O VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL NA SENTENÇA DO TRIBUNAL DO JÚRI¹

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10252916


Hélio Santiago de Oliveira 2


Resumo

O presente artigo científico visa analisar o valor probatório do inquérito policial, e, de forma crítica, o conteúdo do art. 155, do Código de Processo Penal, através de amplo levantamento bibliográfico e jurisprudencial. O tema será tratado à luz da temática constitucional, e a norma inserta no supracitado dispositivo terá sua aplicabilidade prática confrontada com diversos princípios jurídicos expressos na Constituição e o procedimento do Tribunal do Júri.

Palavras-chave: Inquérito Policial. Valor Probatório. Princípios. Tribunal do Júri. Sentença.

Abstract

This research paper aims to examine the probative value of the police investigation, and, critically, the art of the content. 155 of the Criminal Procedure Code, through extensive literature survey and case law. The theme will be addressed in the light of the constitutional issue, and the standard inserted in the above device will have its practical applicability faced with various legal principles expressed in the Constitution and a grand jury procedure.

Key-word: Police investigation. Evidentiary value. Principles. Jury. Sentence.

1 INTRODUÇÃO

O tema em debate no presente artigo possui grande relevância jurídica e acadêmica, posto que reiteradamente abordado pela doutrina e analisado pela jurisprudência hodierna.

O artigo discute o valor probatório das provas no inquérito policial para embasar uma sentença do Tribunal do Júri. O objetivo é analisar os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição e nos Códigos Penal e Processual Penal. O resumo deve ser casual.

O estudo analisa a relevância de usar pesquisa bibliográfica e jurisprudencial para embasar uma sentença penal condenatória. O trabalho inclui citações e análises de julgados relevantes sobre o tema.

O artigo aborda os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa na investigação criminal. Também discute a relativização do artigo 155 do Código de Processo Penal no procedimento do Tribunal do Júri e a dificuldade de afirmar se as provas produzidas em juízo ou elementos colhidos no inquérito embasaram a condenação.

Dito isto, O texto aborda a importância do debate sobre a utilização do inquérito policial como elemento de prova na sentença penal condenatória. Destaca-se a necessidade de o julgador respeitar as garantias fundamentais previstas na Constituição para legitimar seu pronunciamento judicial.

2 INQUÉRITO POLICIAL

A Constituição garante o direito ao devido processo legal, que inclui o direito à defesa durante uma investigação criminal. O Estado tem o dever de investigar crimes e aplicar a lei, e a investigação pode ser iniciada por meio de denúncias, provocações da vítima ou por ordem judicial. Em casos de prisão em flagrante, a investigação pode ser coercitiva.

É através do conhecimento deste fato, que se inicia um procedimento administrativo, cujo objetivo é a colheita de elementos de convicção que possibilitem a instauração do processo penal (LOPES JUNIOR, 2012, p. 313). Para retratar acerca do referido procedimento, faz-se necessário trazer o conceito definido por alguns doutrinadores:

Investigação criminal como o conjunto de atividades realizadas concatenadamente por órgãos do Estado, a partir de uma notícia-crime ou atividade de ofício; com caráter prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal; que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delitivo, com o fim de justificar o exercício da ação penal ou o arquivamento (não processo) (LOPES JUNIOR, 2013, p. 92- 93).

[…] (TÁVORA, 2013. p. 100-101).

Assim, o inquérito policial se configura como um procedimento de caráter administrativo e informativo, possuindo características que o diferenciam do processo judicial propriamente dito.

Inquérito policial é procedimento, pois deve ostentar perfeição lógica e formal, visto que determinadas formalidades, em especial o auto de prisão em flagrante delito, devem ser obedecidas, a fim de salvaguardar os direitos e garantias individuais. […] (SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.246-247).

O inquérito policial tem características como discricionariedade, necessidade de ser escrito, sigilo, oficialidade e oficiosidade. No caso de ação penal pública condicionada e/ou privada, a vítima deve autorizar a instauração do procedimento.

O inquérito penal é um procedimento obrigatório, iniciado por uma portaria do delegado de polícia ou por um auto de prisão em flagrante. Uma vez iniciado, o delegado não pode arquivá-lo. A investigação é conduzida de forma autoritária e inquisitória, sem a presença de ampla defesa e contraditório. O inquérito não é indispensável para a propositura da ação penal. As diligências realizadas pela autoridade policial dependem da natureza da infração. O prazo para a conclusão do inquérito é de dez dias se o indiciado estiver preso, e de trinta dias se estiver solto. Existem prazos especiais para casos específicos. O indício é a informação que vincula o investigado ao crime.

O indiciamento só pode ocorrer com provas mínimas, caso contrário é ilegal e pode ser questionado com um habeas corpus. Quando a ação penal é iniciada, o suspeito se torna réu. Com a Lei nº 11.690/08, o juiz pode utilizar provas do inquérito para fundamentar a condenação, desde que não as utilize isoladamente. O referido dispositivo aduz que:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Dessa forma, entende-se a possibilidade de utilização de elementos informativos como prova, desde que não sejam isolados. Alguns questionamentos surgem em relação à aplicação desse artigo. A garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa deve ser respeitada na fase pré-processual.

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE RELACIONAM-SE COM A SENTENÇA CONDENATÓRIA DO TRIBUNAL DO JÚRI

Os princípios a serem apresentados, são de suma importância para o tema em questão, uma vez que, o Brasil demonstra ser um Estado de Direito que se mostra Garantista.

3.1 Contraditório e Ampla Defesa

Nesse tópico podemos ressaltar que a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, LV, bem como, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, Pacta de São José da Costa Rica, garante o direito ao contraditório.

Vale salientar que o contraditório é um dos princípios mais relevantes do processo penal, uma vez que, situa-se como método de conhecimento da ação penal, sendo um dos requisitos para a validade do processo, sendo que a sua não observância é passível de incidir em uma provável nulidade absoluta, na hipótese de prejuízo do réu (PACELLI, 2012, p. 43).

Neste ínterim, vejamos o seguinte entendimento:

O contraditório, portanto, junto ao princípio da ampla defesa, institui-se como a pedra fundamental de todo o processo e, particularmente, do processo penal. E assim é porque, como cláusula de garantia instituída para a proteção do cidadão diante do aparato persecutório penal, encontra-se solidamente encastelado no interesse público da realização de um processo justo e equitativo, único caminho para a imposição da sanção de natureza penal. (PACELLI, 2012, p. 44)

Por isso, bem vinda a Súmula 707 do STF, que dispõe: “Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação do defensor dativo.”

Por outro norte, as lições de Dirley da Cunha Júnior são esclarecedoras acerca dos princípios do contraditório e da ampla defesa, senão vejamos:

As garantias do contraditório e da ampla defesa estão previstas no art. 5º, LV, da Constituição, nos seguintes termos: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. […]. O contraditório, numa acepção mais singela, é garantia que assegura à pessoa sobre a qual pesa uma acusação o direito de ser ouvida antes de qualquer decisão a respeito. A ampla defesa, a seu turno, é garantia que proporciona a pessoa contra quem se imputa uma acusação a possibilidade de se defender e provar o contrário. (CUNHA JR., 2008, p. 681-682).

Essa ideia, inclusive, remete ao conceito de paridade de armas, posto que é preciso conceder os mesmos instrumentos, na mesma medida, a todas as partes litigantes no processo, o que remonta ao respeito de todas as garantias fundamentais previstas na Constituição no decorrer do processo. Importante para o estudo do art. 155 do Código de Processo Penal, é a vertente do contraditório e da ampla defesa pertinente ao poder que deve ser concedido às partes de acompanhar a produção probatória e se manifestar sobre ela da maneira mais completa possível (RANGEL, 2007, p. 18).

Os princípios constitucionais ora tratados possuem significados diferentes para autor e réu numa ação penal. No que concerne ao demandante, diz respeito ao próprio direito de postular a tutela jurisdicional, tendo a oportunidade de provas os fatos constitutivos do direito pleiteado. Quanto ao réu, essas garantias se consubstanciam no direito de informação sobre a existência de propositura de ação contra si (obrigação de noticiar), bem como na possibilidade de ser ouvido perante o juízo que processa a causa (TOURINHO FILHO, 2013, p. 130-131).

Em relação ao conceito de ampla defesa ligado à proibição da autoincriminação, Nelson Nery Júnior, em sua sempre festejada Constituição Comentada, aduz o seguinte:

Decorre da ampla defesa o princípio da proibição da autoincriminação (Verbot des Selbstbelastungszwang), segundo o qual o acusado não pode se incriminar, sendo ineficaz qualquer ato que importe autoincriminação no processo penal e nula a sentença que tiver sido proferida com fundamento apenas no ato de autoincriminação. (NERY JÚNIOR, 2013, p. 233-234).

No processo penal, a falta de defesa é nulidade absoluta, mas sua deficiência só anula se prejudicar o réu. O contraditório e a ampla defesa são fundamentais, especialmente em relação à defesa técnica, autoincriminação e ônus da prova. O inquérito policial também deve garantir o contraditório e a ampla defesa. As lições de Nelson Nery Júnior, também nessa seara, são dignas de registro:

Tanto o inquérito policial quanto o civil (LACP 8.º § 1.º, 9.º; CDC 90) são procedimentos inquisitórios que têm a finalidade de aparelhar o MP para eventual ajuizamento de ação civil ou penal pública. Por meio deles não se aplica sanção, de sorte que não se trata de processo administrativo, não incidindo neles a garantia constitucional do contraditório. […]. Assim, ao indiciado, bem como ao investigado ou acusado no procedimento inquisitório, deve se garantir o contraditório e ampla defesa. Inquérito policial ou civil que já tenha algum investigado determinado deve ser contraditório, proibida aqui a investigação sigilosa e inquisitória. (NERY JÚNIOR, 2013, p. 231-232).

Entrementes, no sistema inquisitivo, portanto, não há o contraditório, pois o chamado “acusado” não passa de mero objeto de investigação, não sendo tecnicamente, acusado, e sim investigado, motivo pelo qual não há que se falar em contraditório na fase pré-processual ou no procedimento administrativo. (RANGEL, 2007, p. 17).

Em que pese a existência de vozes doutrinárias como a citada acima, os processualistas penais, de forma majoritária, entendem que a expressão “acusados em geral”, constante no texto do art. 5º, inciso LV, da Carta Política de 1988, não diz respeito ao investigado pela autoridade policial no âmbito do inquérito. Representando tal linha de raciocínio, vejamos a doutrina de Tourinho Filho, litteris:

Já em se tratando de inquérito policial, não nos parece que a Constituição se tenha referido a ele, até porque, de acordo com o nosso ordenamento, nenhuma pena pode ser imposta ao indiciado. Ademais, o texto da Lei Maior fala em “litigantes”, e na fase da investigação preparatória não há litigante… […]. Não havendo, não se pode invocar o princípio da par conditio – igualdade de armas. Todos sabemos que não se admite um decreto condenatório respaldado, exclusivamente, nas provas apuradas na etapa pré-processual. A Autoridade Policial não acusa: investiga. E investigação contraditória é um não senso. Se assim é, parece-nos não ter sentido estender o instituto do contraditório ao inquérito, em que não há acusação. (TOURINHO FILHO, 2013, p.66-67).

No mesmo sentido inclina-se o posicionamento jurisprudencial uníssono emanado do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Tais Cortes, inclusive, explicitam a dispensabilidade do procedimento investigativo prévio para oferecimento da denúncia (inicial da ação penal pública). Nesse sentido, vejamos os seguintes excertos de julgados:

[…] 2. O inquérito policial, por ser peça meramente informativa, decorrente de atividade administrativa inquisitorial, não é pressuposto para o oferecimento de denúncia, que pode estar fundada em outros elementos que demonstrem a existência de crime e indícios de autoria, inclusive colhidos pelo titular da ação penal pública. […] (REsp 778.545/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 20/04/2010, DJe 10/05/2010).

[…]4. A jurisprudência do STF e do STJ é pacífica em relação à dispensabilidade do Inquérito Policial, de maneira que o Parquet, como único titular da Ação Penal Pública, tem liberdade para a colheita dos elementos indispensáveis ao oferecimento da denúncia. Igualmente, não há se falar em contraditório e ampla defesa em sede de Inquérito Policial, tendo em vista sua natureza inquisitorial. […] (HC 158.102/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 26/08/2010, DJe 27/09/2010).

O processo administrativo é diferente do procedimento administrativo. O processo disciplinar é utilizado para punir administrativamente o indivíduo, garantindo o contraditório e o direito de defesa. O procedimento administrativo define como os atos administrativos serão realizados, incluindo o rito e as formalidades. O inquérito policial é um expediente administrativo que investiga um crime, mas não impõe uma pena ao suspeito.

Por fim, conforme entendimentos doutrinados mencionados, o inquérito policial seria uma “mera peça informativa”, entrementes, cumpre ressaltar que inúmeras condenações são calcadas nos elementos de convicção colhidos durante a tramitação do inquérito policial.

3.2 Princípio da Persuasão Racional (Livre Convencimento Motivado do Julgador)

Esse, talvez, seja o princípio infraconstitucional mais importante para o estudo do valor probatório do inquérito. O preceito é extraído da parte inicial do caput do art. 155 do Código de Processo Penal, onde se lê que “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial […]”

A livre apreciação da prova já induziu duas visões ultrapassadas acerca do instituto. A primeira, relativa ao íntimo convencimento do julgador, que não estaria obrigado a explicitar os motivos que o levaram a decidir por uma eventual condenação. Tal ideia ainda prevalece no Tribunal do Júri e será tratado de maneira minuciosa em tópico próprio.

Noutro giro, importa ainda, a concepção da livre apreciação da prova, no vedado sistema da tarifação, que encontra resquícios na redação do art. 158 do Codex Processual Penal, que prescreve que “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”

Na atual conjuntura do ordenamento jurídico pátrio, prevalece a noção de persuasão racional. Tal conceito é o resultado de uma espécie de método misto, também chamado de convencimento racional, livre convencimento motivado, apreciação fundamentada ou prova fundamentada. Eis as brilhantes palavras de Guilherme de Souza Nucci:

Trata-se do sistema adotado, majoritariamente, pelo processo penal brasileiro, que encontra, inclusive, fundamento na Constituição Federal (art. 93, IX), significando a permissão dada ao juiz para decidir a causa de acordo com seu livre convencimento, devendo, no entanto, cuidar de fundamentá-lo, nos autos, buscando persuadir as partes e a comunidade em abstrato. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 12ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 361).

É necessário consignar, nessa esteira intelectiva, que o sistema de persuasão racional é claro em seus termos: não se admite um julgamento simplesmente conforme a consciência do magistrado sentenciante. Interessante a citação de Nucci no sentido de que a decisão proferida deve “persuadir as partes e a comunidade em abstrato” A convicção deriva unicamente das provas colhidas nos autos. Mesmo seguro de alguma situação, deve o juiz utilizar dos meios previstos na legislação processual para afirmar determinado fato, sempre oportunizando as partes sua manifestação.

Não se acredita aqui numa neutralidade axiológica, num juiz “boca-da-lei”, nem na ilusão de que é possível ao homem se despir completamente dos seus valores e ideologias. No entanto, a Constituição e a legislação infraconstitucional asseveram a necessidade de imparcialidade do julgador, o que legitima a prestação jurisdicional como consequência do Estado Democrático de Direito.

No mesmo sentido de Nucci, assim se pronuncia Tourinho Filho sobre o assunto em discussão:

Esse princípio, consagrado no art. 155 do CPP, impede que o Juiz possa julgar com o conhecimento que eventualmente tenha extra-autos. Quod non est in actis non est in hoc mundo. O que não estiver dentro do processo é como se não existisse. […]. A fundamentação é de rigor. Sentença sem motivação é uma não sentença, tanto mais quanto a sociedade e em particular as partes devem saber que motivos levaram o Magistrado a esta ou àquela posição. (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.61).

O livre convencimento motivado, ou a persuasão racional do julgador, implicam o reconhecimento do juiz como gestor da prova no processo. Em outras palavras, é possível afirmar que compete ao magistrado a última palavra a respeito da extensão da dilação probatória. Convencido da autoria e materialidade delitivas, pode o sentenciante decidir o caso concreto abrindo mão da produção de determinado meio de prova, salvo as hipóteses expressamente previstas em lei.

Acerca dessa vertente do princípio ora tratado, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir em consonância com o exposto linhas acima. Na esteira intelectiva adotada pela Quinta Turma da Corte Infraconstitucional, em acórdão relatado pela Ministra Regina Helena Costa, há até uma certa margem de discricionariedade do juiz no momento de analisar a pertinência da produção da prova, senão vejamos:

[…] II – Não obstante o direito à prova, consectário do devido processo legal e decorrência lógica da distribuição do ônus da prova, tendo o processo penal brasileiro adotado o sistema do livre convencimento motivado, ou da persuasão racional, compete ao magistrado o juízo sobre a necessidade e conveniência da produção das provas requeridas, podendo indeferir, fundamentadamente, determinada prova, quando reputá-la desnecessária à formação de sua convicção, impertinente ou protelatória, cabendo ao requerente da diligência demonstrar a sua imprescindibilidade para a comprovação do fato alegado. […] (HC 219.365/RJ, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, QUINTA TURMA, julgado em 15/10/2013, DJe 21/10/2013).

Nos parece um tanto quanto contraditória tal conclusão, posto que, como dito alhures, a ampla defesa pressupões plenitude nos meios de provas aptos a demonstrar a inocência do acusado. Leia-se trecho da seguinte ementa:

[…] 1. Quanto ao sistema de valoração das provas, o legislador brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o Juiz, extraindo a sua convicção das provas produzidas legalmente no processo, decide a causa de acordo com o seu livre convencimento, em decisão devidamente fundamentada. 2. Não ocorre cerceamento de defesa nas hipóteses em que o Juiz reputa suficientes as provas já colhidas durante a instrução. Isso porque o Magistrado não está obrigado a realizar outras provas com a finalidade de melhor esclarecer a tese defensiva do Réu, quando, dentro do seu livre convencimento motivado, tenha encontrado elementos probatórios suficientes para a sua convicção. Precedentes desta Corte. […] (RHC 26.882/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 10/10/2011).

Vislumbra-se, portanto, certa mitigação da amplitude/plenitude de defesa, posto que em decorrência da conveniência do julgador (este foi o termo utilizado pelo STJ no julgado cujo excerto resta acima transcrito, ipsis litteris), determinada prova pode não ser produzida em favor do réu.

O já mencionado sistema de tarifação das provas, expurgado pelo ordenamento jurídico brasileiro, também guarda pertinência temática com o princípio da persuasão racional, na medida em que fulmina qualquer hierarquia entre os meios de prova. Vejamos o seguinte trecho de acórdão emanado do Tribunal da Cidadania:

[…] 1. O princípio da persuasão racional dá ao julgador liberdade de decidir de acordo com as provas existentes nos autos, produzidas sob o crivo do contraditório, sobre as quais exercerá o juízo de valor, elencando as razões do seu convencimento. 2. À luz de tal princípio, pode-se concluir que não se pode falar em hierarquia em relação aos meios de prova, razão pela qual o fato de uma das testemunhas ter prestado depoimento sem que lhe tenha sido deferido o compromisso, nos termos do art. 208 do Código de Processo Penal, não retira sua idoneidade de tal prova, já que foi produzida em juízo, sob o crivo do contraditório, devendo ser valorada em conjunto com os demais elementos de prova produzidos no decorrer da instrução criminal. […] (HC 252.653/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 07/05/2013, DJe 22/05/2013).

Frise-se, ademais, que o livre convencimento motivado culmina na ausência de vinculação do julgador a laudos periciais e a pareceres do Ministério Público, salvo previsões expressas na legislação. A independência do julgador na gestão da instrução probatória, bem como em relação à análise e valoração das provas, reforça o entendimento acerca da necessidade de imparcialidade e respeito as garantias processuais por parte do julgador. Eis a linha de raciocínio esposada pelo Superior Tribunal de Justiça de maneira uníssona acerca do tema abordado:

[…] 3. Diante do princípio do livre convencimento motivado, o Juiz criminal não está vinculado, de forma absoluta, à conclusão do laudo pericial, podendo rejeitá-lo ou aceitá-lo, no todo ou em parte. […] (AgRg no AREsp 173.804/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 19/09/2013, DJe 26/09/2013).

[…] 2. É cediço que, ao decidir, o magistrado não está vinculado ao parecer do Ministério Público, em face do princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional. 3. Agravos regimentais a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1102065/MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/04/2012, DJe 30/04/2012).

Diante de tais considerações, é possível constatar que até mesmo os direitos e garantias fundamentais (devido processo legal, contraditório e ampla defesa) sofrem algumas restrições ou mitigações, proporcionadas pelo próprio sistema jurídico, e a vedação à condenação com base exclusivamente em elementos do inquérito policial.

3.3 Devido Processo Legal

O preceito estabelecido pelo art. 155 do Código de Processo Penal guarda íntima relação com o princípio constitucional do devido processo legal. Isto porque, a vedação realizada pelo ordenamento jurídico pátrio à condenação penal com base, exclusivamente, em elementos indiciários advém da natureza de garantia fundamental da qual é dotada o aludido postulado.

Sendo assim, indubitável a importância temática do devido processo legal para o exame do conteúdo normativo insculpido no dispositivo legal objeto do presente trabalho. Desse modo, impende trazer à baila considerações tecidas por José Afonso da Silva acerca do princípio ora estudado:

O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Carta Magna inglesa: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV). Combinado com o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e o contraditório e a plenitude de defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e “quando se fala em ‘processo’, e não simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais”, conforme autorizada lição de Frederico Marques. (DA SILVA, 2008, p. 431-432).

Como se vê, o devido processo legal guarda estrita relação com o acesso à justiça, que por sua vez, pode ser considerado uma vertente da inafastabilidade da jurisdição, acima tratada, posto que o festejado constitucionalista enquadra ambos os conceitos no mesmo dispositivo constitucional (art. 5º, inciso XXXV). No entanto, o devido processo legal, a título de ponderação com o art. 155 da Lei Adjetiva Penal, correlaciona-se intimamente com o contraditório e ampla defesa, posto que estes podem ser considerados o aparato instrumental para a consecução do due process of law.

Mister repisar, nessa esteira intelectiva, que o devido processo legal é comumente tratado pela doutrina como due processo of law, tendo em vista que sua noção advém do direito inglês, mais precisamente da Magna Carta Britânica. Sobre o assunto, vejamos o escólio de Dirley da Cunha Júnior:

A garantia do devido processo legal foi ineditamente prevista na Constituição de 1988, como garantia expressa das liberdades públicas, segunda a qual ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV). Compreende (a) o devido processo legal formal ou procedimental e (b) o devido processo legal material ou substantivo. O devido processo legal formal ou procedimental (procedural due process of law) se satisfaz com a exigência da abertura de regular processo como condição para a restrição de direitos. Essa garantia remonta à Magna Carta inglesa de 1215 (art. 39) que já se preocupara em exigir um processo como formalidade necessária para imposição de penas. O devido processo legal material ou substantivo (substantive due process of law), de desenvolvimento mais recente, sobretudo na doutrina e jurisprudência norte-americana, impõe a justiça e razoabilidade das decisões restritivas a direitos. Vale dizer, parte do pressuposto de que não basta a garantia da regular instauração formal do processo para assegurar direitos e liberdades fundamentais, pois vê como indispensável que as decisões a ser tomadas nesse processo primem pelo sentimento de justiça, de equilíbrio, de adequação, de necessidade e proporcionalidade em face do fim que se deseja proteger. (CUNHA JR. 2008, p. 680-681).

De acordo com o excerto doutrinário citado, é possível compreender o devido processo legal sob dois primas: formal e material. Essas noções são imprescindíveis para a compreensão satisfatória do alcance do princípio, posto que tais espécies normativas possuem a característica de alto grau de abstração, de modo que toda a explicitação acerca do seu conteúdo ressalta sua força normativa e esclarece seu âmbito de aplicabilidade.

O doutrinador Nelson Nery Júnior, em sua Constituição Federal Comentada, por sua vez, remete o conceito de devido processo legal ao direito norte-americano, senão vejamos:

Trata-se de postulado fundamental do direito constitucional (gênero), do qual derivam todos os outros princípios (espécies). Genericamente, a cláusula due process se manifesta pela proteção à vida-liberdade-propriedade em sentido amplo. O texto foi inspirado nas emendas 5ª. e 14ª. à CF americana, e não indica apenas tutela processual, mas sim geral, bipartindo-se o princípio em devido processo legal substancial e processual. (NERY JÚNIOR, 2013, p. 228).

Como se vê, o ilustre professor paulista também divide o princípio do devido processo legal em duas acepções. Discorrendo sobre o assunto – de assaz relevância para compreensão da pretensão esposada no presente trabalho – eis os termos com os quais o Nery Júnior destrincha as diferentes vertentes do mencionado postulado:

Devido processo legal substancial (Substantive due process). O princípio se manifesta no direito administrativo (v.g., princípio da legalidade), no direito civil (v.g., liberdade de contratar, direito adquirido etc.), no direito penal (v.g., proibição de retroatividade da lei penal), no direito tributário (v.g., princípios da anualidade, incidência única etc.), no próprio direito constitucional (v.g., proibição de preconceito racial, garantia dos direitos fundamentais etc.). Devido processo legal processual (Processual due process). É nesse sentido apenas processual que a doutrina brasileira, com honrosas exceções (e.g., Castro. Devido processo legal, […]). O tipo de processo (civil, penal ou administrativo) é que determina a forma e o conteúdo da incidência do princípio. No processo administrativo para apuração de ato infracional (ECA 103), devem ser observadas as garantias mencionadas no ECA 110 e 111. São manifestações da cláusula do devido processo legal, em sentido processual, garantir-se aos litigantes: acesso à justiça (direito de ação e defesa), igualdade de tratamento, publicidade dos atos processuais, regularidade do procedimento, contraditório e ampla defesa, realização de provas, julgamento por juiz imparcial (natural e competente), julgamento de acordo com provas obtidas licitamente, fundamentação das decisões judiciais etc. […]. (NERY JÚNIOR, 2013, p. 228-229).

Trocando em miúdos a lição dos referidos autores, compreende-se a acepção formal do devido processo legal, no que concerne à vedação da condenação penal com base exclusiva nos dados colhidos em investigação criminal, na exigência de processo judicial como condicionante para o trânsito em julgado de uma sentença que restrinja a liberdade de um indivíduo.

Obviamente, não se desconhece as hipóteses de segregação cautelar de um acusado de praticar um ilícito penal, entretanto, para uma sentença penal condenatória transitada em julgada, faz-se necessária a abertura de um processo judicial regular, com o atendimento de todas as garantias e direitos assegurados pela própria Constituição e pela legislação infraconstitucional.

Por outro lado, a vertente substancial do devido processo legal diz respeito à materialização do princípio, à concretude do postulado sob o prisma da razoabilidade e proporcionalidade na adequação das medidas utilizadas durante o trâmite processual. Explicita o caráter instrumental do processo, ratificando a idéia de que ele é um meio e não um fim em si mesmo.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Corte responsável pela uniformização da interpretação do direito federal infraconstitucional, não vacila quando o assunto gravita em torno do conteúdo normativo inserto no art. 155 do CPP. Vejamos excerto de acórdão proferido pelo Tribunal da Cidadania que tratam do tema:

[…] IV. Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento no sentido de ser inadmissível a prolação de decreto condenatório exclusivamente com base em notícias colhidas durante investigações preliminares, que não tenham sido submetidas ao crivo do devido processo legal, em seus consectários do contraditório e da ampla defesa. […]. VI. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator. (HC 230.922/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 01/08/2012).

A jurisprudência do STJ respeita a vedação da condenação penal baseada apenas em elementos do inquérito policial, exceto em casos de provas cautelares. No entanto, o assunto ainda gera polêmica, principalmente em relação ao princípio do livre convencimento do juiz. É importante destacar que os elementos do inquérito podem fundamentar a condenação se forem ratificados na instrução criminal.

Nesse sentido, evidencia-se deveras pertinente a transcrição ipsis litteris de trecho de acórdão emanado do STJ:

[…] 1. Segundo entendimento desta Corte, a prova idônea para arrimar sentença condenatória deverá ser produzida em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, de modo que se mostra impossível invocar para a condenação, somente elementos colhidos no inquérito, se estes não forem confirmados durante o curso da instrução criminal. […] (REsp 1253537/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe 19/10/2011).

Em esteira intelectiva com traço diferenciado sensível, eis o raciocínio adotado de forma contundente pelo Supremo Tribunal Federal, in verbis:

[…] 1. O livre convencimento do juiz pode decorrer das informações colhidas durante o inquérito policial, nas hipóteses em que complementam provas que passaram pelo crivo do contraditório na fase judicial, bem como quando não são infirmadas por outras provas colhidas em juízo. […] (RHC 118516, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 22/04/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-088 DIVULG 09-05-2014 PUBLIC 12-05- 2014).

O STJ e o STF têm visões diferentes sobre o uso de indícios na sentença penal. O STJ exige a confirmação desses elementos, enquanto o STF os considera apenas como complemento das provas colhidas na instrução. É importante também considerar os princípios do contraditório e da ampla defesa.

4 TRIBUNAL DO JÚRI

Eis aqui, uma das hipóteses de restrição do conteúdo normativo exposto no art. 155 do Codex Processual Penal. Antes de adentrar ao tema, entretanto, faz-se imprescindível uma sucinta digressão acerca do Tribunal do Júri. Eis as lições expostas por Roberto Delmato Jr.:

O Tribunal do Júri é, sem dúvida, a mais democrática das instituições judiciárias, estando presente na grande maioria das nações livres. Nele, a função jurisdicional é exercida diretamente pela sociedade, através de jurados, que, sem necessitar fundamentar seus vereditos, podem decidir com mais liberdade do que os juízes togados, fazendo prevalecer o justo sobre o legal (DELMATO, 2012, p. 263).

O Tribunal do Júri é composto por um juiz togado e sete jurados leigos, escolhidos aleatoriamente da comunidade. Apesar de ser uma garantia da liberdade, há críticas à sua existência, alegando que os jurados não têm conhecimento suficiente para julgar. É um órgão colegiado técnico, pois os jurados não precisam ter conhecimento técnico sobre a matéria. Importante salientar, que a Carta Política de 1988, trouxe em seu corpo diversos princípio referente ao tribunal do júri, elencados nas alíneas do inciso XXXVIII, do art. 5º, in verbis:

Art. 5.º […]

XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

Não cabe, nesse momento, tratar de todos esses princípios, porém, é importante salientar que todos eles se correlacionam com o art. 155 do CPP e, por consequência, dizem respeito ao núcleo desse artigo.

Diversos desdobramentos da plenitude de defesa são encontrados na legislação infraconstitucional, v.g. o art. 497, inciso V, da Lei Adjetiva Penal, litteris:

Art. 497. São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressamente referidas neste Código: […] V – nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor.

Outra característica do modelo de júri adotado em nosso ordenamento jurídico, diz respeito ao sigilo das votações dos jurados, sendo, imprescindível o atendimento da regra de incomunicabilidade entre os mesmos, com o fito de afastar quaisquer influências uns aos outros, quando da formação do convencimento das questões de fato e de direito em julgamento. Neste ponto, se assim o fizerem, aos olhos do quanto determina nossas leis, estaria garantida a pluralidade da decisão (PACELLI, 2012, p. 710).

Assim, os julgadores leigos têm a tranquilidade necessária para tomar a decisão de forma mais consciente possível. Nesse sentido, o art. 466, em seu § 1.º, preceitua o seguinte:

Art. 466. Antes do sorteio dos membros do Conselho de Sentença, o juiz presidente esclarecerá sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades constantes dos arts. 448 e 449 deste Código. § 1o O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa, na forma do § 2o do art. 436 deste Código.

O tribunal do júri é a autoridade máxima para decidir sobre condenação ou absolvição em crimes contra a vida. Sua decisão não está sujeita às leis dos tribunais superiores. Os jurados não são especialistas e não precisam fundamentar suas decisões., senão vejamos:

[…] A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXVIII, alíneas “b” e “c”, conferiu ao Tribunal do Júri a soberania dos seus veredictos e o sigilo das votações, tratando-se de exceção à regra contida no inciso IX do art. 93, razão pela qual não se exige motivação ou fundamentação das decisões do Conselho de Sentença, fazendo prevalecer, portanto, como sistema de avaliação das provas produzidas a íntima convicção dos jurados. […] (HC 209.107/PE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 04/10/2011, DJe 19/10/2011).

Neste contexto, se vê uma clara mitigação de princípios constitucionais em face das peculiaridades que envolvem o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. A decisão do conselho de sentença é única e não pode ser revisada, exceto em casos extremos. É impossível saber a motivação dos jurados para condenar ou absolver, devido ao sigilo das votações. O artigo 155 do Código de Processo Penal é relativizado nesses casos.

[…] 1. A Lei n.º 11.690/2008, ao introduzir na nova redação do art. 155 do Código de Processo Penal o advérbio “exclusivamente”, permite que elementos informativos da investigação possam servir de fundamento ao juízo sobre os fatos, desde que existam, também, provas produzidas em contraditório judicial. […]2. Os jurados julgam de acordo com sua convicção, não necessitando fundamentar suas decisões […]. Veracidade ou falsidade de um fato afirmado, o juiz penal pode servir-se tanto de elementos de prova – produzidos em contraditório – como de informações trazidas pela investigação. Apenas não poderá se utilizar exclusivamente de dados informativos colhidos na investigação. […] (HC 173965/PE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2012, DJe 29/03/2012).

O texto destaca que a decisão do júri não precisa ser fundamentada e isso pode ser perigoso, pois preconceitos e intolerância podem influenciar o julgamento. É inconveniente trancar as possibilidades de recurso em um processo penal garantista. Os jurados podem se basear apenas em elementos do inquérito policial para formar sua convicção. Assim vejamos:

Art. 480, §3.º Os jurados, nesta fase do procedimento, terão acesso aos autos e aos instrumentos do crime se solicitarem ao juiz presidente.

O inquérito policial traz elementos que não apenas informam, mas de fato instruem, convencem tais como as declarações de vítimas, depoimentos das testemunhas, as declarações dos acusados, a acareação, o reconhecimento, o conteúdo de determinados documentos juntados aos autos, as perícias em geral (RASCOVSKI, upad, MARTA SAAD, 2012, p.112)

Por oportuno, dentre as atribuições da autoridade policial o art. 6º, IX do Código de Processo Penal, prevê investigação acerca da conduta do indiciado, na qual, poderá servir para convencer os jurados quando das respostas as quesitações do Tribunal do Júri, uma vez que, o relatório policial efetuando a mencionada diligência em questão, não é excluído do inquérito policial, tendo os jurados acesso ao mesmo (anexo).

Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter

Ademais, observa-se que com a alteração do art. 155 do CPP (advinda com a Lei 11.690/2008) o termo “exclusividade” garante a possibilidade de utilização dos elementos de convicção colhidos no inquérito policial para fundamentar uma sentença penal, afrontando assim, as garantias constitucionais do devido processo legal.

A separação física entre os autos da investigação e do processo é fundamental para impedir que os informes colhidos na persecução prévia sejam utilizados na fase judicial. Para o autor: “a repudiada influência em juízo aos informes colhidos nas investigações deve-se, parcialmente, à inexistência de separação dos autos da investigação (inquérito policial) daqueles que formarão a ação pena” (CHOUKR, 2001, p.138).

Diante deste cenário, voltou à tona a discussão sobre a necessidade de exclusão física do inquérito policial da ação penal, uma vez que, evitaria um convencimento equivocado no processo atinente a provas, que devem ser apresentadas em juízo (CHOUKR, 2001, p. 138).

5 CONCLUSÃO

O texto discute a questão de utilizar informações do inquérito policial como base para condenação penal. A maioria dos especialistas e tribunais concorda que é necessário produzir outras provas além das obtidas no inquérito. No entanto, há polêmica sobre como confirmar esses elementos em juízo. O STJ afirmou que quando o elemento do inquérito é corroborado por outras provas, não há nulidade. Em casos excepcionais, como no tribunal do júri, a convicção dos jurados não pode ser questionada. A norma do art. 155 do CPP ainda é discutida e possui exceções que precisam ser analisadas.

6 REFERÊNCIAS

CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias constitucionais na investigação criminal. 2. ed. Rio de Jabeiro: Lumen Juris, 2001).

CUNHA JUNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2008.

DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

FONTENELE CABRAL, Bruno e MARQUES DE SOUZA, Rafael Pinto. Manual Prático de Polícia Judiciária. 2ª ed. rev. ampl. e atual. JusPodivm: Brasília, 2013.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

LOPES JÚNIOR, Aury e JACOBSEN GLOECKNER. Ricardo. Investigação Preliminar no Processo Penal. 5ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

MOUGENOT, Edilson Bonfim. Júri do Inquérito ao Plenário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

NERY JÚNIOR, Nelson. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 12ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 18ª ed. rev e atual. Atlas, 2014.

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 16ª ed. rev e atual. São Paulo: Atlas, 2012.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13ª ed. rev e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007

RASCOVSKI, Luiz. Temas Relevantes de Direito Penal e Processual Penal. ed. Saraiva, 2012.


1Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para conclusão na Graduação em Direito da AGES – Campos. Jacobina. 10º semestre (DIR AN). 4
2Acadêmico Helio Santiago de Oliveira Docente Janaina Sabina Cardoso. E-mail: hscont@live.com.