O SISTEMA PENITENCIÁRIO NA BAHIA: DESAFIOS E REFLEXÕES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202501310555


Ismael Domingos Andrade da Silva Amaral
Orientador: Prof. Júlio Cesar Boa Sorte Leão Gama.


RESUMO 

O sistema penitenciário da Bahia atravessa um cenário crítico, marcado por desafios profundos que exigem uma análise detalhada e a aplicação irrestrita do princípio da dignidade humana. Este princípio, fundamental para a construção de sociedades mais justas e igualitárias, se apresenta como pilar central para refletir sobre as condições enfrentadas pelos detentos no estado. Neste contexto, o presente estudo teve como objetivo investigar e contextualizar as condições atuais do Sistema Penitenciário Baiano. A pesquisa foi desenvolvida por meio de uma abordagem qualitativa e exploratória, com ênfase na revisão teórica como principal metodologia. A técnica adotada envolveu uma revisão bibliográfica, complementada pela análise de dados provenientes da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) e da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP). Os resultados evidenciam a necessidade urgente de enfrentar os desafios do sistema penitenciário à luz de princípios éticos e legais, assegurando que a dignidade da pessoa humana seja, de fato, a “pedra angular” da administração da justiça criminal. 

Palavras-chave: Dignidade humana. Penitenciária. Bahia. Detentos.

ABSTRACT 

The prison system in Bahia is going through a critical scenario, marked by profound challenges that require a detailed analysis and the unrestricted application of the principle of human dignity. This principle, which is fundamental to building fairer and more egalitarian societies, is a central pillar for reflecting on the conditions faced by inmates in the state. In this context, this study aimed to investigate and contextualize the current conditions of the Bahian Penitentiary System. The research was carried out using a qualitative and exploratory approach, with an emphasis on theoretical review as the main methodology. The technique adopted involved a literature review, complemented by an analysis of data from the Bahia State Health Department (Sesab) and the State Department of Penitentiary Administration (SEAP). The results show that there is an urgent need to tackle the challenges facing the prison system in the light of ethical and legal principles, ensuring that the dignity of the human person is, in fact, the “cornerstone” of the administration of criminal justice. 

Keywords: Human dignity. Penitentiary. Bahia. Inmates.

1 INTRODUÇÃO

O sistema penitenciário da Bahia enfrenta uma crise grave, caracterizada pela superlotação extrema e pelo colapso das condições carcerárias (Bogo et al., 2020; Silva; Vieira, 2024). Tal situação é resultado de fatores históricos, estruturais e sistêmicos que vêm sendo agravados ao longo do tempo (Gomes et al., 2023).

Esse cenário tem gerado sérios impactos na saúde física e mental dos apenados, violando direitos fundamentais, conforme preconizado pela Constituição Federal e pela Lei de Execução Penal (Brasil, 2020). Além disso, a problemática afeta também aqueles que mantêm contato direto ou indireto com os detentos (Silva, 2017). A Defensoria Pública do Estado da Bahia tem apontado que o Brasil ocupa a terceira posição no ranking mundial em termos de população carcerária (Monte; Forte, 2022).

A perspectiva atual do encarceramento não se revela eficaz, refletindo a falta de investimentos e de políticas públicas estruturais nas áreas de educação, saúde, assistência social e econômica. Diante disso, há a necessidade premente de promover reformas substanciais e implementar mudanças significativas (Bogo et al., 2020; Silva; Vieira, 2024).

O princípio da reabilitação dos apenados, que visa a reintegração à sociedade, tem falhado em proporcionar a preparação adequada, resultando em altas taxas de reincidência criminal (Mbawala et al., 2023). Tal contradição evidencia lacunas no sistema penal, o que justifica a necessidade de uma análise profunda e de reformas substanciais.

 É fundamental destacar que as pessoas privadas de liberdade são portadoras de direitos fundamentais, derivados dos princípios universais dos direitos humanos. Entre esses direitos estão o direito à vida, à proteção contra tortura e tratamentos desumanos ou degradantes, além do acesso à saúde (Brasil, 2020).

A análise individualizada de cada caso é essencial para assegurar uma abordagem justa e equitativa, respeitando os direitos fundamentais dos apenados, enquanto procura a devida responsabilização pelos atos cometidos.

Entretanto, ao serem encarcerados, os indivíduos perdem outros direitos, frequentemente tornando-se alvo de marginalização e estigmatização pela sociedade (Ghisleni, 2014). O histórico carcerário, somado ao preconceito social, dificulta a reintegração dos apenados, perpetuando ciclos de exclusão e discriminação.  

Diante dos desafios enfrentados pelo sistema penitenciário na Bahia, torna-se imprescindível uma investigação aprofundada e reflexões críticas, especialmente no tocante ao princípio da dignidade humana, que deve ser observado em todas as esferas do sistema penal.

Embora a temática seja de relevante importância, ainda há escassez de estudos específicos sobre as condições do sistema carcerário. Existe uma lacuna significativa de pesquisas aprofundadas, o que exige maior investimento acadêmico para enriquecer o entendimento sobre as questões envolvidas.

Portanto, é imperativo realizar uma reformulação abrangente do sistema penitenciário e das políticas de segurança pública, contemplando todas as áreas sociais, com ênfase na prevenção da delinquência, principalmente nas regiões mais vulneráveis (Bogo et al., 2020; Silva; Vieira, 2024).

Logo, essa perspectiva integrada explora não apenas corrigir as falhas do sistema penitenciário, mas também atuar de forma proativa na mitigação das causas subjacentes à criminalidade, promovendo uma justiça mais eficaz e uma segurança pública mais eficiente.

O objetivo deste estudo foi investigar e contextualizar as condições atuais do sistema penitenciário na Bahia, analisando a aplicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana no sistema penitenciário brasileiro, à luz da Constituição Federal e da Lei de Execução Penal. O estudo também descreveu o princípio da dignidade da pessoa humana, discutiu as alterações promovidas pela jurisprudência, e, por fim, analisou dados recentes sobre a quantidade de vagas e a população carcerária nas unidades prisionais do estado da Bahia.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

Este estudo configura-se como uma pesquisa de natureza quantitativa e exploratória (Gil, 1999; Lakatos; Marconi, 2003), que utiliza técnicas de revisão bibliográfica e análise de dados secundários. Os dados analisados foram obtidos de fontes confiáveis, incluindo o Sistema Estadual de Saúde da Bahia (SESAB), a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP) e o Código Penal Brasileiro, além de plataformas acadêmicas e jurídicas.

A seleção dos materiais seguiu um processo rigoroso, que envolveu a análise preliminar dos títulos e resumos de artigos e documentos, com o objetivo de identificar os mais relevantes para o tema em questão. Posteriormente, realizou-se uma leitura detalhada e crítica dos materiais selecionados, assegurando a profundidade necessária à investigação.

A abordagem metodológica adotada integrou métodos qualitativos e quantitativos, possibilitando uma interpretação abrangente e detalhada das informações jurídicas e estatísticas. Esse processo culminou na elaboração de uma revisão robusta e bem fundamentada, que articulou a análise teórica com os dados provenientes das fontes consultadas.

2.1 O sistema penitenciário na Bahia e seus desafios

       O sistema penitenciário da Bahia está amparado no referido decreto nº 12.247 de 08 de julho de 2010 

Art. 1º – O Sistema Penitenciário do Estado da Bahia, coordenado pela Superintendência de Assuntos Penais, órgão em regime especial da administração direta, da estrutura da Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos – SJCDH, é constituído pelas seguintes unidades prisionais: I – Presídio de Salvador; II – Penitenciária Lemos Brito; III – Colônia Agrícola Lafayete Coutinho; IV – Colônia Penal de Simões Filho; V – Conjunto Penal Feminino; VI – Conjuntos Penais de Feira de Santana, de Jequié, de Teixeira de Freitas, de Valença, de Juazeiro, de Serrinha, de Itabuna e de VII – Presídios Advogado Ariston Cardoso, Advogado Nilton Gonçalves, Advogado Ruy Penalva e Presídio Regional de Paulo Afonso; VIII – Hospital de Custódia e Tratamento; IX – Casa do Albergado e Egressos; X – Centro de Observação Penal; XI – Central Médica Penitenciária; XII – Unidade Especial Disciplinar; XIII – Cadeia Pública de Salvador.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, o art. 5º esclarece que os presos condenados não manterão contato com os presos provisórios e serão alojados em alas separadas.

Neste sentido, surgem questionamentos, pois a realidade nas prisões pode ser complexa e sujeita a uma série de desafios que podem afetar a implementação efetiva de diretrizes como a separação dos custodiados com base em vários critérios.

 O § 1º – Observar-se-á, nos estabelecimentos, a separação dos custodiados, levando se em consideração o sexo, a idade, os antecedentes criminais e prisionais, a situação judicial e legal, o delito cometido, o tempo de pena a que foi condenado, o regime de execução, a natureza da prisão e as indicações alusivas à individualização da pena. 

Desta forma, são importantes análises aprofundadas destas questões como superlotação, falta de recursos, problemas estruturais e limitações que o sistema judicial pode influenciar significativamente na capacidade de seguir rigorosas as normas.

Art. 6º – Os estabelecimentos penais estaduais destinados à custódia provisória e ao cumprimento de penas privativas de liberdade em regimes fechado e semi-aberto devem garantir.

IV – locais adequados para atividades sociais, educacionais, culturais, profissionais, ocupacionais, esportivas, religiosas, de lazer, de visitação, terapêuticas e de saúde.

Essas instalações devem ser projetadas e mantidas de maneira a permitir a realização efetiva dessas atividades, a fim de contribuir para a ressocialização dos detentos e, ao mesmo tempo, cumprir com os padrões de dignidade e direitos humanos.

Portanto, a verificação da efetiva implementação desses locais e atividades exige análise detalhada da situação específica do sistema penitenciário em questão, que consiste em investigar relatórios, monitoramentos de direitos humanos e informações oficiais do órgão responsável.

Neste contexto, o Código Penal Brasileiro estabelece em seu decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 que

Art. 33 – A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º – Considera-se:  (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado. § 2º – As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) a) o condenado à pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. § 3º – A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)§ 4 O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais  (Incluído pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003).

A legislação visa estabelecer critérios para a execução das penas, considerando a natureza do crime e as circunstâncias individuais do condenado. Entretanto, enquanto as leis estabelecem diretrizes, a aplicação prática pode ser afetada por uma série de desafios sistêmicos. A análise da eficácia do sistema penal em relação a essas leis específicas exigiria investigação mais aprofundada e consideração das condições específicas em cada jurisdição.

Art. 20 – Ao ingressar no Sistema Prisional, o interno deverá ser submetido a minucioso atendimento médico, que observará as suas condições de saúde, a capacidade física para o trabalho, a existência de peculiaridades que possam dificultar procedimentos de reinserção social e a predisposição a ter a saúde mental afetada com o aprisionamento, sinalizando as informações relevantes e adotando as providências pertinentes.

Neste sentido, essa medida dispõe garantir que as condições de saúde dos detentos sejam adequadamente avaliadas no início da permanência no sistema prisional, permitindo a adoção de ações necessárias para preservar a saúde e, sempre que possível, contribuir para a reinserção social do indivíduo.

 Parágrafo único – Verificando a existência de sinais de lesão, tortura ou similares no interno apresentado, ou havendo queixa por parte do interno, o mesmo deverá ser encaminhado para exame de corpo de delito, comunicando-se imediatamente o fato ao Conselho Penitenciário e ao defensor, sem prejuízo da imediata abertura de processo administrativo para apuração.

Desta forma, essas medidas asseguram a integridade física e o respeito aos direitos humanos dos detentos, proporcionando ambiente prisional que cumpra com os padrões legais e éticos. O envolvimento de órgãos externos, como o Conselho Penitenciário e o defensor, reforça a necessidade de transparência e fiscalização adequada nessas situações.

Entretanto, a realidade não confere o que está descrito no Código Penal. Com a afirmação do Código Penal de 1940, válido até os nossos dias, é notório que o estado, tido como o guardião dos direitos do cidadão, tornou-se o maior agente da transgressão dos mesmos (Bogo et al., 2020). Esta afirmação expressa uma visão crítica sobre a atuação do estado no contexto legal, destacando a percepção de que as ações, muitas vezes, contrariam a proteção dos direitos individuais estabelecidos no Código Penal. 

Sobre este contexto, Bogo et al. (2020, p.28) enfatiza que

No atual sistema penitenciário, indivíduos que foram condenados sofrem diferentes tipos de crueldades e de negação dos direitos do preso como: superlotação, espancamentos, ausência de programas de reabilitação, falta de cuidados médicos e alimentação digna, como também os demais direitos garantidos por lei que visam, não o luxo nem a concessão de benefícios abstratos sem fim, mas a sonhada ressocialização com o retorno do novo cidadão ao convívio social.

No entanto, a resolução dessas questões geralmente exige esforços coordenados e abordagens abrangentes que envolvam não apenas o sistema de jurisdição criminal, mas também setores como educação, saúde e assistência social.

  Jusbrasil destaca que a situação do sistema penitenciário de Salvador – BA é preocupante, pois está superlotado, ausência de higiene, o que leva até crimes de homicídio entre os próprios detentos. Neste sentido, exigem-se esforços coordenados pelo governo do sistema judicial, de organizações da sociedade civil e da comunidade em geral.

2.2.  Reflexões do princípio da dignidade humana. 

O direito à vida é destacado como o principal dentre os direitos fundamentais na Constituição Federal brasileira, figurado no artigo 5º sob o título Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Por outro lado, a dignidade da pessoa humana não é expressamente apresentada como um direito, mas é reconhecida como um dos cinco Princípios Fundamentais que apoia na República Federativa do Brasil, sendo introduzida no primeiro artigo da constituição (CF. art. 1, III) (Mendes, 2013).

Toda pessoa humana é digna. Essa singularidade fundamental e insubstituível é ínsita à condição humana do ser humano, qualifica-o nessa categoria e o põe acima de qualquer indagação. Quando se questiona, nestes chamados tempos modernos, se se há de permitir, ou não, o nascimento de um feto no qual se detecte a existência de anomalia a impossibilitá-lo para uma vida autônoma, está-se a infirmar aquela assertiva e a tornar a humanidade um meio para a produção de resultados e a desconhecer ou desprezar a condição do homem de ser que é fim em si mesmo e digno pela sua própria natureza. Aquilo traduz-se, pois, como injustiça contra os que não se apresentam em iguais condições psicofisiológicas, intelectuais etc. É a injustiça havida na indignidade revelada na desumanidade do tratamento dedicado ao outro. É a injustiça do utilitarismo que se serve do homem e o dota de preço segundo a sua condição peculiar, que se expressa numa forma ao invés de se valer pela essência humana de que se dota (Rocha, 2001, p.52).

Dentre as espécies de princípios fundamentais, merece destaque para a presente problemática o axioma da dignidade da pessoa humana (Menezes; Beltrão, 2018, p. 103)

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana é considerado a base de todos os direitos, conforme argumentado por Hoyos Castañeda (1996, p. 103-104). Desse modo, esta perspectiva implica o reconhecimento prévio da existência de uma juridicidade e normatividade que antecedem a Constituição. Aceitar esse princípio implica que todos os direitos positivados na legislação devem encontrar fundamentação nessa dignidade, sugerindo a importância de uma base ética e normativa que transcende as leis estatais e garante que todos os direitos estejam alinhados com os valores associados à dignidade da pessoa humana (Menezes; Beltrão, 2018).

Os referidos resultados encontram-se descritos de acordo com os levantamentos da Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab). Atualmente, o Sistema Penitenciário da Bahia possui uma população total de 14.308 internos, sendo 13.773 homens e 535 mulheres, cujos dados encontram-se descritos no Gráfico 1. 

Gráfico 1 – Total de internos na Bahia

Fonte: Adaptado da SEAB .

Nesse viés, a distribuição apresentada evidencia a predominância de homens no sistema penal, em consonância com dados nacionais que, frequentemente, demonstram que a maioria da população carcerária é composta por indivíduos do sexo masculino. Neste contexto, essa realidade também ressalta a necessidade de atenção aos desafios específicos enfrentados por mulheres no sistema prisional, que, apesar de representarem uma parcela menor da população encarcerada, demandam políticas públicas direcionadas às necessidades peculiares, conforme apontado por Loucks (2010)

Gráficos 2 – População carcerária da Bahia

Fonte:  Adaptado da SEAB

O Gráfico 2 evidencia que o número de presos em diversas unidades prisionais ultrapassa significativamente a capacidade nominal, ressaltando a necessidade urgente de investimentos em infraestrutura carcerária. Desta forma, este cenário demanda, também, a formulação e implementação de políticas públicas eficazes que assegurem o equilíbrio entre a capacidade projetada e a população carcerária, em conformidade com os princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana e os direitos garantidos pela Lei de Execução Penal (Brasil, 1984). 

Gráficos 3 – População carcerária da Bahia

Fonte: Adaptado de SEAP.

Os Gráficos 2 e 3 ilustram a distribuição da população encarcerada nas instalações prisionais do estado da Bahia, justapondo a capacidade nominal com a capacidade operacional e delineando as disparidades entre a capacidade prevista e a capacidade real presente. Além disso, esses gráficos enfatizam o excesso de população em relação à capacidade de cada instituição correcional.

Essas estatísticas resumem as dificuldades encontradas pelo sistema penal baiano, caracterizado por inúmeras instalações funcionando significativamente além da capacidade pretendida. O fenômeno da superlotação carcerária apresenta não apenas uma preocupação logística, mas também um profundo dilema ético e jurídico, pois viola o princípio da dignidade humana consagrado no artigo 1º, parágrafo III, da Constituição Federal de 1988, ao lado dos direitos dos indivíduos encarcerados afirmados pelo artigo 5º, do mesmo documento fundacional.

Diante dessa situação, é importante formular e executar políticas públicas coesas que enfatizem a reforma do sistema penal, o endosso de mecanismos alternativos de condenação e o estabelecimento de iniciativas de reintegração social, com o objetivo de salvaguardar os direitos fundamentais e aliviar as condições degradantes atualmente observadas.

Gráfico 4 – Superlotação nas Unidades Prisionais do Estado da Bahia

Fonte: Adaptado/ SEAP

É notória a desproporção entre a população carcerária e a capacidade instalada nas unidades prisionais do estado da Bahia, que é agravada pela ausência de políticas públicas adequadas de assistência e reabilitação (Gomes et al., 2023; Bitencourt et al., 2021). Essa conjuntura é intensificada pelo aumento das taxas de criminalidade e pela consolidação de organizações criminosas, que sobrecarregam ainda mais o sistema penitenciário (Gomes et al., 2023).

O Gráfico 4 evidencia o excesso de internos em diversas penitenciárias, destacando as unidades mais afetadas pela superlotação. Tal cenário compromete as condições de vida dos presos, viola o princípio da dignidade humana e gera riscos à segurança pública. A resolução dessa problemática exige a implementação de estratégias que incluam redistribuição de detentos, expansão da infraestrutura carcerária e adoção de medidas alternativas à prisão.

A superlotação carcerária é reflexo de fatores estruturais e sistêmicos, incluindo elevados índices de criminalidade; lentidão no trâmite processual; deficiência na aplicação de penas alternativas; penalidades excessivas para delitos de menor gravidade; ineficiência nas políticas de liberdade condicional e indulto; impactos associados ao tráfico de drogas e crimes correlatos.

Logo, esses elementos configuram um ciclo contínuo de encarceramento, no qual o sistema prisional é incapaz de acompanhar o crescimento da população carcerária, resultando em condições precárias que afetam não apenas os internos, mas também a sociedade como um todo.

Conforme dados apresentados pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a superlotação no sistema penitenciário da Bahia representa uma situação alarmante, com repercussões negativas para a segurança institucional, o bem-estar dos apenados e a efetividade do sistema de justiça criminal.

Ademais, verifica-se a escassez de estudos científicos aprofundados sobre a temática, o que limita a compreensão dos desafios enfrentados pelo sistema penitenciário e dificulta a formulação de políticas públicas mais eficazes. A ausência de uma abordagem científica e interdisciplinar impede a adoção de soluções que tratem tanto os sintomas quanto às causas subjacentes ao problema.

Por conseguinte, impõe-se a necessidade de reformas estruturais e normativas que estejam em consonância com os avanços contemporâneos em criminologia, ciências sociais e direito penal. Essas mudanças devem ser fundamentadas nos princípios constitucionais e no respeito aos direitos humanos, garantindo a dignidade e a integridade de todos os envolvidos no sistema carcerário, incluindo apenados, agentes penitenciários e outros profissionais.

A integração de esforços entre as esferas governamentais, a academia e a sociedade civil são essenciais para o desenvolvimento de estratégias mais justas e eficazes. Qualquer reforma deve priorizar a melhoria da dignidade humana, alinhando-se ao imperativo constitucional e aos tratados internacionais de direitos humanos.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Conclui-se que a reformulação do sistema penitenciário baiano é imprescindível, orientada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, conforme art. 1º, III, da Constituição Federal, e em consonância com os dispositivos da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984). A superlotação e a ausência de políticas eficazes de reintegração social configuram violações aos direitos fundamentais, exigindo ações preventivas e integradas em educação, saúde e assistência social, alinhadas aos objetivos constitucionais da República.

A humanização das penas e a garantia de direitos dos apenados reafirmam o compromisso com o Estado democrático de Direito e a construção de uma sociedade mais justa e segura. Assim, o princípio da dignidade humana deve permanecer como fundamento essencial na administração da justiça penal.

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