ORÇAMENTO PARTICIPATIVO COMO INSTRUMENTO DE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

PARTICIPATORY BUDGETING AS AN INSTRUMENT OF PARTICIPATORY DEMOCRACY

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10215165


Giovanna Martins Braz1
Natalia Azevedo de Oliveira Machado2
Carlos Augusto Lima Vaz da Silva3


Resumo: Este estudo investiga o papel do Orçamento Participativo como instrumento de democracia participativa e emancipação social no contexto brasileiro, sendo este o seu objetivo geral. Como objetivos específicos busca-se: analisar a insuficiência da democracia representativa; investigar como o Orçamento Participativo complementa ou desafia a democracia representativa e explorar a relação entre esse tipo de orçamento e a luta por reconhecimento. A metodologia adotada nesta pesquisa segue uma abordagem descritiva, utilizando-se de pesquisa bibliográfica – revisão da literatura para o levantamento de informações. Os resultados apontam para impactos positivos, como aumento da conscientização cívica, mas também destacam desafios, como a representatividade. A conclusão destaca a importância do Orçamento Participativo na promoção da participação ativa, enfatizando a necessidade contínua de refinamento para maximizar sua eficácia na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.

Palavras-chave: Orçamento Participativo; Democracia Participativa; Emancipação Social; Participação Cidadã.

Abstract: This study investigates the role of the Participatory Budget as an instrument of participatory democracy and social emancipation in the Brazilian context, which is its general objective. The specific objectives are to: analyze the insufficiency of representative democracy; investigate how the Participatory Budget complements or challenges representative democracy and explore the relationship between this type of budget and the struggle for recognition. The methodology adopted in this research follows a descriptive approach, using bibliographic research – literature review to collect information. The results point to positive impacts, such as increased civic awareness, but also highlight challenges, such as representation. The conclusion highlights the importance of the Participatory Budget in promoting active participation, emphasizing the continuous need for refinement to maximize its effectiveness in building a fairer and more inclusive society.

Keywords: Participatory budgeting; Participatory Democracy; Social Emancipation; Citizen Participation.

1. INTRODUÇÃO

O planejamento das ações estatais é uma diretriz a ser seguida pelo Estado brasileiro. Dentre os inúmeros meios de concretização desse planejamento, os instrumentos orçamentários se apresentam como mecanismos que permitem, em tese, uma composição entre os anseios populares e a vontade estatal.

Isso decorre do procedimento de sua realização, uma vez que compreende a oitiva dos representantes da população, mediante o trâmite do processo legislativo, e posterior concretização pelo Poder Executivo das prioridades estabelecidas nestes instrumentos legislativos orçamentários.

Toda essa construção, contudo, baseia-se em um sistema erigido em torno da democracia representativa. Trata-se de regime político pelo qual o exercício do poder é exercido pelo cidadão de modo indireto, mediante representantes, com mandato para atuar em seu nome, tendo, portanto, legitimidade decorrente da soberania popular.

A problemática que norteia esta pesquisa se concentra na insuficiência da democracia representativa no cenário político brasileiro e em como essa deficiência impacta diretamente a efetividade das decisões políticas. A interrogação fundamental que guia este estudo é: de que maneira o Orçamento Participativo pode oferecer soluções para atenuar as limitações inerentes à democracia representativa?

A justificativa para esta investigação reside na evidente necessidade de compreender os desafios enfrentados pela democracia representativa no Brasil, caracterizados pela falta de representatividade, polarização política e uma crescente desconfiança da população em relação às instituições políticas. Nesse contexto, o Orçamento Participativo surge como uma alternativa promissora, uma ferramenta capaz de proporcionar uma participação mais direta e inclusiva dos cidadãos nas decisões políticas.

O objetivo geral é analisar sua evolução histórica, eficácia e potencial de impacto. Os objetivos específicos incluem Analisar a Insuficiência da Democracia Representativa, investigar como o Orçamento Participativo complementa ou desafia a democracia representativa, Analisar como o mito da lei influencia a efetividade das políticas públicas no contexto da sociedade moderna e Explorar a Relação entre Orçamento Participativo e a Luta por Reconhecimento.

Esse modelo de democracia é característico do ocidente e se caracteriza pela forma de democracia eleitoral e plebiscitária, isto é, as consultas à população ocorrem somente a cada quatro anos. No entanto, isso permite que os representantes, após eleitos, possam agir de forma isolada aos anseios populares, até o pleito eleitoral seguinte. Trata-se de uma crítica comum à democracia representativa.

Assim, observa-se que o problema surge frente à insuficiência da democracia representativa em apresentar ao debate os verdadeiros interesses populares, ou seja, tem-se uma limitação do modelo de democracia atual (representativa) em referência à participação popular. Uma saída viável pode ser apontada nos mecanismos de democracia participativa.

A democracia participativa é um modelo pelo qual o exercício do poder político se baseia no debate público entre cidadãos, promovendo iguais condições de participação. A legitimidade das decisões provém dos processos de discussão que se orientam pela inclusão e igualdade participativa.

Nesse sentido, tal instrumental permite a possibilidade de intervenção direta dos cidadãos nos procedimentos de tomada de decisão e controle do exercício do poder. Ademais, o acesso aos representantes ocorre de modo permanente e não periodicamente através de eleições, a exemplo da democracia representativa.

Após a Constituição de 1988, surgiram no país experiências que buscaram promover uma maior participação popular no planejamento das ações estatais, as quais se dão de modo indireto pelo cidadão, uma vez que ocorrem por representação.

Essa maior participação popular nas decisões do planejamento estatal, especificamente, as decisões referentes à alocação de recursos, fora adotada pioneiramente no município de Porto Alegre, ainda no ano de 1989, tal prática recebeu o nome de Orçamento Participativo e se apresenta como iniciativa que utiliza os meios da democracia participativa (SANTOS, 2002, p. 458).

Como se vê, trata-se de mecanismo que permite aos cidadãos decidir sobre o orçamento público (orçamento de investimentos de prefeituras municipais), através de processos da participação da comunidade.

Este trabalho teve início com o interesse no tema “Orçamento Participativo como Instrumento de Democracia Participativa”. Assim, estabeleceu-se o problema de pesquisa através da seguinte indagação: o Orçamento Participativo representa um avanço quanto à participação popular, consubstanciando verdadeiro instrumento de democracia participativa e emancipação social?

Em busca de uma resposta a está questionamento, primeiramente, tem-se uma abordagem acerca da insuficiência da democracia representativa enquanto instrumento que proporcione uma verdadeira luta pelos anseios populares. O trabalho vale-se, nesse ponto, do pensamento de Ellen Wood, em especial, de suas reflexões sobre a democracia ateniense e a moderna (representativa).

Em um segundo momento, o presente trabalho contextualiza a luta de grupos atuantes no orçamento participativo, nesse ponto valendo-se da teoria do reconhecimento. Trata-se de abordagem importante, na medida em que o orçamento participativo permite a oitiva de parcela da população alijada do processo político.

Por fim, destaca-se a importância desse modelo de participação, em especial, por superar o método tradicional de planejamento das ações estatais (leis orçamentárias), bem como por superar, ainda que indiretamente o mito da lei. Haja vista que muitas leis não exprimem, de fato, os anseios populares.

2. METODOLOGIA

A metodologia adotada nesta pesquisa segue uma abordagem descritiva, utilizando-se de pesquisa bibliográfica – revisão da literatura –, fundamentada em livros e artigos, que discutem os contornos do Orçamento Participativo e das formas de participação democrática.

Como se sabe, a revisão de literatura permite a obtenção de informações sobre o que já foi produzido ou descoberto sobre a questão de pesquisa, inclusive, eventual solução ao problema, ainda que de forma tangencial. Assim, se os achados anteriores encontram-se no senso comum, o estudo científico busca aperfeiçoar as descobertas, tornando-as confiáveis mediante testes que possam comprovar sua eficiência (SIMÕES, 2014, p. 90)

Como destaca Darcília Simões (2014, p. 90), a revisão de literatura constitui a fundamentação teórica adotada para discussão do tema e do problema de pesquisa. Essa análise da literatura preexistente possibilita a organização de um quadro teórico, bem como o mapeamento conceitual que dá sustentação ao desenvolvimento da pesquisa.

3. BREVE HISTÓRICO

Segundo Fedozzi e Martins (2015), o Orçamento Participativo, enquanto instrumento de democracia participativa e emancipação social, tem suas raízes em um processo histórico que reflete a busca por formas mais inclusivas de governança, tendo como objetivo a superação das desigualdades sociais através da participação ativa dos cidadãos na definição das prioridades orçamentárias.

O sucesso da experiência inicial, ocorrida em Porto Alegre (1989), inspirou outras cidades brasileiras a adotarem o modelo, expandindo-se para diferentes localidades e níveis governamentais. A proposta de envolver os cidadãos na alocação de recursos públicos tornou-se uma pauta relevante em todo o país.

Ao longo das décadas, o Orçamento Participativo enfrentou desafios, incluindo questões de representatividade e alcance. No entanto, essas adversidades impulsionaram a busca por aperfeiçoamentos, resultando na criação de mecanismos para ampliar a participação e garantir a inclusão de diferentes grupos sociais. (SIQUEIRA; MARZULO, 2020).

Na atualidade, o Orçamento Participativo continua sendo uma ferramenta relevante, mas enfrenta novos desafios, como a necessidade de incorporar tecnologias para ampliar a participação no ambiente virtual. A busca por emancipação social e democracia participativa permanece como um impulso constante para a prática, que evolui como expressão tangível da busca por uma democracia que vai além da representação formal, capacitando os cidadãos a influenciarem diretamente as decisões orçamentárias que afetam suas comunidades (ANJOS; VIEIRA; ABRANTES, 2017).

4. A INSUFICIÊNCIA DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

 A democracia representativa não se apresenta sob a forma de uma democracia plena, haja vista o esvaziamento de seu conteúdo social. Um breve resgate histórico, nos mostra que a democracia ateniense possui forte ligação com a noção de cidadania, sendo este um importante elemento constitutivo dessa democracia antiga (MUSTAFÁ FILHO, 2019).

É bem verdade que a cidadania ativa, naquele modelo era reservada a homens proprietários, sendo excluídos não apenas as mulheres, mas também aqueles homens que “não tivessem com que viver por si só, ou seja, aqueles cuja sobrevivência dependesse do trabalho prestado a outros” (WOOD, 2003, p. 179). Ademais, essa concepção apresentava em seu núcleo uma divisão entre proprietários e trabalhadores. Não obstante, essa experiência histórica conferiu status civil às classes subordinadas, através da figura do cidadão-camponês.

A experiência posterior, decorrente de uma nova forma de democracia, denominada democracia formal, faz surgir uma cidadania também formal. Como assevera Wood (2003, p. 184), trata-se de democracia que permite a igualdade política em coexistência com a desigualdade socioeconômica.

A ideia central e essencial da democracia moderna reside no seu caráter representativo. Essa representação, em muitas oportunidades é justificada em grande parte pela impossibilidade de implantação de um sistema direto de democracia, porém, vem a distanciar o povo da atividade política. Por isso, afirma Wood (2003, p. 188) que “a democracia representativa (…) é a democracia civilizada com um toque de oligarquia”.

Na democracia representativa tem-se “não o exercício do poder político, mas renúncia a este poder, sua transferência a outros, sua alienação” (Wood, 2003, p. 187). Não que o elemento da alienação fosse estranho à concepção grega de democracia, mas não fazia parte da essência de sua constituição democrática. Com isso, visualiza-se que a democracia concebida nos moldes atenienses é incompatível com o modelo democrático inserido na modernidade, notadamente, formal e excludente, dada sua natureza representativa.

5. ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

As características do orçamento participativo enquanto instrumento de democracia participativa, podem ser delineadas a partir do pensamento de Boaventura de Sousa Santos (2002, p. 66).

Sabe-se que decorrer do século XX, a democracia assumiu um lugar central nas discussões relativas ao campo político. Ao fim da segunda guerra, a forma hegemônica deste modelo político se apresentava mediante um procedimento eleitoral que visava à formação de governos (WOOD, 2003). É no seio desse debate que surgem modelos alternativos ao modelo democrático liberal, como a democracia participativa (SANTOS, 2002, p. 40-41).

E como afirma Boaventura de Sousa Santos (2002, p. 541), a democracia representativa não existe sem a democracia participativa, ou seja, uma não existe sem a outra. Com isso, entre tais modelos, se apresentam duas formas de combinação: coexistência e complementariedade. O orçamento participativo articula participação e representação e se relaciona à tese do fortalecimento da articulação contra hegemônica entre o local e o global.

Essas esferas se intercomunicam, fazendo com que o local seja cada vez mais o outro lado do global e o global, cada vez mais outro lado do local (SANTOS, 2002, p. 17). Aqueles que, tal como Boaventura de Sousa Santos (2002), defendem uma democracia participativa, baseiam-se na ocorrência de um esvaziamento do modelo instituído pela democracia representativa. Tal esvaziamento se caracteriza por uma redução do aspecto democrático à ideia de sufrágio, sendo desprovido de qualquer participação efetiva da sociedade civil.

Nesse sentido, os defensores da democracia participativa sustentam a existência de instrumentos que permitam uma maior participação da sociedade civil nos atos praticados pelo Estado. O orçamento participativo representa um bom exemplo dessa prática. Isso porque, a participação popular em um Estado de Direito se dá mediante uma participação democrática.

Ao orçamento participativo, Boaventura de Sousa Santos (2002, p. 467) apresenta três características principais: (1) Participação aberta a todos os cidadãos, sem nenhum status a qualquer organização; (2) Combinação da democracia direta e representativa; (3) Alocação de recursos para investimentos baseada na combinação de critérios gerais e critérios técnicos, compatibilidade das decisões populares com a ação governamental.

O que se tem através do Orçamento Participativo é uma articulação entre democracia participativa e representativa.

Nesse sentido, a democracia participativa representa uma superação do modelo hegemônico de democracia presente na segunda metade do século XX. Assim, a institucionalização de um modelo de Orçamento Participativo, conforme as diretrizes apresentadas, representa a implementação de um modelo de democracia participativa.

6. O PLANEJAMENTO ESTATAL VIA ORÇAMENTO PÚBLICO

Segundo Prado (2015), o planejamento das ações estatais é uma diretriz a ser seguida pelo Estado brasileiro, em conformidade com o art. 174 da CF/88. Dentre os inúmeros meios de concretização desse planejamento, os instrumentos orçamentários se apresentam como mecanismos que permitem, em tese, uma composição entre os anseios populares e a vontade estatal.

De acordo Karpinski et al., (2016), isso decorre do procedimento de sua realização, uma vez que compreende a oitiva dos representantes da população, mediante o trâmite do processo legislativo, e posterior concretização pelo Poder Executivo das prioridades estabelecidas nestes instrumentos legislativos orçamentários.

Os instrumentos legislativos orçamentários compreendem a LOA – Lei Orçamentária Anual (art. 165, III, CF), a LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 165, II, CF) e o PPA – Plano Plurianual (art. 165, I, CF). Esse mecanismo de planejamento ocorre em todos os níveis da federação, independentemente do ente estatal, se nacional (União) ou subnacional (Estados, DF e Municípios).

A Lei Orçamentária Anual (LOA) é o instrumento que estima as receitas/despesas do governo e concretiza os objetivos e metas propostas no Plano Plurianual (PPA), segundo os parâmetros estabelecidos pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), por sua vez, tem como principal finalidade orientar a elaboração dos orçamentos fiscais, da seguridade social e de investimento do Poder Público, todos estes, presentes na LOA. Como se vê, torna-se o elo entre o instrumento orçamentário de curto prazo, a LOA e o de médio prazo, o PPA.

Já o Plano Plurianual (PPA) é um plano de médio prazo, que estabelece as diretrizes, objetivos e metas a serem seguidos pelo governo ao longo de um período de quatro anos. É aprovado por lei quadrienal, sujeita a prazos e ritos diferenciados de tramitação do primeiro ano do mandato subsequente.

Toda essa construção, contudo, baseia-se em um sistema erigido em torno do processo legislativo e tem como pressuposto a democracia representativa. As críticas à democracia representativa e sua insuficiência em apresentar de forma legítima a vontade popular já foram apresentadas.

No entanto, ao fim do período iluminista, Savigny reavivou a ideia de que o fundamento da lei não se encontrava em uma vontade soberana, mas no costume como consciência comum do povo (FITZPATRICK, 2005, p. 93).

Desse modo, tais povos eram tipificados pela falta – de lei, governo, agricultura e outras instituições. Com isso eram considerados exemplos do estado genérico de selvageria (FITZPATRICK, 2005, p. 104-105). O que se enfatiza junto a essa ausência de lei é a inexistência de um governo, nos padrões modernos europeus (FITZPATRICK, 2005, p. 109-110).

Assim, a mediação mítica da nação, torna palpável a pretensão da lei de um governo universal, objetivo e impessoal. “A lei nacional é um dos componentes-chave do nacionalismo unificador. (…) Mas, à primeira vista, essa propensão universalizante da lei parece estar confinada aos limites da nação” (FITZPATRICK, 2005, p. 153).

A lei moderna se concilia com a ordem, a partir do momento em que se considera a lei, tão somente, como “lei positiva”, ou seja, aquela emanada de uma autoridade política soberana. Nos dizeres de Fitzpatrick (2005, p. 183-184), isso gerou um processo de purificação, pois ela emana de uma determinada sociedade política.

7. ORÇAMENTO PARTICIPATIVO E A LUTA POR RECONHECIMENTO

O Orçamento Participativo transcende a sua função como mero instrumento de distribuição de recursos, inserindo-se em um contexto mais amplo que abraça a luta por reconhecimento, conforme proposto por Axel Honneth. Essa luta não se limita à busca por aportes financeiros, sendo ampla de tal forma a compreender a busca por respeito, valorização e inclusão social (DUTRA, 2018).

Dessa forma, a prática vai além de um mecanismo de alocação de recursos, transformando-se em uma manifestação da luta por reconhecimento das diversas vozes e identidades presentes em uma comunidade. Ao participar ativamente nas decisões orçamentárias, grupos historicamente marginalizados encontram no Orçamento Participativo um instrumento para expressar suas necessidades e demandas conforme a sua realidade (FEDOZZI; MARTINS, 2015).

A participação no Orçamento Participativo não apenas atende às necessidades materiais, mas também contribui para o fortalecimento desses grupos e a consolidação da autoestima e sensação de pertencimento. Nesse processo, o diálogo direto com as autoridades públicas promove uma cultura de respeito mútuo, evidenciando a validade das diferentes experiências e visões de mundo.

Ademais, esse Orçamento permite a desconstrução de estigmas que frequentemente recaem sobre grupos fragilizados. Ao oferecer uma oportunidade de expressão, contribui para que a sociedade compreenda e reconheça as necessidades específicas desses grupos, promovendo uma maior compreensão e aceitação (AZEVEDO et al., 2022).

Segundo Peres (2020), a implementação do Orçamento Participativo não se limita a reconhecer as necessidades das comunidades, mas também legitima a importância de sua participação ativa na tomada de decisões. Esse reconhecimento institucional é crucial na luta por uma inclusão mais substantiva e na garantia de que as políticas públicas atendam verdadeiramente às demandas diversas da sociedade.

Dessa forma, o Orçamento Participativo assume um papel crucial na luta por reconhecimento, contribuindo para uma democracia mais inclusiva e respeitosa, onde a participação ativa na esfera pública não apenas representa uma busca por recursos, mas também reconhecimento e dignidade (SAMPAIO, 2016).

A interligação entre cidadania e democracia é essencial para a compreensão profunda dos sistemas políticos em diversas sociedades. A cidadania, entendida como o conjunto de direitos e deveres atribuídos a um indivíduo em relação ao Estado, está intrinsicamente conectada ao conceito de democracia, um sistema político onde o poder é derivado do povo (SOUZA, 2021).

Por sua vez, a democracia busca assegurar a participação efetiva dos cidadãos nas decisões que moldam a sociedade. Este sistema político visa garantir a igualdade, liberdade e engajamento ativo dos cidadãos na construção das políticas públicas.

A interconexão entre cidadania e democracia se manifesta em várias dimensões. A participação ativa dos cidadãos na vida política, seja por meio de eleições ou outras formas de envolvimento, é uma característica crucial da democracia. Direitos civis e políticos, como liberdade de expressão e direito ao voto, estão intrinsecamente ligados à cidadania e são fundamentais para o funcionamento democrático (AZEVEDO et al., 2022).

Além disso, a inclusão e igualdade são princípios democráticos que buscam garantir que a cidadania não seja restrita a grupos específicos. A busca pela igualdade de direitos é uma aspiração democrática que promove a inclusão de todos os cidadãos, independentemente de suas características individuais.

Responsabilidade e transparência são elementos essenciais para garantir que os detentores do poder político sejam responsáveis perante os cidadãos (accountability). Esses elementos são vitais para assegurar que as decisões políticas estejam alinhadas com os interesses da sociedade e que haja confiança nas instituições democráticas.

A discussão sobre cidadania e democracia é crucial para compreender os valores e princípios fundamentais que norteiam as sociedades modernas. A busca por uma cidadania plena e o fortalecimento dos sistemas democráticos estão entrelaçados, visando estabelecer sociedades mais justas, participativas e inclusivas (FEDOZZI; MARTINS, 2015).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, a análise aprofundada neste artigo sobre o tema “Orçamento Participativo como Instrumento de Democracia Participativa” proporcionou uma compreensão abrangente das dinâmicas políticas e sociais no contexto brasileiro.

O exame de experiências anteriores e sua disseminação, em conjunto com os desafios atuais, pode-se perceber a relevância desse instrumento na promoção da participação cidadã na tomada de decisões orçamentárias. A discussão sobre a insuficiência da democracia representativa permitiu uma reflexão sobre os limites desse modelo, destacando suas deficiências.

Quanto à indagação inicial pode-se afirmar que o Orçamento Participativo representa um avanço quanto à participação popular, se apresentando como verdadeiro instrumento de democracia participativa. Assim, o Orçamento Participativo emerge como uma alternativa que busca de superar as limitações da democracia representativa, promovendo uma participação mais direta e inclusiva.

O exame do planejamento estatal via orçamento público, aprofundou a compreensão das complexidades do sistema político brasileiro. Isso porque, a mera criação de leis não garante automaticamente sua eficácia, juntamente com a luta por reconhecimento como um impulso para a inclusão social, ressaltou a necessidade de abordagens flexíveis e adaptativas diante das demandas em constante evolução da sociedade.

Dessa forma, a conclusão deste artigo destaca a importância de repensar as práticas governamentais, considerando o papel do Orçamento Participativo como uma ferramenta que pode potencializar a democracia participativa e contribuir para a emancipação social. O desafio futuro consiste na implementação efetiva de políticas que integrem de maneira coesa esses elementos, buscando construir uma sociedade mais justa, inclusiva e participativa, bem como ampliem os espaços de participação, notadamente em ambientes virtuais.

REFERÊNCIAS

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1Graduanda em Direito – Centro Universitário de Caratinga (UNEC) – Campus Nanuque
2Graduanda em Direito – Centro Universitário de Caratinga (UNEC) – Campus Nanuque
3Mestre em Direito e Inovação (UFJF), professor do curso de Direito – Centro Universitário de Caratinga (UNEC) – Campus Nanuque