O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) E O POTENCIAL DE ESTABELECIMENTO DE RAPPORT (PER)

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7802303


Victor Lawrence Bernardes Santana1
José Fausto de Morais2


RESUMO

Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam comunicação, sociabilidade e empatia pobres. Rapport é entendido como a capacidade de realizar conexões interpessoais, assim se questiona tal habilidade em indivíduo com TEA, pois a literatura não fala especificamente sobre TEA e Rapport. O objetivo desse estudo foi verificar, em indivíduos adultos oriundos da comunidade uberlandense, se o nível de traço de TEA, medido pela Autism Spectrum Quotient (AQ10), pode ser um determinante do Potencial de Emissão de Rapport (PER), medido pela Escala do Potencial de Rapport Emitido (RIR45). Uma amostra com 499 indivíduos selecionados aleatoriamente na comunidade alvo foi utilizada no estudo, sendo dividida em 3 subgrupos: TEA, Geral e Talentosos/Acadêmicos. As escalas apresentaram validade discriminante (p<0,05) e confiabilidade (KR20>0,55). Na análise das correlações entre AQ10 e RIR45 identificou-se para todos os participantes, correlações negativas e significativas (r= -0,543, p<0,001), para os participantes do sexo masculino (r= -0,585, p<0,001) e para as participantes do sexo feminino (r= -0,497, p<0,001). Ao se analisar tais resultados verificou-se que pessoas com um traço acentuado de TEA, tenderam a apresentar baixos escores de PER. 

Palavras-chave: TEA, rapport, potencial.

ABSTRACT

People with Autism Spectrum Disorder (ASD) show poor communication, poor sociability and poor empathy. Rapport is the ability to conduct interpersonal connections, so was questioned such skill in individuals with ASD, because the literature does not speak specifically about ASD and Rapport. The aim of this study was to verify, in adult individuals from the uberlandense community, if the trace level of ASD, measured by the Autism Spectrum Quotient (AQ10), can be a determinant of the Potential Issue of Rapport (PIR), measured by the Potential Range of Rapport Issued (RIR45). A sample with 499 individuals randomly selected in the target community was considered in the study, being divided into 3 subgroups: ASD, General and Clever/Academics. The scales showed discriminant validity (p <0.05) and reliability (KR20> 0.55). In the analysis of correlations between AQ10 and RIR45 identified to all participants, negative and significant correlation (r = -0.543, p <0.001) for male participants (r = -0.585, p <0.001) and for the female subjects (r = -0.497, p <0.001). In analyzing these results it was found that people with a strong trace of ASD, tended to have lower scores of PIR.

Keywords: ASD, rapport, potential

INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição que inclui o autismo, a Síndrome de Asperger (SA) e os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento não Específicos. Em geral, a pessoa com TEA apresenta déficits em habilidades sociais; comunicacionais; em imaginação; atenção a mudanças e a detalhes [1]. Essa é uma condição que, em 1992, afetava cerca de 1% da população mundial (70 milhões de pessoas), menos mulheres do que homens em uma proporção de 5:1 [2]. Em 2021, a prevalência de TEA estava entre 1 e 2% e proporção estava de 4:1. De acordo com o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders 5, o DSM-5, o diagnóstico de TEA deve basear-se na avaliação de comportamento, histórico médico e observação clínica do paciente. Nessa fase, os instrumentos que avaliam o traço da síndrome são muito importantes. 

O foco do tratamento do TEA está em potencializar as habilidades sociais e comunicativas do paciente [3], tais habilidades na pessoa com TEA estão associadas a dificuldades em imitar comportamentos de outras pessoas [4]. De Faria e Cruz [5] apontam que os problemas em socialização e comunicação também estão ligados a problemas na Teoria da Mente, e as Neurociências apontam a possível relação que o TEA possui com a cirurgia de neurônios-espelho [6]. Não há estudos específicos falando sobre a habilidade do Rapport (conexão interpessoal de alto nível) e o TEA, porém sabe-se que o Rapport está estritamente relacionado com a imitação, a comunicação e a Teoria da Mente. Estas habilidades estão prejudicadas no TEA [6,7,8] 

O rapport, está relacionado com processos importantes de socialização e comunicação [9]. Enquanto processo de interação, intui-se que o Rapport pode manifestar-se na forma unidirecional ou bidirecional. Em qualquer dos casos, um indivíduo emite sinais que permitem ou não a realização de Rapport com outro indivíduo, tais sinais poderão ser denominados “Rapport Emitido” [10].

Quando se reflete sobre autismo e Rapport, algumas questões sobre o tema são pertinentes: quais os prejuízos específicos que a pessoa com TEA tem na habilidade do Rapport? Quais recursos sócio comunicacionais a pessoa com TEA preserva? Que tipo de Rapport uma pessoa com TEA potencialmente pode manifestar? Que tipo de correlação podese observar entre sexo, TEA e Rapport? Todos estes questionamentos podem ser sintetizados no problema de pesquisa alvo deste trabalho, a saber: o traço de transtorno do espectro autista, em adultos, pode ser um fator determinante do potencial de emissão de Rapport pelo indivíduo?

Neste estudo o traço de TEA foi avaliado pela escala AQ10, sugerida por Allison et all [11]. O Potencial de Emissão de Rapport (PER) foi avaliado pela Escala do Potencial de Rapport Emitido (RIR45), proposta pelos autores. A Figura 1 exibe a estrutura do problema de pesquisa considerado.

Figura 1 – Estrutura do problema de pesquisa.

O objetivo geral, sugerido pelo problema de pesquisa foi: verificar se o nível de traço de TEA pode ser um determinante do PER de indivíduos adultos. 

Os objetivos específicos foram:

•  Levantar material teórico relacionado com o TEA Rapport;

•  Descrever o perfil dos adultos entrevistados na pesquisa;

•  Estudar a validade das escalas AQ10 e RIR45 para o grupo de entrevistados;

•  Correlacionar os escores produzidos pela AQ10 e pela RIR45.

Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu o TEA na categoria de “epidemia”, essa condição vem ganhando espaço no meio acadêmico. De acordo com o CDC, nos Estados Unidos, em 2000, uma a cada 150 crianças tinham a condição, em 2006, era uma a cada 110, em 2012, uma a cada 68 [12] e em 2018, uma a cada 44 [13]. Nesse país, em 2003, U$$ 60 bilhões de dólares foram gastos com pacientes com autismo e, em 2015, esse valor chegou a 268 bilhões por ano.  No Brasil, em 2011, a prevalência de TEA estava em torno de 0,5% (0,25% de Autismo e 0,25% de SA) [14] e em 2019 esse valor era de aproximadamente 0,6% [13] 

O tema tornou-se muito estudado pela neuropsiquiatria devido a sua gravidade e seus impactos [15], seus custos familiares, que podem comprometer de 12 a 20% da renda familiar [16]. A gravidade alcança o Estado, na medida que o gasto com cada autista já chegou a ser maior do que a renda per capita do nono maior PIB dentre os municípios do Estado de Minas Gerais/Brasil [17]. Apesar de décadas de pesquisas, as causas do autismo continuam indefinidas [18] e seu estudo continua sendo desafiador, justificável e necessário.

O restante do trabalho está dividido em quatro partes: na primeira foi apresentado o referencial teórico, que abordou algumas temáticas importantes relacionadas com TEA e Rapport, a saber: o surgimento do TEA na literatura científica, seu diagnóstico, as suas causas e terapêuticas, o conceito de Rapport e, finalmente, a relação de TEA e Rapport. Na segunda parte foram relatados os procedimentos metodológicos. Na terceira parte foram apresentados e discutidos os resultados da pesquisa de campo. A última parte do trabalho é dedicada às conclusões da pesquisa.

REFERENCIAL TEÓRICO

Primeiras pesquisas

Em 1911, Eugen Bleuler, utilizou pela primeira vez o termo “autismo” para descrever comportamentos estranhos e isolamento social em indivíduos com esquizofrenia. A palavra vem do grego, “autos”, que significa “de si mesmo”. Em 1943, Leo Kanner buscou diferenciar o autismo infantil precoce, da esquizofrenia infantil [19], dando origem ao conceito de “Transtorno do Espectro Autista”. Em 1944, Hans Asperger apresentou um estudo (que denominou patologia autística da infância), onde observou crianças com dificuldades na comunicação verbal e não verbal, com dificuldades nos relacionamentos sociais e com uma fixação exagerada, por determinados assuntos. Em 1981, Lorna Wing estudou 34 casos semelhantes aos de Asperger e observou, além das características acima, uma ausência de jogo simbólico e de atenção dirigida. Wing fez, assim, a primeira descrição sistemática daquilo que nomeou por “Síndrome de Asperger”. Diversos diagnósticos inapropriados de autismo foram realizados até a década de 80, devido ao fato dos resultados observados por Asperger não terem tido repercussão até a década referida [20]. 

Atualmente, várias revisões sistemáticas, com ou sem metanálise, relacionadas com a temática TEA, podem ser encontradas na literatura, cito:

•  “A Systematic Review of Early Intensive Intervention for Autism Spectrum Disorders” by Virués-Ortega, Javier. Publicada no Journal of Autism and Developmental Disorders em 2010.

•  “Autism and Environmental Risk Factors: A Systematic Review” by Chaste, Pauline, and Guillaume Bronchain. Publicada no International Journal of Epidemiology em 2012.

•  “A Systematic Review of Peer-Mediated Intervention in Children with Autism Spectrum Disorder” by Whalon, Kathleen J., Keith C. Radcliffe, and James Brian Jenson. Publicada no the Journal of Autism and Developmental Disorders em 2015.

•  “A Systematic Review of Executive Function and Impulsivity in Autism Spectrum Disorder” by Young et al. Publicada no Journal of Autism and Developmental Disorders em 2016.

•  “A Systematic Review and Meta-Analysis of Interventions for Children with Autism Spectrum Disorder and Anxiety” by Hallett et al. Publicada no the Journal of Autism and Developmental Disorders em 2018.

•  “Systematic Review of Suicide in Autism Spectrum Disorder: Current Trends and Implications” by Hedley & Uljarević Publicada no Current Developmental Disorders Reports em 2018.

Note que essa lista de revisões não é exaustiva, podendo existir outras revisões da literatura sobre o tema que ainda não foram publicadas, não obstante, percebe-se, pelo exame dessas revisões, que são são poucos os estudos brasileiros a respeito do TEA e, tais estudos, estão relacionados principalmente com a Teoria da Mente (ToM), nesse sentido, faz-se necessário a realização de novas pesquisas sobre o tema, em particular pesquisas que se voltem para o diagnóstico dessa condição clínica, na medida em que tem se identificado, nos últimos anos, um crescimento importante de casos TEA  [21].

Diagnóstico de TEA

Segundo a American Psychology Association (APA), indivíduos com TEA, geralmente, apresentam três conjuntos de sintomas: (1) déficits persistentes na comunicação e interação social, em múltiplos contextos, que se manifestam (a) na reciprocidade social/emocional, (b) nos comportamentos de comunicação não verbal, (c) no desenvolvimento, manutenção e compreensão das relações sociais; (2) padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses, ou atividades, que se manifestam em pelo menos dois dos sintomas a seguir: (a) nos movimentos motores, no uso de objetos ou na fala estereotipada ou restritiva, (b) na insistência no que lhe é comum, na inflexibilidade da aderência de rotinas, ou nos padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal, (c) no interesse altamente restrito que é anormal em sua intensidade e foco, (d) na hiper ou hipo sensibilidade sensorial ou interesse não usual em aspectos sensoriais do ambiente; (3) deve-se considerar que os sintomas devem estar presentes desde um momento muito cedo do desenvolvimento. Para se estabelecer o diagnóstico é necessário que os sintomas, não sejam enquadrados em outra desordem do desenvolvimento, que causam deficiência clínica significativa no contexto social, ocupacional, ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. A severidade do TEA é baseada nos prejuízos e restrições da comunicação social, bem como nos padrões de repetição de comportamento [22].

Na literatura sobre diagnóstico de TEA, pode-se destacar 11 escalas, a saber: a Autism Diagnostic Interview-ADI [23], Autism Diagnostic Observation Schedule-ADOS-G [24], Childhood Autism Rating Scale-CARS2 [25], Modified Checklist for Autism in Toddlers-MCAT

[26]; Asperger Syndrome Screening Questionnaire-ASS [27]; Autism Screening QuestionnaireASQ [28]; Autism Quotient-AQ [29]; Autism Diagnostic Observation Schedule-ADOS [30]; Autism Diagnostic Interview Revised-ADIR [31], Gilliam Autism Rating Scale-GARS [32] e a escala Autism-tics, AD/HD and other Comorbidities Inventory A-TAC [33-35] e a Autism Spectrum Quotient (AQ10) [11]. 

A última escala listada se destaca devido ser um instrumento curto de rastreamento de TEA em adultos, com apenas 10 questões. Em 2018, essa escala foi traduzida, adaptada culturalmente e validade para o Português do Brasil [33] Apesar de haver cada vez mais evidências para causas genéticas do TEA [34] e exames genéticos / a ressonância magnética serem boas promessas diagnósticas, os exames laboratoriais / imagens ajudam apenas a compreender alguns fatores associados ao transtorno, sendo o diagnóstico ainda clínico  [35].

Causas e terapêuticas para o TEA

O autismo é influenciado por fatores genéticos [34,36,37,38], porém fatores ambientais também devem ser considerados [39,40,41,42,43], principalmente durante a gravidez [44]. Estudos usando técnicas de neuroimagem verificaram anormalidades temporais bilaterais em crianças autistas [45,46,47]. 

Não existe cura para autismo, no entanto, é possível tratar seus sintomas [48] através do uso de medicamentos; psicoterapia, fisioterapia, terapia ocupacional, terapia da linguagem e dietas que controlam o uso de glúten ou a cafeína [3]. Na pior das hipóteses, tais tratamentos podem melhorar os ataques de raiva, agressividade, problemas de atenção, ansiedades, hiperatividade e alterações de humor [49]. No tratamento do autismo o foco principal deve estar na potencialização das habilidades sociais e comunicativas do paciente [3]. 

Interação Social e Rapport

Prejuízos na habilidade de imitação, na capacidade de “colocar-se no lugar do outro”, logo na primeira infância, acarretam a dificuldade na conexão afetiva, nos relacionamentos interpessoais, déficits contínuos no entendimento da ação e dos sentimentos do outro [4,6,50,51,52,53]. Essas habilidades deficitárias no autismo estão relacionadas com outra habilidade denominada na literatura como Rapport [51,54,55]. Apesar da falta de estudos específicos supõe-se que indivíduos com TEA tenham algum déficit na capacidade de estabelecer Rapport.

Rapport é uma palavra de origem francesa, que traduz a ideia de uma conexão interpessoal de alto nível. De acordo com O’Connor [7], é um relacionamento baseado em confiança e responsividade que um indivíduo tem com ele mesmo e com os outros. Ele é a sintonia da relação de um indivíduo com outro, sendo vital em praticamente qualquer comunicação e situação social [56]. Bolstad [55] aponta um exemplo que ilustra o conceito de Rapport. Para o autor, se uma pessoa tiver lembranças de algum professor que ela gostava muito, então essa pessoa sabe o que é Rapport. Ela provavelmente tornou-se interessada nas coisas em que esse professor estava interessado, e ela era altamente motivada a seguir às sugestões desse professor. Bolstad aponta que nesse exemplo, o professor estabelece Rapport ao se igualar a nível comportamental com os estudantes. Praticando atividades junto com eles, usando exemplos do interesse dos alunos, a partir do sistema representacional[3] preferido deles (visual, auditivo ou sinestésico). Ao se igualar com o comportamento verbal e não verbal de outra pessoa, estamos realizando um processo denominado de espelhamento [56], que seria uma forma sutil e elegante de estabelecer Rapport com outra pessoa, permitindo que você compartilhe da visão que ela tem do mundo [57]. 

No exemplo de Bolstad [55], quando o professor ensina usando gestos e posições corporais similares aos dos alunos, ajustando sua voz a uma velocidade e tom semelhantes e até respirando no mesmo ritmo, ele está espelhando os alunos e, assim, estabelecendo Rapport. Então para se obter Rapport você pode imitar movimentos característicos com sutileza, os gestos da outra pessoa, espelhar sonoridades tais como tonalidade, timbre, velocidade, volume, hesitações, pontuação ou até mesmo sotaques regionais e também frases repetitivas, o que gera um sentimento de familiaridade no outro [56]. O exame da literatura [58,59,8,6] sugere três elementos ativos no processo de formação de Rapport: (1) os neurônios espelho, no campo biológico; (2) a ToM, no campo psicológico; (3) a imitação, no campo comportamental.

De acordo com Raposo, Freire, e Lacerda [58], estudos com técnicas de neuroimagem sugerem que a rede de neurônios espelho é ativada quando o sujeito observa uma ação executada por outro sujeito. Segundo os autores, a referida rede oferece a base para o comportamento empático e a imitação. Ainda de acordo com os autores, existem duas redes de neurônios espelho: os “neurônios-espelho motores” e os “neurônios-espelho emocionais”. A primeira rede é responsável pela expressão de ações motoras e não depende de aspectos mêmicos. A segunda rede é a base, que um indivíduo tem, para a consciência dos sentimentos, intenções, crenças, valores e desejos das outras pessoas. Na pessoa com TEA tal rede de neurônios parece estar comprometida [58], como também a imitação [60] e a ToM [8].

TEA e Rapport

Problemas comportamentais no TEA podem estar relacionados com a ToM [5]. A ToM é a habilidade humana de atribuir estados mentais a outras pessoas, como crenças, desejos e intenções, e compreender que outras pessoas têm uma perspectiva diferente da sua própria [61]. Um exemplo de aplicação da Teoria da Mente seria o seguinte: você está caminhando na rua e encontra um conhecido chorando. Você pode aplicar a Teoria da Mente para inferir que essa pessoa pode estar triste por algum motivo e oferecer sua ajuda ou conforto. Essa habilidade de reconhecer os estados mentais dos outros pode ajudar a melhorar a empatia e o entendimento das interações sociais cotidianas. 

Segundo Baron-Cohen [8] existem quatro módulos cerebrais interagindo para produzir o sistema de “leitura mental” no ser humano: o módulo detector de intencionalidade; o detector da direção do olhar; o mecanismo da atenção compartilhada e o mecanismo da ToM. O primeiro módulo constituiria um aparato perceptivo para interpretar estímulos móveis em termos de desejos e metas. O segundo para detecção da presença e direção do olhar e sua interpretação. Os dois primeiros módulos mandariam informações para o terceiro que formaria relações entre o eu, outros agentes e objetos. O quarto módulo uniria as noções até então separadas de atenção, desejo, intenção e crença [51].

Os precursores da ToM são os comportamentos de comunicação não verbal, relacionados com a atenção compartilhada, aquela onde o bebê interage com outra pessoa tendo como interesse comum entre eles algum objeto [52]. As conexões afetivas com o ambiente são o suporte para os comportamentos de comunicação verbal e não verbal, como também as outras capacidades cognitivas superiores [53]. Tais conexões são deficitárias na pessoa com TEA [52,62,63]. Esse prejuízo desencadeia déficits secundários no desenvolvimento do indivíduo, tais como: integração de estímulos; estabelecimento de correspondências entre sentidos (por exemplo, uma correspondência entre visão e tato); acompanhamento visual (o olhar do cuidador para algum objeto direciona o olhar do bebê para esse objeto); capacidade para regular o nível de excitação corporal e de estados afetivos, por via da relação com si mesmo ou com algum objeto externo; contato ocular; sorriso responsivo; vocalizações; entre outras habilidades [52]. Para estabelecer conexões com pessoas com TEA, vários protocolos foram desenvolvidos utilizando a imitação enquanto técnica de intervenção [60]. A técnica se baseia em uma familiaridade dos estímulos introduzidos por via da imitação, isso ajudaria as pessoas com TEA a perceberem o outro com menos ansiedade [4]. 

Em síntese, a pessoa com TEA apresenta déficits sociais, comunicacionais e imitativos. O Rapport, por sua vez, é uma sintonia entre uma pessoa e outra(s). Tal sintonia é vital nos processos de comunicação e interação social. É importante ressaltar que não há cura para o TEA, porém, é possível tratar seus sintomas a partir de intervenções medicamentosas, nutricionais, psicológicas, dentre outras. A revisão da literatura parece sugerir que potencializar as conexões interpessoais/afetivas (Rapport) da pessoa com TEA pode vir a ser uma via de tratamento.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Classificação do Estudo

Considerando que o estudo coletou dados diretamente de sua fonte de origem, o mesmo utilizou-se de dados primários. Além disso, o tipo de pesquisa foi “observacional”, pois o processo de coleta não interferiu nas informações; e “clínico”, pois envolveu seres humanos, que foram designados como elegíveis ou não para o estudo. Também pode ser classificado como “quantitativo-descritivo”, pois foi descrito o perfil da população alvo a partir de uma amostra selecionada nestas populações e com base em métodos estatísticos. O estudo também pode ser classificado como “analítico”, pois no processo de validação foi necessário testar hipóteses sobre a estrutura de correlação entre os escores das escalas e outras variáveis. Também podemos dizer que o estudo foi “transversal”, pois não foram feitas mensurações ao longo do tempo.  Em suma, podemos dizer que o estudo pode ser classificado como observacional, clínico, quantitativo-descritivo, analítico e transversal sobre dados primários. 

Sujeitos

Os participantes do estudo foram divididos em três grupos: pessoas com Síndrome de Asperger ou Autismo de Alta Funcionalidade (grupo TEA), que foram recrutadas via grupos de autismo e Síndrome de Asperger no facebook e de contatos que foram feitos no primeiro Congresso Internacional de Autismo na Vida Adulta, realizado em 2015; pessoas da população geral de Uberlândia (grupo Geral); e Talentosos/Acadêmicos (grupo TA). É oportuno observar que as pessoas do grupo TEA alegaram possuir um diagnóstico realizado por um profissional e que o grupo TA foi formado por acadêmicos e professores da UFU, assim como, indivíduos da população em geral, que foram ranqueados em primeiro lugar em concursos públicos. Houve uma segunda subdivisão de grupos, que foram construídos a partir de uma pergunta aberta que solicitou para os participantes o que eles entendiam por “carisma”. As pessoas que responderam que elas mesmas eram carismáticas, foram enquadradas no grupo de Auto Percepção de Carisma (APC) e as pessoas restantes no grupo de Sem Autopercepção de Carisma (SAPC).

Amostra

A amostra foi constituída por 499 pessoas sendo 269 (53,9%) do sexo masculino e 229 (46,1%) do sexo feminino, com idades de 18 a 82 anos. Do total de respondentes 33 pessoas foram enquadradas no grupo TEA, 106 no grupo Geral, 360 no grupo TA, 30 foram enquadradas como APC e 469 como SAPC. O grupo TA foi formado por 340 acadêmicos da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), 10 professores da UFU e 10 pessoas ranqueadas em primeiro lugar em concursos públicos. De acordo com Kerlinger [64] em estudos de validação deve-se usar a maior amostra possível, sugerindo um número de dez sujeitos por item do instrumento. Para Hair et al [65] cinco sujeitos para cada item já seriam suficientes para a validação. Nunnally [66] recomenda um mínimo de 300 sujeitos para estudos de validação. A amostra do presente estudo satisfaz os três critérios referidos. A aleatoriedade da amostra é baseada no princípio da seleção natural aplicado à amostragem [67]

Variáveis

 O estudo levou em conta as variáveis: Idade, Sexo, Auto Percepção de Carisma (APC), Grupos de Interesse (GI) e os escores AQ10 e RIR45. A variável APC é uma dicotomia onde 1 indica pessoa que se percebe carismática e 0 indica pessoa que não se percebe carismática. A variável GI assume as categorias: TEA, Geral e TA. 

A escala AQ10

A escala (Quadro 1) é composta por 10 itens (ou questões) dicotômicos (não= 0 /sim=1), com total variando de 0 a 10. De acordo com os propositores da escala Allison, Auyeung e Bahon-Cohen [11], se o escore do indivíduo na AQ10 for superior a 6 é recomendável que ele procure um especialista para a realização de um diagnóstico mais completo. 

Quadro 1. AQ10 (versão Morais et al, 2018)

A escala RIR45

Rapport é um relacionamento baseado em confiança e responsividade com você mesmo e com os outros [7], enquanto processo de interação, intui-se (veja [10]) que o Rapport pode manifestar-se na forma unidirecional (um indivíduo “A” se conectar com “B”, mas “B” não se conecta com “A”) ou bidirecional (“A” e “B” se conectam mutuamente). Quando “A” se conectar com “B” e “B” não se conecta com “A” podemos dizer que “B” emitiu sinais que permitiram a “A” fazer Rapport com ele (“B” emitiu sinais de Rapport) e, reciprocamente, “A” captou os sinais de Rapport que “B” emitiu (neste caso “A” recebeu os sinais de Rapport). A Figura 2 ilustra o processo descrito.

Figura 2 – Estrutura teórica da direção do Rapport

A escala RIR45, proposta, é composta por 45 questões dicotômicas (não=0 / sim=1), com total variando de 0 a 45. As 45 questões (vide APENDICE A) foram divididas em 4 grupos (domínios conceituais), nomeados por: Atenção Com o Outro (ACO); Magnetismo Pessoal (MAG)[4]; Familiaridade (FAM) e Espelhamento (ESP). O domínio ACO foi formado pelas questões 2, 4, 7, 8, 9, 10, 13, 14, 16, 20, 23, 28, 32, 36, 40 e 44, o domínio MAG pelas questões 17, 24, 27, 31, 35, 38, 39, 43, o domínio FAM pelas questões 1, 3, 5, 15, 19, 21, 25, 26, 30, 34 42, e domínio ESP pelas questões 6, 11, 12, 18, 22, 29, 33, 37, 41, 45.  É oportuno observar que o domínio ACO é referido na literatura como uma técnica de construção de Rapport denominada Reciprocidade (Reciprocity), o domínio FAM é referido como Comunalidade (Commonality) e o domínio ESP é referido como Espelhamento (Mirroring). 

Procedimentos e Instrumento de Coleta

Considerando que o presente trabalho utilizou dados coletados na Iniciação Científica atrelada ao Projeto de Pesquisa “Mensurando o Transtorno do Espectro Autista (TEA)”, as variáveis envolvidas no presente trabalho foram extraídas da base de dados do referido projeto. No projeto principal os dados foram coletados de forma online via um questionário de auto aplicação, usando as plataformas de coleta Google Drive [68] e SurveyMonkey® [69]. Os indicadores de TEA e PER foram selecionados a partir das 301 questões coletadas. Os indicadores das escalas estavam mascarados neste questionário. 

Análise Estatística

A análise estatística dos dados foi dividida em três partes: descrição dos respondentes, validação das escalas e análise do problema de pesquisa. Na primeira parte, tanto os escores das escalas quanto às variáveis sócio demográficas foram sintetizadas. Utilizou-se do teste de Kolmogorov-Smirnov [70,71] para verificar a normalidade das variáveis quantitativas. Quando a variável atingiu nível de mensuração nominal utilizou-se da distribuição de frequências. Foi utilizado a Média±DP quando a variável atingiu nível de mensuração intervalar e apresentou distribuição Normal (ou aproximadamente Normal). De acordo com Lang [72] deve-se utilizar mediana (Q1-Q3) quando a variável atinge nível intervalar e apresenta distribuição não Normal ou quando a variável atinge nível de mensuração ordinal. Boxplots e diagramas de dispersão também foram utilizados na descrição.

Na segunda parte da análise (validação das escalas) utilizou-se o KR20 e seu respectivo intervalo de confiança de 95%, baseado na proposta Kisner e Muller [73]. A avaliação da validade das referidas escalas foi realizada por meio da comparação de escores e de uma Análise de Variância (teste F ou teste de Kruskall Wallis), conforme o nível de mensuração da variável resposta. 

Na terceira parte (análise do problema de pesquisa) utilizou-se da análise de correlação de Spearman envolvendo os escores da AQ10 e os escores da RIR45 e seus domínios. Todas as tabelas, figuras e cálculos foram realizados no software Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS) versão 23.0 para Windows [74]. Correlações, Diferenças ou Efeitos com pvalor < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes. Sempre que foi possível intervalos de confiança de 95% foram construídos como medidas da precisão das estimativas.

Aspectos Éticos

Por envolver informações exclusivas e sigilosas de seres humanos, seguindo a resolução 466/12 do CNS, o projeto que deu origem aos dados e o TCLE usado foram submetidos e aprovados junto ao CEP da Universidade Federal de Uberlândia, com o número de aprovação 35455514.8.0000.5152.

RESULTADOS

Parte 1: Descrição dos respondentes

 A Tabela 1 exibe a distribuição dos respondentes de acordo com a Idade, Sexo, APC, GI, escores AQ10 e RIR45. 

Tabela 1: Distribuição dos respondentes por Idade e gênero

A Figura 3 exibe o box-plot e a distribuição de frequências para a Idade no total dos participantes, nos participantes do sexo masculino e feminino. O exame da figura sugere uma assimetria positiva da distribuição da AQ10 tanto nos participantes do sexo masculino, quanto feminino (vide os outliers). Considerando a Tabela 1 verifica-se que uma variação, para a Idade, de 18 a 82 anos com média de 24,65±7,45; nos participantes do sexo masculino uma variação de 18-82 com média de 24,82±7,67, e nas participantes do sexo feminino uma variação de 1859 com média de 24,47±7,20. Não foi observada uma diferença estatisticamente significativa entre as médias de idades definidas pelos grupos sexuais (p=0,560).

Figura 3: Box-plot e a distribuição de frequências para a Idade nos GI.

A Figura 4 exibe o intervalo de confiança da proporção de indivíduos que se auto percebem como carismáticos (APC=1), nos participantes do sexo masculino, feminino e no conjunto formado por todos os participantes. A figura também exibe a distribuição dos participantes segundo o sexo e a variável GI. Na Tabela 1 identifica-se 30 (6,0%), 17 (6,3%); e 13 (5,7%) indivíduos que se julgam carismáticos, respectivamente, em todos os participantes, nos participantes do sexo masculino e nas participantes do sexo feminino. Não foi observada uma diferença estatísticamente significante entre o número de pessoas que se julgam carismáticas nos grupos definidos pelo Sexo (p=0,764). Foi possível identificar, na Tabela 1, uma dominação do grupo TA no total de participantes (72,1%), no grupo masculino (68,4%) e no grupo feminino (76,4%).

Figura 4: IC95% para APC e distribuição de frequência dos respondentes para GI.

A Figura 5 exibe o box-plot e a distribuição de frequências dos escores da AQ10 no grupo total, no grupo masculino e no grupo feminino. O exame da figura sugere uma assimetria positiva na distribuição dos escores da AQ10 para todos os participantes e para os participantes do sexo feminino (vide os outliers). Examinando a Tabela 1 verifica-se que, para todos os participantes, o escore AQ10 variou de 0 até 10 com média de 4,23±2,05; nos participantes do sexo masculino uma variação de 0 até 10 com média de 4,26±2,03, a nas participantes do sexo feminino uma variação de 1 até 10 com média de 4,18±2,08. Não foi observado uma diferença estatisticamente significativa entre as médias dos escores AQ10 definidas pelos grupos sexuais (p=0,609).

Figura 5: Boxplot e distribuição de frequências dos participantes para AQ10. 

 Por fim, a Figura 6 exibe o box-plot e a distribuição de frequências dos escores da RIR45 para todos os participantes, para os participantes do sexo masculino e para os participantes do sexo feminino. O exame da figura sugere assimetria negativa da distribuição dos escores RIR45 em todos os grupos supra referidos (vide os outliers). Examinando a Tabela 1 identifica-se, em todos os participantes, um escore RIR45 variando de 6 até 44, com uma média de 30,32±6,72; nos participantes do sexo masculino uma variação de 11 até 44 com média de 30,60±6,65 e nas participantes do sexo feminino uma variação de 6 até 43 com média de 30,01±6,80. Não foi observado uma diferença estatisticamente significativa entre as médias de idades definidas pelos grupos sexuais (p=0,361).

Figura 6: Boxplot e distribuição de frequências dos participantes para RIR45. 

Parte 2: Propriedades psicométricas das escalas utilizadas

Foram avaliadas a confiabilidade e validade das escalas utilizadas no estudo. Confiabilidade, em métodos de investigação, diz respeito à qualidade da medida. Um instrumento produz uma medida consistente com os resultados, quando ele é aplicado aos mesmos indivíduos em diferentes períodos de tempo e não produz evidência de mudança [78, 79]. Há várias formas de calcular a confiabilidade de um instrumento, por exemplo, confiabilidade interna (duas metades, correlação do item-item e a correlação do item com a soma dos itens), teste/reteste e testes de consistência interna baseados em modelos estatísticos (análise fatorial, alfa de cronbach e KR20). De acordo com Pasquali [75] a validade diz respeito ao aspecto da medida ser congruente com a propriedade medida dos objetos e não com a exatidão com que a mensuração é feita. Bowling [76] aponta que a validade pode ser dividida em três grandes tipos: validade de conteúdo (de face), validade critério (concorrente e preditiva) e validade constructo (convergente e discriminante). Em vista da natureza dicotômica das escalas AQ10 e RIR45, a confiabilidade foi avaliada a partir do coeficiente KR20 [77] (Tabela 2). Para avaliar a validade das escalas foi utilizada a validade de constructo convergente (Tabela 5 e Figuras 7 e 8) e discriminante (Tabelas 3 e 4).

Observando a Tabela 2, verifica-se que o KR20 para a AQ10 foi de 0,55 (IC95% 0,49 até 0,78) para todos os participantes, 0,53 (IC95% 0,44 até 0,77) para os participantes do sexo masculino e 0,57 (IC95% 0,48 até 0,79) para as participantes do sexo feminino.  Para a RIR45 foi de 0,81 (IC95% 0,79 até 0,91) para todos os participantes, 0,81 (IC95% 0,78 até 0,91) para os participantes do sexo masculino e 0,82 (IC95% 0,78 até 0,91) para as participantes do sexo feminino. O KR20 para os domínios da RIR45 foram: para o domínio ACO, 0,58 (IC95% 0,52 até 0,79) para todos os participantes, 0,57 (IC95% 0,49 até 0,79) para os participantes do sexo masculino e 0,59 (IC95% 0,51 até 0,80) para as participantes do sexo feminino; para o domínio FAM, 0,56 (IC95% 0,50 até 0,78) para todos os participantes, 0,52 (IC95% 0,43 até 0,77) para os participantes do sexo masculino e 0,59 (IC95% 0,51 até 0,80) para as participantes do sexo feminino; para o domínio ESP, 0,56 (IC95% 0,50 até 0,78) para todos os participantes, 0,58 (IC95% 0,50 até 0,79) para os participantes do sexo masculino e 0,54 (IC95% 0,45 até 0,78) para as participantes do sexo feminino; para o domínio MAG, 0,44 (IC95% 0,36 até 0,73) para todos os participantes, 0,44 (IC95% 0,33 até 0,73) para os participantes do sexo masculino e 0,44 (IC95% 0,32 até 0,73) para as participantes do sexo feminino e para os quatro domínios, 0,77 (IC95% 0,74 até 0,89) para todos os participantes, 0,77 (IC95% 0,72 até 0,89) para os participantes do sexo masculino e 0,78 (IC95% 0,73 até 0,89) para as participantes do sexo feminino. 

Tabela 2: Coeficiente KR20 e IC (95%)1 para AQ10, RIR45 e para os domínios da RIR45. 

Validade

A avaliação da Normalidade dos escores AQ10 e RIR45 foi realizada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. O teste forneceu evidencia de Normalidade da distribuição dos escores AQ10 somente para os participantes do sexo masculino (p=0,200). No caso dos escores da RIR45 o teste forneceu evidencia de Normalidade para todos os participantes, para participantes do sexo masculino e para participantes do sexo feminino nos grupos TEA e Geral (p>0,050). 

Observando a Tabela 3, constatam-se as diferenças absolutas dos escores médios da AQ10 em todos os participantes e para os participantes do sexo masculino e feminino. Foi encontrada evidência a partir do teste Kruskall Wallis, que para todos os participantes a média dos escores AQ10 no grupo TEA esteve significativamente maior que a média do escore no grupo Geral (7,94±1,94 vs 3,96±1,72, p<0,001) e no grupo TA (7,94±1,94 vs 3,96±1,81, p<0,001). Não foi identificada diferença significativa entre a média dos escores nos grupos TA e Geral (p>0,050).

Para os participantes do sexo masculino a média dos escores AQ10 no grupo TEA foi significativamente maior que a média do escore no grupo Geral (7,94±1,78 vs 4,09±1,71, p<0,001) e no grupo TA (7,94±1,78 vs 3,98±1,83, p<0,001). Não foi identificada diferença significativa entre a média dos escores nos grupos TA e Geral (p>0,050). 

Tabela3: Diferença do escore médio absoluto AQ10 entre os grupos de classificação e sexuais. 

Para as participantes do sexo feminino a média dos escores AQ10 no grupo TEA foi significativamente maior que a média dos escores no grupo Geral (7,94±2,14 vs 3,74±1,85, p<0,001) e no grupo TA (7,94±2,14 vs 3,94±1,80, p<0,001). Não foi identificada diferença significativa entre a média dos escores nos grupos TA e Geral (p>0,050).

A partir da análise do teste Mann-Whitney verificou-se que para todos os participantes, a média dos escores RIR45 no grupo TEA esteve significativamente menor que no grupo TA (16,42±5,30 vs 31,43±5,71, p<0,001). Foi encontrada evidencia a partir do teste t de Student para amostras independentes, que a média dos escores RIR45 no grupo TEA foi significativamente menor que no grupo Geral (16,42±5,30 vs 30,92±5,29, p<0,001). Não foi identificada diferença significativa entre a média dos escores nos grupos TA e Geral (p>0,050).

Foi encontrada evidencia a partir do teste Kruskall Wallis que para os participantes do sexo masculino a média dos escores RIR45 no grupo TEA esteve significativamente menor que a média dos escores no grupo TA (17,06±5,53 vs 31,78±5,73, p<0,001). A partir da análise do teste t de Student para amostras independentes, verificou-se que a média dos escores RIR45, para os participantes do sexo masculino, no grupo TEA esteve significativamente menor que a média dos escores no grupo Geral (17,06±5,53 vs 30,82±5,38, p<0,001). Não foi identificada diferença significativa entre a média dos escores nos grupos TA e Geral (p>0,050).

A Tabela 4 exibe estatísticas relacionadas com os escores RIR45 e seus domínios nos grupos definidos pela APC, em todos os participantes, nos participantes do sexo masculino e nos participantes do sexo feminino.

Tabela 4: Média e Desvio Padrão dos escores RIR45 e seus domínios no grupo de carismáticos e não carismáticos, para todos os participantes e participantes do sexo masculino e feminino.

            *Todos foram testados pelo Teste U Mann-Whitney (1-calda)            TP= Todos os Participantes

A partir da análise do teste U Mann Whitney verificou-se diferenças significativas entre as médias do escore RIR45 e seus domínios nos grupos de não carismáticos e carismáticos, em todos os participantes, RIR45 (30,16±6,78 vs 32,77±5,12, p=0,037), ACO (10,00±2,78 vs 11,13±2,16, p=0,018), MAG (5,55±1,62 vs 6,30±1,23, p=0,008), no grupo feminino para RIR45 (29,77±6,85 vs 34,00±4,38, p=0,019), ACO (9,91±2,79 vs 11,61±1,76, p=0,017), MAG (5,48±1,62 vs 6,46±1,27, p=0,014). Para todos os demais agrupamentos não foi identificado diferença estatísticamente signficativa entre os escores médios.

Parte 3: Análise do Problema de Pesquisa

Observando a Tabela 5 verifica-se a correlação de Spearman entre os escores AQ10, RIR45 e seus domínios em todos os participantes, para os participantes do sexo masculino e feminino, no grupo Global, TEA, Geral e TA. O grupo “Global” refere-se ao conjunto de participantes dos três grupos: TEA, Geral e TA.

Tabela 5: Correlação de Spearman entre AQ10, RIR45 e seus domínios AQ10 em todos os participantes.

            * Correlação é significativa no nível de 0,01 (2-caudas).      TP= Todos os Participantes

Foi encontrada evidencia a partir da correlação de Spearman que para o Global, em todos os participantes houve uma correlação moderada, negativa e significativa entre AQ10 e RIR45 (r= -0,543, p<0,001) e uma correlação fraca, negativa e significativa entre AQ10 e ACO (r= -0,454, p<0,001), ESP (r= -0,455, p<0,001), FAM (r= -0,411, p<0,001) e MP (r= -0,346, p<0,001). Para os participantes do sexo masculino houve uma correlação moderada, negativa e significativa entre AQ10 e RIR45 (r= -0,585, p<0,001) e ESP (r= -0,511, p<0,001) e uma correlação fraca, negativa e significativa entre AQ10 e ACO (r= -0,470), FAM (r= -0,407, p<0,001) e MP (r= -0,378, p<0,001). Nas participantes do sexo feminino houve uma correlação fraca, negativa e significativa entre AQ10 e RIR45 (r= -0,497, p<0,001), ACO (r= -0,432, p<0,001), ESP (r= -0,383, p<0,001), FAM (r= -0,425, p<0,001) e MP (r= -0,314, p<0,001). 

No grupo TEA, em todos os participantes encontrou-se uma correlação fraca, negativa e significativa entre AQ10 e RIR45 (r= -0,455, p=0,008), ACO (r= -0,419, p=0,015), ESP (r= -0,377, p=0,030) e FAM (r= -0,377, p=0,031). Para os participantes do sexo masculino encontrou-se uma correlação fraca, negativa e significativa entre AQ10 e o domínio FAM (r= -0,493, p=0,044). Nas participantes do sexo feminino, uma correlação moderada, negativa e significativa entre ACO (r= -0,671, p=0,004) uma correlação fraca, negativa e significativa entre AQ10 e RIR45 (r= -0,536, p=0,032), ESP (r= -0,554, p=0,026). 

No grupo Geral, em todos os participantes verificou-se uma correlação moderada, negativa e significativa entre AQ10 e RIR45 (r= -0,539, p<0,001) e ESP (r= -0,509, p<0,001) e uma correlação fraca, negativa e significativa entre AQ10 e ACO (r= -0,343, p<0,001), FAM (r= -0,403, p<0,001) e MP (r= -0,239, p=0,013). Para os participantes do sexo masculino encontrou-se uma correlação moderada, negativa e significativa entre AQ10 e RIR45 (r= 0,674, p<0,001) e ESP (r= -0,629, p<0,001) e uma correlação fraca, negativa e significativa entre AQ10 e ACO (r= -0,428, p<0,001), FAM (r= -0,467, p<0,001) e MP (r= -0,426, p<0,001). Nenhuma correlação significativa entre AQ10, RIR45 e seus domínios, foi encontrada nas participantes do sexo feminino.

No grupo TA, para todos os participantes uma correlação fraca, negativa e significativa entre AQ10 e RIR45 (r= -0,434, p<0,001), ACO (r= -0,372, p<0,001), ESP (r= -0,308, p<0,001), FAM (r= -0,318, p<0,001) e MP (r= -0,244, p<0,001). Para os participantes do sexo masculino apresentou uma correlação fraca, negativa e significativa entre AQ10 e RIR45 (r= 0,453, p<0,001), ACO (r= -0,370, p<0,001), ESP (r= -0,347, p<0,001), FAM (r= -0,304, p<0,001) e MP (r= -0,224, p=0,002). Para as participantes do sexo feminino uma correlação fraca, negativa e significativa entre AQ10 e RIR45 (r= -0,420, p<0,001), ACO (r= -0,370, p<0,001), ESP (r= -0,264, p<0,001), FAM (r= -0,334, p<0,001) e MP (R= -0,271, p<0,001).

Observando a Figura 7 verifica-se a dispersão de pontos vistas na Tabela 5, para a amostra como um todo, entre os escores AQ10, escores RIR45, a dicotomia APC e a dicotomia Sexo. O exame da figura permite identificar uma aparente correlação negativa entre AQ10 e

RIR45 tanto no grupo masculino quanto no grupo feminino, isto é, a nuvem de ponto nas duas “paredes” (a parede definida pelos eixos coordenados {sexo=0=masculino}, AQ10 e RIR45; e a parede definida pelos eixos coordenados {sexo=1=feminino}, AQ10 e RIR45).

Figura 7: Diagrama de Dispersão de pontos para AQ10 e RIR 45 nos grupos sexuais

A Figura 8 exibe a dispersão de pontos para os escores AQ10, escores RIR45, a dicotomia APC e a variável GI. O exame da figura permite identificar uma aparente correlação negativa entre AQ10 e RIR45 tanto no grupo masculino quanto no grupo feminino, isto é, a nuvem de ponto nas três “paredes” (a parede definida pelos eixos coordenados{GI=1=TEA}, AQ10 e RIR45; a parede definida pelos eixos coordenados {GI=2=Geral}, AQ10 e RIR45; e o a parede definida pelos eixos coordenados {GI=3=TA}, AQ10 e RIR45).

Figura 8: Diagrama de dispersão de pontos para AQ10 e RIR45 nos GI’s.

DISCUSSÕES

Neste estudo buscou-se verificar se o traço do transtorno do espectro autista, em adultos, poderia ser um fator determinante do potencial de emissão de rapport pelo indivíduo. Ao analisar os resultados verificou-se que não há diferenças significativas da idade, dos escores AQ10 e RIR45, como também da porcentagem de APC, nos participantes do sexo masculinos e femininos. Isso indica que a variável idade não age como uma variável de confusão no processo de validação. Da mesma forma, a ausência de diferença significativa entre a proporção de homens e mulheres na amostra sinaliza que sexo não é uma variável de confusão.  

Para os escores AQ-10 e RIR45 não se identificou diferença significativa entre os escores médios entre os participantes do sexo masculino e feminino, no entanto, isto não quer dizer que a diferença não esteja presente, mas que a pesquisa não teve poder estatístico para identificar tal diferença. Por outro lado, no caso da AQ10, tal resultado sugere que intensidade do traço de TEA independe do sexo do indivíduo, o que difere do que foi encontrado no estudo de Baron-Cohen, onde apesar de a diferença ter sido pequena, foi significativa [29]. Os valores do KR20, para as duas escalas e para os domínios da RIR45 foram todos >0,50, com exceção do domínio MAG. Para Murphy e Davidsholder [79] um KR20 é aceitável a partir de 0,60. Davis [80] e Bowling [76] consideram 0,50 um limiar aceitável para o KR20, o que indica que os itens vem do mesmo domínio conceitual [76].  Assim, considera-se que os itens, das escalas, estão consistentemente medindo o mesmo constructo, com exceção do domínio MAG da RIR45. 

O grupo TEA ter apresentado escore médio na AQ10 significativamente superior aos demais grupos de interesse independentemente do sexo e este mesmo grupo ter apresentado escore médio na RIR45 significativamente inferior aos demais grupos de interesse e independentemente do sexo oferece evidência estatística da validade discriminante tanto da escala RIR45, quanto da AQ10.  Por outro lado,  o grupo APC ter apresentado escore médio na RIR45 significativamente superior ao escore médio do grupo SAPC reforça a evidência de validade discriminante para a escala RIR45. 

Quando se considera o problema de pesquisa alvo deste estudo, a análise de correlação entre a AQ10 e a RIR45, levada a efeito para todos os participantes, no grupo masculino e no grupo feminino, produziu valores moderados e estatisticamente significativos. Isso quer dizer que quanto maior o escore na escala AQ10, menores foram os escore na escala RIR45 e seus domínios, ou seja, o constructo “traço de TEA” parece estar negativamente correlacionado com o constructo “potencial de estabelecimento de Rapport“, o que colocaria o traço de TEA na condição de um potencial determinante do Rapport Emitido pelas pessoas. O mesmo fenômeno foi observado nos grupos de interesse, independentemente do sexo. Esses resultados fornecem evidência estatística de que o traço de TEA é, potencialmente, um determinante do Rapport emitido pelas pessoas. O resultado também oferece uma evidência de validade convergente para a escala RIR45 e seus domínios [76]. As correlações pouco intensas identificadas no estudo estão de acordo com Nick e Sheila [81], segundo as quais, ao se investigar a correlação entre um teste e seu critério pode-se esperar valores entre 0,20 e 0,60. 

Não ter sido encontradas correlações significativas entre a AQ10, a RIR45 e seus domínios, no grupo TEA, com os participantes do sexo masculino e o mesmo para as participantes do sexo feminino no grupo Geral não quer dizer que não haja tais correlações e sim que a pesquisa não teve poder estatístico para identificá-las.  Vale à pena destacar que esse resultado, de homens com TEA não apresentarem correlações significantes entre traço de TEA e PER e as mulheres apresentarem tais correlações significativas, difere do que se espera na literatura, como ilustra Sucksmith, et al [6] a mulher com TEA é quem apresenta maior capacidade empática devido a questões culturais, assim esperava-se que elas apresentassem correlações mais fracas ou sem significância entre TEA e PER.

Verifica-se na Figura 7 que a correlação entre AQ10 e RIR45 é negativa e acontece tanto no grupo masculino, quanto no grupo feminino. Isso quer dizer que quanto maior o traço de TEA, menor tende a ser o PER. Observando a nuvem de pontos correspondente ao grupo masculino (à esquerda do referido gráfico) observa-se que apenas 5 homens de toda a amostra, com escore AQ10 igual ou acima de 6, se consideraram carismáticos. Homens com escores 9 e 10 na AQ10 (2,3%) apresentaram escores menores ou iguais a 20 na RIR45. 70,6% dos 17 homens carismáticos atingiram escores acima de 30 na RIR45 e 82,4% dos homens carismáticos apresentaram escore AQ10 abaixo ou igual a 6 e os 11,8% de homens carismáticos que apresentaram escore RIR45 acima de 40 tiveram escores AQ10 abaixo ou igual a 4. Os homens com alto traço de autismo tendem a não se considerar carismáticos e a terem baixo PER. As mulheres (a direita do gráfico) apresentavam apenas uma pessoa considerada carismática com escore igual a 6 e nenhuma acima. Todas as mulheres consideradas carismáticas tiveram escore RIR45 igual ou maior que 28. Mulheres com escores 9 e 10 na AQ10 (3%) apresentaram escore RIR45 entre 10 e 30. Foram identificadas 6 mulheres com escore AQ10 igual ou maior que 7 e escore RIR45 maior ou igual a 30, enquanto foram identificados 2 homens com escore AQ10 igual ou maior que 7 e escore RIR45 maior ou igual a 30. Tanto nos homens quanto nas mulheres percebe-se que quase todas as pessoas carismáticas (76,7%) tiveram escores RIR45 acima de 30 e que à medida que aumenta o escore RIR45, menor é o escore AQ10 e mais a pessoa se diz carismática. Isso quer dizer que possoas ditas carismáticas tendem a ter um maior PER e possuem um menor traço de TEA.

Verifica-se na Figura 8 que a correlação entre AQ10 e RIR45 é negativa e acontece no grupo TEA, no geral e no TA. No grupo TEA houve apenas duas pessoas com escore menor que 6 tais pessoas são os falsos positivos. Isso justifica o porquê de se adotar o ponto de corte 6. Observa-se também que não há pessoas com TEA que se consideraram carismáticas. 78,8% das pessoas com TEA tiveram escore RIR45 menor ou igual a 20, sendo os que tiveram escore RIR45 maior que 20, também tiveram escore AQ10 menor ou igual a 6. Reforça-se com esse resultado que pessoas com TEA tendem a apresentar baixo PER.

CONCLUSÕES

O objetivo deste estudo foi verificar se o nível de traço de TEA pode ser um determinante do PER de indivíduos adultos. A amostra desse estudo apresentou um n adequado para a análise e as variáveis, Sexo e Idade, não foram variáveis de confusão, o que é importante para estudos quantitativos. As duas escalas utilizadas apresentaram validade e confiabilidade para essa amostra. Verificou-se que o traço de TEA pode ser um determinante para o PER. Na análise correlacional utilizada na investigação do problema de pesquisa, observam-se diversas correlações negativas estatisticamente significativas, sendo a magnitude dos valores de fraca a moderada. Em termos estatísticos, isso significa que a capacidade de uma variável “explicar” a outra foi modesta, verificam-se assim relações de interesse teórico e com potencial para instigar novas pesquisas [82].  Não ter encontrado diferença significativa entre as médias dos escores AQ10, nos participantes do sexo masculino e feminino, pode ter sido um achado e isso pode estar associado com o fato de os homens com TEA não terem apresentado correlações entre AQ10, RIR45 e seus domínios. Isso pode ser explicado pelas idiossincrasias da população brasileira, mas para se confirmar tal hipótese é necessário replicar esse estudo com uma amostra maior, pois a literatura sugere que há diferença na intensidade do traço de TEA entre homens e mulheres e que a mulher com TEA apresentam níveis de empatia maiores que os homens com TEA. O domínio MAG não apresentou propriedades psicométricas adequadas, assim recomenda-se em estudos futuros que os itens desse domínio sejam diluídos nos outros ou então excluídos da escala. Nos EUA há mais diagnósticos de autismo em crianças do que de AIDS, câncer e diabetes combinados [83]. Muitas pessoas chegam a vida adulta sem saber de sua condição de TEA, o que à primeira vista pode não parecer fazer diferença, mas poder dar um nome para aquilo que se tem e saber que há outras pessoas com o mesmo problema pode gerar alívio. Essas pessoas sofrem devido a padrões sociais que a sociedade espera para elas. Assim, um diagnóstico bem feito, pode aliviar esse sofrimento. 

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APENDICE – A

RIR45 – Em cada uma das questões a seguir assinale se você discorda/concorda 



3Para mais informações sobre Sistemas Representacionais consulte: O’Connor [7].
4O domínio MAG não é referido explicitamente na literatura e sua inclusão é parte da contribuição deste trabalho.


1Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia, Diretor Fundador do Instituto Lawrence de Hipnose
Clínica – Hipnose Clínica, Psicologia e Terapia Integrativas, Email instituto@hipnolawrence.com

2Licenciado em Ciências e Matemática, Especialista em Matemática Superior, Mestre em Estatística e Métodos
Quantitativos, Doutor em Ciências. Professor Associado de Bioestatística da Faculdade de Matemática da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail jfmorais@ufu.br