OS ASPECTOS DA EUTANÁSIA E SUAS DERIVADAS NO DIREITO BRASILEIRO

Aspects of euthanasia and its derivatives in Brazilian Law

Aspectos de la eutanasia y sus derivados en el derecho brasileño

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8095514


Valter Lucio de Andrade Junior
Professor Dr. Almir Galassi


Resumo

A presente pesquisa visa dispor sobre as causas legais que levam a proibição da eutanásia no Brasil, bem como mencionar sobre o conflito de direitos fundamentais à vida, dignidade da pessoa humana e a autodeterminação, conceituando temas importantes para a discussão através de uma retrospectiva histórica. Ainda, fora abordado sobre a distinção entre distanásia, ortotanásia, mistanásia e homicídio assistido demonstrando as diferenças que existem entre tais terminologias. Trata-se de uma revisão de literatura, onde não se pretende esgotar o assunto, trazendo somente materiais que já foram publicados sobre o tema no percurso temporal de 15 anos (2008-2023) disponíveis na internet, mais especificamente no Google Acadêmico, em idioma português. Por meio do estudo realizado fora possível constatar que existem diversas polêmicas sobre o tema, sobretudo no que envolve questões culturais e religiosas, bem como que o direito brasileiro se mantém desde os primórdios a favor da manutenção da vida em detrimento da vontade daquele que padece sem perspectivas de recuperação pelos meios médicos e tecnológicos atuais.

Palavras-chave: Eutanásia; Direito Brasileiro; Ortanásia; Distanásia.

Abstract

The present research aims to provide for the legal causes that lead to the ban on euthanasia in Brazil, as well as to mention the conflict of fundamental rights to life, human dignity and self-determination, conceptualizing important topics for discussion through a historical retrospective. Furthermore, the distinction between dysthanasia, orthothanasia, misthanasia and assisted homicide was addressed, demonstrating the differences that exist between such terminologies. This is a literature review, which does not intend to exhaust the subject, bringing only materials that have already been published on the subject in the 15-year time course (2008-2023) available on the internet, more specifically on Google Scholar, in English Portuguese. Through the study carried out, it was possible to verify that there are several controversies on the subject, especially regarding cultural and religious issues, as well as that Brazilian law has been maintained since the beginning in favor of maintaining life to the detriment of the will of the one who suffers without prospects for recovery through current medical and technological means.

Keywords: Euthanasia; Brazilian Law; Orthanasia; Dysthanasia.

Resumen

La presente investigación tiene como objetivo proporcionar las causas legales que llevan a la prohibición de la eutanasia en Brasil, así como mencionar el conflicto de los derechos fundamentales a la vida, la dignidad humana y la autodeterminación, conceptualizando temas importantes para la discusión a través de una retrospectiva histórica. Además, se abordó la distinción entre distanasia, ortotanasia, mistanasia y homicidio asistido, demostrando las diferencias que existen entre dichas terminologías. Esta es una revisión de literatura, que no pretende agotar el tema, trayendo solo materiales que ya han sido publicados sobre el tema en el transcurso de 15 años (2008-2023) disponibles en internet, más específicamente en Google Scholar, en portugués inglés. A través del estudio realizado, fue posible verificar que existen varias controversias sobre el tema, especialmente en lo que respecta a cuestiones culturales y religiosas, así como que la ley brasileña se ha mantenido desde el principio a favor de mantener la vida en detrimento de la voluntad. del que sufre sin perspectivas de recuperación por los medios médicos y tecnológicos actuales.

Palabras llave: Eutanasia; Ley Brasileña; ortanasia; Distanasia.

1. Introdução

O presente estudo visa dispor sobre o conflito de normas que cingem a realização da eutanásia no direito brasileiro, conceituando os principais termos que tomam enfoque no debate, assim como irá se tratar sobre a realização do procedimento por meios alternativos e quais são as conseqüências desses no ordenamento jurídico.

Para a compreensão correta do que é a verdadeira eutanásia, faz-se necessário dispor, ainda que brevemente, sobre as formas de abreviamento da vida que são tidas como variáveis da eutanásia, sendo elas: ortotanásia, distanásia, mistanásia e suicídio assistido.

A ortotanásia, também conhecida como eutanásia passiva, ocorre por meio de implantação de medidas paliativas no tratamento de doenças incuráveis, onde se visa aliviar a dor e o sofrimento.

Já a distanásia consiste em retardar o momento da morte por todos os meios potenciais, mesmo que não sobreviva esperança de recuperação para esse paciente, e mesmo que isso significa infligir sofrimento adicional e obviamente não possa evitar a morte inevitável, fazendo isso sozinho retardar a morte um pouco mais.

Entende-se por mistanásia a morte daquela pessoa que necessitava de cuidados médicos de alto custo e que fora deixada à margem da sociedade, ou seja, a dignidade da pessoa humana, tão debatida na questão da eutanásia, não fora observada levando ao óbito daquele que, de fato, possuía condições de vida.

Existe, ainda, a necessidade de se conceituar o homicídio assistido, pratica que vem ganhando notoriedade no mundo por ter sido escolhido por algumas figuras públicas. Esse ato consiste em ministração de medicamento letal em pessoas que não possuem mais perspectivas de melhoras ante ao estado avançado de doenças, o que diferencia tal procedimento, é que a própria pessoa é quem deve injetar o medicamento, podendo ser indicado terceiro, o qual não pode ser médico. Ainda, há a extrema necessidade de que a vontade do enfermo seja expressa, em razão do diagnóstico de doença física ou mental grave, verificado por três médicos, sendo pelo menos um o profissional que efetivamente atendeu o paciente.

O estudo se justifica ante a grande polêmica que gira em torno do tema e sua grande relevância, tanto para o direito quanto para as áreas que envolvem a saúde, pois, a eutanásia, em si, não é tipificada como crime no ordenamento pátrio, todavia, é impossível a realização do procedimento pelas vias de saúde, pública ou privada, pois aquele que cometer o ato pode vir a contrariar o art. 121, § 1º, do Código Penal Brasileiro. Ainda, há conflito de princípios basilares do direito, dos quais se destacada a garantia à vida versus a autodeterminação.

Este tema é discutido em vários níveis: desde o da moral ao da religião, da filosofia ao da ética. Portanto, o assunto envolve questões filosóficas, antropológicas, psicológicas, míticas e práticas a respeito do tema morte, suscitando dilema entre a ciência e as questões morais, éticas e legais.

Assim, a pesquisa visa tratar sobre os dispositivos legais sobre o tema, bem como doutrinas e jurisprudências que não permitem a realização do ato, em contraponto com os mesmos aspectos que são favoráveis a sua utilização.

              Para isso, os objetivos específicos, que possibilitam o desenvolvimento deste artigo foram uma longa e vasta pesquisa sobre o tema, a fim de classificar os materiais disponíveis que pudessem embasar a realização do presente artigo, bem como análise da lei brasileira sobre a eutanásia e possibilidade de suas variantes, abordando o que já fora decidido nos tribunais em demandas que envolviam o direito de se ter uma boa morte.

A eutanásia é um tema polêmico desde os primórdios e muito países que ainda não a autorizam, como o Brasil, enfrentam alguns embates relacionados ao direito de escolha do cidadão sobre sua própria vida, havendo discussão sobre o suicídio assistido e a eutanásia, assim como em relação ao alto índice de ortotanásia que existe no país, onde, por alguns vieses se entende que há somente uma prolongação do sofrimento.

De tal modo, a relevância do estudo é pautada na necessidade de se disseminar conhecimento rápido e pratico sobre o que a legislação atual diz sobre a realização do procedimento, se há perspectiva de mudança de entendimento e quais são as modalidades que são possíveis para cessar o sofrimento daqueles que são acometidos por patologias incuráveis.

 Assim, o estudo se baseia na certeza da finitude da vida, o que não exclui a possibilidade de alguém pretender antecipar sua morte, vez que inexistem perspectivas de uma vida saudável. De tal modo, a controvérsia a ser analisada no presente artigo cinge em torno do conflito de princípios basilares do direito: direito à vida, dignidade da pessoa humana e autodeterminação e qual deles é aplicado no ante a proibição do ato na legislação brasileira.

2. Metodologia

O presente estudo tem como fundamento a investigação teórica a respeito da eutanásia no direito brasileiro, assim possui natureza de pesquisa básica, uma vez que são analisados dados que já coletados e divulgados a respeito do tema. Também pode ser classificada em bibliográfica, de cunho exploratório e qualitativo. Considerada bibliográfica por tratar-se de um estudo desenvolvido com base em materiais publicados em livros, internet, artigos, acessível de forma pública.  (Gil, 2007)

Nesta pesquisa o fundamento foi o método dedutivo, uma vez que o tema principal se vale eutanásia, visto a partir do direito brasileiro, principalmente suas implicações na esfera penal, tendo como perspectiva aspectos históricos e atuais.

O estudo pode ser caracterizado, também, aquele tido por descritivo por Gil (2008), vez que visa descrever os fenômenos e ações que haja foram observados anteriormente sobre o tema, por meio de uma padronização de coleta de dados.

Para Fonseca (2002), a pesquisa bibliográfica é realizada por meio de levantamento de dados teóricos que já foram analisados e publicados em mídia eletrônica ou impressas, e estão disponíveis para consultas.

A metodologia do presente estudo centra-se em pesquisa exploratória e qualitativa, na qual se pautou em descrever o que é eutanásia e suas variáveis – distanásia, ortotanásia, mistanásia e suicídio assistido-, e todas as suas implicações no ramo do direito penal, se são ou não crimes no ordenamento pátrio atual e como o Conselho de Medicina e o Poder Judiciário lida com tal situação.

Para Gil (2007), a pesquisa exploratória possui, como principal objetivo, desenvolver uma melhor relação com o problema, com a intenção de torná-lo mais explícito e passível de construir hipóteses. Esse tipo de pesquisa envolve alguns procedimentos básicos como: levantamento bibliográfico; entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e uma análise de exemplos que estimulem a compreensão.

Para o desenvolvimento da pesquisa, optou-se por utilizar materiais bibliográficos pertinentes e que tenham coerência com os objetivos do trabalho, garantindo um suporte adequado e assertivo.

A maioria dos trabalhos que foram utilizados foram encontrados em banco de dados virtuais do Google Acadêmico. A pesquisa teve como base teórica, autores variados que pontuam acerca da eutanásia no direito brasileiro. Alguns desses autores são: Nucci (2017), Souza (2020), Mendes (2020), dentre outros autores que corroboram para o tema escolhido.

Ao pesquisar, utilizou-se de palavras chaves que abarcam o tema principal, facilitando assim a identificação de material coerente com a proposta inicial do estudo: eutanásia; direito brasileir; direito penal.

Como critério de inclusão dos artigos localizados na rede mundial de computadores se utilizou: a língua em que o texto fora publicado; o ano de publicação; que o artigo fosse da área do direito; que tratasse sobre a eutanásia no Brasil e não somente em países em que o procedimento é permitido.

Para a exclusão dos textos a serem utilizados como base no presente artigo foram utilizados os seguintes critérios: publicações anteriores à 2010; dispor somente sobre a possibilidade do procedimento em outros países; não ser resumo ou resumo expandido, resenha ou relato de caso.

Para a seleção do artigo fora realizada a leitura do seu resumo e de sumário. A grande maioria dos textos dispunham sobre aspectos históricos da eutanásia, não a aplicando no direito brasileiro, ou a colocando somente em comparativos com outros países, sem tratar das perspectivas do fato no Brasil.

Com o levantamento, foram escolhidos 15 artigos de científico que abordam especificamente sobre o tema tratado e que foram publicados nos últimos 15 anos (2005 a 2022), em língua portuguesa.

A metodologia da pesquisa seguiu os seguintes passos:

              Figura 1 – Fluxograma de metodologia da pesquisa.

Fonte: Autores (2023)

3. Resultados e Discussão

3.1 A Eutanásia

Estudos evidenciam que o povo da Grécia Antiga já realizava o procedimento de eutanásia, já que o termo vem do grego e pode ser traduzido como “boa morte” ou “morte apropriada”, a qual era utilizada em situações em que não havia mais tratamentos médicos capazes de curar a patologia que acometia o sujeito (Mendes et al., 2020).

Todavia, o termo eutanásia fora utilizado pela primeira vez pelo filósofo Francis Bacon na obra “História vitae et mortis”, como sendo o tratamento a ser realizado no caso de doenças incuráveis (Moraes, 2012)

De acordo com Borges (2015) o termo deixou de ser raso e passou a ser utilizado também quando se faz necessário a interrupção de tratamentos ineficazes que prolongariam a dor e o sofrimento do paciente, onde era implementado um tratamento paliativo e psicológico para que a morte fosse enfrentada no momento natural, assim, o autor menciona que o conceito atual de eutanásia é de uma morte provocada que é capaz de amenizar o sofrimento.

De tal modo, é possível perceber que a utilização da eutanásia, assim como seu termo, vem se adequando junto à sociedade, sendo que o ato que é visto como misericordioso por algumas culturas é tido como criminoso para outras, sendo parte da sensibilidade ética que integra aquela nação (Herrera, 2015)

As mudanças históricas provocam mudanças em todos os âmbitos da vida do ser humano, e não seria diferente quando se fala do direito de escolha sobre a própria vida, assim, a autonomia total que era conferida ao cidadão em tempos passados, fora modificada com a adesão à Carta de Direitos dos Homens e do Cidadão, onde a relação do Estado para com o povo se pauta na dignidade da pessoa humana. (Veras, 2018)

Assim, é possível denotar que a eutanásia diz respeito a um último recurso a ser utilizado em razão humanística, vez que não há mais condições de uma vida sadia para aquele sujeito, onde o que existe é somente uma prolongação de uma condição inevitável, a morte. (Mendes et al., 2020).

Por causa do anseio de viver muito, muitas pessoas com doenças crônicas não recebem tratamento adequado e, eventualmente, atingem um estágio incurável da doença, no qual, normalmente, há uma prolongação de sofrimento, de modo que passa a ser latente a necessidade de se discutir o que é uma boa morte ou uma morte digna entre pacientes, pessoal médico e o Estado pela justiça e pela própria sociedade. (Melo, 2019).

Há uma preocupação social mais relacionada à quantidade de pessoas vivas no mundo, do que um olhar voltado, de fato, a qualidade de vida das pessoas, onde se deixa de lado o princípio de qualidade de vida de Sócrates – o importante não é apenas viver, mas viver bem -, e se abomina a possibilidade de cessar um sofrimento inadiável. (Herrera, 2019; Veras, 2018).

Ao conceituar a eutanásia Veras (2018) dispõe:

Entende-se por eutanásia o atuar médico que, ao tratar de paciente que possua doença incurável e de caráter irreversível, responsável por causar-lhe insuportáveis sofrimentos físicos ou mentais, apresse, de forma intencional, a sua morte. É necessário, contudo, que a atuação médica se dê por motivos de benevolência. Para que se classifique enquanto eutanásia, é preciso que o comportamento tenha se dado com a intenção de beneficiar o doente. Apressar o óbito do paciente por qualquer outra motivação que não a compaixão, é conduta tida como homicídio

Cumpre, ainda, apresentar a opinião do estudioso paraense Bittencourt (1995), segundo qual a eutanásia é tão somente a morte boa, piedosa e humanitária, que, por pena e compaixão, se proporciona a quem, doente e incurável, prefere mil vezes morrer, e logo, a viver garroteado pelo sofrimento, pela incerteza e pelo desespero.

Assim, a realização da eutanásia, ou de suas variáveis, somente será caracterizada se o ato for realizado de modo benevolente, a fim de ver cessar o sofrimento sem cura de uma pessoa. Todavia, sua ocorrência é ilegal no Brasil, sendo caracterizada como homicídio, em razão de previsão legal própria (Mendes et al., 2020).

Souza (2019) menciona que a eutanásia pode ser divida entre ativa a passiva, sendo que a primeira consiste na consiste no ato de iniciar o procedimento que provocará a morte, enquanto a eutanásia passiva se consuma por omissão, que, geralmente, ocorre quando há supressão ou interrupção dos cuidados médicos que seriam capazes de fornecer vida.

O autor ainda explica que eutanásia ativa se subdivide em direta em indireta, sendo que na direta o objetivo do agente é a prestação de auxílio de forma positiva, a fim de que a morte ocorra de forma digna, enquanto a eutanásia ativa indireta o alívio da dor se dá por meio de ministração de medicamentos que abreviam a vida do doente.

Francisco e Goldim (2003) tratam da eutanásia voluntária, ou seja, é aquela que vem a mente do leigo quando se fala em eutanásia, quando o procedimento ocorre por vontade do enfermo para cessar seu sofrimento

A caracterização da eutanásia como homicídio se dá em razão do ato ter sido praticado por pessoa alheia aquela que sofre, contudo, ante as razões que levam a ocorrência do fato ilícito, há diminuição da pena, de modo que aquele que “causa” a morte incide na previsão do art. 121, parágrafo primeiro do CP, como homicídio privilegiado:

Art 121. Matar alguém

 Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço

Admite-se, no entanto, que a eutanásia possa, ao mesmo tempo, caracterizar homicídio privilegiado e homicídio qualificado, cuja pena é consideravelmente superior à do homicídio simples, desde que a circunstância que qualifica o crime seja objetiva. É o caso do uso de veneno no paciente, mediante eutanásia, para causar-lhe a morte.

O homicídio cometido mediante veneno sujeita a pessoa a pena de reclusão de doze a trinta anos (é o homicídio qualificado), mas poderá ser diminuída de um sexto a um terço se for considerada eutanásia (é o homicídio privilegiado). Não se admite, porém, a combinação do homicídio privilegiado com o homicídio qualificado se a exasperação da pena decorre de motivo subjetivo, como é o caso de eutanásia mediante paga ou promessa de recompensa, ou outro motivo torpe (Código Penal, art. 121-§2º-I). Os motivos subjetivos são antagônicos e, por isso, não podem justificar a um só tempo a diminuição e o aumento da pena. (Mendes et al., 2020).

Há de se ressaltar que no ordenamento jurídico brasileiro a eutanásia por ação ou omissão será considerada como homicídio independente do consentimento do paciente, onde haverá a responsabilização do agente civil e penalmente, vez que caracterizada a conduta típica, ilícita e culpável (Dodge, 2020)

Aqui, há, então, um embate entre dois princípios basilares do direito brasileiro, a dignidade da pessoa humana e o direito à vida. A dignidade da pessoa humana é um principio constitucional no direito brasileiro, e atua como base para a efetivação de diversos direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. (Souza, 2019)

O direito à vida é tutelado pela constituição no caput do art. 5º da Magna Carta, pois é um direito que embasa os demais, todavia, tal direito não é absoluto e se contrapõe com outros quando se analisa casos de eutanásia, aborto, inseminação artificial, clonagem e afins. (Mendes, et al., 2020)

O embate desses princípios e direitos é estudado pela bioética, ramo do direito que se debruça sobre a legitimidade, regularidade e legalidade das condutas que são aplicadas no ramo do direito e da medicina, atuando de forma a estabelecer limites para possíveis avanços tecnológicos que causem implicações legais. (Dodge, 2020)

Assim, a controvérsia a ser estudada é de que a eutanásia é ou não um desrespeito à vida, vez que por auxílio dela, chega-se ao fim de uma vida, mesmo que ela tenha sido pautada em sofrimento, dor e agonia, devido a uma doença irremediável e incurável. (Cruz; Tibiriça, 2020)

De tal modo, a dignidade da pessoa humana em ter uma morte boa é, atualmente, sufocada pelo direito à vida, vez que o procedimento é tido como ilegal no Brasil, mesmo que a opção pelo procedimento tenha sido do paciente, que possui direito a autonomia da sua vida, onde a busca é, única a exclusivamente, pelo não sofrimento. (Cruz; Tibiriça, 2020)

3.2 A Ortotanásia

O Código Penal Brasileiro é omisso, também, em relação às medidas alternativas à eutanásia, sendo a ortotanásia uma medida dessas, a qual, em seu sentido etimológico consiste em uma “morte correta”, em relação ao seu procedimento, consiste na descontinuidade de tratamentos médicos, vez que totalmente ineficazes, que prolongariam a vida do paciente e, como conseqüência, o sofrimento (Reis, 2019)

Melo (2017) conceitua a ortotanásia como a assistência médica para acelerar a morte já está no processo natural, para aliviar o sofrimento do paciente prolongando artificialmente a vida.

Por mais que não haja previsão legal permitindo ou punindo o ato, sabe-se que essa ocorre comumente no país, gerando insegurança jurídica sobre sua realização, vez que nos países onde essa é regulamentada há obediência a protocolos e demais medidas que observam a vontade do paciente (Reis, 2019)

Para Borges (2015) a ortotanasia é figura atípica, vez que ela não causa a morte do individuo, vez que a causa dessa já está instalada e em processo, veja-se:

Na situação em que ocorre a ortotanásia, o doente já se encontra em processo natural de morte, processo este que recebe uma contribuição do médico no sentido de deixar que esse estado se  desenvolva  no  seu  curso  natural. Apenas  o  médico  pode  realizar  a ortotanásia. Entende-se que o médico não está obrigado a prolongar o processo de morte do paciente, por meios artificiais, sem que este tenha requerido que o médico assim agisse

Assim, em razão da ausência de previsão legal, estudos afirmam que a ocorrência de ortotanásia também é passível de aplicação do art. 121, §1, CP, ante a sua motivação (Reis, 2018; Lopes, 2010).

Sobre o tema, fora proposta a Ação Civil Pública nº 2007.34.00.014809-3 pelo Ministério Público Federal contra o Conselho Federal De Medicina pleiteando o reconhecimento da nulidade da Resolução CFM n. 1.805/2006 e alternativamente sua alteração a fim de que se definam critérios a serem seguidos para a prática da ortotanásia.

Pelo MPF fora alegado que:

 [i] o Conselho Federal de Medicina não tem poder regulamentar para estabelecer como conduta ética uma conduta que é tipificada como crime; [ii] o direito à vida é indisponível, de modo que só pode ser restringido por lei em sentido estrito; [iii] considerado o contexto sócio-econômico brasileiro, a ortotanásia pode ser utilizada indevidamente por familiares de doentes e pelos médicos do sistema único de saúde e da iniciativa privada.

Por sua vez, a fim garantir a qualidade dos serviços médicos prestados e a qualidade de vida e morte dos pacientes, o CFM dispôs que:

[i] a resolução questionada não trata de eutanásia, tampouco de distanásia, mas sim de ortotanásia; [ii] a ortotanásia, situação em que a morte é evento certo, iminente e inevitável, está ligada a um movimento corrente na comunidade médica mundial denominado Medicina Paliativa, que representa uma possibilidade de dar conforto ao paciente terminal que, diante do inevitável, terá uma morte menos dolorosa e mais digna; [iii] a ortotanásia não é considerada crime; e [iv] o direito à boa morte é decorrência do princípio da dignidade humana, consubstanciando um direito fundamental de aplicação imediata.

Após a devida instrução processual restou constatado que é o tema é de suma importância ante ao número de casos de ortotanásia de ocorrem diariamente, sendo que a resolução se trata, na verdade, de uma regulamentação de um procedimento que é comum no dia a dia da equipe médica, sendo assim decidido:

Nossa posição se resume, brevemente, em três premissas: 1) o CFM tem competência para editar a Resolução nº 1805/2006, que não versa sobre direito penal e, sim, sobre ética médica e consequências disciplinares; 2) a ortotanásia não constitui crime de homicídio, interpretado o Código Penal à luz da Constituição Federal; 3) a edição da Resolução nº 1805/2006 não determinou modificação significativa no diaadia dos médicos que lidam com pacientes terminais, não gerando, portanto, os efeitos danosos propugnados pela inicial; 4) a Resolução nº 1805/2006 deve, ao contrário, incentivar os médicos a descrever exatamente os procedimentos que adotam e os que deixam de adotar, em relação a pacientes terminais, permitindo maior transparência e possibilitando maior controle da atividade médica; 5) os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal não devem ser acolhidos, porque não se revelarão úteis as providências pretendidas, em face da argumentação desenvolvida.

Assim, o procedimento se baseia em deixar de utilizar-se de meios extraordinários para prolongar o estado de morte já instalado no paciente. Tal conduta é considerada ética, sempre que a decisão do médico for precedida do consentimento informado do próprio paciente ou de sua família, quando impossível for a manifestação do doente. (Demo, 2010)

3.3 Distanásia

Como já mencionado anteriormente, a sociedade atual busca mais pela continuidade da vida do que pela qualidade dessa, assim, utilizam-se de medidas que são chamadas de Medicina Critica, onde, por meio de suporte cardiorrespiratório, alimentação parental, controle das infecções com danos graves no cérebro.

Ao contrário da ortotanásia, a distanásia consiste em procedimentos que prolonguem a vida daquele que padece, contudo, sem o mínimo de dignidade, de modo que o sofrimento é aumentado por intervenções médicas desnecessárias, ante a gravidade da situação (Melo, 2019)

Esse método é muito utilizado em relação a pacientes que se encontram em estados vegetativos persistentes – VPS, quando a vida e as funções vitais são sustentadas por meio de aparelhos, na qual a dita “vida” é mantida por dias, semanas ou até anos, sem que não exista o mínimo de qualidade nessa, vez que há perda da cognição.

Souza (2019) conceitua a distanásia como sendo:

A distanásia é o adiamento do processo de morte, cerceado de sofrimento, aparado por aparelhos de suporte de vida e poderosos fármacos, que nada contribuem para evitar a morte, intervém no curso natural provocando uma maior agonia no paciente, alimentando os parentes de falsas esperanças, e que, geralmente, não aceitam a morte como desenrolar automático da vida.

Quanto à ilicitude do ato, a conduta médica não se configura como crime, vez que não é ilícita e nem culpável, ante a ausência de previsão legal. Todavia, caso seja constatado no caso concreto que houve exacerbação das vias utilizadas para prolongar a vida, pode se caracterizar afronta ao direito constitucional previsto no art. 5º, III, CF.

Cabe ressaltar que a legislação é vaga quanto ao tema e o estado de São Paulo fora inovador ao dispor sobre o tema na Lei nº 10.241/99, que dispõe sobre os Direitos dos Usuários de Serviços de Saúde, que em seu art. 2º, XXIII, garante ao paciente a possibilidade de recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida. 

A eutanásia e a distanásia se distinguem em relação ao sofrimento, vez que as duas ocorrem como forma de abreviar a vida. Na primeira, não há sofrimento, vez que ela existe justamente para que esse cesse, enquanto na segunda a morte se dá de forma agonizante. (Cunha, 2018)

3.4 Mistanásia

Souza (2019) argumenta que a etimologia da palavra, assim como as demais, tem origem grega, e significa morte infeliz, miserável, vez que essa se dá devido à falta de assistência médica correta, ou seja, consiste num abreviamento da vida por questões sociais que vão desde a pobreza até a violência urbana, onde novamente, o cidadão não possui uma morte digna.

Kallas e Pustrelo (2016) tratam sobre o tema elencando fatores que levam a sua ocorrência:

Diversos fatores, tais como geográficos, políticos, econômicos e sociais, somados, propagam pelo continente a miséria, que leva à uma morte precoce de crianças, jovens, adultos e idosos: a chamada eutanásia social, intitulada mistanásia

Mesmo que a saúde seja um direito e uma garantia fundamental positivada no art. 196 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, sabe-se que essa não é a realidade, pois são inúmeras as mortes causadas pelo fato de o cidadão ser deixado à margem, carente de assistência e de cuidados básicos, de tal modo, a vida do enfermo cessa por omissão do Estado, sendo ele o agente “eutanasiador”.  (Souza, 2019).

A mistanásia fora e é muito comum no mundo, todavia, não há a aplicação do conceito em sua consumação. Historicamente, ela fora utilizada durante o nazismo e em outras guerras, principalmente pelo uso de armas biológicas e químicas, e ainda, em países pobres, ante a ausência de assistência médica adequeda. (Kallas; Prustello, 2016).

3.5 Suicídio Assistido.

O suicídio assistido também é classificado como uma forma de eutanásia, vez que acaba com o sofrimento da vítima e abrevia à ocorrência da morte, essa prática também é conhecida como suicídio eutanásico, vez que é a vitima que ceifa sua vida, contudo, há auxílio de terceiros, ainda que por razão de compaixão (Souza, 2019).

No ordenamento jurídico pátrio a conduta de auxilio ao suicídio é fato típico e antijurídico, ou seja, é crime, previsto no art. 122 do CP, o qual reza:

Art. 122 – Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:
Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Há de se ressaltar que o auxilio ou instigação ao suicídio é bem amplo e vai desde o incentivo até o fornecimento de meio para que a pessoa o faça, sendo que nesse caso, o paciente necessita de ajuda para que possa tirar sua própria vida, na maioria das vezes, trata-se de ingerir medicamento em dose letal, assistido por médico ou enfermeiro (Cunha, 2018).

Ainda, cabe destacar que é imprescindível que o paciente esteja lúcido, vez que é ele que irá tirar sua própria vida, enquanto na eutanásia esse pode ou não estar consciente no momento do ato. (Souza, 2019).

3.6 Aspectos da Eutanásia no Direito Brasileiro

Greco (2017) menciona que eutanásia não é positivada no código Penal brasileiro, sendo que, quando ocorre, há a aplicação do art. 121 do Código, de modo que a eutanásia se confunde com o homicídio privilegiado, em sua maioria.

O tipo penal assim dispõe:

Art. 121. Matar alguém:
Pena – reclusão, de seis a vinte anos.
Caso de diminuição de pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Entende-se a possibilidade de aplicação do artigo retro mencionado ao caso de eutanásia vez que o procedimento é realizado por outrem impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou seja, a fim de que aquele que deseja, tenha, de fato, uma boa morte (Brasil, 1940).

O relevante valor social ou moral do motivo – que deve ser sempre considerado objetivamente, segundo a média existente na sociedade, e não segundo a opinião do agente – deve ser relevante, isto é, considerável, importante. (Costa, 2013)

Vale destacar, todavia, que tais fatos não se enquadram no quanto disposto no art. 121, § 1º, do CP. A propósito, o renomado doutrinador Bittencourt (2015), analisando a figura típica do homicídio privilegiado, define o que vem a ser “relevante valor moral”, in verbis:

Será motivo de relevante valor moral aquele que, em si mesmo, é aprovado pela ordem moral, pela moral prática, como por exemplo, a compaixão ou piedade ante o irremediável sofrimento da vítima. Admite-se, por exemplo, como impelido por motivo de relevante valor moral o denominado homicídio piedoso, ou, tecnicamente falando, a eutanásia.

Inexiste a possibilidade de que o dito “crime” ocorra na forma culposa, vez que é necessária a intenção do agente de provocar a morte digna daquele que sofre, de modo que a aplicação do jargão “impelido” já demonstra a vontade de fazendo do agente que comete o fato, ou seja, atua das maneiras necessárias para realizar a eutanásia (Nucci, 2017).

Todavia, a Resolução Nº 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina menciona algumas práticas que são aceitáveis para que se encerrem alguns tratamentos que causem danos e sofrimento ao enfermo que está em fase terminal, veja-se:

Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.

 § 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.
§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.
§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.

Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.

De tal modo, há a possibilidade de o médico realizar, ou deixar de realizar, algum procedimento que diminua a dor do paciente, mesmo que esse encurte a sua vida, o que se enquadraria como eutanásia, sendo que a omissão do médico se enquadraria como ortotanásia (Guimarães, 2009).

Alguns doutrinadores, como Nucci (2017) mencionam sobre a eutanásia passiva, que ocorre quando o paciente provoca ações que levem os médicos a ceifarem sua vida, sendo que é de suma importância que a equipe médica tenha ciência da dor e do sofrimento do paciente. Como exemplo da ação do paciente se tem a receita médica com dosagem medicamentosa acima do comum ou, ainda, a prescrição médica de medicamentos que são capazes de matar, como opioides.

A ação retro mencionada não se enquadra na resolução nº 1.805/2006 do CFM, sendo que França (2014) dispõe que tal ação poderia ser uma modalidade de eutanásia culposa ou ortotonásia.

Nucci (2017) afirma que não é somente a adequação do procedimento ao tipo penal que a configura como eutanásia, pois há a necessidade de interpretação do caso concreto por fatores religiosos, éticos e culturais, assim como é de suma importância que se analise o quadro clínico do paciente incurável.

A grande questão que cinge em torno do direito brasileiro é da moral, pois essa fora utilizada como um requisito no ordenamento e atua como uma fonte de aplicação e criação de normas, assim, como a grande parte da população entende que a eutanásia é imoral, mesmo sem entender muito bem sobre o tema, o procedimento, ainda, é considerado ilegal (França, 2014)

O tema trás, também, um grande paradoxo, vez que envolve o direito à vida, a liberdade, autonomia e sofrimento, sendo que a discussão moral e religiosa dos direitos humanos é sempre a favor, única e exclusivamente, do primeiro direito, deixando de lado a vontade daquele que sofre e agoniza por uma morte digna. (Nucci, 2017)

Ainda, há de se ressaltar que conforme Guimarães (2009) o sofrimento sem causa também é tido como imoral, todavia, o interromper com o abreviamento da vida, também o é, mesmo que haja a constatação de que esse sofrimento é irremediável e que a morte só está “aguardando a hora de chegar”.

Para o autor o principio da adequação social tem validade para aplicação nos casos em análise, vez que atuaria como uma causa supra legal de exclusão de ilicitude. O princípio da adequação social foi idealizado por Hans Welzel e estabelece que, apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada.

Como já dito, a principal casa da tipificação da eutanásia como homicídio e sua proibição se dá devido a supremacia do direito á vida, todavia, esse não é considerado como absoluto pelo ordenamento pátrio, exemplo disso se vê pela possibilidade de aplicação de pena de morte em caso de guerra inciso XLVII, “a” do artigo 5º, da Constituição Federal. (Nucci, 2017)

A apatia de sociedade pela eutanásia ocorre, também, pelo fato de que o senso comum acredita que haverá uma banalização do ato e, ainda, que haveria margens para ilegalidades e abusos no procedimento. Entretanto, grande parte dessa mesma população não possui conhecimento de que o procedimento só poderia ocorrer em casos de pacientes com doenças terminais incuráveis (Guimarães, 2009).

Sobre a ausência de tipo penal que abarque a eutanásia, recorre-se à doutrina do penalista Luiz Flávio Gomes (2007):

“Na nossa opinião, mesmo de lege lata (tendo em vista o ordenamento jurídico vigente hoje), desde que esgotados todos os recursos terapêuticos possíveis e desde que cercada a morte de certas condições razoáveis (anuência do paciente, que está em estado terminal, sendo vítima de grande sofrimento, inviabilidade de vida futura atestada por médicos etc), a eutanásia (morte ativa), a morte assistida (suicídio auxiliado por terceiro) e a ortotanásia (cessação do tratamento) não podem ser enfocadas como um fato materialmente típico porque não constitui um ato desvalioso, ou seja, contra a dignidade humana, senão, ao contrário, em favor dela (no sentido de que a ortotanásia é juridicamente irreprovável cf. Luís Roberto Barroso, Folha de São Paulo de 04.12.06, p. C4) (…) A essa conclusão se chega quando se tem presente a verdadeira e atual extensão do conceito de tipo penal (dado pela teoria constitucionalista do delito, que sustentamos com base em Roxin, Frisch e Zaffaroni), que abrange a dimensão formal-objetiva (conduta, resultado naturalístico, nexo de causalidade e adequação típica formal à letra da lei); (b) a dimensão material-normativa (desvalor da conduta + desvalor do resultado jurídico + imputação objetiva desse resultado) e (c) a dimensão subjetiva (nos crimes dolosos). A “morte digna”, que respeita a razoabilidade (quando atendida uma série enorme de condições), elimina a dimensão material-normativa do tipo (ou seja: a tipicidade material), porque a morte, nesse caso, não é arbitrária, não é desarrazoada. Não há que se falar em resultado jurídico desvalioso nessa situação”

Assim, a divergência sobre o tema tende a se prolongar no tempo, vez que se trata de um assunto extremamente delicado e que envolve diversos preceitos fundamentais positivados no ordenamento brasileiro, dos quais, atualmente, se sobressai o direito a vida, assim como ocorre em outros temas polêmicos como o aborto.

É evidente, também, que a criminalização do ato vem de um contexto histórico e cultural do país, onde ainda há forte influência da religião e da moral nas criações das leis, sendo que, segundo elas, o procedimento de abreviar o sofrimento de outrem é tido como um ato ilegal, no caso, um homicídio, mesmo que a própria pessoa não tenha mais condições e vontade de viver.

4. Conclusão

Como já fora explanado anteriormente a eutanásia é um tema de extrema relevância para o ordenamento jurídico brasileiro, assim como é um assunto complexo ante aos direitos e princípios que são envolvidos, onde há correntes divergentes sobre a criminalização de tal ato no cenário atual.

A eutanásia possui diversas vertentes, que são muito comuns no dia a dia, todavia, não são conhecidas pelo nome, como a ortotanásia, suicídio assistido, distanásia e mistanásia, sendo que nas três primeiras dependem da vontade da vítima para que haja o abreviamento da vida.

Diante de todo o estudo que fora realizado, fora possível constar que atualmente a eutanásia é considerada crime no Brasil, sendo que o agente incorre no tipo penal descrito no art. 121, §1º do CP, qual seja o crime de homicídio privilegiado, onde o agente tira a vida de outrem por motivo de relevante valor social, no caso, o sofrimento advindo de uma doença incurável.

Sobre a ortotanásia, o Código Penal é omisso, sendo que tal ato consiste em parar com tratamentos médicos que não surtem resultados de modo que a vida se encurte. Nesse caso, há uma Resolução do Conselho Federa de Medicina n. 1.805/2006, que regulamenta o ato, vez que esse ocorre comumente em casos de tratamentos paliativos.

O suicídio assistido também é classificado como uma forma de eutanásia, vez que acaba com o sofrimento da vítima e abrevia à ocorrência da morte, nesse caso, assim como na eutanásia propriamente dita, há tipificação de crime, mais especificamente o art. 122 do CP, vez que o Código Penal Brasileiro entende que se trata de um auxílio ao suicídio.

A distanásia consiste em procedimentos que prolonguem a vida daquele que padece, contudo, sem o mínimo de dignidade, de modo que o sofrimento é aumentado por intervenções médicas desnecessárias, ante a gravidade da situação, havendo sim clara violação a garantia constitucional da dignidade da pessoa humana em razão do direito à vida.

A mistasária é uma variável da eutanásia onde o agente eutanasiador é o Estado, vez que essa morte miserável se dá por falta de cumprimento do direito à saúde, onde a população é deixada à margem para padecer sem o mínimo de atendimento médico digno. Sendo que, novamente, o direito à vida se sobressai ao direito da dignidade da vida e da morte.

É evidente que em todos os casos o direito à vida se sobressai aos demais direitos como: autonomia, dignidade da pessoa humana, saúde, liberdade de escolha e afins. Sendo que o paciente, em estado terminal, não pode sequer decidir ceifar sua dor sem que faça com que outra pessoa cometa um crime.

É claro, também, que o tema é muito polêmico devido às raízes culturais do Brasil, que é fortemente influenciado pela religião, onde a morte deve ser somente a natural e ninguém pode interferir nesse processo.

Ademais, grande parte do estigma que se criou sobre o tema se dá pelo fato de que a população, também por fatores religiosos, não é acostumada a tratar sobre a morte, curso e processo natural da vida, sendo que a cada dia que passa o tabu sobre o desejo de morrer aumenta, fechando-se os olhos para as razões que levam a ele.

De tal modo, resta claro que o direito brasileiro visa sempre garantir o direito à vida sobre os demais, sendo que a análise do caso concreto é sempre deixada de lado para não se enfrentarem temas delicados e que levem à comoção popular, deixando de se analisar o paradigma de quem sofre de uma doença incurável e uma dor irremediável somente para se esperar à hora da morte natural.

São diversas as alterações latentes no Código Penal Brasileiro, sendo evidente que o caso de eutanásia se trata de um homicídio piedoso e deviria sim ser uma excludente de ilicitude, vez que o ato visa somente, proporcionar uma morte digna e boa àquele que sofre.

Referências

BARBOSA, G. S. D. S., & LOSURDO, F. (2018). Eutanásia no Brasil: entre o Código Penal e a dignidade da pessoa humana. Revista de investigações constitucionais5, 165-186.

BITENCOURT, C. R. (2020). Tratado de Direito Penal-Vol. 1-Parte Geral-26ª edição de 2020. Saraiva Educação SA.

Cavalcante, R. S. H. (2013). Considerações sobre a ortotanásia no Brasil e o entendimento do conselho federal de medicina.

Conselho Federal de Medicina (2006). RESOLUÇÃO CFM Nº 1.805/2006.

Cunha, A. L. M. D. (2018). Eutanásia e o direito brasileiro: uma análise sobre seus aspectos favoráveis e desfavoráveis.

Dodge, R. E. F. (2009). Eutanásia-aspectos jurídicos. Revista Bioética7(1).

Herrera, A. P. (2015). Suicídio Assistido no Direito Brasileiro: Aspectos Gerais. Jusbrasil.

Heringer, A., & Perim, S. F. (2008). A eutanásia no Brasil. Revista Direito e Justiça: Reflexões Sociojurídicas8(11), 13-36.

Greco, R. (2017). Código Penal: comentado/Rogério Greco.–. 11. ed. – Niterói, RJ: Impetus.

Guimarães, M. O. L. (2008). Eutanásia: novas considerações penais. São Paulo.

Junqueira, B. P., & de Souza Freitas, P. H. (2020). Liberdade De Autodeterminação: Um Panorama Da Eutanásia No Direito Brasileiro À Luz De Immanuel Kant. Revista Direito UFMS6(2), 172-194.

Martins, W. G. (2021). Eutanásia, distanásia e ortotonásia à luz do direito brasileiro: uma revisão integrativa.

Melo, M. T. (2019). A Eutanásia, A Distanásia E A Ortotanásia À Luz Da Justiça Brasileira. Âmbito Jurídico. Disponível Em: Https://Ambitojuridico.Com.Br/Edicoes/Revista-155/A-Eutanasia-A-Distanasia-E-A-Ortotanasia-A-Luz-Da-Justica-Brasileira/#:~:Text=A%20modalidade%20da%20distan%C3%A1sia%20no,Nem%20tratamento%20desumano%20ou%20degradante%E2%80%9d. Acesso Em: 23 Mar. 2023.

Mendes, A. C., Mendes, M. J. M., Costa, G. H., Pinheiro, V. M., Pias, F. C., & Schmitz, A. K. (2020). A polêmica da Legalização da Eutanásia no Brasil. Brazilian Journal of Development6(10), 79803-79814.

Moraes, H. V. B. (2012). Da eutanásia no direito comparado e na legislação brasileira. Juspovim. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23299/da-eutanasia-no-direito-comparado-e-na-legislacao-brasileira. Acesso em: 23 março 2023.

Nucci, G. D. S. (2020). Manual de direito penal.–16. ed. Rio de Janeiro: Forense.

Nucci, G. D. S. (2020). Curso de direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense.

Penal, C. (1940). Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. URL: https://iberred. org/sites/default/files/codigo-penal-brasil. pdf (data obrashcheniya: 24.05. 2020).

Porto, C. S., & Ferreira, C. L. (2017). Eutanásia No Direito Penal: os aspectos jurídicos do homicídio piedoso. Interfaces Científicas-Direito5(2), 63-72.

Sousa, G. O. D. (2019). A eutanásia no direito brasileiro: uma análise da legislação mediante a sua prática.

Reis, S. A., & Oliveira, R. F. (2019). Os Limites Entre A Defesa Do Direito À Vida E À Morte: Uma Análise Atual Da Eutanásia No Brasil. Revista de Biodireito e Direito dos Animais5(1), 20-36.

Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. TJ-BA (2018). Embargos de Declaração. Autos nº 000323-02.2012.8.2012.8.05.0056. Jusbrasil. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-ba/1611806274/inteiro-teor-1611806276. Acesso em: 23 mar. 2023.

Tribunal de Justiça do Estado do Acre (2018). Ação Civil Pública. Autos nº 2007.34.00.014809-3. Jusbrasil. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-ac/1178102780/inteiro-teor-1178102781. Acesso em: 23 mar. 2023.