REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411261528
David Silva Lima1
RESUMO
O presente projeto de pesquisa explora os impactos da inteligência artificial (IA) na eficácia e na equidade do Direito Penal, com ênfase na análise de seu papel nas investigações criminais, na segurança pública, na tomada de decisões judiciais e na promoção da justiça equânime, bem como uma breve comparação ao uso desta tecnologia no Direito Penal Francês, que assim como o Brasil, possui o ordenamento jurídico Civil Law. O trabalho propõe mostrar um exame equilibrado entre o potencial de inovação tecnológica e as exigências éticas e legais, a fim de garantir que a IA funcione como uma ferramenta que fortaleça os valores fundamentais do sistema de justiça criminal.
Palavras-chave: Inteligência Artificial. Direito Penal. Eficácia. Equidade.
ABSTRACT
This research project explores the impacts of artificial intelligence (AI) on the effectiveness and equity of Criminal Law, with an emphasis on analyzing its role in criminal investigations, public safety, judicial decision-making and the promotion of fair justice, as well as a brief comparison with the use of this technology in French Criminal Law, which, like Brazil, has a Civil Law legal system. The work proposes to show a balanced examination between the potential for technological innovation and the ethical and legal requirements, in order to ensure that AI functions as a tool that strengthens the fundamental values of the criminal justice system.
Keywords: Artificial Intelligence. Criminal Law. Efficiency. Equity.
1. INTRODUÇÃO
A Inteligência Artificial, conhecida comumente por suas iniciais IA, vem desempenhando um papel cada vez mais relevante em diversos setores da sociedade, incluindo. E seu impacto começa a ser sentido também no campo do Direito Penal. Sua aplicação nesse contexto abre novas possibilidades para melhorar a eficiência e a precisão nas investigações criminais e no processo de tomada de decisões judiciais. Ao mesmo tempo, o uso dessa tecnologia vem levantando questões fundamentais sobre quanto ao seu impacto na equidade, transparência e respeito aos direitos humanos. Assim, a introdução de sistemas de IA no sistema de justiça penal demanda uma análise cuidadosa de seus potenciais benefícios e riscos, de forma a assegurar um processo justo e imparcial para todas as partes envolvidas.
Este estudo propõe explorar os efeitos da inteligência artificial no Direito Penal, analisando de que forma a utilização de algoritmos e modelos de IA afeta a eficácia das investigações criminais, a imparcialidade das decisões judiciais e a equidade no sistema de justiça. A escolha desse tema se justifica pela rapidez com que a tecnologia avança e pela necessidade urgente de compreendermos seus impactos no sistema de justiça penal, a fim de evitar que o uso da IA reproduza ou amplifique desigualdades já existentes. Em especial, este trabalho busca promover breves comparações quanto ao seu uso nas searas penais francesa e brasileira, bem como promover um debate informado sobre o uso ético e transparente dessas tecnologias, permitindo a criação de diretrizes que orientem sua implementação de forma a garantir um sistema de justiça eficiente, equitativo e respeitoso dos direitos fundamentais.
A pesquisa tem como objetivo principal investigar os impactos da inteligência artificial no Direito Penal, examinando como essas novas ferramentas influenciam a eficácia das investigações, a imparcialidade das decisões judiciais e a equidade no sistema penal. Para alcançar esse objetivo, este estudo avaliará o uso de algoritmos na análise de evidências criminais e na previsão de resultados judiciais, investigando se o uso da IA pode influenciar na fixação de penas, na imposição de medidas cautelares e em decisões sobre liberdade condicional. Além disso, serão analisadas as implicações do uso de inteligência artificial para os direitos fundamentais dos acusados, como a presunção de inocência e o direito à defesa, bem como as possíveis consequências para a proteção contra discriminação.
Como hipótese, considera-se que, com base em legislações como a Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados), a Resolução nº 332/2020 e o projeto de Lei nº 21/2020 – este último atualmente em análise, há a necessidade de adaptar o marco regulatório atual ou criar normas específicas que orientem o uso da inteligência artificial no Direito Penal, assegurando ética e transparência na sua aplicação. Dessa forma, é possível que a IA contribua para um sistema de justiça mais eficaz, auxiliando nas investigações criminais sem comprometer os direitos fundamentais dos envolvidos. Este estudo pretende, assim, oferecer uma base para diretrizes que incentivem o uso responsável e equitativo da inteligência artificial no sistema de justiça penal, promovendo um ambiente de justiça mais moderno e acessível, mas sempre atento aos direitos humanos.
2. MUDANÇA DE PARADIGMA NO DIREITO PENAL COM A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
A utilização da Inteligência Artificial (IA) no Direito Penal marca uma mudança significativa no paradigma tradicional do sistema jurídico brasileiro, especialmente no que diz respeito à investigação, julgamento e execução de penas. Esta transformação é impulsionada pela capacidade da IA de processar grandes volumes de dados, identificar padrões ocultos e automatizar tarefas que antes dependiam exclusivamente da análise humana.
A utilização da IA no direito penal promete aumentar a eficiência, a precisão e a objetividade na tomada de decisões.
(Jailson Claudino da Silva. “O uso da inteligência artificial no direito penal à luz da efetivação dos direitos fundamentais.” Revista Brasileira De Filosofia E História, vol. 13, no. 2, 2024, pp. 2659–2679.)
No entanto, a integração dessas tecnologias no âmbito penal exige uma cuidadosa consideração dos princípios e garantias estabelecidos pelo Código Penal, Código de Processo Penal e pela Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018).
2.1. Modelos de Sistemas Penais e o Papel da Inteligência Artificial
O sistema penal brasileiro, tradicionalmente, opera com base em uma estrutura humana, composta por juízes, promotores, advogados e policiais, com decisões fundamentadas em provas materiais, testemunhais e raciocínios lógicos. A introdução da IA muda esse paradigma ao permitir automação de algumas funções, como a análise de dados complexos para detectar padrões e tomar decisões de investigação ou de sentença, com maior rapidez e eficiência. Contudo, isso levanta questões sobre a substituição do julgamento humano e o impacto de algoritmos nos direitos fundamentais.
Em termos de modelos de sistemas penais, podemos pensar na adoção de IA para aprimorar a prevenção e detecção de crimes, como no uso de reconhecimento facial, monitoramento de dados e identificação de padrões de comportamento, mas com a necessidade de ponderar a compatibilidade com os direitos fundamentais garantidos pela Constituição, como a privacidade e o devido processo legal, prevista no art. 5º da CF.
No contexto francês, o uso de IA nas investigações criminais é regulamentado pela Loi Informatique et Libertés e pelo GDPR, que estabelecem diretrizes rigorosas para o uso de dados pessoais, especialmente em tecnologias de vigilância como o reconhecimento facial. Isso contrasta com o Brasil, onde a legislação ainda está se adaptando a essas novas tecnologias.
2.2 A Evolução da Inteligência Artificial no Contexto Penal
A IA no contexto penal tem evoluído rapidamente. Nos primeiros estágios, sua aplicação foi mais voltada à automação de processos burocráticos e administrativos. Hoje, ela é usada para análise preditiva (como na identificação de potenciais criminosos ou na previsão de reincidência), além de ferramentas de monitoramento e coleta de evidências digitais. No entanto, a evolução tecnológica tem gerado questionamentos sobre a capacidade da IA de compreender as complexidades do comportamento humano, questões subjetivas e os direitos dos réus. A evolução também envolve a implementação de IA em áreas específicas, como o sistema penitenciário, onde pode ser usada para monitorar a reabilitação dos presos.
2.3 Conceitos Fundamentais de IA Aplicada ao Direito Penal
É importante compreender alguns conceitos-chave da IA quando aplicada ao direito penal. Entre eles estão:
Machine Learning (Aprendizado de Máquina): Técnica que permite que sistemas de IA aprendam com dados sem serem explicitamente programados para realizar determinadas tarefas. No contexto penal, pode ser usada para prever comportamentos criminosos ou a reincidência de um criminoso.
Redes Neurais Artificiais: Sistemas que tentam imitar o funcionamento do cérebro humano, sendo capazes de fazer previsões e identificar padrões, como, por exemplo, para analisar grandes volumes de dados de investigações.
Algoritmos de Decisão: Programas que tomam decisões baseadas em dados coletados, aplicáveis no campo judicial para determinar penas ou até mesmo no monitoramento de prisões.
3. IMPACTOS DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA EFICÁCIA DO DIREITO PENAL
A integração da Inteligência Artificial (IA) no Direito Penal tem gerado um impacto significativo na eficácia do sistema de justiça criminal brasileiro. A utilização dessas tecnologias promete maior eficiência nas investigações, julgamentos e na prevenção de crimes. Contudo, a sua aplicação deve ser compatível com as garantias legais estabelecidas pelo Código Penal (CPB), Código de Processo Penal (CPP) e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018), para assegurar que a eficácia não venha em detrimento dos direitos fundamentais.
“A aplicação da inteligência artificial na esfera penal é algo revolucionário na atual realidade.”
Oliveira Barbosa Júnior, Durval, e João de Deus Alves de Lima. “A inteligência artificial e o princípio da individualização da pena no direito penal.” Revista RCSA – UNICEPLAC, vol. 4, no. 1, 2023
A França tem implementado sistemas de análise preditiva para auxiliar na determinação de penas, sempre respeitando os direitos dos réus, conforme previsto pelo Code de procédure pénale. O uso da IA para prever reincidência, por exemplo, é orientado por diretrizes estabelecidas pelo Conselho de Estado francês (Conseil d’État), que enfatiza a necessidade de supervisão humana para evitar decisões automatizadas que possam infringir direitos fundamentais.
3.1 IA na Investigação Criminal e Coleta de Provas
No Brasil, crimes de estelionato virtual utilizando inteligência artificial têm se tornado cada vez mais comuns. Um exemplo é o uso de deep fakes para aplicar golpes financeiros. Criminosos têm se aproveitado dessa tecnologia para simular vídeos ou áudios de figuras públicas ou pessoas conhecidas das vítimas, pedindo transferências bancárias ou acesso a dados pessoais. Em um relatório de 2023, observou-se um aumento de 13,6% nos golpes virtuais, especialmente envolvendo phishing com o uso de chatbots e IA, que enviam mensagens falsas por WhatsApp ou e-mail, simulando promoções ou comunicados oficiais. Isso tem gerado grandes prejuízos, tanto para indivíduos quanto para empresas.
Um exemplo prático é o ataque à Fleury, um grande grupo de medicina diagnóstica no Brasil, que sofreu prejuízos financeiros consideráveis devido a um ataque cibernético sofisticado, que utilizou técnicas avançadas para se infiltrar em seus sistemas. Esses ataques demonstram como a IA pode ser empregada para aprimorar métodos de fraude, tornando-os mais convincentes e difíceis de detectar.
Já na França, o uso de inteligência artificial para stalking (perseguição) e golpes virtuais também têm levantado preocupações. Um caso notório envolveu o uso de software de deep fake para criar vídeos comprometendo figuras públicas, utilizado para chantagem e extorsão. Além disso, houve um aumento no uso de IA para a prática de “catfishing”, onde perfis falsos nas redes sociais são criados para enganar vítimas, muitas vezes com a intenção de obter dinheiro ou informações sensíveis.
Em termos legais, a França tem sido proativa na criação de leis que abordam crimes cibernéticos, especialmente aqueles que envolvem o uso de tecnologias avançadas. A Lei Avia (2020) foi um passo importante para combater o discurso de ódio e outros crimes digitais, impondo maiores responsabilidades às plataformas de internet para remover conteúdo ilegal rapidamente.
Esses exemplos mostram que tanto no Brasil quanto na França, o uso de IA em crimes virtuais é uma questão crescente, desafiando sistemas legais e de segurança cibernética. Para mais detalhes sobre esses casos, é possível consultar fontes como o Canal Ciências Criminais e relatórios de segurança de empresas especializadas em cibersegurança no Brasil.
A IA tem um grande potencial na investigação criminal, especialmente na coleta de provas. Ferramentas de IA podem ser usadas para analisar grandes volumes de dados, como registros de comunicações, transações financeiras, redes sociais e até mesmo imagens de câmeras de segurança. O uso de algoritmos de IA para realizar essa análise permite uma triagem mais rápida e eficaz de evidências, o que pode acelerar investigações e aumentar a precisão.
Entretanto, a aplicação de IA na coleta de provas deve ser realizada com muito cuidado para não violar os direitos do réu, especialmente no que se refere à coleta e uso de dados pessoais sem o devido processo legal, conforme art. 5º da CF e Lei nº 13.709/2018, LGPD. A falta de controle sobre o uso dessas tecnologias pode levar a abusos e à obtenção de provas ilícitas.
3.2 IA na Tomada de Decisões Judiciais
A utilização de IA na tomada de decisões judiciais, como em sentenças penais, pode resultar em uma maior celeridade nos julgamentos e em uma padronização das decisões. Sistemas de IA podem analisar o histórico de decisões e identificar padrões, o que possibilita uma aplicação mais “uniforme” da justiça. Contudo, é necessário que a IA seja acompanhada de perto por profissionais qualificados para evitar que erros nos algoritmos prejudiquem o direito do réu.
Além disso, há um risco de a IA se tornar uma ferramenta para reforçar preconceitos existentes, caso os dados usados para treiná-la contenham viés. Isso pode comprometer a imparcialidade da decisão judicial.
Diferentemente do Brasil, onde a aplicação da IA em sentenças ainda está em fase inicial, a França adota uma abordagem mais conservadora, conforme recomendado pelo Comitê Consultivo Nacional de Ética (Comité Consultatif National d’Éthique). A IA serve como suporte aos juízes, mas a decisão final é sempre tomada por um ser humano, garantindo o cumprimento dos direitos processuais.
3.3 IA na Prevenção e Detecção de Crimes
A IA pode ser fundamental na prevenção e detecção de crimes, utilizando-se de sistemas preditivos que analisam padrões de comportamento e identificam áreas ou indivíduos com alta probabilidade de envolvimento em atividades criminosas. A detecção precoce pode evitar crimes, mas a precisão dos algoritmos e a confiabilidade das análises preditivas precisam ser validadas.
Contudo, a implementação de tecnologias de vigilância e monitoramento, como câmeras com reconhecimento facial ou a análise de dados pessoais, deve ser cuidadosamente regulamentada para evitar abusos e garantir que não haja violação de direitos fundamentais, como a privacidade (Art. 5º, CF) e a liberdade individual.
4. IMPACTOS DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA EQUIDADE DO DIREITO PENAL
A introdução da Inteligência Artificial no sistema de justiça penal traz à tona questões significativas sobre a equidade no tratamento dos indivíduos, especialmente considerando os princípios fundamentais do Código Penal, Código de Processo Penal e a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018). Embora a IA ofereça inúmeras vantagens, como maior eficiência e rapidez nas investigações e julgamentos, sua utilização também pode gerar desafios relacionados à justiça, igualdade e proteção dos direitos fundamentais.
4.1 Desafios Éticos e Legais do Uso de IA no Direito Penal
O uso de IA no direito penal levanta uma série de questões éticas, especialmente no que diz respeito à transparência, responsabilidade e equidade. Por exemplo, os algoritmos usados para fazer previsões podem ser opacos (caixa-preta), dificultando a compreensão de como uma decisão foi tomada. Isso pode comprometer a confiança do público no sistema judicial e criar uma sensação de injustiça, caso um réu seja condenado com base em um algoritmo sem a devida explicação ou justificativa (Art. 5º, CF).
“A inteligência artificial pode reproduzir a discriminação e outras violações de direitos na persecução penal.”
Catiane Steffen, “A Inteligência Artificial e o Processo Penal: A Utilização da Técnica na Violação de Direitos.” Revista Emerj, vol. 25, no. 1, Jan.-Abr. 2023, pp. 105-129.
Além disso, o risco de erros nos algoritmos pode resultar em sentenças injustas, como no caso de sistemas de avaliação de risco de reincidência que podem ser enviesados devido a dados históricos discriminatórios.
4.2 IA e a Discriminação Algorítmica
Os sistemas de IA podem reproduzir ou até amplificar preconceitos existentes na sociedade. Se os dados usados para treinar os algoritmos contêm viés (como discriminação racial ou social), o sistema pode tomar decisões que reforçam esses preconceitos. No contexto penal, isso pode afetar a igualdade de tratamento entre réus, violando princípios constitucionais de igualdade e a não discriminação, conforme art. 5º da CF. Estudos têm mostrado que algoritmos preditivos podem ser menos precisos para determinadas populações, como pessoas negras ou de classes sociais mais baixas.
Isso exige uma reflexão crítica sobre como os dados são coletados e tratados no contexto da justiça penal. legislação francesa, reforçada pelo GDPR, exige uma avaliação de impacto de proteção de dados (Data Protection Impact Assessment – DPIA) antes do uso de IA em decisões judiciais, o que ajuda a minimizar discriminações algorítmicas. Esse modelo pode servir de referência para o Brasil ao desenvolver suas próprias regulamentações.
4.3 Garantias Processuais e Direitos Humanos na Era da IA
A utilização da IA no Direito Penal deverá ser feita de maneira que respeite as garantias processuais dos réus, como o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal conforme previsto no art. 5º da Constituição Federal. O uso de IA não pode substituir a participação ativa do réu ou de seu advogado nas decisões judiciais, nem pode gerar uma “automação” da justiça que prejudique a análise humana dos casos. Além disso, deve-se garantir que a aplicação da IA não viole direitos fundamentais, como a privacidade, a liberdade e a dignidade humana, garantido no art. 1º da Constituição.
5. REGULAMENTAÇÃO E FUTUROS CAMINHOS DA IA NO DIREITO PENAL
5.1. Panorama Legal Atual e Propostas de Regulamentação
A utilização da Inteligência Artificial exige um desenvolvimento regulatório robusto e atualizado. Embora ainda não exista uma legislação específica para a IA no contexto penal brasileiro, o uso dessa tecnologia é impactado por normas já estabelecidas no Código Penal, Código de Processo Penal e pela Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018). O objetivo é assegurar que a Inteligência Artificial seja utilizada de maneira ética, transparente e não discriminatória, respeitando os direitos fundamentais dos indivíduos.
O senador pelo Estado do Tocantins Eduardo Gomes apresentou o Projeto de Lei nº 2338/2023, que no contexto do Direito Penal, promove inovações como o sistema de categorização de riscos, que classifica aplicações de IA conforme seu potencial de impacto e periculosidade. Sistemas de “alto risco”, como os usados na administração da justiça e investigação criminal, estão sujeitos a normas rigorosas de governança, supervisão humana e transparência para prevenir erros, discriminação e abusos.
Esse projeto visa ir além, como impedir aplicações consideradas de “risco excessivo”, como sistemas que exploram vulnerabilidades de indivíduos ou empregam pontuação social desproporcional. Dessa forma, violações de direitos como discriminação ou uso ilegítimo de dados serão evitadas, garantindo conformidade com os princípios da proporcionalidade e devido processo legal, já garantidos por lei.
Enquanto o Brasil discute os Projetos de Lei nº 21/2020 e nº 2338/2023, a França está alinhada com o Artificial Intelligence Act da União Europeia, que classifica sistemas de IA por níveis de risco, inspirando a criação do Projeto de Lei nº 2338/2023. Esta abordagem pode oferecer um modelo útil para o Brasil na criação de suas próprias diretrizes, especialmente em aplicações de alto risco no direito penal.
Normas Vigentes Aplicáveis: Atualmente, o uso da IA no sistema penal brasileiro é regulado principalmente por legislações gerais, como a LGPD, que estabelece diretrizes para o tratamento de dados pessoais, inclusive em contextos criminais.
Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD): A LGPD regula o uso de dados pessoais, incluindo dados sensíveis, que podem ser coletados por sistemas de IA em investigações criminais, previsto no art. 11. A lei impõe princípios como a necessidade, finalidade e transparência, os quais são essenciais para o uso ético da IA.
Código de Processo Penal (CPP): O CPP, embora não trate especificamente de IA, estabelece princípios fundamentais para a coleta de provas prevista no art. 6º e a proteção dos direitos dos réus, como o direito ao contraditório e à ampla defesa, de acordo com o art. 5º, LV da Constituição Federal. Essas garantias processuais precisam ser preservadas mesmo com o uso de tecnologias avançadas.
Propostas de Regulamentação Específica: Há um movimento crescente para a criação de regulamentações específicas para a aplicação da IA no Direito Penal. Entre as propostas discutidas por especialistas e legisladores, destacam-se:
Projeto de Lei sobre IA no Brasil: Atualmente, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 21/2020, que busca estabelecer princípios, direitos e deveres para o uso de IA no Brasil. O projeto prevê medidas para assegurar a transparência, a explicabilidade e a não discriminação de algoritmos.
Diretrizes Internacionais: A União Europeia, por exemplo, está desenvolvendo o Artificial Intelligence Act, que classifica aplicações de IA em diferentes níveis de risco. O Brasil pode adotar uma abordagem semelhante para categorizar o uso da IA em contextos penais como de “alto risco”, exigindo maior controle e supervisão.
5.2 Modelos de Governança para IA no Sistema Penal
A implementação de IA no sistema penal requer um modelo de governança robusto que assegure a transparência, a ética e a proteção dos direitos fundamentais. A criação de comitês de ética como o Comité d’Éthique du Numérique na França pode servir de inspiração para o Brasil ao estabelecer estruturas de governança para IA no sistema penal, promovendo maior transparência e responsabilidade no uso dessas tecnologias.” Alguns princípios fundamentais incluem:
Transparência e Explicabilidade: De acordo com o art. 20 da LGPD, os indivíduos têm o direito de solicitar explicações sobre decisões automatizadas que afetem seus direitos. No contexto penal, isso é crucial para garantir que os réus compreendam as bases das acusações e sentenças geradas por IA.
Responsabilidade e Supervisão Humana: A decisão final em processos penais deve sempre ser revisada por um ser humano, garantindo que os sistemas de IA sejam apenas ferramentas de apoio, conforme os princípios do devido processo legal visto no art. 564 IV do Código de Processo Penal.
Comitês de Ética e Auditoria: A criação de comitês especializados para auditar algoritmos e práticas de IA no sistema penal pode ajudar a identificar possíveis discriminações e garantir o cumprimento das normas legais. Esses comitês poderiam funcionar em linha com os princípios de compliance estabelecidos na LGPD, monitorando o uso ético e legal da IA.
Certificação de Algoritmos: A implementação de sistemas de certificação para algoritmos utilizados em investigações e decisões judiciais pode aumentar a confiança pública e garantir que os sistemas estejam alinhados com as normas legais e éticas.
5.3 Tendências Futuras e Inovações Tecnológicas
A evolução constante da Inteligência Artificial promete transformar ainda mais o sistema de justiça penal, introduzindo tecnologias mais sofisticadas e abordagens inovadoras para lidar com crimes e processos judiciais. No entanto, essas inovações devem ser acompanhadas de regulamentações robustas e uma análise ética aprofundada, de forma a garantir que os direitos fundamentais sejam respeitados.
Algumas tendências incluem:
IA Explicável (Explainable AI): O desenvolvimento de sistemas que fornecem explicações claras para suas decisões ajudará a aumentar a transparência e a confiança no uso de IA em processos penais. A França, por exemplo, tem investido em IA explicável para aumentar a transparência das decisões judiciais automatizadas, uma tendência que pode beneficiar o Brasil ao buscar uma regulamentação que equilibre inovação com direitos fundamentais, seguindo exemplos europeus de governança ética.
Ferramentas de Prevenção de Crimes: Sistemas baseados em IA poderão ser cada vez mais utilizados para prever comportamentos criminosos e alocar recursos policiais de forma mais eficaz, respeitando os limites impostos pela LGPD em relação à coleta de dados pessoais.
Desafios e Riscos Potenciais: Embora a IA prometa maior eficiência no sistema de justiça, ela também apresenta riscos que precisam ser mitigados:
Discriminação Algorítmica: Sistemas de IA podem perpetuar vieses existentes, resultando em injustiças e desigualdades. A legislação futura deve abordar explicitamente esses riscos, estabelecendo critérios para a validação e auditoria de algoritmos.
Privacidade e Segurança de Dados: Com o aumento do uso de IA, cresce também a preocupação com a privacidade dos dados coletados. A LGPD estabelece, em seu art. 46, que os dados devem ser tratados com segurança, garantindo a proteção contra acessos não autorizados e vazamentos.
Colaboração Internacional: O Brasil pode se beneficiar ao colaborar com organismos internacionais, como a ONU e a União Europeia, que têm desenvolvido diretrizes para o uso ético da IA. Assim como a França pode colaborar com o Brasil de forma a criar uma regulamentação que equilibre inovação tecnológica com proteção de direitos.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A incorporação da Inteligência Artificial (IA) no Direito Penal brasileiro representa uma mudança de paradigma significativa, influenciando desde a investigação até a execução de penas. A análise deste tema revelou que, embora a IA possa trazer benefícios notáveis em termos de eficiência e agilidade na coleta de provas, na análise preditiva de crimes e na tomada de decisões judiciais, é essencial que sua implementação respeite os princípios fundamentais estabelecidos pelo Código Penal, Código de Processo Penal e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Foram abordados aspectos cruciais, como os desafios éticos e legais que surgem com o uso de tecnologias de IA, especialmente no que diz respeito à preservação dos direitos fundamentais, como a privacidade, o contraditório e a ampla defesa. Exemplos do uso da IA em sistemas jurídicos internacionais, como na França, evidenciaram diferentes abordagens regulatórias que podem servir de referência para o Brasil. Ademais, discutiu-se a necessidade de uma regulamentação robusta para mitigar riscos, como a discriminação algorítmica e a falta de transparência nas decisões automatizadas.
A introdução da IA no sistema de justiça penal brasileiro tem o potencial de transformar a forma como crimes são investigados, processados e julgados. No entanto, essa transformação vem acompanhada de desafios que exigem uma reflexão profunda sobre as implicações para a justiça penal. O uso de algoritmos preditivos pode, por exemplo, aumentar a eficácia na prevenção de crimes e a gestão do sistema penitenciário, mas também pode ameaçar direitos fundamentais se não houver um controle rigoroso sobre sua aplicação.
No futuro, o sucesso da IA no Direito Penal dependerá de um equilíbrio entre inovação tecnológica e salvaguardas legais. É essencial que o Brasil desenvolva um marco regulatório específico que proteja os direitos dos indivíduos contra possíveis abusos, inspirando-se em modelos internacionais, como o Artificial Intelligence Act da União Europeia. Além disso, a criação de comitês de ética e mecanismos de auditoria se torna essencial para garantir que a IA seja utilizada de forma ética, transparente e responsável.
O uso da Inteligência Artificial no sistema penal é uma faca de dois gumes. Por um lado, oferece uma oportunidade única de melhorar a eficiência do sistema de justiça, reduzir a sobrecarga de processos e proporcionar uma resposta mais rápida à criminalidade. Por outro lado, levanta questões complexas sobre a equidade e a justiça, especialmente no que tange ao risco de discriminação algorítmica e ao respeito aos direitos humanos.
É fundamental que a introdução dessas tecnologias seja acompanhada por um compromisso com a equidade. As decisões judiciais devem sempre preservar a dignidade humana, garantindo que a IA seja uma ferramenta de apoio, e não um substituto para o julgamento humano. Assim, a supervisão humana deve permanecer central no sistema penal, assegurando que os valores democráticos e os princípios constitucionais não sejam comprometidos em nome da eficiência.
O desafio, portanto, é criar um sistema de justiça penal que aproveite os benefícios da IA, mas que também esteja atento às suas limitações e riscos. O caminho para um uso ético e justo da IA no Direito Penal passa pela regulamentação cuidadosa, pela capacitação dos operadores do direito e pela conscientização sobre as implicações dessa nova era tecnológica. O futuro do Direito Penal não deve apenas ser mais eficiente, mas também mais justo e humano, assegurando que a tecnologia esteja sempre a serviço da sociedade e do Estado de Direito.
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1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. E-mail: odavidsilvalima@gmail.com. ORCID: 0009-0001-5648-6949