ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E A RESPONSABILIDADE DO AGENTE INFILTRADO.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11473639


Osmario Ferreira Silva Junior¹;
Andreia Alves de Almeida².


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo perquirir a responsabilidade do agente de polícia infiltrado em organizações criminosas, delimitando até que ponto é passível a responsabilização. Diante da complexidade do tema, surge a seguinte problemática: quais os limites e condições em que esses agentes podem ser responsabilizados quando do cometimento de crimes no curso das investigações? E quais as consequências disso para a garantia da legalidade das ações policiais? Essa questão envolve não apenas aspectos jurídicos, mas também considerações éticas e práticas, que podem influir significativamente na eficácia das operações de infiltração. Busca-se esclarecer a possibilidade de imputação de responsabilidade ao agente, por delitos praticados durante o curso investigativo, considerando preceitos históricos e legais que permeiam as organizações criminosas. Com intuito de atingir os objetivos propostos, utilizou-se a metodologia de abordagem qualitativa, apoiada em métodos dedutivos e pesquisa documental e bibliográfica, que permitem uma análise mais aprofundada sobre a temática proposta considerando a complexidade e a sensibilidade do tema. Da análise realizada, é possível se concluir que o agente policial infiltrado pode ser responsabilizado por quaisquer condutas criminosas perpetradas durante o decorrer da investigação, todavia, a responsabilização deverá estar condicionada à observância de princípios fundamentais, tais como a proporcionalidade e legalidade, bem como, deve ser avaliada e existência -ou nãode excludentes de culpabilidade.

Palavras-chave: Crime organizado; Infiltração de agentes policiais; Organização criminosa; responsabilização criminal.

ABSTRACT

Law 12,850, of August 2, 2013, was created to deal with organized crime, defining criminal organizations, associated crimes and authorizing exceptional means of proof, such as the infiltration of agents. This study analyzes the possibility of holding undercover police officers responsible for crimes committed during the investigation, considering legal and historical principles of criminal organizations. Using qualitative research and deductive methods, it is concluded that the agent can be held responsible, as long as principles such as proportionality and the lack of exclusions of culpability are observed.

Key words: Organized crime; Infiltration of police officers; Criminal organization; criminal responsibility.

INTRODUÇÃO

O escopo deste artigo tem como finalidade delimitar a possibilidade de responsabilização do agente de polícia infiltrado em organização criminosa no contexto das investigações policiais, considerando que a atuação desses agentes pode ser considerada uma estratégia de suma importância no combate à criminalidade. Contudo, em se tratando de proteção jurídicas e das normas brasileiras, surgem questões ainda mais complexas relacionadas aos limites da responsabilização dos agentes no exercício regular do poder de polícia, que levanta questões éticas, legais e operacionais que merecem uma análise pormenorizada. Diante da complexidade do tema, surge a seguinte problemática: quais os limites e condições em que esses agentes podem ser responsabilizados quando do cometimento de crimes no curso das investigações? E quais as consequências disso para a garantia da legalidade das ações policiais? Essa questão envolve não apenas aspectos jurídicos, mas também considerações éticas e práticas, que podem influir significativamente na eficácia das operações de infiltração.

O objetivo geral deste estudo é analisar a evolução histórica e legislativa da criminalidade organizada no Brasil e no mundo, buscando compreender não somente os fundamentos legais e os meios de produção de provas, mas também as implicações éticas e as repercussões operacionais dos procedimentos empregados pelos agentes. Como objetivo específico, busca-se destacar a infiltração de agentes como meio essencial para a produção de provas, fazendo-se incluir e identificar diretrizes e recomendações que aprimorem os procedimentos de infiltração, e garantir os direitos dos agentes infiltrados, bem como, delimitar quais as possibilidades de responsabilização dos agentes infiltrados.

Este artigo será dividido em 4 capítulos, onde, inicialmente, no capítulo 2 busca-se abordar considerações introdutórias sobre o crime organizado, sua evolução histórica e legislativa, além do conceito definido pela Lei 12.850/2013. Em seguida, nos capítulos 3 e 4 serão examinados os meios de investigação e produção de provas, com enfoque na infiltração de agentes, incluindo procedimentos e direitos previstos na legislação. Por fim, no capítulo 5, será analisada a responsabilidade criminal do agente policial infiltrado, levando em conta os limites de suas ações e a proporcionalidade na avaliação judicial dos delitos.

Para alcançar os objetivos propostos, serão utilizadas as metodologias de pesquisa bibliográfica e documental, baseadas em fontes jurídicas, acadêmicas e institucionais pertinentes à responsabilização do agente policial infiltrado. A abordagem metodológica será de natureza qualitativa, que permite uma análise aprofundada e contextualizada acerca da problemática proposta.

Considerando a pertinência deste tema para o direito penal brasileiro e a ausência de jurisprudência consolidada pelas cortes superiores, hipotetiza-se que a responsabilização do agente policial infiltrado por delitos cometidos durante a investigação criminal dependerá da observância de princípios legais, bem como de que a sua conduta tenha sido necessária à obtenção de provas e à desarticulação das organizações criminosas.

Espera-se que este estudo contribua para o aprofundamento do debate acerca da responsabilização de agentes estatais quando infiltrados em organizações criminosas pela prática de delitos praticados no curso das investigações. Além disso, espera-se que os resultados desta pesquisa possam subsidiar a formulação de políticas de segurança pública mais eficazes, bem como a atuação das instituições responsáveis pela investigação e repressão ao crime organizado, promovendo a garantia dos correios fundamentais e o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

2. O INSTITUTO DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

De acordo com o Jornal de USP, o crime organizado tem crescido tanto no Brasil quanto no mundo, exercendo poder sobre a população e o Estado. Isso levou a mudanças no sistema jurídico brasileiro para lidar com a definição e classificação dessas organizações criminosas, que enfrentaram lacunas na tipificação de seus delitos.

Este capítulo visa esclarecer a origem, conceito e mudanças legislativas aplicáveis às Organizações Criminosas.

Antes de analisar como o crime organizado é tratado no ordenamento jurídico brasileiro, é necessário considerar os contextos históricos e sociais que levaram ao surgimento desses grupos.

2.1 CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA PELA LEI 12.850/2013

A definição de uma organização criminosa ainda é desafiadora, pois não há um conceito único, mas a noção se baseia na prática de crimes por meio da divisão de tarefas e hierarquia estruturada, assemelhando-se à organização empresarial no capitalismo.

A Lei 12.850/2013 pôs fim à dúvida quanto à conceituação e delimitação dos crimes praticados por organizações criminosas. Ela trouxe consigo um arcabouço de informações que nenhuma outra legislação havia conseguido.

A Lei dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção de provas, as     infrações      penais          correlatas     às organizações criminosas, bem como aos procedimentos a serem adotados.

Atualmente, segue-se o conceito exposto pela Lei 12.850/2013, onde, em seu art. 1º, § 1º, considera-se organização criminosa:

A associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou sejam de caráter transnacional.

No que se refere aos integrantes da organização criminosa, Cunha e Pinto (2015, p. 17) lecionam que:

O crime, quanto ao sujeito ativo, é comum (dispensando qualidade ou condição especial do agente), plurissubjetivo (de concurso necessário) de condutas paralelas (umas auxiliando as outras), estabelecendo o tipo incriminador a presença de, no mínimo, quatro associados, computando-se eventuais inimputáveis ou pessoas não identificadas, bastando prova no sentido de que tomaram parte da divisão de tarefas estruturada dentro da organização

Nesse mesmo sentido entende Marllon Sousa. Segundo o autor (2015, p. 14):

[…] não há óbice, para perfazer o número mínimo de integrantes aptos a caracterizar uma organização criminosa, que menores de dezoito anos sejam computados, desde que tenham participação comprovada, ficando a cargo da autoridade policial ou do Ministério Público demonstrar a presença deste critério […]

Assim, embora o legislador tenha se preocupado em delimitar o conceito de organização criminosa, verifica-se que ainda existem muitas lacunas, o novo conceito está baseia-se em termos genéricos, de difícil compreensão e passíveis de interpretações contraditórias, dificultando o seu correto entendimento, e consequentemente, a sua aplicação prática.

Tendo sido definido o conceito de organização criminosa pela Lei 12.850/2013, passa-se à análise da infiltração do agente policial como meio possível de investigação e obtenção de provas.

3. INVESTIGAÇÃO E MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA

A prova é o meio pelo qual a autoridade julgadora é convencida da verdade processual. Existem muitos mecanismos de produção de provas no ordenamento jurídico brasileiro. No que se refere à criminalidade organizada, há uma certa peculiaridade na obtenção de provas durante o processo de investigação, ante a dificuldade na apuração dos atos praticados pelas organizações criminosas.

Por isso, as provas são consideradas imensamente importantes durante a concretização dos processos judiciais.

Muito embora alguns desses meios de provas já existissem em nosso ordenamento jurídico, não havia, até a promulgação da Lei 12.850/2013, um regulamento específico que proporcionasse a eficaz utilização e o detalhamento de tais institutos.

4. A INFILTRAÇÃO DE AGENTES COMO MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVAS

Com a globalização e a revolução tecnológica mundial e nacional, os meios de obtenção de provas tornaram-se ultrapassados e as técnicas tradicionais de investigação exigiram das polícias judiciárias uma revolucionária adaptação no que se refere aos métodos utilizados na obtenção de prova.

Assim, antes de adentrarmos ao estudo do instituto da infiltração policial nas organizações criminosas faz-se necessário uma breve análise quanto aos meios de produção de provas.

4.1 INFILTRAÇÃO DE AGENTES POLICIAIS NO CRIME ORGANIZADO

capítulo discute a infiltração de agentes em organizações criminosas como uma técnica especial de investigação. Prevista na Lei 12.850/2013, é um meio excepcional de produção de provas, utilizado quando outras formas não são viáveis. Apenas as polícias Federal e Civil têm atribuições para conduzir tais investigações.

A infiltração proporciona uma compreensão mais profunda da organização criminosa, permitindo identificar seus membros e atividades. No entanto, sua aplicação é perigosa e deve ser proporcional.

A Lei regulamenta o procedimento, mas sua utilização é limitada devido à falta de recursos operacionais e à complexidade da preparação dos agentes. Conclui-se que, diante da ineficácia dos métodos tradicionais, a infiltração de agentes se torna uma ferramenta crucial no combate à criminalidade organizada.

4.2 PROCEDIMENTO

Os procedimentos a serem adotados na infiltração de agentes em organizações criminosas estão previstos nos arts. 10, 11 e 12 da Lei 12.850/2013.

O art. 10 prevê os legitimados para pleitear a infiltração, in verbis:

Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites. (BRASIL, 2013)

Assim, consoante estudo do referido artigo, a infiltração só poderá ser deflagrada em função de representação do delegado de polícia, ou a requerimento do Ministério Público. Tendo sido feita a representação pelo delegado de polícia, o juiz competente, deverá ouvir o Ministério Público antes de decidir (§ 1º, art. 10). Em se tratando de requerimento do Ministério Público, exige-se ainda a manifestação técnica do delegado de polícia.

O parágrafo 1º, do art. 10, da referida lei deixa claro que o magistrado não poderá decretar ex officio a infiltração de agentes. Isto porque, uma vez que a infiltração pode servir como um valioso instrumento de produção de prova pode restar abalado à isenção decisão do juiz para julgar os fatos.

Nesse sentido é o entendimento Renato Brasileiro Lima (2014, p. 579), segundo ele “a atuação de ofício do magistrado na fase pré-processual representa clara e evidente afronta ao sistema acusatório, além de violar a garantia da imparcialidade do magistrado”.

Assim, cabe à polícia a função de avaliar a viabilidade técnica da infiltração de agentes, verificando as condições da medida a ser implantada, bem como cuidar da segurança do agente policial. Já ao Parquet, cabe o dever de deliberar acerca do aspecto probatório do caso, se a infiltração do agente na organização criminosa poderá colaborar para a produção de provas importantes e pertinentes ao inquérito.

Ademais, conforme dispõe o §2º, do art. 10, da Lei 12.850/2013, para que a técnica de infiltração seja liberada, alguns requisitos devem ser preenchidos, quais sejam: se houver indícios de constituição de organização criminosa e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.

Portanto, a infiltração de agentes policiais em organizações criminosas apenas será admitida se houver fortes indícios de que estejam sendo perpetradas infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos ou tenham caráter transnacional, e se a prova não puder ser produzida por outros meios permitidos em lei.

4.3 DIREITOS DO AGENTE DE POLÍCIA

O texto aborda a ausência de proteção aos agentes infiltrados em leis anteriores, como a Lei 9.034/1995 e a Lei 11.343/2006, e destaca os direitos estabelecidos para esses agentes pela Lei 12.850/2013.

Esses direitos incluem a recusa ou cessação da atuação infiltrada e a alteração de identidade, bem como a preservação de informações pessoais e a proibição de divulgação de sua identidade pela mídia. A lei também permite a cessação da atuação em caso de risco iminente à integridade do agente, mas somente por motivos imperiosos e após avaliação administrativa.

Essas medidas visam proteger não apenas o agente, mas também sua família e o sucesso da investigação. Em suma, a infiltração de agentes é uma técnica investigativa eficaz, porém complexa, que deve ser usada apenas em situações excepcionais e com cuidado.

5. RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO AGENTE INFILTRADO

Tendo sido analisados os aspectos procedimentais e os direitos previstos na legislação ao agente infiltrado, vamos tratar acerca dos atos praticados e os limites da atuação do agente infiltrado, quando da prática de crimes.

A lei 9.034/1995 era omissa no que se referia a responsabilidade criminal do agente policial infiltrado em organizações criminosas. A Lei de Drogas, não obstante regulamentar o instituto da infiltração de agentes, também se silenciou em regulamentar a matéria. Daí deu-se a importância de o legislador tratar acerca da responsabilidade criminal de agentes policiais infiltrados quando do cometimento de infrações penais.

Um dos assuntos mais polêmicos da Lei 12.850/2013 trata-se da possibilidade do agente policial que está infiltrado em organizações criminosas cometer crimes.

Consoante ensinamentos de Marllon Sousa (2015, p. 117) é vedada a prática de crimes por agentes infiltrados, salvo se:

(a) imprescindível a ação para coleta de evidências e informações necessárias ao sucesso da operação, desde que sem violência à pessoa e haja a comunicação prévia à autoridade superior, ou imediata nos casos em que o contato prévio não for possível; (b) fundamental para manutenção da falsa identidade do policial infiltrado; ou (c) para evitar a morte ou grave lesão, permitindo-se, nesse caso, atos violentos, cujo excesso não será permitido.

Uma das grandes dúvidas acerca dessa problemática é identificar até que ponto deve o Estado quedar-se de intervir quando um de seus agentes praticarem determinados atos considerados crime.

Trata-se de uma situação de bastante complexidade, tendo em vista que um agente estatal, com anuência e incentivo do Poder Público pode incorrer em condutas que o Estado deveria combater e punir.

No que se refere acerca da questão do risco da prática do crime por agentes policiais infiltrados, Rafael Pacheco (2007, p. 126) preceitua:

Muitos autores que escrevem sobre o tema da infiltração policial são categóricos quanto à ideia de que se o agente não participar da empreitada criminosa pode comprometer a finalidade perseguida pelo instituto e não haveria possibilidade de execução da medida senão com a aceitação de prática de crime por parte do infiltrado em algum momento de sua atuação.

Ocorre que a Lei 12.850/2013 tratou de forma muito branda acerca da prática de crimes pelos agentes infiltrados em organizações criminosas, não sendo muito objetiva em estipular até que ponto o agente deverá ser responsabilizado pela prática de determinados delitos.

Ocorre que tal fato não é de difícil acontecimento, muitas vezes os agentes infiltrados, objetivando obter sucesso nas operações, acabam sendo impelidos a praticar determinadas condutas a fim de demonstrar sua lealdade perante a organização.

Assim, é de suma importância que se encontre um ponto de equilíbrio entre o sucesso das investigações e os interesses dos que nelas estão envolvidos.

Sabe-se que na prática, muitos agentes são obrigados a participar de ações criminosas ao realizarem as investigações. Todavia, até o advento da Lei 12.850/2013, não havia nenhuma legislação que houvesse previsão a respeito da responsabilidade penal do agente policial infiltrado.

Por óbvio, os agentes devem adotar apenas condutas que são consideradas compatíveis com a infiltração. Todavia, como já mencionado, podem ocorrer situações em que há a necessidade que o agente venha a praticar condutas criminosas.

Assim, a fim de regular a prática de alguma conduta criminosa e eventual responsabilidade criminal, garantindo o agente infiltrado que porventura viesse a cometer alguma infração penal durante o período em que estivesse atuando na investigação criminal, foi instituído o art. 13, da lei 12.850/2013, onde prevê, in verbis:

Art. 13. O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.

Parágrafo único. Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.

Assim, ante a medida excepcional que é a infiltração de agentes em organizações criminosas, cabe ao Estado resguardar que as ações do agente sejam traçadas pela observância a princípios como da legalidade e principalmente o da proporcionalidade. Ademais, se as ações dos agentes atenderem a esses princípios, os atos por eles praticados se tornarão lícitos, desde que sejam respeitados o objetivo da investigação e os limites estabelecidos pela decisão judicial que a autorizou.

Ocorre que a Lei deixou dúvidas ao mencionar a proporcionalidade quando da prática de crimes, pois ao mencionar a proporcionalidade sem ao menos fixar um critério para a sua fixação, o legislador mostrou-se ineficiente em determinar quais condutas do agente deverão ser arroladas como fato típico, ou atípico.

Assim, a redação do dispositivo legal foi bastante genérica quando fez referência apenas e tão somente à desproporcionalidade da conduta do agente, deixando, o legislador, de explicitar o que poderia ser compreendido como excesso.

A proporcionalidade que o legislador deveria ter se referido, significa que o agente policial deve manter certo equilíbrio entre as suas ações, avaliando os pontos positivos e negativos de seus atos, diferenciando assim o legal do ilegal.

Desta forma, ante a omissão do legislador em definir os parâmetros que devem ser utilizados quando da análise da proporcionalidade das condutas do agente infiltrado, cabe ao magistrado analisar se o agente tem ciência acerca da sua ação ou omissão, ou se este agiu em excesso.

Ou seja, sabendo-se que existem duas formas de se prosseguir, deve-se analisar se a conduta praticada pelo agente foi coerente com as atribuições que lhes foram impostas, ou se ele agiu com excesso de suas atribuições.

Portanto, cabe ao julgador a condição de, no caso concreto, aferir se os atos praticados pelos agentes infiltrados foram realizados com a devida proporcionalidade.

Considera-se que as atividades criminosas empreendidas pelos agentes infiltrados se caracterizam, em princípio, como fato típico, ilícito e culpável. Devendo o agente policial responder criminalmente pelos atos praticados. Todavia, vale ressaltar que essa regra não deve ser considerada como absoluta. Desse modo, cabe ao magistrado o dever de examinar o caso concreto, na aferição da responsabilidade do agente.

O art. 13, da Lei 12.850/2013, dispõe que deve ser punida a conduta do agente que agir com excessos e não guardarem a devida proporcionalidade. Nesse sentido, Greco Filho 2014, p.62) preceitua que “em virtude de excessos eventualmente praticados e se seus atos não guardarem a devida proporcionalidade com a investigação. A análise dessa proporcionalidade deve levar em conta as circunstâncias em que se encontra o agente”

O parágrafo único do mesmo artigo dispõe que “Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.” (BRASIL, 2013)

Tal dispositivo trata-se de uma excludente de culpabilidade, de forma que não haverá responsabilização ao agente que por ventura vier a cometer algum ilícito penal, mesmo porque, não poderia exigir-se do agente conduta diversa.

No que se refere à hipótese de o agente ser coagido a praticar crimes, Renato Brasileiro Lima (2016, p. 582) entende que:

[…] sob pena de ter sua verdadeira identidade revelada, o ideal é concluir pela inexigibilidade de conduta diversa, com a consequente exclusão da culpabilidade, desde que respeitada a proporcionalidade é mantida a finalidade da investigação.

De acordo com Fernando Capez (2013, p. 324) a culpabilidade penal trata-se “possibilidade de considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal”. A análise da culpabilidade se dá pela combinação de alguns elementos jurídicos: imputabilidade penal e potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Assim sendo, se o agente sofreu coação para praticar o crime, enquadra-se a hipótese de inexigibilidade de conduta diversa.

Nos termos do art. 22, do Código Penal “se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”. (BRASIL, 1940)

Nesse sentido, tratando-se da hipótese de coação ao agente infiltrado, não há que se falar em punibilidade, ante a inobservância de um dos elementos da culpabilidade penal.

Assim, apesar do caráter duvidoso do parágrafo único do art. 13, que fez referência a não punibilidade do agente, para somente depois referir-se a inexigibilidade de conduta diversa, entende-se que a referida hipótese trata-se de exclusão da culpabilidade, e não de causa extintiva da punibilidade.

No presente capítulo, procurou-se delimitar parâmetros para a análise da responsabilidade criminal do agente infiltrado. Verificamos que a criação da Lei 12.850/2013 trouxe grandes inovações legislativas a respeito do crime organizado.

Ocorre que o legislador foi muito restrito quando tratou acerca da limitação do agente à prática de crimes no curso da investigação. A legislação razoavelmente nova abriu espaço a diversas interpretações doutrinárias sem, contudo, limitar a sua aplicabilidade.

Em pesquisa jurisprudencial, verificou-se falta de decisões que tratam a respeito do tema, posto isso, o presente trabalho buscou confrontar as doutrinas existentes.

Por fim, perante a análise do problema exposto – A responsabilidade criminal do agente policial infiltrado em organizações criminosas – comprovou-se através dos dispositivos legais e doutrinários expostos que a infiltração de agentes é uma prática que deve ser utilizada somente em casos de extrema necessidade, ressaltando-se que a medida investigatória é extremamente gravosa e de grande periculosidade ao agente infiltrado, devendo ser aplicada somente quando não houver outros meios necessários à obtenção de provas.

Ademais, a medida deve se dar em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade de forma que, no processo, sejam analisados se a infiltração se deu em conformidade com os limites impostos pela determinação judicial que a autorizou.

No que se refere aos atos praticados, através deste estudo, pôde-se concluir que, à medida que as ações dos agentes policiais infiltrados vierem a violar os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, é dever do Estado intervir, responsabilizando-o, conforme preceitua o art. 13 da Lei 12.850/2013.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente problemática visou explicar acerca do instituto infiltração policial em organizações criminosas, mais especificamente quanto a possibilidade de responsabilização do agente policial infiltrado que vier a praticar ilícitos penais.

Sabe-se que o crime organizado é atividade que vem sendo praticada desde os primórdios, tomando proporções cada vez maiores no cenário mundial. As atividades do crime organizado vêm se estruturando e aprimorando-se de acordo com o desenvolvimento da sociedade.

Esse fenômeno surgiu através da prática de atividades por um grupo indeterminado de pessoas que se organizam para a prática de um determinado fim, qualificando gradativamente seu modus operandi, de forma que o Estado tornou-se impotente na criação de ferramentas capazes de combater a criminalidade.

Importante destacar que o crime organizado não recai sobre um tipo especifico de ação, pois suas práticas se materializam das mais diversas formas, como por exemplo no terrorismo, na política, no tráfico de drogas, na economia, dentre outras atividades, que vem sofrendo variações de acordo com a realidade do local onde são desenvolvidas. Portanto, além de ser um crime com alto grau de complexidade, ele é um delito mutável, podendo ser configurado das mais diversas formas, tornando cada vez mais difícil a sua coibição.

Ademais, maior que a preocupação com a sua estruturação, é a preocupação com os efeitos provocados pela prática de crimes pelas organizações. A criminalidade organizada, além de confrontar o Estado Democrático de Direito, acaba afetando o cotidiano das sociedades, gerando um ânimo de insegurança e medo para a população.

Deste modo, a fim de se fazer cessar a evolução da criminalidade organizada, fez-se necessário a utilização de novos meios para desconstituí-las.

Nesse sentido, visando coibir a propagação desse crime, o legislador pátrio brasileiro promulgou a Lei 12.850 de 2 de agosto de 2013, que definiu organização criminosa e dispondo sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.

Esta lei não se tratou de uma inovação no ordenamento jurídico, posto que antes dela, já existiam algumas leis que tentaram, frustradamente, tratar acerca de organizações criminosas.

Tratou-se acerca de alguns aspectos históricos e conceituais que são de suma importância para a compreensão do instituto da organização criminosa. Sendo feito um apanhado de considerações apontando a origem da criminalidade organizada e da forma como ela era estruturada. Seguindo a linha histórica do tema, concluiu-se que a sua primeira grande vultuosidade no cenário brasileiro se remonta à época do Cangaço.

Analisou-se a dificuldade legislativa brasileira em conceituar as organizações criminosas, sendo feito um estudo das legislações que tratavam acerca da matéria.

Tendo sido definido o conceito de organização criminosa pela Lei 12.850/2013, passou-se à análise da infiltração do agente policial como meio possível de investigação e obtenção de provas.

Assim, verificou-se que caso o agente infiltrado vier a cometer algum delito, deve se observar, num primeiro momento, se a sua conduta caracterizou-se em fato típico, ilícito e culpável.

Assim, perante a análise da problemática do presente estudo, pode-se concluir que é cabível a hipótese de responsabilização do agente, visto que restou comprovado pelos dispositivos legais que agindo em excesso deverá ser responsabilizado criminalmente. Desde que observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, por estar acobertada pela excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa.

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¹Acadêmico de Direito. E-mail: osmario.web@gmail.com. Artigo apresentado a UNISAPIENS, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho, 2024.
²Andrea Alves de Almeida Prof. Orientadora Doutora em Ciências Jurídicas DINTER entre FCR e UNIVALE.
Mestre em Direito Ambiental pela UNIVEM/SP. Especialista em Direito Militar pela Verbo Jurídico-RJ. Professora do curso de Direito. E-mail: almeidatemis.adv@gmail.com.