OBRA LITERÁRIA “O CHURRASCO DA BANANA” EM VIDEOSINALIZADO: UM ESTUDO DA RECEPÇÃO POR CRIANÇAS SURDAS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202506111924


Morgana Katarine Benevides Neves1
Shirley Barbosa das Neves2


Resumo 

Os estudos literários sobre a estética da recepção buscam compreender, no processo de formação do  leitor, a ação deste na relação com o texto literário e o seu efeito estético. No campo da educação bilíngue  para surdos, busca-se ações institucionais e sistematizadas que promovam a literatura e as possibilidades  de construção de repertório de leitura literária videossinalizada, agregando a arte na vida das crianças  surdas, considerando como os significados de um texto literário são recebidos. Com base nesse contexto,  o presente artigo, recorte da pesquisa de mestrado da primeira autora, realizada com crianças surdas  estudantes do 1º e 2º ano do Ensino Fundamental I, de uma escola bilíngue para surdos, na zona urbana  do município de Campina Grande/PB, visa apresentar o trabalho realizado com a leitura do conto  videossinalizado “O churrasco da banana” (Teles,2020), que teve como objetivo analisar a recepção  das crianças surdas ao conto. A teoria da Estética da Recepção formulada por Jauss (1967/1997) e o  método recepcional de Bordini & Aguiar (1988) fundamentam teórica e metodologicamente o  trabalho. A pesquisa também dialoga com a teoria de formação do leitor para refletirmos sobre o  fortalecimento do protagonismo da criança surda na leitura da literatura em língua de sinais, destacando  o papel das experiências literárias na vida do sujeito e o prazer da leitura (Colomer, 2003; Silva, 1981;  Araújo, 2020; entre outros). No que se refere à compreensão da estética da obra sinalizada, nós  ancoramos nos estudos de Sutton-Spence (2021), Sutton-Spence e Kaneko (2016), Quadros (2004) e  outros. Espera-se com os resultados ampliar a compreensão sobre a recepção de obra literária sinalizada  na escola bilíngue para surdos, aspecto a ser assegurado por essa modalidade educacional que tem como  objetivo maior da vivência na escola com a Libras a formação de leitores surdos. 

Palavras-chave: Estética da recepção; literatura em Libras; leitura literária; formação de leitores surdos. 

1. INTRODUÇÃO 

São vários os estudos que apontam a importância da experiência de leitura literária para  a formação do indivíduo leitor, uma vez que o prazer pela leitura3pode, sim, ser ensinado e despertado nas aulas de literatura pelo acesso à obra literária. Desse modo, acesso e repertório a  textos literários configuram-se como essenciais para a formação do leitor.  

Movimentos de incentivo à leitura utilizando obras literárias para recepção e  interpretação de um texto significativo em Libras precisam fazer parte do cotidiano das crianças  surdas nas escolas, uma vez que a “compreensão e resposta leitora […] a necessidade de um  contexto educativo de construção compartilhada, na interpretação do texto” (Colomer, 2003, p.  129) envolvem a busca pela ampliação da compreensão por meio da formação da leitura em  toda a cultura e na vida do leitor, sempre com prazer.  

Ao abordar a literatura, inclusive sinalizada, refletimos sobre a importância da estética  de uma obra literária e sobre os leitores surdos, parte de uma comunidade linguística e cultural  que nasce com a experiência visual como intrínseca à sua constituição. Desse modo, através da  leitura de vídeo sinalizado em Libras acontece o desenvolvimento do leitor, pois “os surdos  passaram a ter garantias de acesso a ela enquanto direito linguístico” (Quadros, 2004, p.13),  haja a língua de sinais ser o mais importante símbolo da identidade cultural das pessoas surdas.  

A partir dessa contextualização de nossa visão sobre a literatura e a necessidade de  acesso a ela pelas crianças surdas dentro das escolas, apresentamos nosso objetivo geral para  esse artigo que foi analisar a recepção da estética da obra literária sinalizada por crianças surdas  estudantes dos 1º e 2º anos do ensino fundamental I de uma escola bilíngue para surdos da  cidade de Campina Grande-PB. 

O recorte que aqui colocado se justifica pela necessidade de compreendermos da relevância  que os textos literários trazem em si no processo de construção da sociedade e,  consequentemente, dos sujeitos que a constituem, inclusive os surdos. Somos conscientes que  para a construção de uma educação bilíngue voltada para os surdos, é fundamental a presença  de textos literários em Libras, abrindo, assim, possibilidade para o desenvolvimento de  repertório em literatura sinalizada voltada às crianças surdas. 

Metodologicamente, para alcançar os objetivos de pesquisa, uma vez que o estudo  realizado se configura como uma pesquisa-ação, embasado no método recepcional (Bordini;  Aguiar, 1988), elaboramos como objetivo metodológico construir uma proposta para recepção do vídeo “O churrasco da banana” (Teles, 2020), a ser aplicada com crianças surdas dos 1º e 2º anos. 

2. A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO E A FORMAÇÃO DE LEITORES NO  VIDEOSINALIZADO  

Estudos apontam a importância da literatura na educação básica para a formação do  leitor. No caso das crianças surdas a estética da recepção (Jauss, 1994) e o método recepcional  (Bordini; Aguiar, 1988) podem ancorar o processo de aplicação de experiências leitoras que  observem e registrem as respostas dos alunos, considerando a estética literária da Libras na  construção de sua interpretação e compreensão da narrativa, fornecida de sentidos e significados  advindos da transformação do horizonte de expectativas das mesmas quanto mais tenho acesso  a textos literários na língua de sinais.  

Considerando o estudo da relação entre texto e leitor, Jauss (1967/1994), a partir de sete  teses sobre a recepção literária, propõe uma teoria que olha o texto literário na sociedade e na  história a partir da perspectiva dos leitores.  

A título de revisão dos conceitos, vejamos uma síntese de cada tese, considerando que  as três primeiras têm caráter de premissas. 

A primeira tese postula que a historicidade da literatura não reside em uma simples  conexão de fatos literários, mas na relação dialógica entre o leitor e a obra. Para Jauss (1994) o  contexto histórico no qual a obra surge não pode ser entendido apenas como uma sequência de  acontecimentos independentes do processo de recepção. Nessa perspectiva, considerando que  “vida e obra” revelam que a literatura se concretiza à medida que as leituras variam a cada  recepção, “a possibilidade de a obra se atualizar como resultado da leitura é o sintoma de que  está viva” (Zilberman, 1989, p. 33). Completa o teórico que “a obra literária não é um objeto  que exista por si só, oferecendo a cada observador em cada época um mesmo aspecto. Não se  trata de um monumento a revelar monologicamente seu Ser atemporal” (Jauss, 1994, p. 25). 

A segunda tese relata que as experiências dos leitores, ao serem despertadas por uma  obra literária, são decisivas para sua recepção e precisam se integrar para que ocorra a  comunicação que constitua a individualidade do leitor. Jauss (1994) argumenta que a obra que surge não se apresenta como novidade absoluta, pois dialoga com o leitor de forma a despertar lhe lembranças, dando indicações, sinais ou traços familiares do já vivido e, ao conduzi-lo a  determinada postura emocional, faz a antecipação de um horizonte geral de compreensão.

Assim, “a partir dos quais, para cada obra, uma disposição específica do público se deixa  averiguar, disposição está que antecede tanto a reação psíquica quanto a compreensão subjetiva  do leitor” (Jauss, 1994, p. 28), o seu conhecimento de mundo que se relaciona com as  convenções estético-ideológicas é o que o teórico chama de horizonte de expectativas, podemos  dizer que a obra, por meio dessas manifestações, desperta no leitor emoções, evocando o  horizonte de expectativas, que pode ser reproduzido, modificado ou rompido. Segundo Faria  (2010), assim, ocorre com a experiência literária, a experiência real, partindo do horizonte de  expectativas que considera as obras e determina as estruturas que o leitor entende como comuns,  antecipando, dessa forma, por meio do saber prévio ou biblioteca vivida, a obra a ser lida. 

A terceira tese relata que a constituição do horizonte de expectativas determina o caráter  artístico de uma obra. Apresenta-se aqui a teoria de distância estética, conceito desenvolvido  por Jauss (1994), definida como “equivalente ao intervalo entre a obra e o horizonte de  expectativas do público, que pode ser maior ou menor, mudar com o tempo, desaparecer. E  torna-se mensurável […]” (Zilberman, 1989, p. 35). Isso significa que o valor estético de uma  obra está relacionado à maior ou menor distância estética entre ela e o horizonte de expectativas  do leitor, pois “há obras que, no momento de sua publicação, não podem ser relacionadas a  nenhum público específico, mas rompem tão completamente o horizonte conhecido de  expectativas literárias que seu público somente começa a formar-se aos poucos” (Jauss, 1994,  p. 32-33).  

Na quarta tese proposta por Jauss, as relações do texto com a época de seu aparecimento compõem as possibilidades de recepção daquela obra naquele período. Aqui, o teórico mostra  como cada momento histórico fomenta as interpretações de uma obra e como estas variam ao  longo do tempo, e de período para período, permitindo entender a razão de sua importância  histórica ou o motivo pelo descaso na época de sua publicação. Segundo Zilberman (1989)  destaca, a reconstituição do horizonte de expectativas de uma obra, é capaz de fornecer  informações sobre a relação que a obra teve com o público e, desse modo, é possível recuperar  a sua historicidade. 

Isso significa que é necessário levar em consideração a experiência estética e os efeitos  proporcionados pela obra ao longo das épocas e contextos literários através dos quais sua  historicidade é marcada, considerando que o horizonte de expectativas constitui à vivência da  dinâmica de uma obra literária por parte de seus leitores.  

Farias (2010) destaca que para Jauss é preferível determinar juízos estéticos a partir da  atualização da recepção da obra, essa atividade deve ocorrer de forma controlada por meio da fusão dos horizontes passados e presentes. Percebe-se, portanto, que a historiografia sempre  leva em conta o horizonte presente de seus leitores e a relação que estes mantêm com a obra. A quinta tese relata que o aspecto diacrônico trata da recepção das obras ao longo do  tempo e seus diferentes estados no percurso histórico. Nesta tese, Jauss (1967/1994) destaca que a teoria da estética da recepção “demanda também que se insira a obra isolada em sua “série  literária”, a fim de que se conheça sua posição e significado histórico no contexto da experiência  da literatura.” (p. 41). Importância dessa tese está ancorada na compreensão de que ela permite olhar para uma obra apreendendo o seu significado e forma no desdobramento histórico, a partir  de sua interpretação ao longo do tempo, considerando seu aspecto diacrônico. Segundo Anzolin (2018), uma reflexão sobre esse ponto de Zilberman (1989), que a importância de uma obra pode crescer ou diminuir no tempo, pois sua percepção pode até  mesmo se renovar no nosso tempo presente como é o caso, por exemplo, da arte barroca. Ainda  sobre a diacronia, o novo na literatura não é apenas uma categoria estética, mas também uma  categoria histórica (Zilberman, 1989; Anzolin, 2018).  

A sexta tese tem o aspecto sincrônico colocado em um amplo sistema de relações na  literatura de um determinado momento histórico (Jauss, 1967/1994). Ao fazer um corte sincrônico, além de poder se verificar a multiplicidade de obras segundo estruturas  equivalentes, opostas e hierárquicas, a sua articulação histórica permite que se compreenda as  mudanças estruturais na literatura. 

A partir deste conceito, o corte sincrônico, Jauss (1967/1994) coloca que o enfoque  histórico pareceu mais adequado considerando que 

cada sistema sincrônico tem de conter também seu passado e seu futuro, na condição de elementos estruturais inseparáveis, o corte sincrônico que passa pela produção literária de determinado momento histórico implica  necessariamente outros cortes no antes e no depois da diacronia (Jauss, 1994, p. 48) 

Zilberman (1989) interpreta essa parte da teoria afirmando que os pontos de intersecção  entre diacronia e sincronia para definir quais obras têm caráter articulador e, assim, precisar um  processo de evolução literária. Sob os pontos de intersecção, o teórico julga ser possível  determinar o horizonte literário de um dado momento histórico no qual a literatura estabelece  relações e foi recebida,

A sétima tese, para Jauss (1967/1994), significa que a relação entre literatura e vida prática evidencia-se na função social e formativa desempenhada pela literatura no leitor. Nesse  sentido, Jauss destaca que a função social da literatura somente “se manifesta na plenitude de  suas possibilidades quando a experiência literária do leitor adentra o horizonte de expectativa de sua vida prática, pré-formando seu entendimento do mundo, e, assim, retroagindo sobre seu  comportamento social” (Jauss, 1994, p. 50). Considerando que o caráter leitura da experiência  estética proporciona “novas formas do leitor compreender o mundo e, tal aspecto repercute em  seu modo de viver a vida” (Anzolin, 2018, p.44). Deve-se notar também que: 

O horizonte de expectativa da literatura distingue-se daquele da práxis  histórica pelo fato de não apenas conservar as experiências vividas, mas também antecipar possibilidades não concretizadas, expandir o espaço limitado do comportamento social rumo a novos desejos, pretensões e  objetivos, abrindo, assim, novos caminhos para a experiência futura. (JAUSS, 1994, p. 52) 

Esta independência é entendida como “a finalidade e o efeito alcançado pela arte, que  libera o destinatário das percepções usuais e confere-lhe nova visão da realidade.” (Zilberman,  1989, p. 49), a possibilidade de os sujeitos se libertarem da experiência estética tem que  despertar novas perspectivas sobre o mundo na sua forma cotidiana de perceber as coisas.  

Assim, Jauss (1967/1994) destaca o horizonte de expectativas, trazendo-o para o campo  dos estudos literários no sentido de comprovar a contribuição da literatura na construção da  experiência e, por outro lado, balizar essa contribuição em relação ao comportamento social. Considerando que a ruptura do horizonte de expectativas revela-se o momento mais importante, leva o leitor a buscar soluções que, a princípio, podem ser repelidas pela sociedade, mas que  aos poucos passam a ser aceitas. 

Nesse sentido, a obra pode satisfazer o horizonte do leitor ou rompê-lo, conduzindo-o a  uma experiência estética significativa. O Segundo Jauss (1994) destaca, ainda que “a estética  da recepção, pelo fato de não exigir nenhuma mudança de horizonte, mas sim de simplesmente  atender a expectativa que delineiam uma tendência dominante do gosto, na medida em que  satisfaz a demanda pela reprodução do belo usual” (p.32).  

Assim, considerando que a relação texto-leitor tem como conceito essencial “a questão  de horizonte de expectativa”, conjunto de todas as convenções estético – ideológicas que  possibilitam a produção/ recepção de um texto” (Jaus apud Bordini; Aguiar, 1988, p.83),  acreditamos que a formação do leitor literário contribui para a teoria essencial do ensino e do  desenvolvimento da literatura infantil-juvenil, pois, segundo Colomer (2003), o destino da  leitura é estabelecido com base no perfil do leitor, pois a “recepção insistiu em que texto não é  único elemento do fenômeno literário, mas é também a reação do leitor e que, por conseguinte,  é preciso explicar o texto a partir desta reação” (p.95) para interpretar um texto de modo  significativo.

Segundo Colomer (2003), a compreensão dos fenômenos comunicativos e interessantes,  possibilita-nos compreender mais profundamente o que é preciso para “a concepção da  literatura como um fenômeno comunicativo” (p. 95). Essa visão nos conduz para entender  porque “[…] um texto é considerado literário e que chaves convencionais se requerem para  interpretar um texto neste sentido” (p.95). 

Vale destacar que a literatura é adequada para ser ensinada e despertada nas crianças  pelos efeitos no leitor dos aspectos estéticos da obra literária. Os resultados de estudos de textos  literários mostram quais são adequados para o sujeito leitor, considerando a possibilidade de  um repertório que proporcione prazer estético no processo de cada um. Assim, a consequência  do confronto do horizonte de expectativas do leitor com a obra literária abre uma chave para a  compreensão de fenômenos socioculturais como a literatura, dialogando com as experiências  que o texto literário cria no leitor quando este o significa. 

Nesse sentido, para os sujeitos leitores, a recepção dos textos literários estabelece possíveis “coerências significativas entre os signos e inclui tanto a modificação das expectativas  do leitor, como da informação armazenada em sua memória” (Colomer, 2003, p.96),  considerando que o leitor encontra caminhos para progredir em sua capacidade de recepção na  construção de conhecimentos e propriedades durante o processo de interpretação. No caso das  crianças surdas, o acesso a textos literários em Libras é imprescindível para a formação desse  leitor literário em sua primeira língua. 

Numa relação entre a obra literária é uma ação pedagógica de incentivo à leitura livre para interpretar um texto significativo, vemos que precisa ser considerada na “compreensão e  resposta leitora […] a necessidade de um contexto educativo de construção compartilhada, na  interpretação do texto” (Colomer, 2003, p. 129), considerando o que Silva (1981) diz que  “leitura é uma atividade essencial a qualquer área do conhecimento e mais essencial ainda à  própria vida do ser humano” (p. 42). Pela recepção e ação interpretativa os leitores identificam com novos valores e reflexões baseadas na compreensão das relações com o texto e oportunidade de um novo olhar sobre o mundo construído pela obra e a viagem pelo seu  imaginário. 

O significado do texto é uma construção negociada pelo leitor literário para garantir a interpretação da obra de acordo com “a complexidade da sua experiência de vida e da sua  experiência literária” (Colomer, 2003, p. 133). A valorização e provocação do leitor em relação  à “experiência refletida na obra e a sua própria é essencial, de tal maneira que a especificação da leitura estética” (Colomer, 2003, p. 133) do texto conduz ao estabelecimento de um significado  literário.

Em relação à leitura, recursos alternativos significativos podem se acomodar  amplamente por técnicas características da literatura, como a narrativa descritiva como uma  recurso para construção de imagens como se fossem produções visuais em vídeo. Por essa  estratégia, a escrita gera em leitores que possuem um conhecimento textual diversificado ativação de funções imaginativas, constituindo hábitos de recepção. Nesse contexto, “textos  incorporados chegam a produzir a sensação de se estar lendo um rosário de textos enlaçados  por uma construção narrativa” (Colomer, 2003, p. 319).  

Desse modo, a aproximação do leitor com a narrativa possibilita a “informação sobre os  pensamento e sentimentos dos personagens, privilegia a ação e se aproxima da recepção das  narrativas” (Colomer, 2003, p. 323). No fluxo da leitura, o repertório de significativos  elementos textuais da narração incorpora a contribuição para a aquisição dessas obras literárias  e produz um sentimento de recepção que “os leitores podem reconhecer e que se entender que  são adequadas para sua formação literária básica” (Colomer, 2003, p.342). 

Desta forma, a leitura, via formação de hábitos, proporciona recepção de obras literárias  e, em relação aos fenômenos culturais, atua como instrumento socializador das culturas. Como  diz Araújo (2020), 

O texto literário se torna um mediador entre o leitor e sua cultura, através de uma de suas funções: o despertar do imaginário humano. Assim, a literatura voltada para a criança torna-se um instrumento para compreensão de mundo, quando imersa em um contexto literário estimulante. (p 46) 

Assim, o reconhecimento de aspectos de si se coloca a serviço da transformação via  texto literário, a partir dos caminhos do “leitor concreto que diante do seu conhecimento do  mundo, sua cultura e emotividade possibilite um diálogo conduzido através da associação lite ratura e leitor” (Medeiros, 2017, p.18). Para “estimular um movimento literário” (Ormsby,  1995, p. 169, tradução nossa), considerado a formação dos “leitores surdos”, de sua recepção  literária através do despertar da imaginação da leitura e da compressão que foi construída por  um vídeossinalizado, é percebida a simbolização da cultura surda e sua experiência visual com  a recepção da literatura que, pela verossimilhança, materializa a vida dos surdos.  

A literatura em Libras como espaço social para recriar é viver cultura surda a partir da experiência visual, considerando as especificidades das estruturas linguísticas da língua de sinais, para  avançar no conhecimento literário e no procedimento de leitura (assistir) aplicada ao deleite,  fruição da beleza e prazer estético em um videosinalizado, será melhor significada quanto maior  for o repertório de leitura de signos-visuais a comunidade surda tenha.

Sobre a produção videossinalizada4, esta permite aos alunos surdos desenvolverem a  sua formação em leitura de obra literária sinalizada por meio da Libras, sua primeira língua  (L1), língua com especificidades linguísticas e culturais como estrutura gramatical, morfológica  e semântica que valoriza elementos textuais esteticamente formados para a recepção de todas  as percepções, interpretações e construções de significados apoiados na performance dos sinalizantes. Os performers sinalizantes vêm trabalhando para dar qualidade estética à produção  visualmente recepcionada, por exemplo, utilizando movimentos físicos, manuais e não manuais  nas suas produções literárias. 

Em relação às crianças surdas como sendo leitoras da literatura em língua de sinais,  estas têm na estética da Libras uma importante criadora de “uma literatura visual “de performance” e “do corpo”, que existe apenas quando uma pessoa a apresenta (Sutton-Spence, 2021,  p.42). O aprendizado para a leitura literária em língua de sinais é de que é quase impossível  separar o corpo do artista do texto da narrativa ou do poema” (Sutton-Spence, 2021, p.42).  

Assim, considerando que a comunicação em Libras é baseada na experiência visual e  que quando as crianças surdas leitoras, no momento da recepção literária adquirem a capacidade  de selecionar as informações para identificar blocos de significado no espaço visual, através do  corpo do artista, a recepção de histórias ocorrerá a partir de seu repertório linguístico e literário,  pois “sabemos que na Língua Brasileira de Sinais devemos considerar o ritmo, as configurações  das mãos, o espaço, a velocidade, as perspectivas múltiplas e simultâneas, a incorporação, o  uso de expressão facial e do corpo e os classificadores” (Sutton-Spence, 2021, p.226). 

Para a elaboração conceitual sobre a forma do vídeo sinalizado, a caracterização dos  personagens/incorporações, com seus aspectos de valor estético, está materializada nas  descrições da linguagem estética da Libras, elemento da própria cultura surda e aprimorado  como uma construção individual do sinalizante. A experiência estética da criança surda dialoga  com conhecimentos sobre a literatura vídeossinalizada nesta pesquisa baseamo-nos em Sutton Spence (2021); Sutton-Spence; Kaneko (2016); Candido (2000); Martins (2022); Mertzani  (2014); Neves (2022); Aguiar (2024).  

Assim, é importante saber, como colocado por Ferreira, Araújo e Porto (2024) que “o  texto já não é mais concebido de forma tradicional, tomando como referência as atuais  formas de conceber a linguagem verbal escrita ou falada” (p. 3). Isso significa que ao tratarmos de obras vídeossinalizadas estamos lidando com um texto que é multimodal, pois “a  multimodalidade é uma abordagem interdisciplinar que foca na comunicação e na representação  envolvendo elementos que perpassam uma língua” (Ferreira; Araújo; Porto, 2024). 

Deste modo, saber que as obras literárias vídeossinalizadas, como outros textos  multimodais, têm categorias que compõem características visuais de uma gramática do design  visual (GDV), como colocado por Ferreira, Araújo e Porto (2024) ao tratar de multimodalidade  e texto metavisual (TMV), permite vermos que as recorrências na estrutura e na identidade  visual de narrativas vídeossinalizadas em Libras são elementos dessa GDV5. Por isso, a  formação do leitor também passa pela construção de repertório das categorizações de uma obra  videossinalizada como modo de, pelo entendimento dos elementos constituidores desse tipo de  produção, significar, pela forma do vídeo sinalizado, o gênero literário, o modo de criação de  personagens e o perfil do leitor surdo para o qual o vídeo foi produzido. 

Consta no quadro 01 um recorte do referencial teórico que sustenta nossa perspectiva  para essa elaboração sobre a constituição de uma literatura sinalizada: 

Quadro 01 – Constituição de obra videossinalizada.

Fonte: Elaborado pela autora.

Estes argumentos teóricos resumem nosso olhar para o contexto fundamental da  formação do leitor por considerarmos que a leitura pode transformar seu horizonte de  expectativas (Bordini e Aguiar, 1988), quando lhe são proporcionadas experiências leitoras,  pois estas, resultam em recepções estéticas que derivadas da estrutura visual dos textos  videosinalizado.  

A obra literária videossinalizada colabora no desenvolvimento de repertórios de textos com significados que, tendo como principal característica a natureza visual da compreensão  para a pessoa surda, valoriza as experiências estéticas da Libras produzindo oportunidade de  compreensão literária prazerosa e agradável. 

Dessa forma, a forma do vídeo literário sinalizado e a formação do leitor literário surdo  se enquadram teoricamente para uma ruptura com o modelo de aula de literatura tradicional.  Nos propomos a trabalhar a leitura literária utilizando o método recepcional para a formação  do leitor baseando-nos no videosinalzado para, através da leitura do texto, identificar os  horizontes de expectativa da criança surda em contato com a narrativa sinalizada e seu modo  de recepcionar e interpretar esse texto.  

3. METODOLOGIA E MÉTODO RECEPCIONAL PARA  DETERMINAÇÃO DO HORIZONTE DE EXPECTATIVAS 

Esse é um recorte de uma pesquisa de base qualitativa que utiliza como referencial  teórico a pesquisa-ação (Gil, 2008) e o método recepcional (Bordini; Aguiar, 1988). Sobre a pesquisa-ação podemos dizer que é um tipo de metodologia de pesquisa, que  em sua definição “[…] é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a  resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos  da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”. (Gil, 2008,  p. 30 apud Thiollent, 1985/2011, p. 14). A “pesquisa- ação propõem a sua substituição pela  “relatividade observacional” (Thiollent, 1985, p. 98), considerando que os “seus instrumentos  desempenham papel ativo na coleta, análise e interpretação dos dados” (Gil, 2008, p.31). Assim, no sentido de estreita associação com uma ação investigativa, acompanhada de  um processo de observação, ação e análise, a pesquisa-ação nos coloca em ativo papel para as  ações relacionadas à problemática que mobiliza nossa intenção investigativa, conhecer a  recepção de um conto literário por crianças surdas dos 1º e 2º anos de uma escola bilíngue para  surdos na cidade de Campina Grande. Este trabalho está inserido no contexto da sala de aula  que, orientado para observação e análise dos alunos surdos e sua leitura do videosinalizado “O churrasco da banana” (Teles, 2020), nos permite observar e analisar a recepção ocorrida com o  grupo de crianças pesquisado, proporcionando atuação efetiva e transformação da situação  investigada (Anzolin, 2018) que envolve olhar para o contato com um texto literário.  O percurso investigativo seguiu o trabalho considerando que a gravação em vídeo dos  encontros nas aulas nos proporciona maior liberdade de sinalização, de expressão e  apreensão dos dados, pois, segundo Minayo (2007), devem ser utilizados instrumentos  adequados para registrar as falas; a garantia da fidedignidade é a gravação, pois ela permite à  pesquisadora construir uma série de possibilidades de informações sobre a realidade. Assim, os  trechos de gravação selecionados neste trabalho são excertos de comentários dos alunos surdos no diário de campo da pesquisadora. 

De acordo com Minayo (2014) o diário de campo “nada mais é do que um caderninho  de notas, em que o investigador, dia por dia, vai anotando o que observa” (p. 295). As interações  sobre “O churrasco da banana” foram anotadas de modo a estarem acessíveis para a análise dos  dados e constam nelas fatos ocorridos no contato das crianças com o conto, falas dos  participantes, comportamentos e reações destes consideramos relevantes para serem descritos  para análise dos dados. 

Para identificar os estudantes participantes da pesquisa, optamos por utilizar a ordem alfabética da chamada da turma substituindo os nomes originais por nomes fictícios com a  mesma letra. Assim, os estudantes que constam neste recorte foram denominados como Caio, Beto, João, Liz e Noah. Optamos também por preservar a expressão sinalizada de cada aluno  (a) e não realizamos nenhum tipo de tradução para a língua portuguesa de sua sinalização. A base teórico-metodológica para ação em sala de aula foi o método recepcional (Bordini; Aguiar, 1988), que em seus pressupostos considera cinco etapas como constituidoras  da aplicação do método, a saber: determinação do horizonte de expectativas, atendimento ao  horizonte de expectativas, a ruptura do horizonte de expectativas, questionamento do horizonte  de expectativas e ampliação do horizonte de expectativas. 

A proposta para o ensino da literatura abordada na construção da dissertação onde este  recorte se apresenta por completo, trabalha a determinação do horizonte de expectativas das  crianças surdas a partir de contatos com obras literárias sinalizadas. Nesse momento, é realizada uma análise elaborada sobre o leitor surdo e sua leitura (assistindo) do vídeo literário sinalizado  observando e registrando a recepção, construção de significados, encontrando possibilidades  para uma ampliação da interpretação feita do conto.  

Para atingir o objetivo geral de analisar a recepção dos estudantes na língua da obra  literária apresentada, considerando que as respostas nos ajudariam a obter uma breve ideia sobre  o perfil leitor dos alunos participantes da pesquisa, a categoria de análise determinação dos  horizontes de expectativas do texto literário sinalizado compõe nossa seção de análise. Por isso,  sendo a professora/pesquisadora colocamos em movimento o diálogo com a turma no sentido  de tornar real o encontro obra/leitor, buscando identificar as expectativas literárias, observando  e registrando como os alunos surdos liam a narrativa “O churrasco da banana” (Teles, 2020)

4. ANÁLISE DOS DADOS: A DETERMINAÇÃO DO HORIZONTE DE  EXPECTATIVA DAS CRIANÇAS SURDAS INVESTIGADAS NA  LEITURA DO CONTO VIDEOSSINALIZADO “O CHURRASCO DA  BANANA” 

A etapa da determinação do horizonte de expectativas foi organizada levando em  consideração o caráter qualitativo da leitura de uma obra literária sinalizada em vídeo. Assim,  nos detivemos a observar os movimentos de recepção da leitura do conto vídeosinalizado e no  que as crianças surdas eram provocadas para sua compreensão e interpretação, além de suas  reações e emoções expressas via sinalização entre si e com a pesquisadora.  

Durante o período da pesquisa, nas leituras das obras vídeossinalizadas, foram  observados o interesse dos alunos surdos em relação ao texto, sua interação com o vídeo, com colegas e com a pesquisadora para a interpretação, suas elaborações sobre sequências do enredo  da narrativa. A relação com o texto em sala de aula foi monitorada por perguntas abertas  elaboradas para provocar a interpretação dos alunos surdos sobre o vídeo que assistiram. Desse  modo, acreditamos estar provocando respostas que nos permitiriam conhecer os horizontes de  expectativas a partir do que as crianças traziam dos sentimentos e sensações ao expressarem,  por meio da sua interpretação do texto, o significado do que viam. 

Apresentamos o vídeo com a narrativa “O churrasco da banana”6 para realização da  leitura pelas crianças. 

Figura 01: Início da narrativa apresentada por Marina Teles, 2020.

Fonte: Plataforma de vídeos no site do Vimeo.

Para a realização das leituras, damos tempo aos curiosos alunos surdos de lerem o vídeo,  dessa forma, atendemos ao tempo dos leitores, pois cada leitor possui diferentes naturezas na  realização de seus caminhos de construção de significados, pois a construção da compreensão  e as atitudes em relação aos interesses e reconhecimentos literários, gostos e formas de leitura  de vídeos literários, depende de um espaço pessoal criado na relação com a narrativa.  

Observamos sua recepção da narrativa em sua própria língua, a língua de sinais, e  refletimos sobre como imaginávamos que os alunos surdos, ao ler o texto literário sinalizado  por eles escolhido, apresentariam um comportamento recepcional espontâneo de afinidade  direta com a narrativa por ser em língua de sinais.  

Acontece que ao analisarmos as respostas dos alunos surdos Caio, Beto, João, Liz e  Noah sobre “O churrasco da banana”7(Teles, 2020), vimos que não é possível dizer que as  crianças interagiram afetivamente com a história baseando-nos na leitura da gravação da aula.  

Uma obra videossinalizada e apresentada em sala de aula não é manipulada  individualmente pelo leitor, não há registro de suas idas e vindas para as partes mais importantes  do texto para ele. Além do mais, e por causa do formato do vídeo, não é possível pela gravação  da aula dizer se a criança está acompanhando com atenção a sequência da narrativa que em  formato audiovisual se desenrola a sua frente. 

Em “O churrasco da banana” a artista que o sinaliza utiliza em sua performance uma estética da forte incorporação das características da personagem, mas na conversa com a  pesquisadora para essa identificação, as respostas iniciais mostraram que as crianças não  conseguiram identificar que a banana inicia a narrativa dormindo e confundiram essa parte do  enredo com o sinal “CASA”. Esses dados nos levam a considerar uma possível demonstração  de que esses alunos surdos não tinham práticas de contato com a literatura videossinalizada. 

Então tivemos que pensar em outra forma de apresentar a narrativa para definir e romper  o horizonte de expectativas das crianças com a aula de literatura. Assim resolvemos que  poderíamos explorar a narrativa com a organização de um material de apoio criado para  apresentar as imagens do vídeo de forma sequenciada, feitas por prints do videosinalizado “O  churrasco da banana”. Desse modo, acreditávamos que a memória do enredo seria acionada. A  figura 02, abaixo, mostra o material impresso que norteou novos diálogos entre a pesquisadora  e as crianças.  

Os diálogos foram analisados considerando o horizonte de expectativa a partir do que  as crianças disseram sobre as sequências da história. 

Figura 02:

Fonte: Elaborado pela autora.

Desta forma, após terminar de assistir ao videosinalizado, começamos a explorar a  leitura da história com leitura expressiva. Essa contação que utilizou a imagem do vídeo de  modo impresso possibilitou percebermos uma manifestação de interesse pelo “O churrasco da  banana”. As crianças surdas participantes começaram a dizer como interpretavam a imagem. 

A partir disso, foi conduzida uma conversa aberta com a turma com algumas perguntas, tendo como assunto para a interação a interpretação da sequência narrativa de uma mulher  sinalizante que, como parte de sua performance, utiliza a estética da incorporação e o  movimento simétrico dos braços e mãos (de forma simultânea) têm a mesma configuração de  mãos levantadas para representar a personagem que é uma Banana. Em uma tradução simples  para a língua é possível dizer que nesse momento da narrativa em Libras o texto é: “Banana  está dormindo, quando o sol nasce ela acorda abrindo suas cascas de banana. 

Figura 03: A banana está dormindo.

Fonte: imagem do vídeo disponível no site do Vimeo.

Após ver o vídeo e a imagem impressa junto à contação da pesquisadora, a mesma  perguntou sobre o que acontecia nesse momento da narrativa: 

Professora/Pesquisadora: O que é isto? 

Caio: Casa 

Nos surpreendeu o significado dado por Caio para a sinalização e a imagem de abertura  da narrativa, quando o mesmo responde que o que está sendo sinalizado é CASA. Não consideraríamos uma superinterpretação se ele dissesse que ela “a banana” estava  “dormindo dentro de casa”. No entanto, Caio não identificou a personagem principal ‘Banana’ na narrativa. Ele desconsiderou, ou, o que é nossa suposição principal, não conseguiu significar que a artista utiliza a configuração de mãos e simetria, colocando as duas mãos sobre a cabeça,  como forma de antropomorfizar8a “banana dormindo”. 

Neste contexto, um leitor com fruição estética na literatura videossinalizada,  possivelmente, realizaria uma interpretação considerando que a arte performática da Libras usa  o “corpo que mostra a informação linguística necessária para a imagem visual” (Sutton-Spence,  2021, p.106). 

Continuando com a análise da leitura feita pelas crianças surdas, a sequência da narrativa  traz uma segunda imagem, uma mulher sinaliza com performance corporal e de expressões  faciais, sobrancelhas e olhos fechados e as mãos com movimentos na barriga que está com  “FOME”. Uma tradução livre da narrativa em Libras pode dizer que: “Banana acordou, saiu de  casa e agora está com fome”. A figura 04 ilustra o que as crianças viram: 

Figura 04: A banana está com fome.

 Fonte: imagem de vídeo disponível no site do Vimeo

Após ver o vídeo e a imagem impressa junto à contação da pesquisadora, a pergunta  sobre o que acontecia nesse momento da narrativa o diálogo que se desenrolou foi: 

Professora/pesquisadora: O que ele sentiu? 

Caio: Quer comer  

Observamos que Caio vê a imagem com a perspectiva de dar o significado de “fome”,  compreendendo que na narrativa o personagem antropomorfizado “Banana está com fome, quer  comer” mostra que aconteceu uma recuperação de significado da sinalização vista. Caio  possivelmente usou seu repertório de Libras para interpretar que as expressões corporais e  faciais são recursos de qualidade do não-humano incorporados a seu próprio corpo do sinalizante  de modo a expressar um sentimento ou sensação, pois na Libras “o rosto e o corpo são muitas  vezes importantes para mostrar as emoções e desejos” (Sutton-Spence, 2016, p. 72).  

Com isso, pode-se dizer que a capacidade de interpretação literária do leitor não precisa  do sinal real “FOME” ou “COMER”, pois a informação no enredo possibilita a criação de  relação entre seu repertório de sinais e a sinalização no corpo do artista no vídeo. Isso ocorre  porque a literatura “oportuniza formas de inserção de imagens não verbais na performance  literária, criando efeitos que vão além da Libras, mas sempre fundamentados na língua”  (Sutton-Spence, 2021, p.233).  

Na terceira imagem a performance da artista utiliza expressões faciais com olhos e boca  sorridentes que, dando deliciosas lambidas nos lábios e movimentos do dedo apontando da mão  (forma simultânea), querem saborear um espeto de churrasco. Em uma tradução livre da narrativa em Libras: “Banana procurou algo para comer um sorvete ou um hambúrguer ou  algo…Mas, aí, teve uma ideia para um delicioso churrasco”. 

Figura 05: Banana faz espeto de churrasco.

Fonte: imagem de vídeo disponível no site do Vimeo

Na sequência de leitura do vídeo e da imagem impressa junto à contação da  pesquisadora, o recorte do diálogo sobre a narrativa foi:  

Professora/pesquisadora: O que ela vê no espeto?  

Caio: Comeu uma banana.  

Observamos que o aluno Caio interpreta a imagem com a expressão “Banana”. Assim, percebemos que ele imagina que a mulher comeu banana, mas ainda não identificou a  personagem principal da trama e como esta é colocada no enredo. 

Caio foi o único aluno que interagiu com a pesquisadora durante a aula de literatura com o vídeo “O churrasco da banana”. Ele já havia adquirido a Libras como sua língua (L1), mas  demonstrou que ainda não conhecia as estruturas da narrativa em língua de sinais nem o modo  como performances utilizando a estética da incorporação constroem o texto.  

Para nós, isso dificulta a interpretação do enredo da narrativa, uma vez que sem esse  repertório literário os leitores surdos têm dificuldade em interpretar o enredo, já que história  para ser significada precisa que seja construída uma ligação entre o repertório da estrutura da  narrativa: enredo, tempo, espaço, personagem e narrador, com a arte estética da Libras em que  é o e no corpo do artista o local dessa criação literária.  

A aquisição tardia da cultura e literatura surda pelos alunos surdos gera dificuldade em  assistir e fruir histórias vídeossinalizadas compostas de performances com estética sinalizada. 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Ao longo da investigação tivemos a oportunidade de estudar e propor um trabalho de leitura do texto literário sinalizado realizando uma leitura literária com uma turma de 1º e 2 º ano do Ensino Fundamental I, em uma escola bilíngue e pública da rede estadual de Paraíba,  localizada no município de Campina Grande. Com o objetivo de contribuir para a formação  desses alunos leitores, esta pesquisa analisou as respostas de uma criança surda ao recepcionar  a obra “O churrasco da banana” (Teles, 2020) apresentada e formato videossinalizado e, na  sequência, via contação com uso de imagens impressas da narrativa.  

Essa investigação tem o Método Recepcional (Bordini; Aguiar, 1988) como metodologia e o objeto de nossa atenção foi a etapa de determinação do horizonte de  expectativas com a significação e interpretação da narrativa por Caio, único aluno que se  pronunciou durante essa aula.  

A abordagem do texto literário sinalizado ainda é restrito e necessita de ampliação em  direção a formação de leitores. É necessário que professores levem aos alunos recursos de  contar histórias usando o videossinalizado com diferentes estéticas e performances de artistas  da literatura em Libras. Dessa forma, destaca-se a importância do domínio, por parte da  pesquisadora/professora no que se refere aos pressupostos da metodologia que fundamenta essa  abordagem, de modo a favorecer a adaptação do percurso às diferentes realidades dos  alunos/leitores/receptores. 

Ressalta-se ainda, que as informações sobre o videossinalizado e as orientações  pedagógica ainda são pouco divulgadas, o que evidencia a necessidade de novos estudos e  maior disseminação do tema. 


4O termo Libras videossinalizada foi cunhado por Silva (2019). Desse modo, “O texto em Libras videossinalizada  refere-se ao uso da Libras gravada em vídeo sendo que o sinalizante estabelece uma relação com a câmera, com  ou sem emprego de recursos multimodais” (Aguiar, 2024, p. 38). 
5Estudos sobre a Gramática do Design Visual (GDV) que constitui textos multimodais foram aabordados por  Ferreira (2024) em sua tese de doutorado que analisou a retextualização do Enem em Libras. No caso da literatura  em Libras, é significativa a necessidade de refletirmos sobre a GDV de modo a termos, cada vez mais clareza, dos  elementos constituidores das diferenças entre a estrutura dos textos escritos e impressos em brochura com seus  elementos pré-textuais, textuais, pós-textuais, relações imagem-texto e os elementos constituidores do texto  literário em vídeo para construímos métodos assertivos para a formação do leitor de textos videosinalizados.
6Link do vídeo: https://vimeo.com/martinhaswell 
7Para ler o vídeo ligamos a TV e abrimos uma página de um site de vídeo online7. Neste cenário, começamos a  assistir a história, parte da performance utiliza a estética da incorporação e movimento simétrico dos braços e mãos que, de forma simétrica, têm a mesma configuração de mãos levantadas para representar a personagem que é uma  Banana e a narrativa se inicia com ela dormindo. Resumindo a narrativa, a banana está dormindo, acorda com  fome e procurando comida, então ela tem em mente (ideia) pegar espetinhos de carnes para fazer um churrasco,  este vídeo tem duração de 00:01:11. 
8O antropomorfismo é uma interpretação do que não é humano em termos de características humanas ou pessoais.  Muitas vezes, coisas não-humanas […] na língua de sinais criativa ocorre como parte da construção de ação onde  os sinalizadores “se tornam” ao assumir o papel de personagem não-humano, eles fazem o seu melhor para usar  seu corpo humano para representar o corpo do não-humano (Sutton-Spence, 2016, p.68)

REFERÊNCIAS 

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AGUIAR, Girlaine F. de C. Ensino de Libras para aprendizes ouvintes: a injunção e o  espaço como dimensões ensináveis do gênero instrução de percurso. Dissertação.  Universidade Federal de Campina Grande, 2019. 

ANZOLIN, Carlos Eduardo K; Leitura do texto literário pelo método recepcional:  experiência no ensino fundamental II. Dissertação. Universidade Federal de Santa Catarina,  2018 

ARAÚJO, Alexsandra de M. Vídeos de contação de histórias em Libras: Caminhos na  formação leitora dos surdos. Dissertação. Universidade Federal da Campina Grande, 2020. 

BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de; Literatura: a formação do leitor:  alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. 

COLOMER, Teresa. A formação do leitor literário: narrativa infantil e juvenil atual. Tradução Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2003 

FARIA, Fernanda C. Ribeiro, A estética da recepção contribuindo para o ensino de  Literaturainfantil: uma experiência com o conto A pequena vendedora de fósforos, de  Hans Christian Andersen (1805-1875). Dissertação. Universidade Estadual Paulista, Campus  de Presidente Prudente, São Paulo, 2010. 

FERREIRA, J. B. N., ARAÚJO, D. L., & PORTO, S. B. das N. (2024). Texto Metavisual  (TMV) e seus elementos constitutivos no ENEM em Libras: uma análise de orquestração  dos enunciados das videoquestões na perspectiva multimodal. CONTRIBUCIONES A LAS  CIÊNCIAS SOCIALES, v.17 n. 3, e 5843. Disponível em  https://doi.org/10.55905/revconv.17n.3-208. Acessado em 30 de maio de 2025  

FERREIRA. João. B. N. Texto metavisual: a retextualização como possibilidade na  construção dos enunciados das videoquestões do Enem em Libras. Tese. Universidade  Federal de Campina Grande, 2024. 

GIL, Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. 

JAUSS, H. R. História da literatura como provocação à teoria literária. Tradução de Sérgio  Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994. 

MEDEIROS, Noara, Q. de. Dois irmãos: Vivências do romance em sala de aula. Dissertação.  Universidade Federal de Campina Grande, 2017. 

ORMSBY, Alec. The poetry and poetics of American Sign Language. Tese. Stanford  University, 1995. 

QUADROS, Ronice Muller (org). O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e  língua portuguesa. Secretaria de Educação Especial; Programa Nacional de Apoio à Educação  de Surdos – Brasília: MEC; SEESP, 2004. 

SILVA, E. T. da. Ler é, antes de tudo, compreender. In:_____. O ato de ler: fundamentos  psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. São Paulo: Cortez, 1981, p. 42-45. 

SUTTON-SPENCE, Rachel & KANEKO, Michiko. Introducing sign language literature:  folklore e creativity. Palgrave: Londres/Inglaterra, 2016. 

SUTTON-SPENCE, Rachel. Literatura em Libras. Petrópolis, RJ: Editora Arara Azul, 2021  

THIOLLENT, M. J. M. Metodologia de Pesquisa-Ação. 18. ed. São Paulo: Cortez, 2011  [1985].  

ZILBERMAN, R. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática, 1989.


1Mestranda do programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino, Universidade Federal de Campina Grande  (UFCG) – Campina Grande/PB. E-mail: morgana.katarine@estudante.ufcg.edu.br
2Doutora, professora, unidade acadêmica de Letras, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) – Campina  Grande/PB. E-mail: shirley.barbsa@professor.ufcg.edu.br