O REPUBLICANISMO NO BRASIL: TEORIA, PRÁTICA E O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202409182050


Micheline Ramalho Serejo da Silva


RESUMO

Este artigo examina o republicanismo no Brasil, abordando sua evolução histórica e aplicação prática nas instituições políticas do país. O estudo investiga como correntes positivistas e liberais influenciaram a transição para a República em 1889 e como os princípios republicanos, como o bem comum e a separação de poderes, são expressos nas instituições democráticas brasileiras. O objetivo é entender a teoria republicana no Brasil e analisar o impacto da judicialização da política sobre a separação de poderes. Utiliza uma revisão bibliográfica e análise documental. Os resultados indicam que, embora o Brasil adote formalmente os princípios republicanos, há desafios significativos para sua efetivação prática. A fragilidade das instituições, a corrupção endêmica e a judicialização da política criam barreiras para a realização plena dos ideais de bem comum e participação cívica. O estudo conclui que o fortalecimento das instituições democráticas e o combate à corrupção são elementos essenciais para consolidar o republicanismo no Brasil e garantir que ele se mantenha fiel aos seus princípios fundamentais.

Palavras-chave: Republicanismo; instituições democráticas; judicialização da política; bem comum.

ABSTRACT

This article examines republicanism in Brazil, addressing its historical evolution and practical application in the country’s political institutions. The study investigates how positivist and liberal currents influenced the transition to the Republic in 1889 and how republican principles, such as the common good and the separation of powers, are expressed in Brazilian democratic institutions. The aim is to understand republican theory in Brazil and analyze the impact of the judicialization of politics on the separation of powers. The methodology involves a bibliographic review and documentary analysis. The results indicate that, although Brazil formally adopts republican principles, significant challenges remain for their practical implementation. Institutional fragility, endemic corruption, and the judicialization of politics create barriers to the full realization of the ideals of the common good and civic participation. The study concludes that strengthening democratic institutions and combating corruption are essential elements to consolidate republicanism in Brazil and ensure it remains true to its fundamental principles.

Keywords: Republicanism; democratic institutions; judicialization of politics; common good.

1 INTRODUÇÃO

O republicanismo é uma corrente política com raízes na Antiguidade, desenvolvendo-se nas cidades-Estado da Grécia e Roma, onde o conceito de bem comum e a participação cidadã ativa eram centrais. Ao longo dos séculos, a teoria evoluiu, recebendo novas interpretações no Renascimento e Iluminismo, com pensadores como Maquiavel, Montesquieu e Rousseau, que enfatizaram a separação de poderes e a virtude cívica. No republicanismo moderno, Philip Pettit trouxe o conceito de liberdade como “não-dominação”, destacando que a verdadeira liberdade política deve ser garantida por instituições que impeçam interferências arbitrárias, o que se reflete na forma como os regimes republicanos contemporâneos estruturam suas instituições (Pettit, 1997).

No Brasil, o republicanismo adquiriu relevância com a Proclamação da República em 1889, influenciado por correntes positivistas e liberais. Desde então, o país enfrentou desafios ao tentar consolidar um regime republicano democrático. A redemocratização em 1985 e a promulgação da Constituição de 1988 marcaram um novo momento para a república, estabelecendo as bases para um sistema que visa garantir o bem comum, a separação de poderes e a estabilidade institucional. No entanto, questões como corrupção, judicialização da política e crise de representação continuam a ameaçar a efetivação dos princípios republicanos no Brasil contemporâneo (Carvalho, 2001).

Para investigar essas questões, este artigo adota uma metodologia baseada em revisão bibliográfica e análise documental. A revisão inclui obras clássicas sobre republicanismo, além de estudos sobre o desenvolvimento do republicanismo no Brasil, com destaque para José Murilo de Carvalho. A análise documental inclui a investigação de marcos históricos e constitucionais, como a Constituição de 1988, e casos de judicialização da política, que revelam o impacto do ativismo judicial na separação de poderes e na prática republicana no Brasil.

Assim, este artigo pretende explorar a evolução do republicanismo no Brasil, destacando os desafios de sua aplicação prática e as tensões entre teoria e realidade. O fortalecimento das instituições democráticas, o combate à corrupção e a polarização política são apontados como elementos fundamentais para a preservação dos valores republicanos e a consolidação de uma democracia estável no país.

2 ASPECTOS HISTÓRICOS DO REPUBLICANISMO NO BRASIL

A história do republicanismo no Brasil é um reflexo das transformações políticas que o país sofreu ao longo de sua trajetória, desde a queda da monarquia até a consolidação da democracia republicana contemporânea. Essa jornada é marcada por tensões entre diferentes correntes políticas, interesses regionais e mudanças na forma como o poder foi exercido. Para compreender o republicanismo no Brasil, é necessário examinar cada etapa desse processo, desde a Proclamação da República em 1889, até o advento da Constituição de 1988, que redefiniu o papel das instituições democráticas e do próprio conceito de república no país.

A Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, foi o resultado de um conjunto de fatores políticos, sociais e econômicos que levaram à queda da monarquia e à implementação de um novo regime. Esse movimento foi fortemente influenciado pelas ideias positivistas, que defendiam a necessidade de um Estado mais moderno, e pelos ideais liberais, que buscavam maior participação política e inclusão. A insatisfação com o império, devido à centralização do poder e à exclusão de setores emergentes como os militares, a classe média e os cafeicultores paulistas, acelerou o processo.

O positivismo, em especial, teve uma influência profunda sobre os republicanos da época, principalmente através de figuras como Benjamin Constant, que viam no lema “Ordem e Progresso” uma síntese dos objetivos do novo regime. A proclamação não foi, entretanto, um movimento popular, mas sim um golpe militar liderado por Marechal Deodoro da Fonseca, que colocou fim ao reinado de Dom Pedro II. A transição para a república foi marcada pela ausência de uma participação direta das massas populares, uma característica que definiria os rumos da política brasileira nas décadas seguintes (Barman, 1999; Fausto, 2018).

Desse modo, a Proclamação da República representou também a tentativa de modernizar o país e adequá-lo às novas demandas econômicas e políticas internacionais. O republicanismo brasileiro, entretanto, nascia com a marca da exclusão social e da continuidade das elites no poder, o que restringia o alcance das reformas prometidas.

A Primeira República (1889-1930) foi caracterizada pela descentralização política e pela autonomia dos estados, estabelecida na Constituição de 1891, que marcou a transição de um regime centralizado para um modelo federativo. Embora a intenção fosse garantir uma maior participação das elites regionais no processo político, o sistema acabou perpetuando a concentração de poder nas mãos de oligarquias locais, especialmente nos estados de São Paulo e Minas Gerais, em um arranjo conhecido como a “política do café com leite”.

O coronelismo foi um dos elementos estruturantes desse período. Os coronéis, grandes proprietários de terra com influência política local, exerciam um controle rígido sobre as eleições, por meio da manipulação do voto, da compra de apoio e do uso de milícias privadas. Essa prática criou uma rede de clientelismo que garantia a manutenção das elites no poder e excluía a maior parte da população do processo político, mantendo a república elitista e excludente (Fausto, 2018).

No entanto, o modelo federalista também permitiu que as oligarquias regionais garantissem maior autonomia em suas políticas locais, especialmente nas áreas econômicas e de infraestrutura. Durante a Primeira República, o Brasil passou por um crescimento econômico significativo, impulsionado pela exportação de café e pela expansão ferroviária. Entretanto, as disputas regionais entre as oligarquias e a falta de coesão política enfraqueceram o regime, culminando na Revolução de 1930, que trouxe Getúlio Vargas ao poder e encerrou o ciclo da Primeira República (Carvalho, 2001).

O golpe de 1930 marcou uma virada na história do republicanismo brasileiro. Getúlio Vargas, ao assumir o poder, iniciou uma fase de centralização política e de reorganização das instituições estatais. Embora Vargas tenha se apresentado como um modernizador, disposto a romper com o domínio das oligarquias regionais, o regime implantado por ele, especialmente a partir de 1937, com o Estado Novo, assumiu contornos autoritários.

Durante o Estado Novo (1937-1945), Vargas dissolveu o Congresso, suspendeu a Constituição e estabeleceu um governo ditatorial, concentrando o poder no Executivo. Apesar do autoritarismo, o período foi marcado por importantes avanços na legislação trabalhista, com a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a modernização da economia, com foco na industrialização. No entanto, esses avanços foram acompanhados por uma forte repressão política, censura à imprensa e perseguição a opositores, especialmente os comunistas (Skidmore, 1999).

Esse período redefiniu o republicanismo brasileiro, afastando-se dos ideais liberais de participação política e se aproximando de um modelo centralizador e corporativista. Embora Vargas tenha deixado o poder em 1945, o legado do Estado Novo continuou a influenciar a política brasileira nas décadas seguintes, especialmente no que diz respeito à relação entre o Estado e a sociedade.

O fim do Estado Novo, em 1945, deu início a um processo de redemocratização, com a promulgação da Constituição de 1946, que restabeleceu as eleições livres e o funcionamento do Congresso Nacional. Esse período, entretanto, foi marcado por constantes crises políticas e pela fragilidade das instituições democráticas, culminando no golpe militar de 1964. A ditadura militar (1964-1985) interrompeu novamente a democracia, com a imposição de um regime autoritário que controlou o poder por mais de duas décadas.

A redemocratização definitiva ocorreu em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves e a promulgação da Constituição de 1988. A nova Carta Magna consolidou os princípios republicanos no Brasil contemporâneo, promovendo a separação de poderes, a descentralização do Estado e a ampliação dos direitos civis e sociais. A Constituição de 1988 também estabeleceu mecanismos de controle e fiscalização, como o fortalecimento do Ministério Público e das instituições democráticas, que buscavam garantir a transparência e a accountability dos governantes (Carvalho, 2011).

A redemocratização marcou uma nova fase do republicanismo no Brasil, com a criação de um sistema político mais aberto e participativo. No entanto, desafios como a corrupção, a judicialização da política e a polarização continuam a colocar à prova a capacidade das instituições republicanas de garantir o bem comum e a justiça social.

3 TEORIA REPUBLICANA E SUAS BASES NO BRASIL

A teoria republicana, tanto em sua forma clássica quanto moderna, desempenhou um papel crucial no desenvolvimento do republicanismo brasileiro. No entanto, a adaptação dessas ideias ao contexto brasileiro revelou-se complexa, exigindo a conciliação entre princípios universais, como o bem comum e a liberdade, e as realidades políticas e sociais locais. Esta seção explora a evolução do republicanismo clássico e moderno e como suas ideias fundamentais foram (ou não) incorporadas ao longo da história do Brasil republicano.

3.1 O Republicanismo clássico e moderno

O republicanismo clássico, amplamente influenciado pelos ideais da Roma antiga e das cidades-Estado gregas, enfatiza o bem comum, a participação ativa dos cidadãos e a virtude cívica. Nesse modelo, a república é vista como o regime que permite que os cidadãos governem em benefício coletivo, e a virtude cívica é essencial para impedir a tirania e a corrupção. O pensador Cícero, por exemplo, destacou que a república era o regime que garantiu a justiça e o bem comum, desde que os cidadãos se dedicassem à coisa pública (res publica).

No século XVIII, com o Iluminismo, o republicanismo clássico foi revitalizado por pensadores como Montesquieu e Rousseau, que defenderam a separação de poderes e a participação direta dos cidadãos. No entanto, o republicanismo moderno se desenvolveu de forma mais pragmática, incorporando noções de liberdade individual e limites ao poder do Estado. Philip Pettit, em seu trabalho sobre republicanismo moderno, redefiniu a liberdade como “não-dominação”, que significa estar livre de interferências arbitrárias, seja por parte do Estado ou de outros indivíduos. Para Pettit, a liberdade republicana é garantida por instituições que previnam o domínio e promovam a igualdade cívica, sendo um dos pilares das democracias modernas (Pettit, 1997).

No Brasil, o republicanismo adotou tanto aspectos do modelo clássico, com a retórica do bem comum, quanto do modelo moderno, com a criação de instituições destinadas a garantir a liberdade e a participação política. No entanto, como vimos em períodos como a Primeira República, a prática muitas vezes se distanciou desses ideais, com a elite política mantendo o poder e excluindo amplas camadas da população do processo decisório (Carvalho, 2011).

3.2 O bem comum no contexto brasileiro

O conceito de bem comum, central no republicanismo clássico, refere-se à ideia de que o governo deve atuar em prol do interesse coletivo e não em benefício de interesses particulares ou de elites. No contexto brasileiro, o bem comum foi uma retórica presente em diversos momentos da história republicana, mas sua aplicação prática enfrentou desafios significativos.

Durante a Primeira República, por exemplo, embora o discurso político falasse de modernização e progresso, o bem comum foi muitas vezes negligenciado em favor dos interesses das oligarquias regionais. O sistema de coronelismo, que dominava a política local, priorizava os interesses de grandes proprietários de terra, enquanto a maior parte da população permanecia excluída dos benefícios do desenvolvimento econômico e político.

Na redemocratização, especialmente com a Constituição de 1988, houve uma tentativa de fortalecer o conceito de bem comum, com a criação de políticas públicas voltadas à inclusão social e à redução das desigualdades. A Constituição garantiu uma série de direitos sociais, como saúde, educação e previdência, e instituiu mecanismos de controle social, como o Ministério Público, que visam promover o interesse público e impedir abusos por parte do Estado e de atores privados. No entanto, a corrupção sistêmica e a concentração de poder ainda colocam barreiras à realização plena do bem comum no Brasil republicano contemporâneo (Fausto, 2018).

3.3 Liberdade como não-dominação

A liberdade como não-dominação, conceito central do republicanismo moderno formulado por Philip Pettit, propõe que os cidadãos devem estar livres não apenas de interferências diretas, mas de qualquer forma de controle arbitrário que possa restringir sua capacidade de agir conforme sua vontade. Esse conceito vai além da noção liberal de liberdade negativa, que apenas busca limitar a interferência direta do Estado. No republicanismo de Pettit, o foco está em construir instituições que garantam essa liberdade contínua, prevenindo formas de domínio.

No Brasil, essa ideia se manifesta em parte no arcabouço constitucional e institucional estabelecido pela Constituição de 1988, que procura limitar o poder arbitrário e garantir a participação democrática. A independência do Judiciário, a criação de instituições de fiscalização e controle, como o Tribunal de Contas e o Ministério Público, e o fortalecimento dos direitos civis são reflexos dessa busca por uma liberdade não-dominada. No entanto, o fenômeno da judicialização da política e a concentração de poder em certas esferas ainda desafiam essa concepção de liberdade.

A dominação continua a ser um tema relevante no Brasil, especialmente em relação às classes populares, que muitas vezes enfrentam a interferência de elites políticas e econômicas em suas vidas cotidianas, sem acesso a mecanismos de participação política efetiva. A liberdade como não-dominação exige, portanto, não apenas a criação de instituições democráticas formais, mas a garantia de que todos os cidadãos tenham uma voz ativa no processo político e que suas liberdades sejam protegidas de maneira efetiva (Pettit, 1997; Bignotto, 2003).

4 O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES NO REPUBLICANISMO BRASILEIRO

O republicanismo, enquanto teoria política, não se sustenta apenas em ideais abstratos, mas também na forma como as instituições políticas estruturam e operam a manutenção do regime republicano. No Brasil, as instituições desempenham um papel central na efetivação dos princípios republicanos, como a separação de poderes, o controle democrático e a transparência. Nesta seção, exploraremos a interação entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como o papel das instituições de controle e fiscalização no fortalecimento da república brasileira.

4.1 O Executivo, o Legislativo e o Judiciário

No modelo republicano brasileiro, inspirado pela doutrina da separação de poderes desenvolvida por Montesquieu, o equilíbrio entre Executivo, Legislativo e Judiciário é fundamental para garantir a estabilidade e a legitimidade do regime. A Constituição de 1988 estabeleceu um sistema de pesos e contrapesos (checks and balances) que visa evitar a concentração de poder em uma única instituição, mantendo o princípio republicano da divisão clara entre os três poderes.

O Executivo tem um papel preponderante na condução das políticas públicas e na administração do Estado, mas deve atuar dentro dos limites impostos pela Constituição e pela supervisão do Legislativo e do Judiciário. Historicamente, no Brasil, o Executivo tem mostrado uma tendência a acumular poder, principalmente em períodos de instabilidade política ou crises, o que gera desafios para a manutenção do equilíbrio republicano. O Legislativo, por sua vez, possui a função de criar e revisar leis, bem como fiscalizar as ações do Executivo. No entanto, sua atuação muitas vezes é limitada por questões de governabilidade e pela influência de interesses partidários ou regionais (Bignotto, 2003).

O Judiciário, em sua função de intérprete e guardião da Constituição, deve garantir que as leis e as ações dos outros poderes estejam de acordo com os princípios constitucionais. A independência do Judiciário é uma peça-chave na manutenção da república, pois impede a dominação de um poder sobre o outro, assegurando que o sistema funcione com base em regras justas e equilibradas (Pereira, 2016). No entanto, a relação entre os poderes nem sempre é harmônica, e o desafio de manter essa interação dentro de um equilíbrio republicano é constante.

4.2 O papel do judiciário e a judicialização da política

Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado um fenômeno crescente de judicialização da política, onde questões tradicionalmente decididas pelo Executivo ou pelo Legislativo são levadas ao Judiciário. Esse processo ocorre quando o Judiciário é chamado a resolver disputas políticas ou sociais que, em teoria, deveriam ser solucionadas pelos outros poderes, o que gera um impacto direto na dinâmica republicana.

A judicialização da política no Brasil tem sido tanto criticada quanto defendida. Por um lado, seus defensores argumentam que o Judiciário tem sido uma salvaguarda para os direitos constitucionais e para o controle do poder. Diante de crises políticas e da inércia ou disfunção dos outros poderes, o Judiciário assume um papel proativo para garantir que as normas republicanas sejam cumpridas. Por outro lado, seus críticos veem a judicialização como uma forma de interferência indevida nas prerrogativas do Legislativo e do Executivo, o que pode comprometer a separação de poderes e enfraquecer o caráter democrático do regime (Barroso, 2017).

Esse fenômeno levanta questões sobre a teoria republicana. A judicialização compromete o ideal de uma república onde os três poderes atuam de maneira harmônica e balanceada, ou fortalece o republicanismo ao garantir que os princípios constitucionais sejam respeitados, mesmo quando os outros poderes falham em cumprir suas funções? A resposta depende do contexto político e das circunstâncias que levam à atuação do Judiciário. Embora o ativismo judicial possa ser visto como uma forma de proteção contra o abuso de poder, ele também pode ser interpretado como uma ameaça ao equilíbrio republicano, especialmente quando o Judiciário se torna excessivamente intervencionista (Silva, 2014).

4.3 As instituições de controle e fiscalização

Além dos três poderes tradicionais, outras instituições desempenham um papel crucial no fortalecimento do republicanismo no Brasil. O Ministério Público, o Tribunal de Contas e outras entidades de controle e fiscalização têm a função de garantir a transparência e a accountability dos agentes públicos, elementos essenciais para a manutenção de uma república saudável.

O Ministério Público, previsto na Constituição de 1988, atua como um “fiscal da lei”, responsável por defender os interesses da sociedade, garantir que os direitos individuais e coletivos sejam respeitados e promover o controle externo da atividade pública. Sua autonomia e independência são características fundamentais que reforçam seu papel republicano, ao impedir que o Estado abuse de suas prerrogativas ou que interesses privados se sobreponham ao bem comum.

O Tribunal de Contas da União (TCU), bem como os Tribunais de Contas estaduais e municipais, são responsáveis por fiscalizar a aplicação dos recursos públicos, garantindo que as finanças do Estado sejam geridas de maneira correta e transparente. Essas instituições de controle têm um papel central no combate à corrupção e no fortalecimento da confiança da população nas instituições republicanas (Arantes, 2011).

Essas instituições, embora não façam parte dos três poderes tradicionais, são fundamentais para garantir que o sistema funcione de maneira transparente e que o poder seja exercido com responsabilidade. A sua existência e autonomia refletem a complexidade do republicanismo no Brasil e a necessidade de vigilância constante sobre o uso do poder.

5 REPUBLICANISMO NA PRÁTICA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

O republicanismo, enquanto teoria política e estrutura institucional, enfrenta vários desafios no contexto brasileiro contemporâneo. Além das dificuldades históricas para consolidar os princípios republicanos no país, a prática atual do republicanismo lida com crises de representação, polarização política crescente e corrupção sistêmica. Estes fatores não apenas comprometem a confiança da população nas instituições, como também minam os ideais republicanos de bem comum, participação cívica e transparência.

5.1 Crise de representação política

A crise de representação política no Brasil é uma questão crônica que abala a confiança da população nas instituições republicanas. No cerne dessa crise está a crescente desconexão entre os eleitos e seus eleitores. A percepção de que as elites políticas, uma vez no poder, promovem interesses próprios ou de grupos específicos, em detrimento do bem comum, tem provocado insatisfação social e um distanciamento cada vez maior da população em relação à política institucional.

O sistema eleitoral e partidário do Brasil contribui para essa crise. A fragmentação partidária, que gera uma proliferação de partidos sem plataformas políticas claras, dificulta a governabilidade e a criação de um debate político coerente. Consequentemente, o Congresso Nacional muitas vezes falha em representar os diversos segmentos da sociedade de maneira justa e eficaz. A falta de reformas estruturais também agrava essa crise, uma vez que o sistema atual perpetua uma cultura de fisiologismo e clientelismo, prejudicando o funcionamento adequado da democracia republicana (Carvalho, 2011).

Essa crise não é meramente estrutural; ela também se reflete no descontentamento popular, evidenciado por uma série de manifestações em massa, como as de 2013, e pelo aumento do número de votos nulos, brancos e abstenções nas eleições. A falta de confiança nos políticos e no processo eleitoral é uma ameaça direta ao republicanismo, já que a participação ativa e informada da cidadania é um de seus pilares. Nesse cenário, os ideais republicanos de inclusão e participação cívica perdem força, criando um vácuo que pode ser preenchido por soluções autoritárias e populistas, que prometem “reformar” o sistema, mas muitas vezes ignoram os princípios republicanos fundamentais (Tavares, 2016).

5.2 A polarização política e seus efeitos

A polarização política no Brasil, especialmente nos últimos anos, intensificou a crise de representatividade e complicou a governabilidade. A divisão entre facções políticas opostas tem radicalizado o discurso político, reduzido o espaço para o diálogo e comprometido a construção de consensos, essenciais para o funcionamento de uma república democrática.

Um dos efeitos mais preocupantes da polarização é a pressão exercida sobre as instituições para que se alinhem a uma ou outra facção, minando sua imparcialidade. O Judiciário, por exemplo, frequentemente se vê no centro de controvérsias políticas, sendo acusado de favorecer um lado em detrimento de outro, o que gera uma desconfiança generalizada em relação à sua atuação. A polarização exacerba essa percepção, especialmente quando decisões judiciais são tomadas em contextos de alta tensão política, como os processos de impeachment ou investigações de corrupção envolvendo figuras políticas de destaque (Barroso, 2017).

Essa polarização também enfraquece o republicanismo na medida em que torna a busca pelo bem comum uma tarefa secundária. Em um cenário polarizado, os interesses partidários e ideológicos tendem a prevalecer sobre as políticas que beneficiariam a coletividade. O republicanismo, ao contrário, exige que o governo atue em prol do bem comum, conciliando interesses divergentes e garantindo que as decisões políticas sejam tomadas com base na justiça e na equidade, não no confronto ideológico (Mouffe, 2005).

A polarização ainda tem outro efeito colateral grave: a erosão das normas democráticas. A constante acusação de ilegitimidade entre os adversários políticos enfraquece o respeito pelas regras do jogo democrático, comprometendo a estabilidade das instituições republicanas. Quando o diálogo é substituído pelo conflito, a democracia perde sua capacidade de autoajustar-se e adaptar-se, o que é essencial para a manutenção de um sistema republicano funcional.

5.3 Corrupção e Republicanismo

A corrupção é um dos principais inimigos do republicanismo no Brasil, pois atinge diretamente os princípios do bem comum e da confiança nas instituições. No contexto republicano, a corrupção é mais do que a má administração de recursos públicos; ela representa a quebra do contrato social entre governantes e governados, corroendo a legitimidade das instituições e prejudicando a promoção da justiça e da equidade.

Os escândalos de corrupção no Brasil, como o Mensalão e a Operação Lava Jato, revelaram a profundidade do problema, envolvendo tanto a esfera política quanto a econômica. O impacto disso sobre o republicanismo é devastador. Quando políticos e empresários desviam recursos públicos, eles minam a capacidade do Estado de prover serviços essenciais e de atender às necessidades da população. Isso aprofunda a desigualdade e cria um ciclo vicioso de desconfiança e desilusão com o sistema político (Arantes, 2011).

A corrupção também compromete a meritocracia e a eficiência das políticas públicas. Em vez de promover o bem comum, como exige o republicanismo, os governantes corruptos utilizam o poder para atender a interesses particulares, muitas vezes à custa dos mais vulneráveis. Além disso, a corrupção reduz a transparência das instituições e prejudica o controle social sobre a administração pública, dois elementos essenciais para a manutenção de um sistema republicano saudável.

Outro aspecto relevante é o efeito da corrupção sobre a economia. O desvio de recursos e os esquemas de favorecimento prejudicam o desenvolvimento econômico sustentável, o que, por sua vez, agrava as crises sociais e políticas, aprofundando a desconfiança nas instituições republicanas. Em um ambiente onde a corrupção é sistêmica, o republicanismo se torna uma mera formalidade, esvaziada de conteúdo prático e ético.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo analisou o republicanismo no Brasil, desde suas raízes teóricas até os desafios práticos enfrentados pelas instituições ao longo de sua história. A Proclamação da República em 1889 marcou o início de um novo ciclo político no país, mas a prática do republicanismo sofreu inúmeras interrupções e distorções ao longo do tempo, especialmente em momentos como o Estado Novo e o regime militar. Mesmo após a redemocratização de 1985, o ideal republicano ainda enfrenta dificuldades para se consolidar completamente, sendo constantemente desafiado por crises de representação, polarização política e corrupção sistêmica.

Um dos principais pontos discutidos ao longo do artigo foi a centralidade das instituições republicanas para a preservação da democracia no Brasil. O Executivo, Legislativo e Judiciário desempenham papeis cruciais na manutenção do equilíbrio de poder e na promoção do bem comum, mas esse equilíbrio é frequentemente ameaçado por tendências de concentração de poder e pela judicialização excessiva da política. O fortalecimento dessas instituições, juntamente com a criação de mecanismos mais eficazes de controle e fiscalização, é fundamental para garantir que o republicanismo brasileiro permaneça fiel aos seus princípios fundadores.

No contexto contemporâneo, o republicanismo no Brasil enfrenta novos desafios, como a crescente polarização política, que dificulta o diálogo e a cooperação entre diferentes setores da sociedade, e a judicialização da política, que muitas vezes gera tensões na separação de poderes. Além disso, a corrupção continua a ser um obstáculo central, corroendo a confiança nas instituições e desviando recursos públicos que deveriam ser utilizados para o bem comum.

Diante desses desafios, o futuro do republicanismo no Brasil dependerá da capacidade das instituições democráticas de se adaptarem e se fortalecerem. Reformas políticas que incentivem a participação cidadã, a transparência e a accountability são essenciais para a construção de uma república que atenda verdadeiramente aos interesses da sociedade. A renovação dos valores republicanos, como a virtude cívica e a busca pelo bem comum, é um imperativo para garantir que o Brasil possa superar suas crises atuais e consolidar um regime republicano estável e inclusivo.

Somente por meio do fortalecimento institucional e da reafirmação dos ideais republicanos será possível garantir a preservação da democracia e a promoção de uma sociedade mais justa e equitativa, onde o interesse público prevaleça sobre os interesses particulares.

REFERÊNCIAS

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