PARENTAL TRAINING ALLIED WITH APPLIED BEHAVIOR ANALYSIS IN CASES OF CHILDREN WITH ASD: AN INTEGRATIVE REVIEW
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10845630
Danieli da Rocha Silva¹;
Yasmim Machado Costa Portela Duarte²;
Prof.ª Dr.ª Ruth Raquel Soares de Farias³;
Prof.ª Dr.ª Yloma Fernanda de Oliveira Rocha4.
RESUMO
O treinamento parental é uma prática que propõe ensinar aos cuidadores as habilidades que estão sendo trabalhadas pelos terapeutas com seus filhos, para que quando preciso, eles consigam lidar com comportamentos desadaptativos e estimular os adaptativos, fazendo o papel de co-terapeutas. Através de uma revisão integrativa da literatura nacional e internacional, o presente artigo analisou as características dos estudos empíricos sobre treinamento de pais de crianças que receberam o diagnóstico de Autismo (TEA). Assim, tendo como objetivo geral: investigar a relevância do treinamento parental no tratamento de crianças diagnosticadas com TEA. Foram analisados 12 artigos encontrados por meio do portal BVS (Biblioteca Virtual de Saúde), sendo selecionadas as bases de dados online: SciELO (Scientific Electronic Library Online) e Lilacs (Literatura da América Latina e do Caribe), englobando artigos que tivessem sido publicados entre os anos de 2018 e 2023. Na análise dos dados, foram enfocadas as seguintes categorias: título do artigo, autores, ano de publicação, objetivo do estudo, público alvo, estratégias de intervenção e principais resultados. Os resultados apontam que o treinamento parental é determinante para o desenvolvimento de crianças com Autismo, principalmente quando iniciados em perfil de intervenção precoce. Além disso, observa-se que a maioria das intervenções são realizadas pelas mães e estas também são as que são mais afetadas com o diagnóstico. Verifica-se que o maior número das técnicas utilizadas no treinamento de pais foram técnicas cognitivo-comportamentais muitas vezes aliadas a meios de comunicação para serem transmitidas aos pais ou responsáveis.
Palavras-chave: Intervenção terapêutica; impacto familiar, diagnóstico precoce; educação parental.
ABSTRACT
Parental training is a practice that aims to teach caregivers the skills being worked on by therapists with their children so that when necessary, they can manage maladaptive behaviors and encourage adaptive ones, acting as co-therapists. Through a integrative review of national and international literature, this article analyzed the characteristics of empirical studies on parent training for children diagnosed with Autism. Thus, with the general objective of investigating the relevance of parental training in the treatment of children diagnosed with ASD. Twelve articles retrieved from the BVS portal (Virtual Health Library) were analyzed, selecting data from online databases: SciELO (Scientific Electronic Library Online) and Lilacs (Literature from Latin America and the Caribbean), encompassing articles published between 2018 and 2023. Data analysis focused on the following categories: article title, authors, year of publication, study objectives, target audience, intervention strategies, and main results. The findings indicate that parental training is crucial for the development of children with Autism, especially when initiated in early intervention settings. Moreover, it is observed that most interventions are carried out by mothers, who are also the most affected by the diagnosis. The majority of the techniques used in parent training were cognitive-behavioral techniques, often combined with communication methods to be conveyed to parents or guardians.
Keywords: Therapeutic intervention; family impact; early diagnosis; parental education.
1. INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição marcada por modificações nas funções do neurodesenvolvimento, podendo abranger notáveis alterações, sobretudo na comunicação. Essas variações podem incluir desde sutis dificuldades de adaptação até níveis de dependência total para atividades do cotidiano (Martins, 2022).
Desta maneira, este transtorno vai muito além da sua complexidade, pois não existem meios pelos quais se possa testá-lo, muito menos medi-lo, trazendo uma realidade de pesquisas atuais ainda distantes no sentido de apresentarem a “cura” para o autismo, acompanhando o indivíduo por toda sua vida (Onzi & Gomes, 2015).
A partir dessa premissa, a Análise do Comportamento Aplicada (do inglês Applied Behavior Analysis – ABA), é uma das diversas abordagens que vêm mostrando ser das mais indicadas no tratamento do Transtorno do Espectro Autista (Borba & Barros, 2018). A escolha de sua utilização se dá pelo embasamento através de pesquisas científicas que comprovam sua eficácia e por ser empregada em diversos países (Silva et al., 2012).
Esta área do conhecimento tem como objetivo maior, construir repertórios comportamentais socialmente aceitos a partir de estratégias de ensino aprendizagem, adaptadas ao indivíduo, além de aprimorar suas habilidades sociais (Dias, 2017). Com comportamentos mais adaptativos, é possível contribuir para a melhora na qualidade de vida da própria criança e das pessoas do seu entorno (Sousa et al., 2020).
Vale ressaltar, que os problemas comportamentais das crianças geram muita ansiedade na família como um todo e sobretudo os pais, por falta de habilidades acabam reforçando negativamente comportamentos inadequados (Santos et al., 2017). Nestas famílias que vivenciam o diagnóstico do Autismo, um direcionamento bem estruturado se torna divisor de águas para a minimização dessas dificuldades.
Sendo assim, a Terapia ABA possibilita que as intervenções sejam administradas para além do âmbito clínico, de forma que o processo de ensino e generalização dos comportamentos ensinados possa ser conduzido pelos próprios cuidadores (Cordeiro et al., 2020), aproveitando as mais variadas oportunidades de aprendizado que ocorrem no dia a dia das famílias.
Isso é possível principalmente pelo denominado Treinamento Parental, que propõe ensinar aos cuidadores as habilidades que estão sendo trabalhadas, para que quando preciso, eles consigam lidar com comportamentos desadaptativos e estimular os adaptativos (Cordeiro et al., 2020), levando em consideração que estes passam mais tempo com as crianças do que os próprios profissionais que as atendem.
Em meio ao que foi determinado, a questão norteadora deste estudo foi: Qual a importância do treinamento parental para o tratamento de crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista?
Com base no exposto, o estudo teve como objetivo geral: investigar a relevância do treinamento parental no tratamento de crianças diagnosticadas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ademais, elencou-se como objetivos específicos: identificar as principais dificuldades enfrentadas pelas famílias, a fim de destacar a importância de programas de orientação voltados a cuidadores; explorar a significância do treinamento parental, ressaltando a importância da intervenção precoce; apresentar a partir dos resultados obtidos os efeitos do treinamento parental com foco na implementação de estratégias comportamentais para o manejo adequado da criança.
A pesquisa proposta visa explorar a eficácia do treinamento parental como uma intervenção fundamental para oferecer suporte e segurança aos pais no momento delicado da descoberta do diagnóstico de Autismo e nos desdobramentos que este acarreta na dinâmica familiar. A justificativa para esta investigação reside na necessidade premente de compreender os impactos dessa intervenção e explorar maneiras adaptativas de implementá-la, levando em consideração a singularidade de cada caso. Ao promover a disseminação desses conhecimentos, almeja-se alcançar um número cada vez maior de famílias, proporcionando-lhes recursos e orientações que transcendam os limites dos consultórios e promovam um cuidado abrangente e contínuo.
2. METODOLOGIA
É de conhecimento comum que são publicadas a todo momento informações sobre a área da Saúde Mental como um todo. Dessa forma, para responder uma determinada questão clínica ou escolher um determinado tipo de intervenção é preciso se fundamentar no que dispomos de mais atual.
Dessa forma, a escolha da revisão integrativa de literatura se apresenta com mais adequada, por esta trazer os dados mais atuais para se responder a uma dada questão, pela possibilidade de agrupar e analisar uma ampla variedade de materiais acerca de determinado tema a ser investigado, fornecendo evidências científicas suficientes para passarem pelo crivo das produções científicas da atualidade.
Além disso, ela possibilita realizar uma síntese do tema, apresentando um olhar amplo e evolução do problema a ser trabalhado, tratando-se de um método que evidencia o potencial para fazer ciência, a partir da irrefutável possibilidade de integrar opiniões, conceitos e ideias que auxiliam no panorama integral sobre o assunto (Botelho et al., 2011).
A construção da revisão integrativa desenvolveu-se em seis etapas: 1) identificação do tema; 2) delineamento da questão norteadora; 3) delimitação dos descritores e seleção das bases de dados; 4) estabelecimento de critérios de exclusão e inclusão dos trabalhos; 5) leitura dos artigos na íntegra; 6) análise e interpretação dos resultados (Bittencourt et al., 2021).
Deste modo, a construção da revisão ocorreu por meio do portal BVS (Biblioteca Virtual de Saúde), sendo selecionadas as bases de dados online: SciELO (Scientific Electronic Library Online) e Lilacs (Literatura da América Latina e do Caribe), englobando artigos que tivessem sido publicados entre os anos de 2018 e 2023, sendo pesquisados e analisados entre os meses de fevereiro e outubro de 2023.
Assim, utilizaram-se os seguintes Descritores das Ciências da Saúde: “autista” ou “autismo” ou “Transtorno do Espectro do Autismo” e “treinamento parental” ou “orientação de pais”. Nas bases de dados foram usados operadores booleanos (AND e OR), por meio de ferramentas disponíveis nas plataformas de busca.
Tabela 1. Bases de Dados e Respectivos Descritores Utilizados na Pesquisa.
Estabeleceu-se como critérios de inclusão: artigos publicados na íntegra, disponíveis eletronicamente, nas línguas portuguesa, inglesa e/ou espanhola, cujos resultados derivasse de intervenções relacionadas com a educação parental e o treinamento de pais de crianças com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista.
Já como critérios de exclusão: textos incompletos, artigos repetidos em mais de uma base ou que não focaram o assunto de forma contextualizada como na pergunta norteadora, artigos que não utilizassem de pesquisa experimental ou que estivessem fora do período de cinco anos (entre 2018 e 2023) e artigos que tratassem de revisões de literatura e materiais como resenhas, dissertações e teses, trabalhos como resumos simples, expandidos e artigos publicados em anais de congressos.
3. RESULTADOS
Foram encontrados 1355 artigos e após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão permaneceram 12. (Fluxograma 1)
Fluxograma1 – Seleção e Identificação dos Artigos.
Quadro 1. Identificação dos Artigos Selecionados Quanto aos Participantes, Objetivos e Resultados.
AUTORES E ANO | PARTICIPANTES | OBJETIVOS | RESULTADOS |
Rieth et al. (2018) | Cuidadores de crianças dos 12 aos 36 meses. | Comprovar que o treinamento de pais, utilizando técnicas terapêuticas incorporadas às rotinas diárias, representa as melhores práticas para crianças pequenas com autismo | Uso combinado de ingredientes-chave de abordagens de desenvolvimento comportamentais como melhor prática. |
Bagaiolo et al. (2019) | Pertencentes a dois serviços ambulatoriais da cidade de São Paulo ou recrutados por mídia social, totalizando 120 pessoas, incluindo mães, pais e avós. – As crianças além do diagnóstico, deveriam ter a comunicação funcional prejudicada. | Avaliar a eficácia de uma intervenção comportamental de treinamento de pais baseada na comunidade na redução de comportamentos desadaptativos. | Redução e aprimoramento dos problemas comportamentais tanto em crianças quanto dos cuidadores. |
Balestro et al. (2019) | 62 cuidadores de crianças. | Analisar a percepção dos cuidadores em relação ao perfil funcional da comunicação de seus filhos em três momentos distintos, com intervenções orientadas ao longo do período. | As diretrizes fornecidas contribuíram para a compreensão do processo comunicativo, resultando em um aumento na utilização dos meios gestual, vocal e verbal. – No contexto das funções comunicativas não interpessoais, observou-se uma redução na utilização do meio gestual, um aumento no meio verbal, sem diferença estatisticamente significativa entre os grupos. |
Barboza et al. (2019) | Três díades mãe-criança. | Avaliar a eficácia da vídeo-modelagem instrumental para pais. | Melhora na precisão de desempenho de todas as mães. – A ferramenta estimulou a motivação e facilitou o acesso a contingências de treinamento. |
Gomes et al. (2019) | Divididos em dois grupos: grupo 1- 22 crianças que finalizaram o primeiro ano de intervenção intensiva; grupo 2- 11 crianças que não fizeram intervenção intensiva (utilizados para análise de dados). | Avaliar os impactos da intervenção comportamental intensiva, através da capacitação de cuidadores, no desenvolvimento de crianças diagnosticadas com autismo. | Ganhos significativos no primeiro ano de intervenção comportamental intensiva. – As crianças do grupo controle apresentaram ganhos menos expressivos. |
Andalécio et al. (2019) | Uma criança de 2 anos e 2 meses, não falante e sem comorbidades. | Examinar os efeitos da aplicação de um modelo de Intervenção Comportamental Intensiva, conduzido através da capacitação dos cuidadores. | Avanços progressivos no desenvolvimento, abrangendo desde habilidades fundamentais até conquistas mais notáveis no desempenho cognitivo e no desenvolvimento da linguagem oral. – A capacitação demonstrou ser uma alternativa prática e eficaz. |
Silva et al. (2019) | Três pais de crianças com TEA. | Investigar se a implementação, por parte dos pais, do Ensino de Tentativas Discretas com ênfase nas habilidades verbais impacta o desempenho de seus filhos. | Os pais implementaram uma intervenção que efetivamente ensinou às três crianças as habilidades específicas almejadas. – Houve generalização para novos objetivos, e o desempenho adquirido foi mantido ao longo dos 30 dias de acompanhamento. |
Oliveira et al. (2020) | Uma família composta por pai, mãe e seu filho com Autismo. | Avaliar os impactos de uma intervenção implementada. – Investigar a influência dessa intervenção no empoderamento parental. | A intervenção demonstrou impacto positivo nas habilidades sócio-comunicativas da criança. – Foi observado um notável aumento no nível de empoderamento parental após a implementação da intervenção. |
McDevitt. (2021) | Um total de 294 pais, a maioria mães de crianças pequenas (de 2 a 7 anos). – Os pais foram recrutados por meio da plataforma online WeChat. | Desenvolvimento de um programa de educação e treinamento online para pais, visando fornecer estratégias de intervenção domiciliar. | Forneceram estratégias de intervenção, permitindo aos pais estabelecer redes de apoio para enfrentar os desafios decorrentes da pandemia. -Tornaram-se fundamentais na implementação, sendo validadas de acordo com as necessidades específicas de cada família. |
Gomes et al. (2021) | 24 crianças com diagnóstico fechado de TEA. | Avaliar a eficácia do uso de tecnologia da informação e comunicação na capacitação de cuidadores. | Os resultados apontaram a praticabilidade do emprego dessas tecnologias para capacitar cuidadores e evidenciaram benefícios no desenvolvimento. |
Malucelli et al. (2021) | Pacientes com diagnóstico de TEA, entre 29 e 42 meses de idade, onde 18 foram selecionados. | Demonstrar a viabilidade do Treinamento Parental como estratégia de intervenção precoce e melhoria da qualidade de interação. | Conseguiu-se engajar os pais e capacitá-los como disseminadores de oportunidades, favorecendo condições mais propícias para o desenvolvimento da criança. |
Gentile et al. (2022) | Total de 27 famílias com crianças com um padrão de desenvolvimento que apresenta risco de desenvolver TEA. | Avaliar o impacto da assistência remota nos serviços de intervenção precoce sobre os níveis de empoderamento dos cuidadores. | A intervenção dos pais apresentou uma melhora significativa em termos de qualidade. |
4. DISCUSSÕES
Dentre os artigos incluídos, 12 (100%) descrevem em seus resultados os impactos positivos do treinamento parental. Optou-se então, distribuir em categorias de acordo com as formas de intervenção e meios de comunicação utilizados.
As principais estratégias utilizadas foram: Ensino de Aproximação Sucessiva (Bagaiolo et al., 2019), Ensino de Observação e Imitação (Bagaiolo et al., 2019), Vídeo Modelação e Ensino de Tentativas Discretas (Barboza et al., 2019; Silva et al., 2019), Intervenção Comportamental Intensiva – ICI (Gomes et al., 2019; Andalécio et al., 2019; Gomes et al., 2021), Intervenção Comportamental de Desenvolvimento Naturalista (Rieth et al., 2018; Gentile et al., 2022) ou baseadas nas Habilidades socio-comunicativas (Oliveira et al., 2020).
Em contrapartida, os autores que não indicaram estratégias ou intervenções específicas, apresentam programas de orientação bem traçados como o: Programa de Orientação sobre Comunicação para Cuidadores – POCC (Balestro et al., 2019), Programa Online de Educação e Formação Parental – PET (McDevitt, 2021) e Programa ATHENA (Malucelli et al., 2021).
Podemos também observar que grande parcela das famílias com crianças diagnosticadas com TEA, dependem exclusivamente do SUS, inviabilizando o acesso aos tratamentos prevalentes (Malucelli et al., 2021) e gerando a necessidade de alternativas para essa realidade.
Dessa forma, as apostas de opções, por parte dos pesquisadores, quando as intervenções presenciais não eram viáveis formam: a Telessaúde ou Teleatendimento (Gentille et al., 2022; Gomes et al., 2021), o Treinamento Piramidal ou em Cascata chamado Training of Trainers (McDevitt, 2021) e o aplicativo de mensagens de texto Whatsapp ou algo semelhante a ele (Gomes et al., 2021; McDevitt, 2021).
Estes modos de orientação, utilizando-se de tecnologias, têm se tornado cada vez mais comuns, através de programas de treinamento online ou de telecomunicação, o que nos mostra que a busca por formas de alcançar cuidadores e pais mesmo à distância, na tentativa de viabilizar acompanhamentos de qualidade em locais que esses profissionais são escassos ou que o atendimento presencial não é uma alternativa.
Entretanto, não se pode afirmar que estas variações são menos ou mais eficazes dos que as feitas presencialmente, além das possíveis diferenças substanciais, por ser algo tão recente na literatura e principalmente por ter sido impulsionado por uma pandemia, ou seja, acontecimentos de ordem mundial e que colocavam em cheque as intervenções presenciais já estabelecidas.
Ademais, antes mesmo da orientação, a descoberta de um diagnóstico se configura como um momento muito delicado para a família, gerando dúvidas e medos muito profundos. Conforme apontado por Meira (2007), os pais almejam ter uma criança ideal e saudável, vendo nesta a oportunidade de realizar seus sonhos e aspirações.
No entanto, quando a criança apresenta alguma limitação significativa, as expectativas dos pais se enfraquecem, gerando impactos diretos na forma como criam os filhos, e assim tornando a maternidade e paternidade uma experiência complexa e repleta de desafios. Dessa maneira, percebemos que a dinâmica entre os cuidadores e seus filhos diagnosticados com autismo inicialmente é marcada por sentimentos de exaustão e fragilidade (Fadda et al., 2019).
Conforme Aguiar et al. (2019) e Aguiar et al. (2020), o diagnóstico dos filhos gera um impacto emocional negativo nos pais, mas pode ser atenuado por estratégias de enfrentamento e uma comunicação diagnóstica que inclua informações técnicas, suporte emocional e esperança, implementando estratégias de cuidado para os pais, simultaneamente à assistência à saúde de seus filhos, visando a atenção integral à criança.
Dessa forma, se torna essencial o acompanhamento e apoio a estes familiares, não apenas na ocasião da descoberta e confirmação do transtorno, mas por tempo suficiente para que estes se sintam seguros a proporcionar tudo que seus filhos irão precisar no decorrer da vida. Quando bem amparados nesse momento inicial, os pais têm a possibilidade de gerar uma percepção de empoderamento diante do diagnóstico.
Possibilitando assim, impactos significativos na confiança de lidar com as demandas das crianças, habilitando estes a avaliarem e acessarem os serviços de saúde e educação com muito mais segurança e autonomia (Oliveira et al.,2020) e poderem lutar pelo desenvolvimento pleno de seus filhos.
Após o estabelecimento do apoio aos pais e implementação das intervenções, outro ponto a ser colocado como indispensável é a constância das reuniões com os cuidadores, visando a continuidade das intervenções e sua eficácia. O que é repassado nessas reuniões pode ser complementado através do uso de materiais impressos, os quais sendo levados para casa possibilitam incluir outros membros do ambiente domiciliar, favorecendo o compartilhamento de informações entre todos que participam da educação da criança (Balestro et al., 2019).
Dessa maneira, ratifica-se a importância de não apenas abordar a prevenção e redução dos riscos, mas também promover e otimizar os fatores de oportunidade na intervenção com equipe multidisciplinar. Através do desenvolvimento de projetos e programas adaptados às necessidades específicas das crianças envolvidas, minimizando assim, seus desafios e proporcionando uma melhor qualidade de vida (Costa, 2014).
Vale ressaltar que quem aparece em sua maioria como membro ativo para condução e constância das terapias e reuniões entre pais ou cuidados, são as mães. Não há dados suficientes que nos informem de que forma (ou mesmo se realmente) estas são amparadas por seus parceiros ou outros familiares, indicando inconstâncias no processo de maternar quando este se entrelaça com a confirmação de um diagnóstico de Autismo.
Em pesquisa por Schimidt e Bosa (2024), há indicativos significativos que corroboram com a ideia da possível carga mais intensa sobre as mulheres, especialmente no que se refere ao cuidado direto da criança. Conforme Couto e Mattos (2015), é expressado pelas mães que o diagnóstico de autismo de seus filhos causa demasiado impacto em sua subjetividade materna, evidenciando uma realidade infantil que se torna custosa em diversos níveis para a mãe, resultando em sentimentos de devastação e desamparo.
Complementado por Portes et al.(2020), este desequilíbrio na distribuição de responsabilidades entre os casais é reconhecido por ambos os membros. Frequentemente, as mães se sentem sobrecarregadas com o cuidado excessivo dos filhos, enquanto reconhecem que seus parceiros desempenham um papel secundário nas atividades parentais, com a principal função de brincar com a criança.
Assim, é destacado que a experiência da maternidade nessas situações se torna notavelmente complexa e desafiadora. Isso ocorre quando as mães se deparam com o desconhecido e imprevisível, resultando em obstáculos significativos ao planejamento de atividades fora do campo dos cuidados maternos, dificultando a visão de um futuro mais estruturado para si, como alguém que vai além deste papel (Smeha & Cesar, 2011).
Por conta dessa realidade, a intervenção precoce aparece como alternativa, já que possui uma gama de serviços e suportes disponíveis em diversos contextos, desenvolvidos em colaboração com as famílias. Seu propósito é fomentar o desenvolvimento de crianças em idades precoces que possuam deficiências, atrasos no desenvolvimento ou estejam em risco significativo de atraso, visando aprimorar sua qualidade de vida e a de suas famílias (Tegethof, 2007).
Assim, os primeiros anos de vida emergem como cruciais para o desenvolvimento cognitivo e socioemocional dos indivíduos, reforçando a importância das interações entre a criança e seu ambiente no processo de desenvolvimento. Priorizar práticas que considerem as interações da criança com os cuidadores e demais indivíduos incluídos em seus ambientes cotidianos é essencial, mas a intervenção precoce vai desempenhar o papel crucial na prevenção e no suporte direto às crianças com deficiências ou em situação de risco (Alves, 2009).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de que na literatura disponível ser mencionado a importância do treinamento parental para as intervenções comportamentais, há grande necessidade de novas pesquisas sobre o tema, sobretudo se voltando para o tipo de público que realiza as intervenções e em formas mais acessíveis de chegar a pais que não possuem condições de fazer tratamentos presenciais.
É importante destacar que, embora tenham em comum o propósito de auxiliar os pais no desenvolvimento de seus filhos, a orientação parental e o treinamento parental são abordagens diferentes. O treinamento parental tem como foco ensinar habilidades específicas aos pais, com o objetivo de lidar com comportamentos problemáticos e desafiadores, estabelecer rotinas, aprimorar o vínculo entre pais e filhos e melhorar a comunicação. Na orientação parental, o foco está em oferecer apoio, informações, direcionamento, recursos e estratégias aos pais e cuidadores, com o objetivo de compreender mais profundamente as dificuldades e desafios enfrentados com a criança.
O treinamento parental pode elevar o nível das intervenções, portanto, restringir estas ações apenas às práticas clínicas também significa reprimir a potencialidade de indivíduos que podem contribuir consideravelmente para a nossa sociedade e ser inseridos nos mais variados ambientes, desde que bem equipados com ferramentas/habilidades sociais.
Somado a isso, é imprescindível a necessidade de voltar nosso olhar não apenas para o detentor do diagnóstico, mas para a família, e principalmente para a mãe, quem em sua maioria assegura os cuidados básicos, a apreensão dos ensinamentos mais indispensáveis e entrega de afeto ao seu filho (a).
Assim, perceber padrões de dificuldades nas histórias destas famílias que precisam conviver com um diagnóstico tão complexo, nos ajuda a viabilizar possíveis programas sociais que deem o suporte necessário para os pais e cuidadores, além de possibilitar acesso à informação de qualidade para quem por alguma razão desconheça sobre as nuances do autismo.
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