O USO DE CÂMERAS EM OPERAÇÕES POLICIAIS: UMA OFENSA AO DIREITO À INTIMIDADE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202412131824


Guilherme Patrick Fernandes de Araujo1
Filipe José Rodrigues Azevedo Maul2


RESUMO

Este artigo faz uma análise dos problemas jurídicos relacionados à utilização de câmeras por policiais, tendo como consequência eventual ofensa à intimidade do indivíduo, utiliza-se dos critérios e possibilidades de aplicação do princípio da proporcionalidade, quanto ao estudo de provas obtidas por meio ilícitos, e colisões entre direitos e garantias fundamentais. Os direitos fundamentais não são absolutos, haja vista, que se limitam pelo princípio da proporcionalidade de forma recíproca. O processo penal tem o objetivo de oferecer uma função garantista para a sociedade, no sentido de aproximar a verdade diante um caso concreto, como forma de pacificar injustiças sociais e estabelecer uma confiança da sociedade perante o Estado. Desse modo, é apresentado o equipamento axon flex, como forma de minimizar eventuais ilegalidades, acerca da intimidade do cidadão e o abuso do poder pelo agente policial, no qual carece de uma regulamentação no direito brasileiro, haja vista, que é imperioso destacar a legalidade material de tais provas e punir com mais rigor técnico os policiais que exorbitam do exercício de seu poder em detrimento da sociedade.

Palavras-chave: Princípio da proporcionalidade. Inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. Colisões de princípios. Câmeras policiais. Axon flex. 

ABSTRACT

This article analyzes the legal problems related to the use of cameras by police officers, with the possible consequence of an offense against the privacy of the individual, using the criteria and possibilities of applying the principle of proportionality, regarding the study of evidence obtained by means of illicit, and collisions between rights and fundamental guarantees. The fundamental rights are not absolute, given that they are limited by the principle of proportionality on a reciprocal basis. The purpose of the criminal proceedings is to provide a guarantee function for society, in order to bring the truth closer to a concrete case, as a way of pacifying social injustices and establishing a trust of society before the State. In this way, the axon flex equipment is presented as a way of minimizing possible illegalities, about the privacy of the citizen and the abuse of power by the police agent, in which it lacks regulation in Brazilian Law, given that it is imperative to highlight the legality and to punish with more technical rigor the police officers who exorbit the exercise of their power to the detriment of society.

Keywords: Principle of proportionality. Inadmissibility of evidence obtained by illicit means. Coliums of principles. Police cameras. Axon flex. Principle of intimacy.

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal destaca o princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, em seu Art. 5º, LXI, ao estabelecer que “são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos”. Neste sentido surge uma polêmica doutrinária acerca das provas ilícitas. O processo penal tem o condão de desenvolver-se e tutelar a dignidade da pessoa humana, respeitando as garantias fundamentais, com isso repercute na doutrina a teoria da proporcionalidade, na qual faz uma ponderação de princípios em colisões estabelecendo qual o vetor jurídico prepondera no caso concreto.

Quanto aos problemas jurídicos relacionados à utilização de câmeras por policiais ofensa à intimidade, apresentará o surgimento do equipamento Axon-Flex e a incidência no âmbito nacional, pelos policiais militares, questionará em quais ocasiões ofenderia os direitos do cidadão, e proporá medidas para combater a violação de garantias fundamentais, com o objetivo de regulamentar o equipamento de filmagem e estabelecer sanções disciplinares quem os utiliza de forma inadequada.

Como a matéria não se encontra pacificada ainda pelos tribunais, haja vista, que não existe uma regulamentação específica quanto ao uso do aparelho, é mister ressaltar a importância dessa temática nos aspectos sociais, a fim de que possa apreciar a matéria processual penal com cautela e observância aos ditames legais.

2 A ADMISSIBILIDADE DE PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL 

A problemática das provas ilícitas é alvo de inúmeros debates no mundo jurídico, assunto este que não é pacífico e possui várias correntes teóricas.

Muitos não admitem a utilização de provas ilícitas, e interpretam de forma restritiva os dispositivos da Constituição Federal, Art. 5º, LVI, e do Código de Processo Penal, Art. 157, como formas de garantias absolutas. Existem doutrinadores que já defendem a utilização de provas ilícitas, de forma absoluta, desde que tragam algum elemento importante para a lide. Outros admitem a utilização de provas ilícitas, não de forma ampla, mas quando há graves direitos violados do cidadão.

De forma geral, a teoria que admite a utilização de provas ilícitas, tem como fulcro a interpretação do princípio do livre convencimento motivado do juiz, ou seja, a verdade real e a liberdade probatória, pois prevalece o interesse da justiça na busca da verdade. Caso não seja admitida a prova poderia trazer prejuízo ao Estado na aplicação da lei, como também em dirimir infrações penais.

O mero fato de a prova ser ilícita, não perderá seu valor probatório, ou seja, apurar-se-á a violação ocorrida e, punir o responsável que deu causa à ilicitude. Nesse sentido, pode tal prova ser admitida para convencer o magistrado na fundamentação de sua decisão, pois traz a veracidade dos fatos.

No entanto, a finalidade da ação penal é a busca da verdade real e a punição dos culpados da infração, analisando a teoria da prova ilícita de forma absoluta, quaisquer dispositivos que esclareçam os fatos deverá ser acolhida mesmo que seja uma prova ilícita em sua essência. Tal teoria é minoritária, haja vista que, acarreta abusos do Estado com o cidadão, assim como o indivíduo cometerá vários crimes com a justificativa de elucidar outros delitos, tornando-se um verdadeiro caos na segurança jurídica.

A teoria da admissibilidade das provas ilícitas versa que a admissão de tais provas no processo penal é expressamente vedada, possui um status de eficácia plena, ou seja, justifica pela proteção dos cidadãos de arbitrariedades e abusos do Estado. A situação de rigidez na aplicação da teoria pode trazer casos extremamente graves, com isso, faz-se necessário a admissão de provas ilícitas com fundamento na aplicação do princípio da proporcionalidade, que em determinados casos de colisões entre princípios fundamentais, qual será respeitado em detrimento do outro quanto ao grau de importância bem como a análise subjetiva do órgão julgador.

Conforme Barbosa3

“[…] a prova colhida com transgressão aos direitos fundamentais do homem é totalmente inconstitucional e, consequentemente, deve ser declarada a sua ineficácia como substrato probatório capaz de abalizar uma decisão judicial. Porém, há uma exceção: quando a vedação é amainada para acolher a prova contaminada, excepcionalmente e em casos extremamente graves, se a sua aquisição puder ser sopesada como a única forma, possível e admissível, para o abrigo de outros valores fundamentais, considerados mais urgentes na concreta avaliação do caso.”

Acrescenta Avolio4

“A doutrina, de um modo geral, assim como a jurisprudência, tem admitido, em certas situações excepcionais (casos de ameaça, extorsão ou sequestro), que o direito à intimidade seja limitado na necessária medida para fazer face à outro valor mais relevante, como a vida, a integridade física ou a necessidade de se provar a inocência da parte que gravou a conversa. Trata-se da aplicação do princípio da proporcionalidade, que, portanto, demanda justa causa para a revelação do segredo.Esse balanceamento de valores tem lugar, principalmente, no processo penal, onde o valor fundamental da liberdade deve preponderar em confronto com o valor intimidade do outro interlocutor, de igual índole, mas de menor relevância no concerto das liberdades públicas. Trata-se da chamada prova ilícita pro reo, em que a prova, a despeito de ilicitamente obtida, é reputada válida na exata medida em que pode demonstrar a verdade de um fato que favoreça o acusado. Exemplo clássico é o da carta obtida mediante violação de domicílio, que serve para provar a inocência do réu”.

A prova ilícita que seja favorável ao acusado, pro reo, é vista pela doutrina como forma de legítima defesa, ou seja, excludente de ilicitude, haja vista que, “se a vedação quanto à proibição de prova ilícita nada mais é do que garantia do indivíduo, jamais poderia ser interpretado em seu desfavor”.5

A liberdade é o bem mais importante do indivíduo, sendo tutelada constitucionalmente por vários dispositivos legais, como exemplo, o princípio do devido processo legal, ampla defesa, contraditório, dentre outros, é notório que tais princípios se sobrepõem ao direito da admissão de provas ilícitas, quando utilizada em favor do acusado, haja vista, que não é razoável condenar alguém por um crime, quando lhe seria possível demonstrar sua inocência através de prova obtida ilicitamente.

Importante decisão do Supremo Tribunal Federal segue ementada:

PROVA ILÍCITA. MATERIAL FOTOGRÁFICO QUE COMPROVARIA A PRÁTICA DELITUOSA (LEI Nº 8.069/90,ART. 241). FOTOS QUE FORAM FURTADAS DO CONSULTÓRIO PROFISSIONAL DO RÉU E QUE, ENTREGUES À POLÍCIA PELO AUTOR DO FURTO, FORAM UTILIZADAS CONTRA O ACUSADO, PARA INCRIMINÁ-LO.INADMISSIBILIDADE (CF, ART. 5º,LVI).- A cláusula constitucional do due process of law encontra, no dogma da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras,pois o réu tem o direito de não ser denunciado, de não ser processado e de não ser condenado com apoio em elementos probatórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites ético-jurídicos que restringem a atuação do Estado em sede de persecução penal.- A prova ilícita – por qualificar-se como elemento inidôneo de informação – é repelida pelo ordenamento constitucional,apresentando-se destituída de qualquer grau de eficácia jurídica.- Qualifica-se como prova ilícita o material fotográfico, que, embora alegadamente comprobatório de prática delituosa, foi furtado do interior de um cofre existente em consultório odontológico pertencente ao réu, vindo a ser utilizado pelo Ministério Público, contra o acusado,em sede de persecução penal, depois que o próprio autor do furto entregou à Polícia as fotos incriminadoras que havia subtraído.No contexto do regime constitucional brasileiro, no qual prevalece a inadmissibilidade processual das provas ilícitas, impõe-se repelir,por juridicamente ineficazes,quaisquer elementos de informação,sempre que a obtenção e/ou a produção dos dados probatórios resultarem de transgressão, pelo Poder Público, do ordenamento positivo,notadamente naquelas situações em que a ofensa atingir garantias e prerrogativas asseguradas pela Carta Política (RTJ 163/682 – RTJ 163/709),mesmo que se cuide de hipótese configuradora de ilicitude por derivação (RTJ 155/508), ou, ainda que não se revele imputável aos agentes estatais o gesto de desrespeito ao sistema normativo, vier ele a ser concretizado por ato de mero particular. Doutrina. GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (CF, ART. 5º,XI). CONSULTÓRIO PROFISSIONAL DE CIRURGIÃO-DENTISTA. ESPAÇO PRIVADO SUJEITO À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL (CP, ART. 150, § 4º, III).NECESSIDADE DE MANDADO JUDICIAL PARA EFEITO DE INGRESSO DOS AGENTES PÚBLICOS. JURISPRUDÊNCIA. DOUTRINA.- Para os fins da proteção constitucional a que se refere o art. 5º, XI, da Carta Política, o conceito normativo de “casa” revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer compartimento privado onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4º, III),compreende os consultórios profissionais dos cirurgiões-dentistas.- Nenhum agente público pode ingressar no recinto de consultório odontológico, reservado ao exercício da atividade profissional de cirurgião-dentista, sem consentimento deste, exceto nas situações taxativamente previstas na Constituição (art. 5º, XI).A imprescindibilidade da exibição de mandado judicial revelar-se-á providência inafastável, sempre que houver necessidade, durante o período diurno, de proceder-se, no interior do consultório odontológico,a qualquer tipo de perícia ou à apreensão de quaisquer objetos que possam interessar ao Poder Público,sob pena de absoluta ineficácia jurídica da diligência probatória que vier a ser executada em tal local.6

Outro importante julgamento é a conduta do sujeito que grava a conversa com terceiro com o objetivo de demonstrar sua inocência. Conforme a ementa de julgado do Supremo Tribunal Federal:

CONSTITUCIONAL. PENAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES: LICITUDE. PREQUESTIONAMENTO. Súmula 282 – STF. PROVA: REEXAME EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO: IMPOSSIBILIDADE. Súmula 279 – STF. I. – A gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem o conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. Agravo não provido.

Ressalta-se que diante de um confronto entre uma prova proibida e o direito à prova de inocência, esta deve prevalecer, pois a dignidade da pessoa humana quanto à liberdade do indivíduo são valores fundamentais insuperáveis, além de o Estado Democrático de Direito não ter interesse em punir um inocente. Nesta mesma linha de raciocínio, assevera Flávia D’Urso, no tocante à aplicação de prova utilizada ilicitamente em favor do réu.

“[…] não há dissenso na doutrina ou na jurisprudência quanto à aplicação do princípio da proporcionalidade. No embate entre o direito à prova de inocência e outro também protegido pela Constituição Federal, prepondera aquele, porquanto consubstancia-se mesmo a liberdade e a dignidade humana valores insuperáveis, mas também, porque ao próprio Estado não interessa a punição do inocente, o que poderia redundar a impunidade do verdadeiro autor do crime.”7

De acordo com Eugênio Pacelli de Oliveira 

“a prova da inocência do réu deve sempre ser aproveitada, em quaisquer circunstâncias e que o aproveitamento da prova ilícita em favor da defesa constitui-se em critério objetivo de proporcionalidade”.

A utilização de prova ilícita em favor do acusado, não se trata de exceção do princípio da motivação do juiz, mas como uma prerrogativa de conciliar direitos fundamentais através do instituto da proporcionalidade.8

3 SURGIMENTO DO AXON – FLEX E SUA EFICÁCIA NO ÂMBITO NACIONAL

A criminalidade acarreta insegurança nos cidadãos, no entanto o Estado deve promover a segurança pública, com auxílio da sociedade, para garantir a convivência social e usufruir dos direitos individuais assegurados pela Constituição Federal.

O direito à intimidade está relacionado à proteção de sua vida íntima, sem intervenções de terceiros, em que o ordenamento jurídico estabelece em seu Art. 5º inciso X, da Constituição Federal, como sendo “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.  O instituto da intimidade ganha forte relevância com a globalização, pois na medida em que novas inovações tecnológicas surgem o direito à intimidade correrá o risco de ser violado, conforme Eduardo Akira Azuma aponta:

“A importância de tais direitos vai crescendo na medida em que a autonomia da vida privada é ameaçada pelas novas modalidades de invasão científica e tecnológica. A intimidade e a privacidade ganham status de grande importância em razão da valorização e comercialização de dados pessoais, ação implacável da cultura de massas, algumas ações de cunho totalitário por parte dos Estados, uso nocivo dos meios tecnológicos entre outros.”9

Diante disso, nos Estados Unidos, surge um equipamento capaz de monitorar as ações policiais no combate às infrações penais, conhecido como Axon-Flex da empresa Taser, a mesma fabricante de armas com choques elétricos; o aparelho é usado pelos membros da segurança pública nas abordagens de veículos suspeitos, buscas e apreensões domiciliares entre outros.

O objetivo do equipamento é proporcionar aos policiais uma segurança quanto à veracidade das provas obtidas durante um ato policial, em que o indivíduo que é surpreendido por tal medida fique desimpedido de alegar quaisquer circunstâncias que não condizem com o fato, pois o aparelho que geralmente fica junto com o capacete, boné ou óculos do agente policial transmite em tempo real as imagens por um servidor de nuvem Evidence.com10, que é automaticamente conectado a organização policial.

O aparelho possui pontos positivos, como exemplo a transparência dos atos do agente policial bem como a veracidade de sua conduta, no entanto carece de uma regulamentação legal, haja vista, que tramita uma petição popular no governo americano, com o objetivo de aprovar uma lei que obrigue todos os policiais do país a usar câmeras em suas fardas, com a finalidade de diminuir a brutalidade policial, abusos de poder e discriminação racial.

A petição popular ficou conhecida como a “Lei Mike Brown”, pois no dia 09 de Agosto, um agente policial, branco, disparou seis tiros em Mike Brown, jovem negro de 18 anos de idade, no qual se encontrava desarmado e com as mãos levantadas, na presença de testemunhas, fato esse alvo de protestos.

Pesquisas nos Estados Unidos apontam uma diminuição nos casos de violências policiais e abusos de poder em 65% no Estado da Califórnia. Fato gerador este que motiva ainda mais a população americana em ver sancionado o projeto de lei.  

Diante o exposto, há inúmeras indagações do povo americano, haja vista, que as câmeras instaladas nas cidades pelos órgãos de segurança pública e até mesmo as câmeras de segurança de instituições privadas, que funcionam em tempo integral vigiando os cidadãos, verdadeiro “panoptismo”, não existem câmeras analisando a conduta dos policiais quanto ao momento de confronto perante o cidadão, e quando excedem a sua competência gerando o excesso de poder ou até mesmo desvio de finalidade.

Alguns escritores como Robert Koehler e professores da Universidade de Kentucky entendem que existe um inimigo em particular que é o cidadão de cor. Porém, tais indagações ultrapassam as questões de discriminações raciais, tornando-se um verdadeiro afronto a vários direitos fundamentais tais como: a vida, a intimidade, a legalidade, a segurança jurídica dentre outros.

Em âmbito nacional, a amostra do equipamento já está sendo utilizado por alguns órgãos da Segurança Pública, como a Polícia Militar do Distrito Federal e a Polícia Rodoviária Federal, porém, pelo custo elevado do aparelho fica difícil todos os agentes adquirirem o produto.

O aparelho proporciona maior transparência nas relações entre cidadãos e policiais no tocante às provas obtidas durante a gravação e, medidas mais eficientes e protetivas para ambas as partes. Conforme demonstra o comandante Leonardo Sant’ Anna é uma garantia ao cidadão, que poderá provar que sofreu abuso, quando for o caso, e ao policial, que provará sua inocência, quando necessário.11

A resolução número 471 do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN,regulamenta o sistema de vídeo monitoramento para multar motoristas que trafegam no acostamento e estacionam em locais proibidos. De acordo com o Art. 280, § 2º do Código de Trânsito Brasileiro – CTB:

“A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.”

A legislação normativa já multava a partir da constatação policial, que utilizava de algum sistema eletrônico de filmagem ou não para motivar a infração, o que gerou dúvidas e interpretações diferentes por advogados e cidadãos vítimas dessas infrações. Com a resolução dar-se-á veracidade aos atos praticados por agentes de trânsito o que pode ser utilizado como uma analogia interpretativa para o sistema de câmeras Axon- Flex. 

4 PROBLEMAS JURÍDICOS RELACIONADOS À UTILIZAÇÃO DE CÂMERAS POR POLICIAIS: OFENSA À INTIMIDADE

Existe uma preocupação quanto ao uso de câmeras por policiais, pois a Constituição Federal prevê que nenhum direito tornar-se-á absoluto, haja vista que o princípio da transparência sofre limitações quando se depara com outros princípios como a privacidade e a intimidade do indivíduo, acarretando em contrapartida danos morais ao cidadão pelo uso inadequado.

A questão torna-se interessante, na medida em que as câmeras também podem trazer prejuízos para os cidadãos, e esses riscos possuem uma evolução histórica desde os séculos XVIII e XIX, com a utilização da vigilância pelos detentores de poder frente aos indivíduos, o que Foucault denominava de panoptismo.

Entretanto, é de suma importância à compreensão dos princípios da intimidade e proporcionalidade, para verificar a materialidade das provas e conseguir julgá-las de forma eficiente, sem trazer riscos aos indivíduos de boa-fé, punido com mais rigor técnico os policiais que abusam do exercício de poder em detrimento da sociedade.

Diante o exposto, é imperiosa fazer uma análise de como funcionam os  equipamentos de filmagens na atuação policial. Foi realizada uma entrevista com o agente cabo da ROTAM, Atender Bento, da Polícia Militar do Distrito Federal – PMDF no desempenho de sua atividade laborativa.

1) Quando o Brasil começou a utilizar câmeras nas abordagens policiais?

“Eu não tenho ciência de que alguma polícia do Brasil utilize, de forma definitiva, câmeras em viaturas ou em policiais. Os casos que soube se tratavam de experimentos. Especificamente na PMDF, a qual tenho mais conhecimento, foram utilizados óculos com uma câmera acoplada, em caráter experimental, no ano de 2013. Não tenho ideia de quando isso possa ser uma realidade por aqui, sendo usado por todos os policiais, por se tratar de um equipamento caro. Sabemos que nos EUA o uso de câmeras em viaturas é comum, mas elas são fixas e, na minha opinião, tem uma eficácia limitada.”

2) 0 É eficiente o uso de câmeras nos flagrantes?

“Na minha opinião sim, elas resguardam a atividade policial em vários fatores. Muitas pessoas mentem em depoimentos em delegacias e tribunais, principalmente quando mal intencionadas. O policial pode, por exemplo, gravar um desacato ou uma autorização para entrada em residência, além de casos mais graves como agressões físicas, arremesso de objetos e troca de tiros. Mais que isso, as gravações podem mostrar para produção, de forma geral, a complexidade e os riscos da atividade policial, contribuindo para melhorar a imagem da instituição junto à sociedade. Outra serventia é o estudo das abordagens e das ocorrências, corrigindo eventuais erros cometidos, principalmente em procedimentos de segurança.”

3) Como o cidadão vê o uso de dispositivos de filmagens? Geralmente repelem a medida?

“No meu caso, como eu utilizo um colete tático preto com muitos equipamentos, e uma capa de silicone preta sobre a câmera, muitas vezes as pessoas nem percebem, apesar desta não ser tão pequena. O fato do estresse a que os cidadãos estão submetidos, causado pela ocorrência, também influencia para que eles nem percebam a câmera, ou não comentam. Utilizo a câmera no serviço há nove meses e até hoje ninguém questionou a filmagem da ocorrência.”

4) Como funciona o uso do equipamento?

“Utilizo uma câmera particular, cara, para meu padrão de vida. Trata-se de uma GoPro Hero 3+ Black Edition. Ela tem duas opções de tampa traseira, utilizo a aberta, que não a torna à prova d’água, mas aumenta muito a qualidade do áudio. Coloco uma capa de silicone preta sobre a câmera, pra ela ficar mais discreta. Utilizo um suporte peitoral, em que a câmera fica presa aproximadamente 15 cm abaixo do meu pescoço. Como a bateria filma apenas 1h30, não filmo continuamente, mas sim no momento de fazer uma abordagem ou atender a uma ocorrência. Possuo três dessas baterias. A função de ligar a câmera e começar a filmagem apertando somente um botão ajuda. Filmo com qualidade full HD, 1080p, em 60fps. As imagens ficam ótimas até em baixa luminosidade e o áudio fica razoável.”

Os problemas jurídicos com a utilização de câmeras por policiais, ganha relevância na atualidade, haja vista, que com o aprimoramento do meio tecnológico é necessária compatibilizar tais inovações da globalização com o meio social dos indivíduos, com o objetivo de fortalecer a aplicação dos institutos normativos ao caso concreto, conciliando o direito com a tecnologia.

Com isso, a utilização do equipamento não pode suprimir direitos fundamentais do cidadão, mas sim alcançar a veracidade de uma prisão, flagrante, dentre outras diligências, sempre preservando a intimidade do indivíduo, não disponibilizando tais informações sem o consentimento da vítima nas redes sociais, ou seja, não torná-las públicas. Outro importante papel é conter ameaças e abusos pelo agente policial, não burlando o sistema de filmagem em benefício próprio, mas garantir a segurança jurídica na sociedade, com isso é necessária uma regulamentação do aparelho, para que eventuais ilegalidades possam ser apuradas.

Diante o exposto observa-se que os policiais utilizam de câmeras de sua propriedade, conduta esta manifestamente ilegal, haja vista, que a utilização de filmagens em abordagens policiais deve ser feita institucionalmente e ser ostensiva para ter validade jurídica, com isso é necessário o consentimento da vítima para que os atos sejam válidos, pois neste caso há óbice de uma legislação específica, tornando-se uma ação particular do agente policial não como funcionário investido em uma função pública.

É interesse demonstrar que com a inovação tecnológica os Estados do Ceará e Rio de Janeiro foram os primeiros a adquirirem câmeras em viaturas policiais, no qual se basearam nos modelos de segurança de Los Angeles e Roma.

Com o uso do meio tecnológico a ação policial tornou-se mais transparente, protegendo tanto o policial quanto a população, coibindo a incidência de corrupções pelos agentes policiais e disponibilizando em processos judiciais a colheita de tais provas, haja vista, que o sistema de monitoramento neste caso goza de legalidade, pois houve um projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa, portanto é plausível uma normatização do equipamento axon-flex em que surtirá efeitos benéficos à sociedade como, por exemplo, a segurança e a transparência nos atos colhidos no flagrante.

5 CONCLUSÃO

A prova constitui um elemento de suma importância no processo judicial, pois influência diretamente o convencimento do magistrado sobre a lide.

A absolvição ou a condenação de uma pessoa traz danos irreparáveis na vida do indivíduo, o que é necessária uma análise cuidadosa acerca do convencimento do juiz, como por exemplo a insuficiência de provas, ou falhas no âmbito probatório que poderá condenar um inocente injustamente.

A apresentação da admissibilidade de provas ilícitas no processo penal brasileiro é alvo de inúmeras críticas no mundo jurídico, o que é necessário trazer uma teoria intermediária para dirimir de forma satisfatória eventuais questionamentos dessas ilicitudes, caracterizando o princípio da proporcionalidade, ao estabelecer as colisões entre regras e princípios e analisar uma relação de procedência entre eles de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

Os problemas jurídicos na utilização de câmeras por policiais é bastante discutido na sociedade, pois apresentam irregularidades no procedimento tanto na utilização do equipamento quanto na colheita de provas, ou seja, a materialidade em sua essência tornar-se-á ilegal, a depender de como a autoridade pública dará publicidade em suas operações laborativas, como por exemplo colocá-la em meios de comunicação, rede televisiva, dentre outras mídias, sem o consentimento do indivíduo, buscando uma promoção pessoal e ferindo a índole da intimidade do cidadão.

É importante destacar que em uma abordagem exploratória de coleta de dados foi realizada uma entrevista com a autoridade policial e conclui-se que as câmeras utilizadas nas atividades laborativas eram particulares, ou seja, impróprias e inadequadas ao uso perante à sociedade, haja vista, que não possuem registro do órgão competente.

Neste sentido, vislumbra-se uma similaridade de um cidadão que utiliza de um equipamento filmográfico com o intuito de fotografar ou mesmo filmar outra pessoa, sem o seu consentimento, situação essa manifestamente ilegal. Para minimizar e conter tais abusos pela autoridade pública é necessário uma legislação específica para disciplinar como será utilizado o equipamento, estabelecendo procedimentos adequados que o agente policial deverá adotar em seu uso, comunicando o cidadão sobre a possível gravação, e que pode utilizá-la em seu desfavor dentro dos ditames legais, mas assegurada a ampla defesa e contraditório, com isso conciliar-se-á os princípios da transparência e legalidade com a intimidade do cidadão, na busca de um bem comum.


3 BARBOSA, José Olindo Gil. As Provas Ilícitas no Processo Brasileiro. Disponível em http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/AS%20PROVAS%20IL%C3%8DCITAS.pdf. Acesso em 25 de Setembro de 2019.
4 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: Interpretações telefônicas ambientais e gravações clandestinas. 3. Ed. rev, e atual. Em face das Leis 9.296/96 e 10.271/2001 e da Jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
5 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
6 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE Nº251445-GO, data de julgamento 21/06/2000, publicado no DJU em 03 de Agosto de 2000, relator Min. Celso de Mello. Disponível em http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14825705/recurso-extraordinario-re-251445-go-stf. Acesso em 02/09/2019.
7 D’URSO, Flávia. Princípio constitucional da proporcionalidade no processo penal. São Paulo: Atlas, 2007, p. 124.
8 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. Ed. atual. de acordo com a reforma processual penal de 2008 (Leis 11.689, 11.690 e 11.719) e pela 11.900 (novo interrogatório), de 08/01/2009. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, p.330.
9 AZUMA, Eduardo Akira. A intimidade e a vida privada frente às novas tecnologias da informação.Disponível em HTTP://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6168. Acesso em 2 de Novembro de 2019.
10 Também conhecido como cloud computing “refere-se à utilização da memória e das
capacidades de armazenamento e cálculo de computadores e servidores compartilhados e interligados por meio da Internet.”
11 Sant’ Anna, Leonardo. Artigo: Entrevista acerca do Axon flex.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Editora: Malheiros, 2011

ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas Ilícitas e Proporcionalidade: Uma Análise da Colisão entre os Princípios da Proteção Penal Eficiente e da Inadmissibilidade das Provas obtidas por meios ilícitos, 2006. p. 199 – 269.

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: Interpretações telefônicas ambientais e gravações clandestinas. 3. Ed. rev, e atual. Em face das Leis 9.296/96 e 10.271/2001 e da Jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

AZUMA, Eduardo Akira. A intimidade e a vida privada frente às novas tecnologias da informação.Disponível em <HTTP://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6168>.Acesso em 22 nov. 2013.

BARBOSA, José Olindo Gil. As Provas Ilícitas no Processo Brasileiro. Disponívelemhttp://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/AS%20PROVAS%20IL%C3%8DCITAS.pdf. Acesso em 25 de Setembro de 2019.

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal,18ª Ed. Ver. e atual. São Paulo: Saraiva , 2011

CORBETT, Peter. Artigo: The Republic.Disponível em http://www.azcentral.com. Acesso em: 20 ago. 2019.

D’URSO, Flávia. Princípio constitucional da proporcionalidade no processo penal. São Paulo: Atlas, 2007, p. 124.

FOUCAULT, Michel.  Vigiar e Punir. Petrópolis: Editora Vozes,1999.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. Ed. atual. de acordo com a reforma processual penal de 2008 (Leis 11.689, 11.690 e 11.719) e pela 11.900 (novo interrogatório), de 08/01/2009. Rio de Janeiro: Lúmen  Júris, 2009, p.330.

Sant’ Anna, Leonardo. Artigo: Entrevista acerca do Axon flex. Disponível em http://noticias.r7.com/distrito-federal/noticias/policia-militar-recebe-equipamento-de-filmagem-para-registrar-operacao-policial-20121130.html. Acesso em: 20 ago. 2019.


1 Advogado da União. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasilia (2015). Especialização em Políticas e Gestão em Segurança Pública pela Faculdade de Ciências de Wenceslau Braz (2017). E-mail Guipatrick50@gmail.com.
2 Advogado da União. Graduado em Direito pela Faculdade Estácio de Alagoas (2017). Especialização em Direito Público pela Escola Paulista de Direito (2023). Mestrando em Legal Studies with Emphasis in International Law pela Must University. E-mail Filipe.azevedo@yahoo.com.br.