THE BASIS OF THE PRESUMPTION OF RELEVANCE AND TRANSCENDENCE FOR THE SPECIAL REMEDY IN ADMINISTRATIVE IMPROBITY ACTIONS AND THE EFFECTIVENESS OF FUNDAMENTAL RIGHTS
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202409300944
Regina Vera Villas Bôas2
Alexandre Dias Maciel3
Filipe Nesi Tossi Silva4
Vai passar, nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo da velha cidade
Essa noite vai se arrepiar. Ao lembrar (…)
Que aqui sambaram nossos ancestrais
Num tempo, página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações. Dormia
A nossa pátria-mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações (…)5
RESUMO: Após a promulgação da Emenda Constitucional nº 125/2022, que introduziu o filtro de relevância para o recurso especial, passou-se a discutir sobre o conceito e abrangência deste instituto, especialmente quando consideradas as hipóteses de presunção de transcendência inseridas no próprio texto constitucional. Nesta pesquisa, busca-se abordar o conceito do filtro de relevância, dando-se foco a uma hipótese de presunção específica tratada no texto constitucional: a presunção de relevância em ações de improbidade administrativa. Pretende-se justificar a presunção de relevância nessa hipótese específica, propondo-se o reconhecimento, ainda, de uma presunção de transcendência. Nessa seara, pelo método da revisão bibliográfica e documental e olhar interdisciplinar, propõe-se uma alternativa para fundamentar a possibilidade de fixação de precedentes de natureza vinculante em ações de improbidade administrativa, como regra geral, como maneira de se conferir maior efetividade a um regime de responsabilidade com destacada importância à ordem jurídica, objetivando a concretização dos direitos fundamentais.
PALAVRAS-CHAVE: Recurso especial – relevância e transcendência – presunção – improbidade administrativa – efetividade dos direitos fundamentais.
ABSTRACT: After the promulgation of Constitutional Amendment No. 125/2022, which introduced the relevance filter for the special appeal, it started a debate regarding the concept and scope of this institute, especially when considering the hypotheses of presumption of transcendence inserted in the constitutional text itself. In this research, we seek to address the concept of the relevance filter, focusing on a specific presumption hypothesis addressed in the constitutional text: the presumption of relevance in administrative improbity actions. In this area, using the method of bibliographic and documentary review and an interdisciplinary approach, the aim is, then, to justify the presumption of relevance in this specific hypothesis, proposing the recognition, also, of a presumption of transcendence. In this way, an alternative is proposed to support the possibility of setting precedents of a binding nature in administrative improbity actions, as a general rule, as a way of giving greater effectiveness to a liability regime with outstanding importance in the legal system, aiming to achieve fundamental rights.
KEYWORDS: Special appeal – relevance and transcendence – presumption – administrative improbity – effectiveness of fundamental rights.
1. Notas introdutórias
Em 14/07/2022 entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 125, que – com a inserção dos parágrafos 2º e 3º no artigo 105, da Constituição Federal – estabeleceu novo requisito de admissibilidade para os recursos especiais: a demonstração de relevância das questões de direito.
Esse novo requisito aos recursos especiais acontece em resposta à demanda reiterada do Superior Tribunal de Justiça em introduzir um novo filtro de admissibilidade aos recursos que lhe são submetidos, reduzindo, assim, a sobrecarga de trabalho dos Ministros integrantes da Corte Superior.
Referido movimento dá continuidade à reforma do Poder Judiciário promovida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, a qual reintroduz no sistema, entre outras alterações substanciais, um requisito de admissibilidade aos recursos extraordinários – anteriormente à vigente Constituição da República Federativa do Brasil havia a arguição de relevância, inserida pela Emenda Constitucional nº 1/1969, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 -, sob a nomenclatura “repercussão geral”. Todavia, a repercussão geral não se refere à mera reprodução do instituto da arguição de relevância, mas sim a instituto próprio do sistema jurídico.
Atualmente, diferentemente da relevância da questão federal, a repercussão geral se apresenta como requisito consolidado do ordenamento jurídico brasileiro, objeto de diversos estudos e análises, desde a sua inserção no sistema, ocorrida em 2004. A relevância, por ser requisito de admissibilidade recém estabelecido – estando pendente a edição de lei infraconstitucional que o regulamente de modo a tornar possível sua exigibilidade aos recursos interpostos –, encontra-se em período de adaptação e interpretação pela doutrina nacional.
Vale destacar, que o próprio constituinte derivado, tentando delimitar situações que, em seu entendimento, deveriam ser dotadas de relevância, insere o artigo 105, §3º, V, no texto constitucional, estabelecendo cinco situações específicas de presunção de relevância da questão de direito, assim, dispostas: a) ações penais; b) ações de improbidade administrativa; c) ações cujo valor da causa ultrapasse quinhentos salários-mínimos; d) ações que podem gerar inelegibilidade; e) hipóteses em que o acórdão recorrido contrarie “jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça”. E, o seu inciso VI, estabelece competência do legislador infraconstitucional para delimitar outras situações de presunção de relevância da questão federal, discutida em sede de recurso especial.
Sobre a atualidade da inserção do filtro de admissibilidade no sistema, adicionada à ausência de regulamentação pela legislação infraconstitucional, a doutrina nacional debate e procura consolidar a conceituação e definição da relevância dessa questão federal, exibindo ampla divergência sobre o tema. São destacados o conceito da relevância, a permitir a admissibilidade do recurso especial e a extensão da presunção de relevância, disposta no texto constitucional, do artigo 105, §3º, entre outros aspectos revelados como os grandes potencializadores de divergência.
Não obstante, todavia, no que concerne às presunções de relevância destacadas pela Constituição da República Federativa do Brasil, ocorre um certo grau de inconformismo por parte da comunidade jurídica, fundamentado nas hipóteses previstas no texto constitucional que versariam sobre interesses de natureza individual, considerados como “interesse limitado ao alcance subjetivo da lide, originária do recurso”, sendo que, nessa condição, as decisões proferidas nos referidos recursos, não poderiam, ou deveriam, ser capazes de gerar precedentes de natureza vinculante.
Nesse sentido, a presente pesquisa objetiva abordar uma das hipóteses de presunção de relevância da questão federal – aquela prevista no texto constitucional do artigo 105, §3º, II (ações de improbidade administrativa) –, buscando aferir se, nessa situação, não se poderia defender a existência de um viés público na relevância da questão federal, protegendo assim a existência de presunção de transcendência da questão, de maneira a traduzir em fundamento hábil que justifique a possibilidade de formação de precedentes de natureza vinculante como regra geral, em ações de improbidade administrativa, em prol da efetividade dos Direitos.
Para o atingimento do objetivo pretendido, os presentes estudos enfrentarão as questões que dizem respeito: a) ao conceito de precedentes vinculantes no ordenamento jurídico brasileiro; b) a natureza e conceito da relevância da questão federal como requisito formal e de admissibilidade dos recursos especiais; e c) a finalidade do sistema repressivo aos atos de improbidade administrativa no ordenamento jurídico brasileiro.
Ressaltado, desde logo, que – desde a reforma da Lei de Improbidade Administrativa, a partir da promulgação da Lei nº 14.230/21, com a restrição dos atos que podem ser caracterizados como ímprobos, bem como a inclusão de requisitos mais restritivos ao efetivo andamento das ações de improbidade administrativa e a definição de prazo de prescrição intercorrente –, o país se encontra em um cenário de instabilidade e insegurança relativamente ao sistema de repressão aos atos de improbidade administrativa, corroborando a (in)efetividade dos Direitos.
Nessa esteira, os presentes estudos refletem sobre a necessidade de viabilização de proposta que confira maior efetividade ao sistema repressivo da improbidade administrativa – quer pela condenação dos agentes que tenham, efetivamente, praticado atos ímprobos, quer pela absolvição daqueles que não os tenham praticado -, por meio da formação de precedentes vinculantes pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.
Pelo método da revisão bibliográfica e documental e pelo prisma interdisciplinar – abrangendo temáticas do Direito Processual Civil, dos Direitos Fundamentais Constitucionais, do Direito Coletivo e do Direito Administrativo -, a presente pesquisa se desenvolve por meio de dois capítulos principais: a) relevância e transcendência nos recursos excepcionais; e b) fundamentos para a presunção de relevância e transcendência nos recursos especiais em ações de improbidade administrativa.
2. Relevância e transcendência nos recursos excepcionais.
Para se chegar aos estudos do objeto central da presente pesquisa – análise de fundamentos da presunção de relevância e transcendência nos recursos especiais em ações de improbidade administrativa -, necessário que, anteriormente, sejam enfrentadas algumas questões de cunho processual atinentes aos filtros em recursos excepcionais, à conceituação e papel da relevância e transcendência em face da formação dos precedentes de caráter vinculante.
Assim, de início, se faz necessária uma abordagem sobre o papel dos filtros aos recursos dirigidos aos tribunais superiores, extraindo-se do próprio nome do instituto que os filtros recursais objetivam limitar, por meio de exigências de formas distintas, os recursos que poderão chegar aos tribunais superiores. São considerados como um meio de diminuir as hipóteses em que os recursos serão efetivamente avaliados e julgados, em seu mérito, pelas Cortes Superiores, procurando fomentar o fortalecimento do papel institucional primário de referidas cortes6.
Sobre as maneiras que referidos filtros podem assumir, lecionam Alvim e Dantas7:
Podem-se estabelecer limites ligados, por exemplo, ao tipo de decisão que estaria sujeita a recurso para esses órgãos: por exemplo, só decisões finais; outros, ligados àquilo que pode ser examinado por essas Cortes: apenas questões de direito; pode-se também exigir que o dano causado pela decisão recorrida seja grave para as partes ou, ainda, um depósito em dinheiro para se garantir a possibilidade de recorrer.
Observa-se que, independentemente da maneira assumida pelo filtro, a sua finalidade estará sempre relacionada à redução da carga de trabalho dos integrantes das Cortes Superiores, objetivando reforçar a função de uniformidade que possuem. Destacado, todavia, que a finalidade inerente aos filtros não importa, necessariamente, na legitimidade de sua instituição, na medida em que pode se alegar, dependendo da situação que a formulação de certa exigência se demonstre incompatível com o ordenamento jurídico em que inserido o filtro recursal.
Destacado8, ainda, que o filtro da relevância para os recursos especiais, e o filtro da repercussão geral, para os recursos extraordinários, possuem natureza de filtro qualitativo, envolvendo análise quanto à “relevância da questão para as partes ou para o direito (viés público)” –, que tem como “base um requisito descrito em linguagem flexível e vaga”.
Sobre a relevância dos recursos especiais, à presente pesquisa, Mitidiero9 apresenta três características essenciais do filtro destacado: a) em um primeiro momento, tem-se um filtro de seleção, que permite a diminuição da carga de trabalho das Cortes Superiores à elevação da qualidade da atividade desenvolvida; b) em um segundo momento, tem-se um filtro atinente à questão discutida, cuja relevância está relacionada à questão federal, de maneira individualizada pelo recorrente em sua peça recursal, abordada e violada pelo acórdão recorrido; e c) em um terceiro momento, é integrado pelo binômio relevância e transcendência – tema este que será abordado em momento próprio, devido a sua relevância à presente pesquisa.
Além da análise da relevância como filtro recursal, necessário à sua apreciação enquanto requisito de admissibilidade, tema abordado por Marques, Alvim, Neves e Tesolin10, conforme anotado, a seguir
O filtro da relevância consubstancia-se em requisito de admissibilidade de recurso de natureza excepcional, fomentando a relevante função desempenhada pelo Superior Tribunal de Justiça, enquanto Corte de precedentes voltada a unificar, nacionalmente, o entendimento acerca do direito federal infraconstitucional, contribuindo, ainda, para atenuar a problemática do crescente volume de recursos especiais sobre questões de pouca importância jurídica.
Observa-se que, como requisito de admissibilidade do recurso especial, a ausência de relevância da questão de direito invocada no recurso especial apresenta como consequência fundamental a inexistência do poder de recorrer ao Superior Tribunal de Justiça, configurando hipótese de não conhecimento do recurso especial.11
Compreendida a relevância da questão de direito, enquanto filtro recursal e enquanto requisito de admissibilidade do recurso especial, aborda-se, na sequência, o seu conceito, anotado que a doutrina processualista reforça os estudos de referido instituto, a partir de sua inclusão no ordenamento jurídico nacional.
O §2º do artigo 105 da vigente Constituição da República Federativa do Brasil exige a relevância das questões de direito federal infraconstitucional nos recursos especiais interpostos, “relevância” esta exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 125/2022, implicando referida relevância da questão de direito um conceito jurídico vago ou indeterminado.
Nesse sentido, entendido como um conceito vago ou indeterminado, o significado da expressão não encontra fácil identificação no mundo fático, de maneira a poder conferir maior abrangência ao conceito jurídico, podendo este ser preenchido da maneira mais adequada, no momento histórico em que o intérprete se encontrar, fato este que confere à norma, maior poder de regulamentação para situações futuras12.
Diante da indeterminação do conceito jurídico de relevância, os autores13 sustentam que – em razão da similitude entre o vigente texto constitucional do artigo 102, §3º, que prevê o filtro da repercussão geral para os recursos extraordinários, e o do artigo 105, §2º, que prevê o filtro de relevância para os recursos especiais – é possível suscitar-se a existência de certo grau de simetria entre os dois filtros mencionados.
Referida simetria, contudo, não é absoluta. Inicialmente14 existe uma distinção quanto ao tratamento conferido pelo constituinte derivado em relação ao dever de regulamentação dos filtros por legislação infraconstitucional, determinando o artigo 7º da Emenda Constitucional nº 45/2004, o dever do Congresso Nacional de instalar comissão especial mista para elaborar, em prazo de cento e oitenta dias, os projetos de lei necessários à regulamentação da repercussão geral. A Emenda Constitucional nº 125/2022, que inseriu o filtro de relevância aos recursos especiais, não impôs prazo para regulamentação por lei infraconstitucional.
Os referidos autores15 afirmam que Cândido Rangel Dinamarco apresenta outra diferença fundamental entre os filtros de repercussão geral e de relevância da questão de direito, expondo que, em relação ao primeiro, todas suas hipóteses de ocorrência buscam conferir estabilidade ao direito e uniformidade de interpretação do texto constitucional, sendo que, relativamente à relevância, as suas hipóteses pressupõem, de maneira principal, a vulneração de valores, notadamente importante ao recorrente.
Observado, nesse sentido, a existência de distinção de essência entre os dois filtros, pressupondo sempre, a repercussão geral, um viés público em sua solução, e a relevância, o desempenho de um papel de “solução de interesses predominantemente individuais”.
Reforçada a existência do elemento “transcendência” no filtro da relevância, quando do tratamento das hipóteses de presunção de relevância, destacado que “a demonstração de que a questão se reveste de importância que desdobra dos limites do caso concreto só é relevante nas hipóteses não abrangidas expressamente pelo §3º e naquelas que a lei vier a prever, segundo estabelecido pelo inciso IV” 16.
Marinoni17 sustenta que o conceito de relevância, entendido como filtro de recurso especial, é integrado por dois elementos: a relevância, em sentido estrito, e transcendência, não podendo referidos elementos serem compreendidos como alternativos, eis que devem estar presentes de maneira concomitante à consideração do devido preenchimento do filtro da relevância da questão federal.
A interpretação de Marinoni para referida matéria é repetida por grande parte da doutrina nacional18
Nessa esteira, se a relevância da questão de direito, enquanto filtro recursal, designa, per si, um conceito jurídico indeterminado, sendo a sua definição extraída dos elementos que o integram, se faz necessário à sua compreensão, a realização de uma abordagem dos conceitos de relevância, pela acepção de elemento integrador dos filtros de recursos direcionados aos Tribunais Superiores nacionais – recurso especial e recurso extraordinário –, e de transcendência.
O elemento da relevância não se confunde com o filtro da relevância da questão de direito, sendo somente um dos seus elementos integradores.
Mitideiro,19 ancorado no conceito de relevância, previsto no artigo 1.035, do Código de Processo Civil de 2015, aplicável ao recurso extraordinário, destaca que, para ser entendido como relevante, a questão de direito discutida deve se demonstrar como relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico. Complementando essa doutrina, Marinoni20 defende que, apesar de poder ser considerada sob os aspectos econômico, político ou social, a relevância há de ser, sempre, jurídica, conforme anotado, a seguir:
[…] É evidente que a relevância de uma questão só pode ser buscada em uma perspectiva social, econômica, política ou jurídica. E com uma necessária ressalva: se uma questão pode ser social, econômica ou politicamente importante, ela só será uma questão capaz de favorecer a atuação da Corte se a sua solução tiver repercussão jurídica.
Considerar as dimensões econômica, política e social tem o intuito de facilitar a identificação das questões que podem ter relevante repercussão jurídica. Porém, a complexidade do tema aumenta quando se percebe que a relevância jurídica de uma questão não tem uma dimensão estática ou alheia aos diferentes momentos históricos da sociedade e dos contextos envolvidos pelo Judiciário.
Nessa esteira, para que se possa aferir se determinada questão veiculada em recurso especial preenche o requisito estabelecido pelo filtro da relevância da questão de direito, estampado no texto constitucional do artigo 105, §2º, tem-se que avaliar se a matéria em cotejo apresenta relevante repercussão jurídica, apreciando-se, para esse fim, sua importância social, econômica ou política, como maneira de auxiliar a identificação da repercussão jurídica. Todavia, o filtro da relevância da questão de direito demanda necessária transcendência da discussão, para além da demonstração de relevância jurídica da matéria.
Daniel Mitidiero21 assevera que o elemento da transcendência é integrador do conceito de relevância da questão de direito – tal como do conceito de repercussão geral – implicando a capacidade da questão de “ultrapassar o simples interesse das partes, servindo para dar unidade ao direito”. No mesmo sentido se apresenta a afirmação, a seguir22:
O principal critério para se identificar a presença da relevância necessária ao conhecimento do recurso especial consiste na transcendência da discussão jurídica, a partir da demonstração pelo recorrente de que a adequada interpretação da questão de direito suscitada em suas razões recursais terá impacto em outros processos, o que se coaduna com a função do Superior Tribunal de Justiça, em produzir precedentes de ampla aplicação, querendo isso dizer que a relevância, para os fins do artigo 105, §2º, da CF, deve contribuir para o atingimento da função jurisdicional do STJ.
Para referidos doutrinadores, a capacidade da questão de transcender os limites subjetivos da lide que originou o recurso especial designa o elemento mais importante do preenchimento do filtro da relevância, na medida em que, a partir da capacidade transcendente da questão, ocorre a justificava da atividade jurisdicional da Corte, formando precedentes de caráter vinculante.
A esse respeito, faz ressalva Marinoni23, destacando que a transcendência se reporta a uma característica dessa questão jurídica, não devendo ser interpretada a partir da eficácia da decisão a ser proferida. A solução de certa questão de direito deve demonstrar, per si, capacidade de ultrapassar o mero interesse das partes, para ser compreendida como transcendente, sendo despicienda a análise da eficácia da decisão que ofertará solução à referida análise. A compreensão do elemento da transcendência se dá no sentido de que referido elemento pressupõe a capacidade da solução de uma questão de direito ultrapassar os limites do caso concreto, situação essa suficiente à caracterização da existência de um “interesse geral”, conforme doutrinado24, a seguir:
Uma questão pode, naturalmente, interessar mais ou menos a determinadas pessoas, sem que deixe de se configurar como transcendente. Nesse sentido, basta que exista um interesse geral, compreendido como interesse que estende para além do caso concreto. Não importa obviamente saber quantos são os interessados, nem tentar enquadrá-los em um grupo específico. É suficiente identificar a resolução da questão como de interesse geral, ainda que se saiba que não serão muitos os que, mesmo potencialmente, poderão se valer do precedente para inibir uma discussão judicial ou ver solucionado um caso concreto.
A presente pesquisa pondera, assim, como relevante, uma questão de direito cuja solução seja dotada de significativa repercussão jurídica, e como transcendente uma questão que se apresente como capaz de superar o mero interesse dos que se encontram em litígio na causa originária do recurso especial na espécie. Somente será considerado apto a ser conhecido o recurso especial, ou seja, será entendido como apto se preenchido o filtro da relevância da questão de direito, cuja discussão de direito nele constante seja, efetivamente, relevante e transcendente, nos termos já delineados.
Em se tratando de recurso especial, os estudos questionam sobre a consequência decorrente da concomitância dos elementos da relevância e transcendência, ou seja, do preenchimento do filtro de relevância da questão de direito, trazendo doutrina25 reveladora de que, com a inserção do filtro de relevância ao recurso especial, a tendência é de se considerar a decisão de recursos especiais avulsos, quais sejam, os julgados fora da sistemática dos recursos especiais repetitivos, como precedentes vinculantes, tal como as decisões de recursos extraordinários sob o regime de repercussão geral.
Todavia, na esteira de referidas lições26, a concessão de natureza de precedente vinculante às decisões que julgarem recursos especiais, à luz do filtro da relevância, dependeria de alteração do Código de Processo Civil, com previsão, nos artigos 927 e 1.030, de que as teses provenientes desses recursos possuam caráter vinculante. Sustentam, também, que a necessidade de alteração do artigo 988, do Código de Processo Civil (2015), de maneira a prever a possibilidade de manejo de reclamação em face de decisões que desrespeitem o precedente vinculante formado a partir do recurso especial julgado sob o regime da relevância da questão de direito.
Nesse sentido, considerada a tendência de se reconhecer as decisões proferidas em recursos especiais, com análise do filtro da relevância, como precedentes vinculantes – ou de observância obrigatória –, torna-se imperiosa a importância da presença dos elementos da relevância e da transcendência, porque somente a solução das questões de direito que apresentam efetiva repercussão jurídica e verdadeira capacidade de ultrapassar os interesses dos litigantes da causa que lhe deram origem, possui o condão de se materializar em norma jurídica generalizável e de observância obrigatória. Nesse ponto, a transcendência é elemento essencial na formação de um precedente vinculante, porquanto não seria adequado, nem coerente com o próprio sistema jurídico, cogitar-se a possibilidade de criação de norma jurídica geral, a partir de questões relevantes, apenas aos litigantes de um único caso concreto.
Relevante, ainda, à presente pesquisa, é a demonstração do dissenso existente na doutrina, relacionado à natureza e aplicabilidade das hipóteses de presunção de relevância, previstas no texto constitucional do artigo 105, §3º, razão pela qual ela (a pesquisa) reafirma que o seu objeto atine a uma única hipótese de presunção de relevância, qual seja, a disposta no texto constitucional do artigo 105, §3º, II, que se refere às ações de improbidade administrativa. E, nessa linha, a análise realizada quanto à natureza e aplicabilidade das hipóteses de presunção de relevância deve ser promovida de maneira generalizada, não se imiscuindo nos aspectos controvertidos atinentes às demais situações, não enquadradas no objeto principal dos estudos.
A respeito da matéria, diverge a doutrina quanto à natureza da presunção disposta pelo constituinte derivado, no texto constitucional do artigo 105, §3º, defendendo uma parte dos estudiosos27 que referida presunção apresenta natureza absoluta, afastado do Superior Tribunal de Justiça o exame da existência de relevância da questão de direito, em face das situações dispostas nos incisos do referido texto constitucional. Nesse caso, caberia ao recorrente, apenas, demonstrar que a questão de direito debatida em seu recurso se reportaria a alguma das hipóteses de presunção de relevância disposta na Constituição da República Federativa do Brasil.
Em sentido similar, parte da doutrina28 sustenta que, estando configurada uma das hipóteses de presunção de relevância, caberá ao recorrente, apenas, demonstrar o enquadramento em um dos incisos do art. 105, §3º, individualizando a questão jurídica cuja relevância se presume. Ressalta29, todavia, que a presunção de relevância não importa a irrestrita admissão do recurso, sendo necessário o preenchimento dos demais requisitos de admissibilidade, e a demonstração de relevância de eventuais questões de direito inseridas nas razões recursais que não tenham relação com as hipóteses de presunção elencadas no referido texto constitucional.
Nessa esteira, não basta que o recurso especial tenha sido interposto em uma ação de improbidade para que se considere presumida a relevância para fins de admissibilidade do recurso, a exemplo de: se um recurso especial – interposto em ação de improbidade administrativa – versar, exclusivamente, sobre o reconhecimento irregular de intempestividade de recurso de apelação, sem considerar a suspensão de prazos processuais, é evidente a ausência de correlação entre o objeto do recurso especial e o objeto da ação de improbidade administrativa, tornando-se inviável a aplicação da presunção de relevância30.
Em sentido diverso, Mitidiero31 e Marinoni32 compreendem que as hipóteses de presunção não são consideradas como de natureza absoluta, sob pena de desvirtuar a função do Superior Tribunal de Justiça, enquanto Corte Suprema. Defendem, assim, que a presunção de relevância estabelecida naquele texto constitucional (artigo 105, §3º), não elide a necessidade de análise da existência de transcendência da questão veiculada no recurso especial, podendo se reconhecer apenas dos recursos em que esteja presente a demonstração de interesse geral na solução da questão de direito.
Nesse sentido33, presente uma metáfora que compara a presunção de relevância com o sinal amarelo de um semáforo; a presunção, distinta de um sinal verde, que indicaria a necessidade de o Superior Tribunal de Justiça julgar aquele recurso especial, designaria chamada à Corte Superior, no sentido de que aquela questão deveria ser apreciada com verticalidade, devendo o recurso especial ser conhecido, se vislumbrada a transcendência.
Considerado34, ainda, que nas hipóteses de presunção de relevância, a intervenção do Superior Tribunal de Justiça demandaria, para além da demonstração de transcendência da questão de direito, ou seja, do interesse geral em sua solução, devendo o recorrente demonstrar que poderia sofrer um prejuízo grave no caso de manutenção da decisão recorrida. Assim, a possibilidade de sofrer grave prejuízo em razão de uma decisão incompatível com o ordenamento jurídico federal caracterizaria risco à probidade e responsabilidade do Poder Judiciário, na prestação de tutela jurisdicional, decorrendo, daí, o interesse geral no julgamento de determinado recurso especial, compatibilizando-se com a função pública a ser desempenhada por uma Corte Suprema.
Nessa esteira, a presunção de relevância é entendida como a causa de amplos debates doutrinários, não havendo consenso quanto à natureza de referido instituto jurídico e quanto aos seus efeitos, presente a necessidade de conhecimento, diretamente, do recurso especial, ou a necessidade de valoração quanto à presença do elemento da transcendência.
Não obstante, o objeto dos presentes estudos concernir, exclusivamente à hipótese específica de presunção de relevância nas ações de improbidade administrativa (artigo 105, §3º, II, da Constituição da República Federativa do Brasil), a pesquisa entende como inadequado ao seu objetivo, exarar filiação a uma específica interpretação, atinente à natureza e efeitos das hipóteses de presunção em caráter geral. Não importa a ótica pela qual o instituto de presunção de relevância da questão de direito seja observado, os recursos especiais interpostos em ações de improbidade – desde que relacionados à matéria regulada pela Lei de Improbidade Administrativa – devem ser considerados como presumidamente dotados de relevância, compreendida, nessa oportunidade, como preenchida em seu binômio relevância e transcendência.
3. Fundamentos à presunção de relevância e transcendência nos recursos especiais em ações de improbidade administrativa.
Refletir sobre a proposição de presunção de relevância e transcendência do recurso especial em ações de improbidade administrativa importa, antes, compreender aspectos relevantes da improbidade administrativa, especialmente aqueles relacionados ao bem jurídico por ela tutelado, e seu conceito, o qual se relaciona intrinsecamente com sua natureza jurídica.
A improbidade, em sentido amplo, pode ser entendida como “aquilo que é contrário à probidade”, ou “a outra face da probidade”, sendo importante se trazer à baila o conceito do vocábulo, sem sentido comum, conforme anotado, a seguir35:
PROBIDADE. Do latim probitas, de probus (probo, honesto, honrado), entende-se a honestidade de proceder ou a maneira criteriosa de cumprir todos os deveres, que são atribuídos ou cometidos à pessoa.
Assinala, portanto, o caráter ou qualidade de probo. Revela a integridade de caráter, o procedimento justo.
Compreendido o vocábulo “probidade” como uma qualidade de honestidade e/ou honra em relação ao trato com os deveres de atribuição, a improbidade se revela como a característica da desonestidade, desonra, mau tratamento relativamente ao cumprimento dos deveres. Esse conceito de improbidade se refere a conceito estritamente lexical, com conotação distinta da definição da improbidade administrativa, observada pela ótica técnica da ciência do Direito, cujo objeto se apresenta divergente para a doutrina jurídica que se debruça sobre o tema: uma parte defende que a improbidade administrativa seria o ato praticado por agente público e por particulares que com ele concorram, nos termos da Lei de Improbidade Administrativa, que viole o princípio constitucional da moralidade36; outra parte afirma que o conceito de improbidade compreende a violação à moralidade, apesar de com ela não se confundir, sendo mais amplo que a imoralidade37, na esteira dos ensinamentos apresentados, a seguir38:
No âmbito das estruturas estatais de poder, a concepção de boa gestão administrativa, em sentido diverso ao que se verifica no direito privado, confere igual importância e intensidade a referenciais instrumentais e finalísticos. Em outras palavras, a boa gestão exige tanto a satisfação do interesse público como a observância de todo o balizamento jurídico regulador da atividade que tende a efetivá-lo. O amálgama que une meios e fins, entrelaçando-os e alcançando uma unidade de sentido, é justamente a probidade administrativa. A improbidade aponta não só para uma desconsideração dos fins como também para uma situação de ruptura entre meios e fins.
O conceito de improbidade que se apresenta como mais adequado, considerada a sua a natureza jurídica de regime de responsabilidade autônomo da improbidade administrativa, conferida pelo texto constitucional39, é o que não limita a definição de improbidade ao mero sinônimo de moralidade administrativa, e nem à mera decorrência da violação à moralidade. Todavia, a compreensão desse abrangente conceito abrangente de improbidade administrativa é possível à individualização do bem jurídico tutelado pelo regime de responsabilidade por atos de improbidade administrativa.
Como destacado por Almeida,40 o bem jurídico tutelado por este regime de responsabilidade pode ser extraído da estrutura tipológica da própria Lei de Improbidade Administrativa, mormente de seus tipos, descritos nos artigos de números 9 a 11, os quais preveem, respectivamente, os atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito, em dano ao erário, e violação a princípios norteadores da Administração Pública. O regime de responsabilidade por atos de improbidade administrativa tutela o dever de honestidade, lealdade e imparcialidade dos agentes públicos relativamente ao tratamento da coisa pública, bem como o dever de zelo ao erário, lecionando o doutrinador41, que:
[…] a responsabilização por ato de improbidade administrativa constitui uma face do jus puniendi, que serve como instrumento de combate ao fenômeno da corrupção lato sensu e, justamente, por se tratar de um fenômeno amplo, que pode ocorrer sob diversas formas, é que o legislador tratou de arquitetar uma estrutura tipológica que fosse eficiente ao encobris esses atos.
Sobre o tema do bem jurídico tutelado pelo regime de responsabilidade por atos de improbidade administrativa, Osório42 afirma que:
No universo de proteção do dever de probidade administrativa, estamos diante de um exemplar extraído dos típicos bens jurídicos da coletividade, bens jurídicos universais e difusos. Esses bens são valores ideais da ordem social, entre os quais repousam a segurança, o bem-estar e a dignidade da coletividade, como muitos outros. O bem jurídico expresso na “probidade administrativa” é um valor ideal da ordem jurídico-administrativa, considerando os valores que lhe são inerentes, na perspectiva dos deveres públicos subjacentes.
O doutrinador43 complementa a matéria, asseverando que a probidade busca tutelar os valores e normas fundamentais que regem a atuação da Administração Pública, razão pela qual a improbidade administrativa teria natureza de uma “enfermidade social que ofende os valores e normas fundamentais que presidem a Administração Pública e orientam seu bom funcionamento, a chamada boa gestão pública”.
Presente44, nessa seara, uma intrínseca relação entre a probidade administrativa e a concretização de direitos fundamentais protegidos pela ordem constitucional, consideradas a honestidade e a retidão no trato da coisa pública, notadamente no concernente ao trato e direcionamento adequado das verbas públicas. É essencial à garantia, na ordem material, dos direitos fundamentais, a exemplo da saúde, educação e segurança, cuja efetivação depende da promoção e implementação de políticas públicas. O malgrado no tratamento das verbas públicas, caracterizado por atos de corrupção em sentido estrito, grave desonestidade ou grave ineficiência de gestão impacta direta ou indiretamente, o adequado desempenho do papel da Administração Pública, enquanto detentora do dever de concretizar dos direitos fundamentais, notadamente dos direitos fundamentais sociais.
Villas Bôas45 aponta a enorme dificuldade que os Poderes do Estado e sociedade encontram à concretização dos direitos sociais, anotando que a proteção jurídica dos direitos fundamentais sociais se torna mais efetiva e robusta na medida em que são eles constitucionalizados, ocasião em que são transmudados em direitos fundamentais. Referida materialização de direitos sociais fundamentais é imprescindível à existência digna da pessoa humana e à proteção de todos os direitos fundamentais (individuais, coletivos e difusos), dependendo sempre da participação e do cumprimento dos deveres não somente do Estado, mas, também da sociedade e da família, numa grande rede gestacional que agrega entes públicos e privados. Nesse sentido, imperiosa a possibilidade de construção de uma interpretação jurídica atualizada relativamente aos conceitos, à materialização e à justiça praticada, atinentes aos direitos sociais fundamentais, principalmente os dispostos no artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil. Referida interpretação deve ser consentânea com os valores contemporâneos salvaguardados pelo homem, família, sociedade e Estado Socioambiental Democrático de Direito.
Villas Bôas e Motta46 lecionam que a efetividade dos direitos e garantias fundamentais acontecem na medida da materialização dos direitos fundamentais sociais constitucionais à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados, os quais dependem, normalmente, da atuação positiva do Estado, quanto ao desenvolvimento, implementação e concretização de políticas públicas, nesse sentido, corroborando a garantia e salvaguarda das liberdades individuais e coletivas, e a proteção dos direitos fundamentais.
Garcia e Alves47 destacam a existência de uma relação simbiótica entre a prática de atos de corrupção e a consequente prejudicialidade na concretização de direitos fundamentais, afirmando, então, que “a corrupção, assim, gera um elevado custo social, sendo os seus malefícios sensivelmente superiores aos possíveis benefícios individuais que venha a gerar”.
Não obstante a percepção da improbidade administrativa como corrupção em sentido lato, configura ofensa aos próprios valores democráticos, caracterizando afronta frontal à própria organização do Estado, enquanto Estado Democrático de Direito, razão pela qual se torna imperiosa a defesa da relevância jurídica das questões relacionadas ao regime de responsabilidade por atos de improbidade administrativa, reputada como correta a presunção de relevância, para fins de admissibilidade de recurso especial, em ações de improbidade administrativa, nos termos do texto constitucional do artigo 105, §3º, II.
Conforme já abordado na presente pesquisa, no seu capítulo 2, a relevância, enquanto elemento integrador do filtro de relevância da questão de direito, é aferida pela repercussão jurídica, que determinada questão pode gerar, podendo ser pautada por análise de ordem social, econômica ou política à sua identificação. E, sob referida ótica, a improbidade administrativa se exibe como matéria relevante sob todas as perspectivas de aferição de repercussão jurídica, demonstrando relevante a improbidade administrativa: a) sob a perspectiva social, na medida em que a prática de atos ímprobos pode acarretar ofensa, direta ou indireta, ao dever da Administração Pública de concretizar seu dever constitucional de assegurar a efetividade e prestação de direitos fundamentais; b) sob a perspectiva econômica, considerado que a prática de atos de corrupção lato sensu afeta, diretamente, a ordem econômica, pelo prejuízo à prestação adequada de políticas públicas e do malgrado ao patrimônio público; c) sob a perspectiva política, em face da gestão da coisa pública , na qualidade de agente público, não podendo ser dissociada do campo político e de deveres políticos; e d) sob a perspectiva jurídica, em razão da relação umbilical entre o regime de responsabilidade por atos de improbidade administrativa e os valores democráticos, preconizados pela organização estatal como um Estado Democrático de Direito, e em relação aos princípios de regência da atuação da Administração Pública.
A improbidade administrativa, portanto, em decorrência lógica de sua natureza e dos bens jurídicos que tutela, é dotada de significativa repercussão jurídica e, consequentemente, pela importância do elemento “relevância”, integrador do conceito da relevância da questão de direito, enquanto filtro recursal. O filtro da relevância da questão de direito, objetivando a admissibilidade do recurso especial é compreendido pelo binômio relevância e transcendência, designando a transcendência o elemento essencial à justificativa e legitimação da formação de precedentes de caráter vinculante.
Nessa esteira, é necessária a identificação dos fundamentos que embasam a proposta de presunção, para além de relevância, de transcendência do recurso especial interposto em ações de improbidade administrativa, importando a aptidão das decisões prolatadas, nas hipóteses de formação de precedentes de observância obrigatória. Reafirmadas, assim: a transcendência como a capacidade da questão de direito, invocada nas razões de recurso especial de superar os limites subjetivos da lide, caracterizados como um interesse geral; e a natureza jurídica da improbidade administrativa e seus bens jurídicos tutelados, reafirmadas as matérias no texto da Lei de Improbidade Administrativa, as quais sendo de natureza de direito material, ou de direito processual, são dotadas de interesse geral, apto a caracterizar a transcendência da questão de direito, objetivando justificar a presunção de relevância – enquanto filtro recursal pleno – apta a ensejar a formação de precedentes vinculantes.
Alcançando, o bem jurídico tutelado pela Lei de Improbidade Administrativa um lugar além do mero exercício do jus puniendi estatal, com finalidade de punir agentes públicos – e particulares que com eles concorram, nos termos da lei – cujas condutas se desviem do padrão de comportamentos exigidos pelo ordenamento jurídico, abrangendo o próprio interesse público primário – manifestado pelo interesse da coletividade à correta atuação da Administração Pública na proteção/destinação adequada do patrimônio público, bem como na prestação/concretização efetiva de direitos fundamentais, não há como se alegar a existência de interesses limitados ao aspecto subjetivo de uma única lide, em face de matéria relacionada à Lei de Improbidade Administrativa.
Os estudos revelam que as pretensões dos réus em ações de improbidade – sejam de natureza material, ou processual – são exibidas para além do “juridicamente relevantes”, e transcendentes, na medida em que a correta aplicação da Lei de Improbidade – com a concretização das garantias processuais asseguradas aos réus, e a absolvição quando reconhecida a inexistência de ato ímprobo ou de elemento volitivo apto a caracterizá-lo, ultrapassa o mero interesse atrelado ao limite subjetivo da lide. Revelam, também, que a correta aplicação da Lei de Improbidade, nesse aspecto, designa matéria jurídica interessante a todos que são, ou possam vir a ser, réus em ações de improbidade administrativa, revelando-se como questão eminentemente transcendente.
As pretensões manifestadas pelos autores em ações de improbidade, Ministério Público ou entes jurídicos lesados são revelados como transcendentes, porquanto há o interesse geral compartilhado com todas as ações de improbidade administrativa, enquanto representação do exercício da pretensão punitiva do Estado, de responsabilização pela prática de atos de corrupção “lato sensu”, estando presente, nessa medida, uma clara superação da ideia de interesse limitado à causa que deu origem ao recurso especial. Nesse sentido, é exibido o recurso especial, voltado ao reconhecimento de prática, apontada como fracionamento de licitação, que configura ato de improbidade administrativa, importando ações em que se discute a prática do respectivo ato. Anotado que a fixação de precedente vinculante pelo Superior Tribunal de Justiça quanto à caracterização de improbidade administrativa por fracionamento indevido de licitação, se coaduna com a função de unificação do direito da Corte Superior, uniformizando a interpretação, a ser conferida à legislação federal. Aos juízes e tribunais, julgadores dos casos concretos que discutem a responsabilidade de agente pela prática de fracionamento indevido de licitação, caberá a avaliação da materialidade e autoria do fato, bem como os demais elementos necessários à caracterização do ato ímprobo – como elemento volitivo e efetivo dolo ao erário, no caso de atos tipificados, conforme disposto no artigo 10, da Lei de Improbidade Administrativa, não lhes cabendo a interpretação, se determinado fato caracterizar ato de improbidade.
Existe um interesse público direto relacionado à definição de questões de direito atinentes à Lei de Improbidade Administrativa, as quais podem ser apresentadas tanto pelos réus, quanto pelos autores. Quando se tratar de questões apresentadas pelos réus, o interesse público subjacente reside no interesse da sociedade à correta aplicação da lei, e à integridade e adequação da atuação do Poder Judiciário, que não poderá aplicar, ou manter a aplicação de sanções arbitrárias ou desproporcionais em relação à conduta praticada. Quanto às questões apresentadas pelos autores, o interesse público pode se exibir de duas maneiras: 1) decorrente do próprio exercício do jus puniendi estatal, ou seja, existe interesse público relativo à efetiva responsabilização e punição de agentes públicos e particulares pela prática de atos de improbidade administrativa; 2) havendo junto à condenação e responsabilização dos agentes, um interesse público geral relacionado à efetiva reparação do dano, causado pela prática do ato ímprobo, como decorrência lógica da prática do ato de improbidade e constar como condenação a ser imposta, uma reconhecida a prática do ato, nos termos do art. 12, I, II e III, da Lei de Improbidade Administrativa.
Nessa toada, considerado o custo social dos atos de corrupção, a reparação do dano causado pela prática do ato de improbidade administrativa será revertida na prestação adequada e efetiva dos serviços e políticas públicos que foram impactados pelo malgrado ao patrimônio público, qual seja: a reparação dos danos será revertida diretamente em prol de interesses coletivos de caráter generalizado.
Há, nos moldes até aqui apresentados, interesse geral na solução de questões de direito, relativas à aplicação de interpretação da Lei de Improbidade Administrativa, que demonstra justificativa suficiente a se compreender como presumido o preenchimento de ambos os elementos que compõem o filtro recursal da relevância – a relevância e transcendência – de modo a embasar a possibilidade de se julgar os recursos especiais interpostos em ações de improbidade, sob o regime da relevância da questão de direito, com a consequente formação de um precedente vinculante, ou seja, de observância obrigatória.
A presente pesquisa reforça a doutrina de Mitidiero48, que se refere ao filtro da relevância, exibindo a questão sobre a presunção de relevância compreendida como incidente em relação às questões veiculadas no recurso especial, que versam exclusivamente sobre aplicação e interpretação da Lei de Improbidade Administrativa. Recorda que se o recorrente apontar violações a dispositivos de legislação federal alheia à Lei de Improbidade Administrativa, referidas questões serão submetidas à análise de relevância da questão de direito, cuja ausência importará o não conhecimento do recurso especial, eis que não abarcado pela presunção de relevância do texto constitucional do artigo 105, §3º, II.
Os estudos revelam que a presunção de relevância não exime o recorrente de preencher os demais requisitos de admissibilidade do recurso especial. Assim, caso o recurso – apesar da presunção legal e absoluta de relevância – careça de qualquer outro requisito de admissibilidade, o seu não conhecimento será medida necessária.
Entre várias situações relevantes reveladas pelos presentes estudos, encontra-se a pertinência da exposição dos motivos, que justificam a formação de precedentes de natureza vinculante em recursos especiais interpostos em ações de improbidade, como maneira de se garantir e conferir efetividade ao regime de responsabilidade por atos de improbidade administrativa. Os atos de corrupção, em sua acepção ampla, são compreendidos como uma patologia grave em um sistema democrático. Os regimes de responsabilidade voltados à repressão e punição pela prática de atos de corrupção encontram relevância no sistema jurídico de um Estado Democrático de Direito, na medida em que se voltam a coibir a prática de atos que são – por sua natureza – extremamente prejudiciais ao adequado funcionamento de um regime democrático, com reflexos na concretização de direitos e garantias fundamentais elevados à mais alta ordem de proteção pelo ordenamento constitucional. Há, ainda, a consideração sobre a finalidade – especialmente do regime de responsabilidade por atos de improbidade – reparadora dos regimes de responsabilidade que, para além da punição do agente por suas transgressões à ordem jurídica, busca reintegrar ao patrimônio público os danos causados pela conduta ilícita.
Nesse contexto, em que a integridade e efetividade de um regime de responsabilidade por atos de corrupção se demonstra como essencial à garantia do funcionamento adequado de um regime democrático, a formação de precedentes vinculantes, como regra geral, em ações de improbidade administrativa tem o condão de favorecer e fomentar a efetividade deste regime de responsabilidade.
A Lei de Improbidade Administrativa foi alterada pela Lei nº 14.230/2021, que promoveu modificações significativas ao regime jurídico da Improbidade Administrativa, alterado o alcance e a definição de alguns de seus tipos ilícitos, a maneira de contagem do prazo prescricional e de regras de natureza processual, como a instituição de prazo de prescrição intercorrente nas ações de improbidade e, diante desse novo cenário normativo, é visível a fragilização do próprio regime de responsabilidade. Destacado, como exemplo, o problema que pode ser ocasionado pela conjugação do art. 17, §10-F, II, da Lei de Improbidade Administrativa, que estabelece a nulidade da decisão de mérito que “condenar o requerido sem a produção das provas por ele tempestivamente especificadas”, com o art. 23, §5º da lei, que estabelece prazo de prescrição intercorrente para as ações de improbidade.
Nessa linha, ao menos em interpretação literal da Lei de Improbidade Administrativa, imaginadas algumas situações em que – dada a previsão de nulidade da decisão condenatória quando não for conferida ao réu a oportunidade de produzir todas as provas tempestivamente requeridas – os réus postulam pela produção de provas com finalidade meramente protelatória, como maneira de forçar o decurso do prazo de prescrição intercorrente, se libertando da responsabilidade pela prática de atos efetivamente ímprobos, sendo essa situação apresentada como um exemplo que aponta a fragilização do regime de responsabilidade por atos de improbidade.
Considerando esse contexto – e levando em conta a urgência criada para o julgamento das ações de improbidade, em razão da instituição de prazo de prescrição intercorrente –, a possibilidade de fixação de precedentes vinculantes – com regra geral – em ações de improbidade, uniformizando a interpretação e a maneira de aplicação da legislação de regência, é apresentada como alternativa adequada à manutenção da efetividade de referido regime de responsabilidade, na medida em que confere maior agilidade para os órgãos de controle – aqui compreendidos o Ministério Público, entes lesados e Poder Judiciário – para exercerem suas funções institucionais de combate à prática dessas modalidades de atos ilícitos.
Referida otimização do regime de responsabilidade, por consequência, importará maior efetividade à tutela jurisdicional de reparação dos danos causados pela prática de atos lesivos, na medida em que o fortalecimento da atuação dos órgãos de controle confere maior estabilidade aos instrumentos e meios necessários à concretização do ressarcimento pelos danos ao patrimônio e ao interesse público.
Em contrapartida, é necessário destacar que, desde a promulgação da Lei de Improbidade Administrativa – que detinha grau de abertura de seus tipos em patamar elevado, como maneira de alcançar as distintas espécies de atos ilícitos que poderiam ser caracterizadas como de improbidade administrativa –, os órgãos de controle – por muitas vezes – passaram a promover o ajuizamento de ações de improbidade em face de fatos que não poderiam, ou deveriam, ser compreendidos como atos ímprobos. Essa situação ocorreu em razão, principalmente, do grau de abertura da espécie prevista no artigo 11, da Lei de Improbidade Administrativa (atos atentatórios a princípios da Administração Pública), o qual foi alterado substancialmente pela reforma da Lei de Improbidade – passando a prever, atualmente, um rol taxativo de situações que podem caracterizar improbidade administrativa sob esta nomenclatura.
Referida atuação que, em determinadas situações, pode ser compreendida como um exagero do poder de controle, promove, em tese, situação de insegurança aos jurisdicionados, na medida em que são submetidos, na condição de réus, a um processo de andamento moroso que, apesar de infundada a pretensão acusatória, poderia resultar condenação com aplicação de penalidades de natureza grave, como suspensão de direitos políticos, perda do cargo ou função pública, pagamento de multa, e proibição de contratar com o Poder Público.
E o receio dessa responsabilização, mesmo na ausência da prática de qualquer ato que possa ser tido como ímprobo, apresentava consequências na atuação da própria Administração Pública, criando-se um fenômeno nomeado49 como administração do medo. Os agentes públicos que poderiam, a qualquer tempo, transformarem-se em réus em ações de improbidade administrativa, passaram a atuar sob medo constante de represálias exageradas, por parte dos órgãos de controle, fato este que teria resultado uma atuação diminuta e tímida por parte dos gestores públicos, que agiam para cumprir apenas suas obrigações essenciais, evitando o ajuizamento de ações de improbidade, conforme relatado, as seguir50:
Por conta desta realidade, ocorre o indesejável “apagão das canetas”. Com esta expressão se designa a paralisação de decisões, diante do temor da responsabilização, perante a Administração Pública do medo, pois, tendo em vista a imprevisibilidade do conteúdo de decisões oriundas dos mais variados órgãos de controle, os bons gestores acabam ficando com receio de e futuramente serem responsabilizados por uma decisão justa, mas que iria de encontro às orientações cambiantes de diversos dos órgãos de controle, os quais nem sempre atuam de forma harmônica.
Nesse cenário, a formação de precedentes vinculantes – como regra geral – em ações de improbidade administrativa possui, entre as suas funções, reduzir a possibilidade de ajuizamento de ações de improbidade descabidas ou desarrazoadas, demonstra como alternativa adequada, a minimização do impacto negativo, causado pela atuação esporadicamente exagerada dos órgãos de controle. Essa situação, além de trazer maior efetividade ao próprio regime de responsabilidade da improbidade administrativa – na medida em que confere maior tempo ao Poder Judiciário se debruçar nas análises de ações de improbidade, com fundamentos relevantes, evitado o decurso do prazo de prescrição intercorrente –, pode se traduzir em efetividade ao próprio funcionamento da Administração Pública, pois confere aos agentes públicos competentes maior segurança ao exercício de suas atividades. Por consequência, a segurança conferida aos agentes públicos à promoção do pleno exercício de suas atividades se mostra correlacionada diretamente com maior grau de efetivação e prestação de serviços e políticas públicas, designando benefício ao próprio interesse da coletividade.
Assim, compreende-se como justificável – e desejável – conferir-se à presunção de relevância na hipótese de ações de improbidade seu caráter pleno, entendendo-se como presumidos os elementos da relevância e da transcendência, de modo a possibilitar a formação de precedentes vinculantes como regra geral nestas hipóteses.
Por derradeiro, a presunção de transcendência, especialmente, porquanto a de relevância não pode ser afastada por expressa imperatividade da norma constitucional (texto constitucional do artigo 105, §3º, II), deve ser compreendida como uma regra geral, incidente a todos os recursos especiais, interpostos em ações de improbidade, em relação à extensão do recurso que versa sobre questões da Lei de Improbidade Administrativa. Anotado que, no caso de o Superior Tribunal de Justiça, em face de um caso individualizado, perceba que a discussão ali desenvolvida possui, excepcionalmente, abrangência limitada apenas ao interesse daqueles litigantes, poderá ser afastada, de forma excepcional, a presunção de transcendência.
Nesse sentido, a inversão dessa presunção – ou seja, assumir a presunção de relevância e transcendência como regra geral, que pode ser afastada por exceções pontuais – é exibida como mais favorável do que a hipótese contrária, na medida em que confere maior celeridade à análise de questões jurídicas em um regime de responsabilidade, sujeito à prescrição intercorrente da pretensão punitiva do Estado. Ao se considerar que a transcendência poderia ser reconhecida de maneira excepcional, presumindo apenas o elemento da relevância, fica sujeita ao próprio regime de responsabilidade por atos de improbidade administrativa à ineficácia.
4. Notas conclusivas
A Emenda Constitucional nº 125/2022 inseriu na ordem constitucional um filtro recursal próprio ao recurso especial: a relevância (texto constitucional do artigo 105, §2º). Todavia, como apresentado, ao longo da presente pesquisa, a definição do conceito de relevância, objetivando a admissibilidade do recurso especial, não foi apresentada pelo constituinte derivado – e nem poderia ser –, por se tratar de um conceito jurídico indeterminado. Cumpre, então, à doutrina, ao Superior Tribunal de Justiça, e ao legislador infraconstitucional, promover a construção do conceito e definição do que seria relevância da questão de direito. E, nesse contexto – considerando a inexigibilidade do filtro da relevância na pendência de edição de legislação infraconstitucional que regula a matéria –, a doutrina começa a se aprofundar sobre o tema, com a finalidade de conceituar e definir referido instituto. Todavia, por se tratar de conceito jurídico vago, sua conceituação precisa é tarefa praticamente impossível, razão pela qual a análise do conceito de relevância da questão federal passa a ser realizada a partir dos elementos que a compõe: a relevância e a transcendência.
Na matéria, a presença de dois elementos, de maneira concomitante, é essencial à permissão da formação de um precedente vinculante, eis que, se a questão discutida não for dotada de relevante repercussão jurídica, ou se não puder ultrapassar os limites subjetivos da lide do recurso que lhe deu origem, ela não detém as condições necessárias à transformação em norma jurídica de caráter geral e abstrato. Nessa seara, a discussão é mais difícil, quando o constituinte derivado opta por inserir, no texto constitucional, hipóteses em que se considera presumida a relevância da questão de direito, gerando algumas dessas hipóteses – como a relativa ao valor da causa – amplos debates doutrinários, em face da difícil identificação da razão pela qual se justificaria a existência de relevância da questão, notadamente, a de transcendência.
Por todas essas razões, a doutrina firma o entendimento no sentido de que as hipóteses de presunção estabelecidas no referido texto constitucional (artigo 105, §3º) tratariam de situações de presunção da relevância, porém sem a existência de transcendência. Ancorada, a presente pesquisa, na natureza jurídica do regime de responsabilidade por atos de improbidade administrativa e no bem jurídico por ele tutelado, propõe a existência de uma presunção, como regra geral, de transcendência de questões relacionadas à Lei de Improbidade Administrativa.
Considerada a relevância da questão jurídica da improbidade à própria organização de Estado Democrático de Direito e à concretização de direitos fundamentais, somada à fragilização do regime de responsabilidade da improbidade administrativa – em razão da reforma promovida pela Lei nº 14.230/2021 –, se revela a necessidade de compreensão da presunção de relevância descrita no texto constitucional do artigo 105, §3º, II, como sendo uma presunção plena, em que preenchidos ambos os elementos da relevância e da transcendência, como maneira de se garantir maior grau de efetividade do próprio regime de responsabilidade, e da atuação institucional da Administração Pública, permitida como regra geral, a fixação de precedentes de natureza vinculante, a partir de recursos especiais interpostos em ações de improbidade administrativa. E, todavia, a citada presunção não pode afastar a análise dos demais requisitos de admissibilidade inerente aos recursos especiais, e nem se estender a todos os argumentos de direito veiculados pelo recorrente em seu recurso – apenas aqueles efetivamente relacionados à Lei de Improbidade Administrativa, que são tidos como presumidamente relevantes.
Importante, ainda, o reconhecimento da natureza da presunção de relevância em ações de improbidade, em seu caráter pleno e como regra geral, o Superior Tribunal de Justiça, na análise de casos concretos, poderá afastar a presunção de transcendência quando perceber que a questão debatida em algum recurso especial, excepcionalmente, não tenha o condão de ultrapassar o interesse das partes em litígio.
Por derradeiro, reafirma a pesquisa, que para se aferir se certa questão veiculada em recurso especial preenche o requisito estabelecido pelo filtro da relevância da questão de direito, estampado no texto constitucional do artigo 105, §2º, tem-se que avaliar se a matéria apreciada apresenta relevante repercussão jurídica, observado para essa finalidade, a sua importância social, econômica ou política, propiciando a identificação da repercussão jurídica.
Presente, por fim, nessa seara, um inerente liame entre a probidade administrativa e a concretização dos direitos fundamentais constitucionais, notadamente os direitos sociais, considerada a importância, da retidão e da honestidade no trato da coisa pública, principalmente no que concerne ao direcionamento adequado das verbas públicas. A garantia, na ordem material, dos direitos fundamentais e respectiva efetivação, depende da promoção e implementação de políticas públicas, sendo que o malgrado no tratamento das verbas públicas, em razão dos atos de corrupção, grave desonestidade ou grave ineficiência de gestão acaba por impactar o adequado desempenho do papel da Administração Pública, a qual detém o dever de materializar os direitos fundamentais, sejam eles individuais, coletivos ou difusos – públicos ou privados.
⁶Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni assevera que os filtros “[…] constituem instrumentos relevantes para que uma corte de vértice possa dar unidade ao direito em uma perspectiva prospectiva, ou seja, para estabelecer o sentido do direito que deve orientar a solução de casos futuros”. In: MARINONI, Luiz Guilherme. O filtro da relevância. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 67-68.
⁷ALVIM, Teresa Arruda. DANTAS, Bruno. Precedentes, recurso especial e recurso extraordinário. 7. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 628.
⁸ALVIM, Teresa Arruda. DANTAS, Bruno. Op. cit. p. 640.
⁹MITIDIERO, Daniel. Relevância no recurso especial. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. p. 93-95.
¹⁰MARQUES, Mauro Campbell; ALVIM, E. A; NEVES, Guilherme P. V.; TESOLIN, Fabiano. Recurso especial: de acordo com os parágrafos 2º e 3º do art. 105 da CF. 2. ed. Curitiba: Editora Direito Contemporâneo, 2023. p.
¹¹Nesse sentido: MITIDIERO, Daniel. Op. cit. p. 92-93.
¹²ALVIM, Teresa Arruda. DANTAS, Bruno. Op. cit. p. 693.
¹³Id. Ibidem. p. 695.
¹⁴Id. Ibidem. p. 695.
¹⁵Id. Ibidem. p. 695.
¹⁶Id. Ibidem. p. 703.
¹⁷MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 81-82.
¹⁸Mauro Campbell Marques, Eduardo Arruda Alvim, Guilherme Pimenta da Veiga Neves, Fabiano Tesolin e Daniel Mitidiero (obras já citadas).
¹⁹Id. Ibidem. p. 95.
²⁰MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 82-83.
²¹MITIDIERO, Daniel. Op. cit. p. 95.
²²MARQUES, Mauro Campbell et al. Op. cit. p. 196.
²³MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 89-91.
²⁴Id. Ibidem. p. 91-92.
²⁵ALVIM, Teresa Arruda. DANTAS, Bruno. Op. cit. p. 698-699.
²⁶Id. Ibidem. p. 689-699.
²⁷ALVIM, Teresa Arruda. DANTAS, Bruno. Op. cit. p. 703.
²⁸MARQUES, Mauro Campbell et al. Op. cit. p. 198.
²⁹Id. Ibidem. p. 198.
³⁰Nessa linha, Daniel Mitidiero afirma que “a relevância é da questão federal – e não da ‘ação’ como um todo. O STJ examina em recurso especial questões federais, não ações. De acordo com a Constituição, a parte tem o ônus de apontar uma violação ao direito federal, individualizando assim uma questão que será objeto de recurso”. In: MITIDIERO, Daniel. Op. cit. p. 95.
³¹Id. Ibidem. p. 95-98.
³²MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 94-95.
³³MITIDIERO, Daniel. Op. cit. p. 95-97.
³⁴MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit. p. 99-103.
³⁵SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Volume III. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1984, p. 454.
³⁶JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2014, p. 1083.
³⁷NEVES, Daniel Amorim Assumpção. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Improbidade administrativa: direito material e processual. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 7.
³⁸GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 9. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2017. p. 106.
³⁹Nesse sentido, José Roberto Pimenta Oliveira sustenta que a Constituição Federal de 1988 instituiu diversas esferas gerais de responsabilidade, dentre elas a “esfera de responsabilidade por atos de improbidade”. Assim, à luz da organização e sistematização conferida pela ordem constitucional, a improbidade administrativa assume papel autônomo como esfera de responsabilidade, não se subordinando, tipicamente, à esfera de responsabilidade penal, civil ou administrativa. In: OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade administrativa e sua autonomia constitucional. Belo Horizonte: Fórum. 2009. p. 85-86.
Na mesma linha é o posicionamento de Pedro Luiz Ferreira de Almeida, ao afirmar que “considerando a arquitetura constitucional e legislativa, é possível verificar a autonomia da esfera de responsabilidade por ato de improbidade administrativa, que além de tutelar a probidade administrativa, possui nítido caráter sancionatório. In: ALMEIDA, Pedro Luiz Ferreira de. Improbidade administrativa e o princípio da insignificância. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020. p. 109.
⁴⁰Id. Ibidem. p. 115.
⁴¹Id. Ibidem. p. 115.
⁴²OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública: corrupção: ineficiência. 6. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. p. 281.
⁴³Id. Ibidem. p. 281.
⁴⁴Id. Ibidem. p. 283-284.
⁴⁵VILLAS BÔAS, Regina Vera. Contemporaneidade e efetividade dos direitos fundamentais sociais constitucionais no ordenamento jurídico nacional. Revista Jurídica, Curitiba, v. 3, n. 75, p. 696-721, set. 2023. ISSN 2316-753X. DOI: http://dx.doi.org/10.26668/revistajur.2316-753X.v3i75.6506.
⁴⁶VILLAS BÔAS, Regina Vera; MOTTA, Ivan Martins. Direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos efetivados pelos direitos fundamentais sociais: avanços e retrocessos. Revista FAPAD – Revista da Faculdade Pan-Americana de Administração e Direito, Curitiba (PR), v. 1, n. 2, p. e051, 2021. DOI: 10.37497/revistafapad.v1i2.51.
⁴⁷GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Op. cit. p. 75-76.
⁴⁸MITIDIERO, Daniel. Op. cit. p. 93-95.
⁴⁹SANTOS, Rodrigo Valgas. Direito administrativo do medo. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
⁵⁰NOHARA, Irene Patrícia Diom. Direito administrativo. 12. ed. Barueri/SP: Atlas, 2023. p. 865.
Referências
ALMEIDA, Pedro Luiz Ferreira de. Improbidade administrativa e o princípio da insignificância. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020.
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1O presente artigo é produzido no contexto do Projeto de E. e Pesquisa “Diálogo de Fontes: Efetividade dos Direitos, Sustentabilidade, Vulnerabilidades e Responsabilidade” que integra a Área de Concentração “A efetividade dos Direitos de Terceira Dimensão e a Tutela da Coletividade, dos Povos e da Humanidade”, dos Programas de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
2Bi-Doutora em Direito das Relações Sociais (Direito Privado) e em Direitos Difusos e Coletivos e Mestre em Direito das Rel. Sociais, todos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-Doutora em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra (Ius Gentium Conimbrigae). Prof. e Pesq. do PG e PPG em Direito, coord. do PP “Diálogo das Fontes: Efetividade dos Direitos, Sustentabilidade, Vulnerabilidades e Responsabilidades da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP – Brasil). CV: http://lattes.cnpq.br/4695452665454054 – https://orcid.org/0000-0002-3310-4274
3Mestre e Doutorando em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de SP, São Paulo, Brasil. Pesq. PPGD de Direito (Núcleo Difusos) e do PP “Diálogo de Fontes: Efet. Dir., Sustent., Vulnerab. e Responsabilidade (PUC/SP). Advogado Sênior do Escritório Maciel e Braga Advogados, São Paulo, Brasil. E-mail alexdiasmaciel@gmail.com, ORCID 0009-0009-8347-6330.
4Advogado em São Paulo. Mestrando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Especialista em Direito Processual Civil pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas – FGVLaw. Especialista em Direito Público pela Escola Paulista da Magistratura – EPM. filipenesisilva@gmail.com
5Música: Vai passar – Chico Buarque de Hollanda.