REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11644098
Diego da Silva Martins1
RESUMO
A pandemia do novo coronavírus afetou severamente a sociedade como um todo e, consequentemente, diversos setores da economia. Para conter a disseminação da COVID-19 e preservar vidas, o Poder Executivo, especialmente os governos estaduais e municipais em todo o país, adotaram várias medidas para implementar procedimentos de quarentena e distanciamento social. O objetivo geral deste estudo é analisar sistematicamente os impactos da pandemia de COVID-19 no cumprimento de contratos de locação à luz do direito contratual. O contrato, como um negócio jurídico, é o meio pelo qual as partes declarantes regulam os efeitos patrimoniais que desejam alcançar, com base na autonomia de suas vontades, e estão sujeitas aos princípios da função social e da boa-fé objetiva. Em suma, diante dos impactos imprevisíveis e significativos causados pela pandemia de COVID-19 nos contratos de locação, torna-se evidente a necessidade de considerar a possibilidade de revisão ou resolução contratual. Tal medida se justifica pela aplicação dos princípios da boa-fé, da equidade e da função social do contrato, que visam garantir a justiça nas relações contratuais.
PALAVRAS-CHAVE: Contrato. Direito Contratual. Pandemia. Impacto da covid-19.
ABSTRACT
The new coronavirus pandemic has severely affected society as a whole and, consequently, various sectors of the economy. To contain the spread of COVID-19 and preserve lives, the Executive Branch, especially state and local governments across the country, have adopted various measures to implement quarantine and social distancing procedures. The general objective of this study is to systematically analyze the impacts of the COVID-19 pandemic on the fulfillment of lease agreements in the light of contract law. The contract, as a legal transaction, is the means by which the declaring parties regulate the property effects they wish to achieve, based on the autonomy of their wills, and are subject to the principles of social function and objective good faith. In short, given the unpredictable and significant impacts caused by the COVID-19 pandemic on lease agreements, the need to consider the possibility of contractual review or termination becomes evident. Such a measure is justified by the application of the principles of good faith, equity and the social function of the contract, which aim to ensure fairness in contractual relations.
KEYWORDS: Contract. Contract Law. Pandemic. Impact of covid-19.
1 INTRODUÇÃO
A pandemia do novo coronavírus afetou severamente a sociedade como um todo e, consequentemente, diversos setores da economia. Para conter a disseminação da COVID-19 e preservar vidas, o Poder Executivo, especialmente os governos estaduais e municipais em todo o país, adotaram várias medidas para implementar procedimentos de quarentena e distanciamento social (Costa et al., 2021). E assim, incluiu restrições de funcionamento, principalmente de natureza presencial, para certas atividades consideradas “não essenciais”. As restrições de funcionamento impostas têm um impacto negativo na atividade econômica e acarretam consequências nas relações contratuais (Nepocemo, 2021).
Nesse contexto, a pandemia do COVID-19 teve um impacto significativo nas relações contratuais de diversos tipos, incluindo contratos de locação imobiliária. Por ser um evento imprevisível e irresistível, tanto em sua ocorrência quanto em seus efeitos inevitáveis, os tribunais brasileiros, em várias jurisprudências, reconhecem a situação decorrente da pandemia como um evento imprevisível, de força maior e onerosidade excessiva (Nogueir et al., 2021).
O contrato é uma modalidade de negócio jurídico que requer a participação de pelo menos duas partes para sua validade, tornando-se assim, um negócio jurídico bilateral ou plurilateral. Na teoria dos negócios jurídicos, ainda é possível distinguir entre os unilaterais, que são formados pela manifestação de vontade de apenas uma das partes envolvidas, e os bilaterais, que resultam da concordância de interesses entre as partes. Os contratos, surgindo da aceitação mútua, são exemplos de negócios bilaterais (Roncador, 2022).
A problemática central desta pesquisa reside na seguinte questão: “Como a pandemia de COVID-19 impactou o cumprimento de contratos de locação imobiliária no Brasil, à luz do direito contratual, e quais foram as respostas legais e regulatórias adotadas para lidar com esses desafios?”
A motivação por trás deste estudo é impulsionada pela necessidade de compreender os efeitos da pandemia de COVID-19 nos contratos de locação, sob a ótica do direito contratual. A COVID-19 causou uma perturbação em todos os aspectos da sociedade e da economia, transformando os contratos de locação em um campo de batalha complexo, no qual inquilinos e proprietários lutaram para se ajustar às circunstâncias excepcionais. A relevância de examinar tais impactos transcende as preocupações imediatas e assume importância no contexto mais amplo do direito contratual e das relações econômicas.
A justificativa para este estudo reside na necessidade urgente de oferecer uma análise abrangente e fundamentada desses efeitos, a fim de orientar futuras políticas públicas, decisões judiciais e estratégias contratuais. Dado que os desafios enfrentados por locatários e locadores são de natureza legal, financeira e social, uma abordagem sistemática que incorpore a perspectiva do direito contratual é crucial para fornecer informações valiosas e orientação a todas as partes envolvidas.
A metodologia adotada para este estudo é a pesquisa bibliográfica, que envolve a análise de uma variedade de materiais de referência, incluindo doutrinas, legislações, artigos, teses, dissertações e fontes online confiáveis. Os pesquisadores são cruciais para a compreensão do assunto, pois oferecem uma base teórica sólida. Enquanto isso, as leis e jurisprudências abordam o tema de maneira prática, fornecendo exemplos concretos de casos (Lunetta; Guerra, 2023).
O objetivo geral deste estudo é analisar sistematicamente os impactos da pandemia de COVID-19 no cumprimento de contratos de locação à luz do direito contratual. Os objetivos específicos são: conceituar o que é contrato e sua natureza e princípios; demonstrar da possibilidade da revisão ou resolução contratual e identificar os principais aspectos sobre o impacto da covid-19 em contratos de locação imobiliária.
2 CONTRATOS
Neste capítulo, serão abordados sobre o direito contratual, iniciando pela evolução histórica da definição de contratos, passando pelo conceito e natureza jurídica desses instrumentos legais. A análise incluirá a transformação dos contratos ao longo do tempo, refletindo mudanças sociais e econômicas. Em seguida, será discutido o conceito de contrato, sua classificação e características, além de examinar sua natureza jurídica sob diferentes perspectivas doutrinárias. Ao final serão expostos os princípios gerais que regem o direito contratual.
2.1 Evolução da definição de contratos
Quando a sociedade começou a se organizar em civilizações antigas, houve uma busca pela pacificação e integração social, o que levou ao surgimento dos negócios jurídicos, resultantes da troca de bens e riquezas. O contrato, então, surgiu como uma ferramenta para garantir a segurança nas relações jurídicas. No entanto, é difícil determinar o momento exato em que os contratos surgiram, pois são o resultado da evolução da humanidade ao longo do tempo. Embora o termo “contractus” tenha sido catalogado e registrado inicialmente no Direito Romano, não foi lá que o instituto dos contratos se originou definitivamente (Hamza, 2023).
Segundo Pamplona e Gagliano (2022) sugerem que, sem pretender estabelecer um momento exato para o surgimento do fenômeno contratual – o que evitariam para não presumir demais intelectualmente – cada sociedade historicamente produtiva legalmente, bem como cada escola doutrinária, desde os canonistas até os positivistas e jusnaturalistas, contribuíram de maneira única para o desenvolvimento do conceito jurídico do contrato e suas formas características.
A Igreja, o Renascimento e o Iluminismo tiveram uma grande influência no mundo jurídico. Especificamente, o Iluminismo introduziu o famoso conceito do pacta sunt servanda, que estabelece que os pactos devem ser cumpridos sem considerar outras circunstâncias. Este movimento colocou o homem e sua vontade racional como supremos, dando às partes autonomia para contratar e tornando suas obrigações legalmente vinculativas (Hamza, 2023).
A evolução do Direito Contratual em relação aos limites da liberdade contratual pode ser dividida em três fases: liberal, positivista e pós-positivista. A fase liberal, a mais tradicional, remonta à Antiguidade Clássica e enfatiza a vontade e o agente como principais elementos, resultando em contratos com força vinculante. No século XVIII, após as revoluções libertárias, surgiu a fase positivista, na qual a força vinculante dos contratos se tornou ainda mais forte, independentemente das razões pelas quais as partes optaram por contratar. Nessa fase, os elementos internos e externos eram desconsiderados, e a intervenção do Estado era mínima (Minozzo, 2022).
Após esse período, surge uma abordagem pós-positivista, que teve início no Brasil após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Essa abordagem foi influenciada por diversos documentos legais, como a Constituição de Weimar de 1919, a Constituição Mexicana de 1917 e o Código Civil italiano de 1942. Essa perspectiva considera o contrato como um instrumento para promover uma função social, limitando a autonomia privada e permitindo a intervenção do Estado para garantir o equilíbrio e a proteção da confiança.
Partindo desse ponto de vista, torna-se claro que essa perspectiva contemporânea, originada no século XX, tende a moldar a percepção dos contratos de modo a contribuir para o desenvolvimento da sociedade como um todo, promovendo o bem-estar coletivo. Essa abordagem mantém certa autonomia, porém dentro dos limites estabelecidos pela lei, com a primazia da ordem pública, abandonando a visão do final do século XIX, caracterizada por uma ênfase no indivíduo e no aspecto patrimonial.
2.2 Conceito e natureza jurídica de contrato
Quando alguém expressa sua vontade com o propósito de produzir efeitos legais, pode-se afirmar que isso constitui um negócio jurídico. Para que esse ato seja válido, conforme estipulado pelo Código Civil em seu artigo 104, é necessário que envolva um agente com capacidade, um objeto lícito, possível e determinável, e que siga a forma exigida e não proibida por lei. Quando duas ou mais pessoas buscam criar, extinguir, modificar, transferir ou regular um vínculo patrimonial ou jurídico por meio de um negócio jurídico, resulta na formação de um contrato, estabelecendo assim uma relação contratual.
Segundo o entendimento de Pamplona e Gagliano (2022), o contrato, como um negócio jurídico, é o meio pelo qual as partes declarantes regulam os efeitos patrimoniais que desejam alcançar, com base na autonomia de suas vontades, e estão sujeitas aos princípios da função social e da boa-fé objetiva.
A partir do conceito apresentado acima, pode-se inferir que o contrato não se limita a estabelecer um vínculo jurídico; ele deve considerar sua função social e respeitar a boa-fé objetiva. Mesmo sendo uma relação privada, é essencial que o interesse social seja considerado. Não se deve permitir que o contrato seja utilizado para legitimar práticas abusivas, como um acordo cheio de cláusulas abusivas que, eventualmente, resultaria em um desequilíbrio extremamente prejudicial para uma das partes e para a sociedade como um todo.
De acordo com o que foi mencionado anteriormente por Tamaoki e Liber (2021), a relação contratual é uma forma específica de negócio jurídico, originada da vontade humana de formalizar um acordo que terá efeitos predeterminados. Assim, é fundamental buscar resultados que, por meio de uma expressão, transformam esse desejo interno em algo tangível no mundo exterior.
No entanto, essa liberdade de contratar é restringida por princípios que serão detalhados a seguir, os quais impõem limites à conduta dos envolvidos. Em outras palavras, uma pessoa pode estipular o conteúdo que desejar, contanto que esteja em conformidade com a lei. Quanto aos elementos que compõem um contrato, é importante mencionar que há três aspectos que devem ser considerados para sua formação: a existência, a validade e a eficácia.
A existência emerge como uma condição na qual é necessário cumprir alguns requisitos mínimos para que um negócio jurídico surja. Esses requisitos incluem a manifestação de vontade, a presença de um agente para expressar o desejo, a definição do objeto contratual – ou seja, a obrigação a ser cumprida – e, por último, a forma pela qual será expressa. Segundo de Pamplona e Gagliano (2024), os pressupostos de validade estão intimamente ligados aos da existência, uma vez que a manifestação da vontade só é válida se for expressa de forma independente, em conformidade com a boa-fé objetiva. Quanto ao agente, ele deve ter capacidade para agir, ou seja, deve ser legalmente competente. Além disso, o objeto deve ser lícito, possível e determinável, e a forma deve estar conforme a lei ou não ser proibida por ela.
Uma vez determinada a existência e a validade do negócio jurídico, ele começa a produzir sua eficácia, que é resultado da observância dos dois pressupostos mencionados anteriormente. Outro aspecto decorrente da natureza jurídica desse instituto é a liberdade da forma, ou seja, em geral, os negócios são estabelecidos de forma livre.
Por exemplo, emprestar uma borracha para um colega de classe constitui um contrato de comodato; um motorista de aplicativo que leva alguém a um local específico está celebrando um contrato de transporte; a troca de livros entre duas amigas configura um contrato de troca; e o buquê de flores que um namorado compra para sua namorada é um contrato de compra e venda.
Como se observa, a relação contratual estabelecida não é necessariamente formalizada por meio de um documento assinado pelas partes, mas, sim, resulta da vontade de estabelecer, trocar, encerrar ou alterar uma relação com fins patrimoniais.
2.3 Princípios gerais do direito contratual
Os princípios representam uma função fundamental ao fornece diretrizes e fundamentos que justificam e validam o conjunto de normas do Direito Positivo. Dentro do âmbito do direito contratual, há princípios de grande importância, como a autonomia da vontade, a força vinculativa dos contratos, a relatividade dos contratos, a função social do contrato, a boa-fé objetiva e a equivalência material, que serão discutidos a seguir. O princípio da autonomia da vontade, ou consensualismo, é entendido como o princípio que sustenta a liberdade de contratar, onde a vontade das partes é um aspecto essencial.
Venosa (2021) explica que essa liberdade de contratar pode ser considerada sob dois aspectos distintos. Primeiro, há a liberdade de decidir contratar ou não, assim como estabelecer o conteúdo do contrato. Segundo, há a liberdade de escolher a modalidade do contrato. A liberdade contratual possibilita que as partes escolham entre os modelos contratuais previstos na legislação (contratos típicos) ou criem uma modalidade de contrato adaptada às suas necessidades (contratos atípicos).
É importante ressaltar que, embora exista uma liberdade de contratar, ela deve ser exercida dentro dos limites da função social do contrato, sendo, portanto, uma autonomia restrita pelas exigências legais. Ninguém pode ser compelido a celebrar um contrato, mas ao fazê-lo, deve obrigatoriamente observar alguns princípios.
Além disso, Venosa (2021) examina com profundidade essa restrição. O controle judicial não se limitará à análise das cláusulas contratuais, mas se estenderá até o cerne do negócio jurídico. Conforme destaca o atual ordenamento jurídico, o contrato não é mais considerado apenas do ponto de vista individualista, em termos de benefício para as partes contratantes, mas sim do ponto de vista social, em termos de benefício para a comunidade. Nessa perspectiva, pode-se restringir o contrato que não busca esse objetivo. A definição do que constitui interesse social dependerá do caso específico, das necessidades e das circunstâncias sociais do momento.
Nesse sentido, é fundamental destacar como a autonomia da vontade deve desempenhar seu papel em harmonia com a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva. Pode-se perceber que o princípio da autonomia da vontade é de extrema importância para um Estado Democrático de Direito; no entanto, não é aceitável que ele fique sujeito aos desejos arbitrários das partes, uma vez que há princípios que devem ser obrigatoriamente observados no caso concreto (Lobo, 2024).
Quanto ao princípio da força obrigatória dos contratos, também conhecido pelo seu nome em latim, pacta sunt servanda, é relevante ressaltar que sua base reside na necessidade de conferir certa obrigatoriedade ao que foi acordado, ou seja, no princípio de que o acordo entre as partes tem força de lei. Além disso, qual seria a utilidade de um contrato se não houvesse nenhuma garantia quanto ao seu cumprimento? Portanto, esse princípio atua como um fundamento para proporcionar maior segurança jurídica aos negócios.
De acordo com Pamplona e Gagliano (2024), o princípio da força obrigatória se baseia na regra de que o contrato representa uma lei entre as partes envolvidas. Uma vez celebrado e observados todos os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, o contrato deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem mandamentos legais incontestáveis. No entanto, assim como em qualquer ramo do Direito, nenhum princípio é absoluto. Portanto, conclui-se que todo acordo firmado deve ser cumprido obrigatoriamente nos termos exatos, independentemente do custo. É preciso examinar o caso específico e considerar as circunstâncias concretas no momento de sua celebração e de seu cumprimento, a fim de verificar se há equidade de poder entre as partes envolvidas.
Além disso, em uma análise simples e concisa, pode-se ilustrar a observação acima por meio da teoria da imprevisão, originada do direito canônico. Essa teoria é invocada quando a obrigação de uma das partes se torna excessivamente pesada devido a algum evento imprevisto e subsequente, resultando em um enriquecimento injusto às custas de uma circunstância completamente imprevista. Em outras palavras, um dos envolvidos seria gravemente prejudicado se fosse obrigado a cumprir o contrato nos exatos termos acordados, os quais foram estabelecidos com base em uma perspectiva diferente da atual.
3 DA POSSIBILIDADE DE REVISÃO OU RESOLUÇÃO DE CONTRATOS
Uma primeira abordagem sobre o tratamento legal dos impactos da pandemia nos contratos está relacionada aos efeitos dessa intervenção na economia contratual. Conforme destacado anteriormente, defende-se a preferência pela revisão em contraste com a resolução do acordo (Cardoso, 2020). No entanto, é inegável que os distúrbios causados pelo coronavírus comprometeram a utilidade do objeto de diversos contratos e tornaram impossível seu cumprimento em sua totalidade. Em outras palavras, existem contratos que perderam sua utilidade ou cujo objeto se tornou impossível de ser cumprido em sua totalidade devido a um evento imprevisto e fortuito: a pandemia do coronavírus.
Conforme Silva (2021) expôs, se houver utilidade, possibilidade e, acima de tudo, interesse mútuo das partes na manutenção do contrato, considera-se viável buscar a continuidade do acordo, com a subsequente gestão de seus termos para ajustar a forma de cumprimento, o prazo e outras condições necessárias para equilibrar o pacto, corrigindo possíveis irregularidades surgidas posteriormente. Devido à extensão da pandemia de COVID-19 e seus impactos, parte da doutrina civilista tem defendido a predominância de um dever de renegociação, baseado no princípio da preservação dos contratos.
Certamente não se trata de uma novidade ou uma solução inovadora para os tempos de coronavírus. A renegociação como parte integrante da gestão de contratos já é um conceito que vem sendo discutido há algum tempo. Em 2016, durante a reforma do direito das obrigações do Código Civil francês, o legislador francófono optou por introduzir um dever de renegociação como parte do processo de ajuste contratual. No Brasil, o CPC/2015, seguindo uma linha de pensamento da doutrina que se concentra em métodos adequados de resolução de conflitos, incorporou disposições relacionadas ao uso da conciliação, mediação e outros métodos de resolução consensual de disputas.
De qualquer modo, Filipe et al. (2021) afirmam que a renegociação dos contratos é uma necessidade que se torna cada vez mais recomendável diante da realidade dos contratos afetados pelo coronavírus. No entanto, é importante não confundir a conservação dos contratos com o princípio do pacta sunt servanda (força obrigatória e intocabilidade contratuais). Conservar os contratos implica gerir as condições acordadas de forma a mantê-los viáveis e benéficos para as partes envolvidas. O princípio da conservação dos contratos não se opõe à resolução do acordo, mas sim à sua revisão. Na verdade, conservação e revisão estão interligadas e se complementam mutuamente: o princípio da conservação dá base à revisão, enquanto a revisão é utilizada para preservar o acordo.
Além disso, o dever de renegociar, no contexto da pandemia, não se limita apenas a exigir que o contratante busque resolver de forma consensual e extrajudicial antes de recorrer a uma ação judicial. É necessário também flexibilizar as condições e fazer concessões, incluindo a possibilidade de procedimentos simplificados para cancelamento de contratos. Um exemplo disso é o artigo 47 da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, que permite ao comprador conceder ao vendedor um prazo adicional razoável para cumprir suas obrigações, e o artigo 63 da mesma Convenção, que estabelece uma disposição semelhante para o vendedor, permitindo-lhe conceder um prazo adicional razoável para o cumprimento das obrigações do comprador.
Quanto à renegociação como requisito para as demandas de revisão ou mesmo resolução, não se percebe violação ao disposto no art. 5º, inc. XXXV da CRFB/1988. Isso ocorre porque, apesar da garantia de acesso à justiça, o sucesso processual está condicionado à demonstração de interesse de agir (art. 17 do CPC/2015). Assim, a comprovação de que houve No Brasil, o CPC/2015, seguindo uma corrente doutrinária dedicada aos métodos eficazes de resolução de conflitos, introduziu disposições sobre o uso da conciliação, mediação e outras formas de resolução consensual de disputas.
4 CONTEXTO DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL
Em dezembro de 2019, o novo coronavírus foi identificado após surgirem casos em Wuhan, na China. Esse vírus possui uma estrutura externa semelhante a uma coroa, daí o seu nome corona, que deriva do termo latino que significa coroa. Essa doença infecciosa foi chamada de COVID-19 e apresenta uma gama de casos clínicos, desde assintomáticos ou com sintomas leves até casos graves que requerem hospitalização (Silva et al., 2022).
Os médicos consideram o vírus mencionado como um vírus respiratório, com sintomas semelhantes aos da gripe, tais como tosse, febre, cansaço, entre outros. Sua transmissão ocorre por meio de gotículas respiratórias, ou seja, de pessoa para pessoa, através de espirros, tosses, contato com as mãos infectadas, entre outros meios. Diante do aumento significativo de casos de contaminação pelo coronavírus em escala global, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou uma pandemia. No Brasil e em diversos países, devido à gravidade e ao grande número de pessoas infectadas, foram implementadas medidas para reduzir a transmissão entre os indivíduos.
Medidas foram implementadas para controlar a disseminação do vírus, como o distanciamento social, o isolamento e o lockdown. O distanciamento social é uma estratégia importante na prevenção da propagação do novo coronavírus. Reduzir o contato pessoal diminui as chances de transmissão do vírus e, consequentemente, a disseminação da doença. Isso envolve uma série de ações, como evitar aglomerações e sair de casa apenas para atividades essenciais (Sousa et al., 2021)
O lockdown, por sua vez, é visto como um protocolo de emergência, representando o sistema de maior segurança. É acionado em situações de grave ameaça ao sistema de saúde, quando se faz necessário conter a propagação do vírus de forma mais rigorosa. Esse protocolo implica na restrição total da movimentação de indivíduos e na suspensão de atividades não essenciais. Em alguns casos extremos, até mesmo atividades consideradas essenciais podem ser interrompidas. Portanto, é uma medida altamente eficaz em caso de colapso no sistema de saúde do país (Maia Filho, 2022).
Assim, o governo brasileiro implementou várias medidas, como o fechamento de estabelecimentos comerciais não essenciais, a suspensão das aulas presenciais, a adoção do trabalho remoto e, em algumas situações mais graves, medidas mais restritivas, como a interrupção dos transportes públicos e o lockdown, que representa o nível máximo de segurança com restrições totais, ainda permitindo algumas atividades essenciais. Após mais de dois anos desde o início da pandemia, é evidente que esse vírus teve um impacto significativo e contínuo em diversos setores, incluindo saúde, economia, educação, política, cultura e justiça. O mundo experimentou o temor do desconhecido e do invisível, à medida que todos estavam em risco e representavam um perigo uns para os outros.
Joffe (2021) observa que, no contexto econômico, as medidas governamentais adotadas para conter a disseminação do vírus resultaram em uma diminuição ou suspensão das rendas de muitos trabalhadores. Isso se deu especialmente devido ao fechamento de estabelecimentos comerciais, empresas, fábricas e escritórios, que sofreram uma queda significativa no volume de negócios. Em uma situação preocupante e sem um horizonte claro de término, onde não é possível atribuir responsabilidades pelos impactos da pandemia aos agentes econômicos, a ajuda do Estado se torna indispensável, sendo o principal desafio a intensidade e a duração dessa assistência.
Por outro lado, os indivíduos em geral estão consumindo menos, por diversos motivos, como a diminuição do poder de compra, o desemprego e o medo da insegurança gerada pela pandemia. Além disso, pequenas e médias empresas podem falir, acarretando consequências sociais significativas, inclusive o aumento da violência.
Para o Direito nacional, a pandemia gerou diversos impactos além dos problemas econômicos. O Poder Judiciário enfrenta uma série de desafios decorrentes do novo coronavírus, enquanto busca se adaptar a essa nova realidade. Um desses desafios é o aumento da quantidade de processos. As medidas adotadas pelo governo para conter a propagação do vírus levantaram questionamentos sobre a hierarquia das garantias constitucionais e a competência das autoridades locais em relação às restrições impostas.
De certa forma, a tensão entre direitos individuais e interesses coletivos aumentou significativamente, o que colocou uma demanda adicional sobre o Poder Judiciário, frequentemente considerado como sendo ineficiente e lento. Portanto, no contexto do descumprimento de contratos de aluguel de imóveis, o Judiciário tem sido e continuará sendo amplamente procurado devido à situação gerada pela pandemia, na qual muitas pessoas não puderam ou não poderão cumprir os compromissos assumidos.
5 IMPACTO DA PANDEMIA DA COVID-19 NA CONTRATOS DE LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA
A declaração de pandemia evidenciou a propagação generalizada do vírus em mais de 200 países, abrangendo todos os continentes, o que gerou uma preocupação global constante, com ações para conter a disseminação do vírus e mitigar seus efeitos. Nesse contexto, torna-se importante analisar a pandemia como um caso de força maior ou evento imprevisível.
No entanto, essa análise é dividida em duas perspectivas, conforme apontado por Tartuce (2023), primeiramente, há a visão do caso de força maior, sendo que a segunda não é aceita pelo referido doutrinador. Um outro ponto a ser considerado em relação ao caso de força maior e evento imprevisível é que, durante a pandemia da Covid-19, tornou-se comum sua invocação para justificar a rescisão de contratos. Embora a pandemia possa ter sido prevista, é inegável sua inevitabilidade. Mesmo que tenha sido mencionada anteriormente, principalmente em círculos médicos, a ocorrência de pandemias devido à forma como vivemos, isso por si só não é suficiente para rescindir os contratos, pois isso equivaleria a uma declaração de falência geral, colocando em dúvida a integridade do nosso sistema jurídico.
No caput do artigo 393 do Código Civil, é estabelecido que o devedor não é responsável pelos danos decorrentes de caso fortuito ou força maior, a menos que tenha se responsabilizado expressamente por eles. Embora não faça distinção entre caso fortuito e força maior (uma questão também controversa na doutrina), Tartuce considera ambos os institutos como eventos previsíveis, porém inevitáveis.
Entretanto, uma compreensão mais apropriada é apresentada por Marquesi e Breda (2021) ao fazer a distinção entre os dois conceitos. Segundo eles, o caso fortuito e a força maior são conceitualmente diferentes. O primeiro, conforme a definição de HUC, refere-se a um acidente causado por uma força física, ininteligente, em circunstâncias que não podiam ser previstas pelas partes. Já o segundo diz respeito a um evento causado por um terceiro, que cria um obstáculo para o cumprimento da obrigação, o qual a boa vontade do devedor não pode superar.
A interpretação de Azevedo (2022) segue a mesma linha, onde o caso fortuito é definido como um evento derivado da natureza, sem intervenção humana. Já a força maior é atribuída a ações de terceiros, ou mesmo do credor; trata-se de ações humanas, não do devedor, que impedem o cumprimento das obrigações. Concordando com a abordagem de Tartuce (2023), não parece apropriado considerar a pandemia como previsível, argumentando que a humanidade já enfrentou eventos semelhantes. É importante reconhecer que a sociedade atual está em constante evolução tecnológica e científica, com estudos mais aprofundados do que nunca na história da humanidade.
Considerando o avanço da civilização, um vírus com alta capacidade de disseminação, inicialmente desconhecido em termos de tratamento e que resultou em mais de seis milhões de mortes, além de danos incalculáveis às economias globais e outros setores sociais, essa crise sanitária não pode ser simplificada como previsível. Conforme expresso por Dias (2023), a pandemia da Covid-19 tornou-se uma companheira constante para muitos, em meio a uma falta de assistência e apoio sanitário, representando uma perda significativa de vidas. No entanto, é nossa responsabilidade continuar essa jornada e criar uma nova perspectiva, guiada pela esperança, fundamentada na razão, sensibilidade e uma luta incansável pela realização dos Direitos Humanos.
Segundo a segunda linha de pensamento delineada e defendida por Tartuce (2023), a pandemia da Covid-19 pode ser considerada um evento imprevisível e extraordinário, em minha interpretação, especialmente quando acarreta implicações econômicas para o contrato, resultando em uma carga excessiva para uma das partes. Após mais de duas décadas desde a entrada em vigor do Código Civil, durante as quais foram raros os casos práticos de imprevisibilidade, a crise atual expôs uma situação que exige a aplicação do artigo 478. Sob essa ótica, torna-se relevante ressaltar a Lei nº 14.010/2020, que estabelece o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) durante o período da pandemia. É importante destacar que essa lei foi concebida com o intuito de mitigar os impactos da recessão e adaptar as dinâmicas jurídicas à nova crise global.
Focando apenas nos contratos de locação, destaca-se o artigo 7º da mencionada lei ao indicar que “para os propósitos exclusivos dos arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, não se consideram eventos imprevisíveis o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a mudança do padrão monetário”. É evidente a contradição do texto em relação à sua intenção, pois reconhece a existência de uma crise sanitária global, que resulta em perturbações em vários setores de uma nação, mas, ao mesmo tempo, o assunto tratado limita severamente a aplicação da Teoria da Imprevisão ao sugerir que não há relação causal entre a pandemia e fatores como câmbio, inflação ou desvalorização monetária.
Nesse contexto, para reforçar a caracterização da pandemia como um evento imprevisível, a Lei nº 13.979/2020 foi fundamental, uma vez que estabeleceu medidas para lidar com a emergência de saúde pública. Especificamente no artigo 3º, foram estipuladas as ações que as autoridades poderiam adotar. É relevante destacar que essas medidas variavam conforme a localidade e a fase da pandemia, podendo as restrições serem implementadas ou flexibilizadas de acordo com a evolução da situação epidemiológica e as diretrizes das autoridades sanitárias. Tais medidas englobavam a suspensão ou restrição de certas atividades consideradas não essenciais ou que poderiam facilitar a propagação do vírus.
As implicações socioeconômicas decorrem de restrições aos direitos individuais e coletivos. Não parece razoável considerar a pandemia como previsível diante dos diversos desafios enfrentados em todas as esferas fundamentais de um Estado. A pandemia não esteve vinculada a qualquer agenda ideológica que pudesse ter causado impactos socioeconômicos adversos; pelo contrário, globalmente, foi uma crise sistêmica que ocorreu em um contexto de avanços tecnológicos e científicos sem precedentes.
Durante um intervalo específico de tempo, o vírus revelou-se mais poderoso do que o conhecimento humano e a estrutura organizacional econômica, representando um desafio abstrato cujos impactos apresentaram uma realidade além do controle humano. Diante disso, os contratos de locação mostraram-se suscetíveis aos impactos econômicos, sendo diretamente afetados e frequentemente condicionados pelo desequilíbrio nas obrigações de uma das partes, decorrente de uma situação inquestionavelmente imprevisível e extraordinária. Vale ressaltar o Enunciado nº 175 do CJF/STJ, que aborda a referência à imprevisibilidade e extraordinariedade no art. 478 do Código Civil, destacando que essa menção deve ser interpretada não apenas em relação ao evento que causa o desequilíbrio, mas também em relação às suas consequências.
A jurisprudência nacional no período decidiu e resolvendo os conflitos nos casos em que o Judiciário é acionado, tanto em contratos de locação comercial quanto residencial. A análise jurisprudencial é crucial diante da alta judicialização para resolver disputas nos contratos de locação. As partes devem basear-se na boa-fé e na função social do contrato. Os juízes, por sua vez, precisaram estar vigilantes para evitar que pessoas aproveitadoras acionem o Poder Judiciário com o objetivo de reduzir o valor do aluguel sem uma justificativa válida.
Segundo a interpretação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, revelada em junho de 2021, ou seja, mais de um ano após a data reconhecida como o início da pandemia, todavia, o país presenciava fortes variantes da pandemia agravando números de caso e morte, conforme o art. 1º da Lei 14.010/2020, isso ainda é viável.
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – TUTELA DE URGÊNCIA – DECISÃO CONDICIONADA À PRÉVIA TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – REDUÇÃO DE ALUGUÉIS COM FUNDAMENTO EM CRISE ECONÔMICA OCASIONADA PELA PANDEMIA DE COVID19 – REVISÃO DE ALUGUEIS – BOA-FÉ OBJETIVA – NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE CONCRETA NECESSIDADE DE REDUÇÃO –
DEVOLUÇÃO DE CAUÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS – ILEGITIMIDADE PASSIVA – RECURSO IMPROVIDO. O condicionamento de verificação da tutela de urgência à prévia tentativa de conciliação entre as partes consiste negativa de prestação jurisdicional, em observância ao art. 5º, inciso XXXV, da CF/88 – O fato individualizado e casuístico da pandemia não pode servir como critério exclusivo para a irrestrita modificação das obrigações contratuais, de forma que a análise nesse cenário deve ser feita sob a ótica objetiva e não subjetiva – A administradora de imóveis, na qualidade de mera mandatária do locador, não possui legitimidade processual para figurar no polo passivo de ação judicial fundada única e exclusivamente no contrato de locação – Recurso improvido. (TJ-MG – AI: 10000205445398001 MG, Relator: Lílian Maciel, Data de Julgamento: 23/06/2021. 20ª Câmara Cível. Data de Publicação: 24/06/2021)
O recurso em questão se baseia em uma tutela provisória, destacando a urgência de uma revisão imediata do valor do aluguel, sem esperar pela audiência de conciliação, devido ao risco de a medida se tornar ineficaz.
O requerente argumenta que houve uma redução substancial na renda da escola, situada no imóvel alugado, devido à pandemia de COVID-19. É importante ressaltar que, ao ingressar com esse tipo de ação judicial, o locatário precisa apresentar provas e documentos que corroborem essa alegação. Esses documentos devem evidenciar que as medidas adotadas pela Administração Pública local para conter a propagação do vírus realmente afetaram negativamente e diminuíram significativamente a situação financeira do estabelecimento comercial locatário.
Neste caso específico, foi solicitada uma redução de 50% do valor do aluguel por meio de uma tutela recursal, durante o período de vigência dos efeitos da pandemia. A justificativa apresentada foi que, de acordo com o decreto municipal, a escola de idiomas que locava o imóvel parou suas atividades, resultando na perda de alunos e em uma significativa redução na receita mensal. Isso evidencia o reconhecimento da situação extraordinária que o Brasil enfrentou e continua enfrentando devido às medidas implementadas para conter a propagação do vírus.
Entretanto, é importante ressaltar que o simples fato da pandemia não implica necessariamente na redução do valor do aluguel, nem mesmo em revisões contratuais em geral. Portanto, o pedido de revisão do contrato não se aplica apenas à apresentação de uma ação no Poder Judiciário sob a alegação de crise. A parte requerente deve comprovar se houve de fato uma redução na receita mensal da empresa ou de qualquer pessoa que esteja alugando o imóvel.
Dessa forma, a juíza também buscou avaliar se havia ou não algum recurso financeiro para se resguardar em momentos de crise, como a pandemia da COVID-19. Logo, este é um aspecto relevante a ser considerado para determinar se o pedido de revisão do contrato é realmente justificado. Mesmo que a situação seja excepcional e improvável, é essencial não esquecer do princípio da obrigatoriedade dos contratos, conhecido como pacta sunt servanda, o qual estabelece que as partes devem, primordialmente, cumprir as cláusulas do contrato e evitar qualquer mitigação desse princípio.
Ao examinar as sentenças relacionadas aos contratos de locação residencial, foram emitidas decisões com justificativas e metas louváveis, como, por exemplo, a proteção do direito à habitação, com o propósito de suspender a aplicação da liminar de despejo contra o inquilino em atraso com o pagamento do aluguel.
É relevante ressaltar que emitir uma ordem de despejo durante esse tumultuado período vai de encontro às medidas de saúde pública estabelecidas para conter a disseminação do vírus, sendo assim, os argumentos estão fundamentados na dignidade humana, cuja importância constitucional desempenha um papel normativo elementar (Pedra, 2018).
O Tribunal de Justiça do Paraná concedeu parcialmente o Agravo de Instrumento, o qual busca revisar a decisão proferida em primeira instância que deferiu parcialmente o pedido de tutela provisória de urgência, reduzindo o valor do aluguel em 40%. Os recorrentes solicitaram a restauração do pagamento integral do aluguel ou, em alternativa, a determinação de um aluguel provisório não inferior a 80% do valor estipulado no contrato, alegando necessidade desse montante para sua subsistência e contestando a falta de comprovação pela autora da efetiva redução de seus rendimentos.
Os recorrentes são os herdeiros do proprietário do imóvel que veio a falecer no início da pandemia de COVID-19, enquanto a parte contrária é uma empresa do setor alimentício. O julgamento considerou os efeitos imprevisíveis da pandemia, que afetaram ambos os signatários do contrato. Assim, a redução da receita do locatário também impactou financeiramente o locador, afetando sua renda. O reequilíbrio foi alcançado ao não impor à locatária o ônus total do contrato, ao mesmo tempo em que levou em conta a impossibilidade do locador de arcar com a suspensão completa do pagamento.
O direito das obrigações permite a revisão de contratos em eventos não antecipados, em consonância com a boa-fé objetiva e a função social do contrato, recorrendo à teoria da imprevisão para permitir a rescisão ou revisão judicial dos contratos, conforme estabelecido no artigo 393 do Código Civil. Portanto, a teoria da imprevisão deve ser excepcionalmente aplicada para evitar dificuldades econômicas.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa realizou uma análise dos impactos da pandemia de COVID-19 nos contratos de locação, à luz do direito contratual, revela a complexidade e os desafios enfrentados pelas partes envolvidas. Os efeitos imprevistos dessa crise global exigem uma abordagem cuidadosa e flexível por parte do sistema jurídico para garantir equidade e justiça nas relações contratuais.
Nesse sentido, a revisão e adaptação dos contratos se mostram essenciais para mitigar danos e promover uma resolução justa diante das novas circunstâncias, buscando equilibrar os interesses das partes e preservar a segurança jurídica em meio à incerteza.
O contrato, enquanto acordo de vontades entre duas ou mais partes, estabelece obrigações recíprocas que devem ser cumpridas conforme os princípios da autonomia da vontade, da boa-fé, da equidade e da segurança jurídica. Ao longo deste estudo, observa-se como a pandemia de COVID-19 desafia esses princípios e exige uma reavaliação das condições contratuais para garantir a justiça e a eficácia dos compromissos assumidos, evidenciando a necessidade de uma interpretação flexível e adaptável do direito contratual diante de circunstâncias excepcionais.
Em suma, diante dos impactos imprevisíveis e significativos causados pela pandemia de COVID-19 nos contratos de locação, torna-se evidente a necessidade de considerar a possibilidade de revisão ou resolução contratual. Tal medida se justifica pela aplicação dos princípios da boa-fé, da equidade e da função social do contrato, que visam garantir a justiça nas relações contratuais. Nesse contexto, a flexibilidade e a adaptação das cláusulas contratuais emergem como instrumentos essenciais para mitigar os prejuízos e promover o equilíbrio entre as partes envolvidas. Os efeitos da pandemia de COVID-19 nos contratos de locação imobiliária destacam-se por sua complexidade e abrangência. Desde a diminuição da capacidade financeira dos locatários até a necessidade de ajustes nas cláusulas contratuais, a crise sanitária evidenciou a importância da flexibilidade e da cooperação entre as partes. Nesse contexto, a revisão de termos contratuais e a busca por soluções amigáveis surgem como ferramentas essenciais para mitigar conflitos e garantir a sustentabilidade das relações locatícias em tempos desafiadores.
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