O RACISMO NAS REDES SOCIAIS:UMA ANÁLISE SOBRE COMO A TECNOLOGIA AMPLIFICA A DISCRIMINAÇÃO RACIAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10071341


Pedro Henrique Marie de Paiva Paz;
Orientadores:
Prof° MSc. Ormail de Souza Carvalho;
MSc. Rebeca Dantas Dib.


RESUMO

O presente estudo tem como objetivo geral analisar o impacto do racismo nas redes sociais e como a tecnologia amplifica a discriminação racial, à luz da legislação brasileira. E são objetivos específicos: investigar as principais formas de discriminação racial presentes nas redes sociais, incluindo comentários, memes e imagens ofensivas. identificar os mecanismos utilizados pelas empresas de tecnologia para coibir o racismo nas redes sociais; evidenciar o papel do Estado na regulamentação do combate ao racismo nas redes sociais e as iniciativas que têm sido adotadas para garantir a aplicação da legislação brasileira que pune atos de racismo. Trata-se de pesquisa bibliográfica, qualitativa, descritiva e do método indutivo. Esta pesquisa revela que a discriminação racial nas redes sociais se manifesta de diversas formas, como comentários e memes depreciativos, mostrando a permanência do racismo na era digital. Embora empresas de tecnologia adotem medidas para coibir conteúdos racistas, estas ações se mostram inconsistentes e insuficientes, destacando desafios na moderação de conteúdo e na aplicação de políticas uniformes. Por outro lado, a legislação brasileira pune o racismo, mas carece de normas específicas para o contexto digital. Iniciativas governamentais, como educação sobre cultura afro-brasileira e africana, campanhas de conscientização e treinamento de agentes públicos, são importantes, porém ainda limitadas. Conclui-se que é essencial uma estratégia integrada e focada no meio digital para combater efetivamente o racismo online, envolvendo legislação adaptada, políticas aprimoradas de plataformas, e esforços contínuos de educação e sensibilização, visando criar um ambiente digital mais inclusivo e respeitoso.

Palavras-chave: Discriminação Racial. Racismo. Rede Social. Tecnologia.

ABSTRACT

The general objective of this study is to analyze the impact of racism on social networks and how technology amplifies racial discrimination, in light of Brazilian legislation. And they have specific objectives: to investigate the main forms of racial discrimination present on social networks, including comments, memes and offensive images. identify the mechanisms used by technology companies to curb racism on social media; highlight the role of the State in regulating the fight against racism on social networks and the initiatives that have been adopted to guarantee the application of Brazilian legislation that punishes acts of racism. This is bibliographical, qualitative, descriptive research using the inductive method. This research reveals that racial discrimination on social media manifests itself in different ways, such as derogatory comments and memes, showing the permanence of racism in the digital age. Although technology companies adopt measures to curb racist content, these actions prove to be inconsistent and insufficient, highlighting challenges in content moderation and the application of uniform policies. On the other hand, Brazilian legislation punishes racism, but lacks specific standards for the digital context. Government initiatives, such as education about Afro-Brazilian and African culture, awareness campaigns and training of public agents, are important, but still limited. It is concluded that an integrated strategy focused on the digital environment is essential to effectively combat online racism, involving adapted legislation, improved platform policies, and continuous education and awareness efforts, aiming to create a more inclusive and respectful digital environment.

Keywords: Racial Discrimination. Racism. Social network. Technology.

INTRODUÇÃO

O racismo é uma triste manifestação de preconceito enraizada na história da humanidade que continua a ser um desafio persistente em nossas sociedades. Este fenômeno complexo transcende fronteiras geográficas e culturais, manifestando-se de formas sutis e explícitas. Diante dessa realidade e com a ascensão das redes sociais houve uma transformação significativa na maneira como nos comunicamos e interagimos, mas também uma preocupante dimensão do racismo.

Nos tempos contemporâneos, as plataformas digitais podem ser usadas como veículos para disseminar estereótipos negativos, discursos de ódio e atitudes preconceituosas. Uma vez que, a velocidade e alcance das redes sociais permitem que conteúdos racistas se espalhem rapidamente, atingindo um público global em questão de segundos. Além disso, a anonimidade, muitas vezes, associada à interação online pode incentivar a expressão de visões racistas que indivíduos hesitariam em compartilhar pessoalmente sua opinião hostil.

Mediante o exposto, torna-se evidente a relevância deste trabalho, considerando que o racismo é um problema social e estrutural que afeta a vida de milhões de pessoas no mundo inteiro, e as redes sociais têm sido cada vez mais apontadas como espaços onde essa prática discriminatória é disseminada e amplificada. É necessário compreender como a tecnologia contribui para o racismo nas redes sociais, identificando as principais formas de discriminação racial presentes nesses espaços, bem como as medidas adotadas pelas empresas de tecnologia e pelo Estado para coibir essa prática.

Além disso, é fundamental avaliar a eficácia dessas medidas e propor soluções para garantir que as redes sociais sejam espaços seguros e inclusivos para todos. Nesse sentido, esta pesquisa se justifica pela relevância do tema, que afeta a vida de milhões de pessoas no Brasil e no mundo, e pela importância de se discutir e propor soluções para o combate ao racismo nas redes sociais, em conformidade com a legislação brasileira que pune atos de racismo.

Partindo-se desses pressupostos, estruturou-se a seguinte problemática: como as redes sociais podem amplificar a discriminação racial, gerando um ambiente hostil e desigual para os usuários pertencentes a grupos étnicos minoritários?

A hipótese de trabalho considera que a tecnologia e o anonimato proporcionado pelas redes sociais podem permitir que indivíduos expressem opiniões racistas sem consequências significativas, criando um ambiente tóxico que promove a discriminação racial e prejudica a experiência online de usuários pertencentes a grupos étnicos minoritários. Além disso, a falta de moderação efetiva por parte das empresas de tecnologia pode contribuir para a disseminação do racismo nas redes sociais.

Além disso, a falta de moderação efetiva por parte das empresas de tecnologia pode contribuir para a disseminação do racismo nas redes sociais, violando a legislação brasileira que pune atos de racismo como crime inafiançável e imprescritível, conforme a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 5º, inciso XLII, que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

Dessa forma, a Constituição Federal do Brasil reconhece o racismo como uma conduta criminosa e estabelece que essa prática é inafiançável, ou seja, o acusado não poderá ser liberado mediante o pagamento de fiança, e imprescritível, ou seja, não pode ser punida pelo decurso do tempo, podendo ser julgada a qualquer momento, mesmo após muitos anos da prática do delito. Além disso, a pena prevista para o crime de racismo é a reclusão, que pode variar de dois a cinco anos, dependendo da gravidade do delito.

Portanto, é fundamental que sejam implementadas medidas para coibir essas práticas discriminatórias e responsabilizar os usuários que as promovem, a fim de garantir que as redes sociais sejam espaços seguros e inclusivos para todos, em conformidade com a legislação vigente.

O objetivo geral deste trabalho foi de analisar o impacto do racismo nas redes sociais e como a tecnologia amplifica a discriminação racial, à luz da legislação brasileira. Os objetivos específicos foram: investigar as principais formas de discriminação racial presentes nas redes sociais, incluindo comentários, memes e imagens ofensivas. identificar os mecanismos utilizados pelas empresas de tecnologia para coibir o racismo nas redes sociais; evidenciar o papel do Estado na regulamentação do combate ao racismo nas redes sociais e as iniciativas que têm sido adotadas para garantir a aplicação da legislação brasileira que pune atos de racismo.

A metodologia de pesquisa aplicada a este estudo trata-se de pesquisa bibliográfica, qualitativa, descritiva e do método indutivo. A pesquisa bibliográfica consiste na análise de fontes escritas, como livros, artigos, jurisprudências e legislação, para embasar e fundamentar um estudo. No que se refere a pesquisa qualitativa, buscou compreender e interpretar fenômenos sociais, privilegiando a obtenção de dados descritivos e detalhados. E considerando a característica de pesquisa descritiva foi utilizada para descrever aspectos do sistema jurídico, como leis, normas, jurisprudências e práticas judiciárias. E por fim, o método indutivo que proporcionou uma compreensão mais profunda e contextualizada das normas jurídicas, contribuindo para a evolução e a interpretação do sistema jurídico.

Quanto à apresentação e análise dos resultados, foi adotada uma abordagem sistemática e estruturada. Inicialmente, realizou-se uma revisão extensiva da literatura existente sobre racismo nas redes sociais, abordando tanto os aspectos tecnológicos quanto os legais. Isso permitiu a compreensão das diferentes manifestações de discriminação racial online e sua relação com as dinâmicas sociais mais amplas.

No que diz respeito às principais formas de discriminação racial presentes nas redes sociais, foram identificadas diversas manifestações, incluindo comentários ofensivos, memes de cunho racista e imagens discriminatórias. Essas expressões muitas vezes perpetuam estereótipos prejudiciais e disseminam ódio, contribuindo para a manutenção de estruturas de desigualdade. Através da análise dessas formas de discriminação, foi possível compreender a complexidade do problema e seus impactos na sociedade.

Assim, este estudo foi estruturado conforme descrito abaixo, fazendo parte dele também a introdução e a conclusão. Na Seção 1, discorre-se sobre os aspectos histórico-conceituais e características do racismo e discriminação racial; a Seção 2 apresenta as redes sociais e as principais formas de discriminação raciais, enquanto a Seção 3 traz a apresentação e análise do papel do estado na regulamentação do combate ao racismo nas redes sociais.

1. RACISMO E DISCRIMINAÇÃO NA SOCIEDADE BRASILEIRA

O racismo e a discriminação na sociedade brasileira são questões profundamente enraizadas, que persistem como desafios significativos mesmo após décadas de avanços legais e sociais. O Brasil, uma nação marcada pela diversidade racial e étnica, enfrenta um legado histórico de desigualdades que continua a afetar a vida de milhões de pessoas.

Considerando que, o país foi fortemente influenciado pelo período de escravidão, que durou por mais de três séculos, deixando cicatrizes profundas na estrutura social e econômica. A abolição da escravidão em 1888 foi um marco importante na história brasileira, mas não foi acompanhada de medidas efetivas para a inclusão e igualdade da população negra, resultando em uma persistente desigualdade racial (SILVA, 2019).

Nesse contexto, o racismo no Brasil se manifesta de várias maneiras, desde a discriminação racial no local de trabalho até o preconceito na mídia e a violência policial direcionada principalmente contra jovens negros. Além disso, estereótipos e estigmas raciais persistem na sociedade, afetando a autoestima e o bem-estar emocional das pessoas negras. Ademais, discriminação racial também afeta outros grupos étnicos, como os indígenas e imigrantes, que enfrentam desafios específicos relacionados ao acesso à terra, saúde e educação, enquanto os imigrantes muitas vezes enfrentam xenofobia e discriminação com base em sua origem étnica ou nacionalidade (Da Conceição, 2019).

Apesar dos esforços significativos para combater o racismo e a discriminação, incluindo leis rigorosas como a Lei dos Crimes Resultantes de Preconceito de Raça ou de Cor (Lei nº 7.716/1989), Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) e Lei nº 10.639/2003, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar a igualdade racial. Logo, é fundamental que a sociedade como um todo reconheça a existência do racismo estrutural e trabalhe ativamente para desmantelá-lo.

Portanto, o racismo e a discriminação racial continuam sendo desafios urgentes na sociedade brasileira. A superação dessas questões requer um compromisso coletivo de enfrentar o preconceito e trabalhar em direção a uma sociedade mais inclusiva, justa e igualitária para todos, independentemente de sua origem étnica ou racial.

Para tanto, o presente capítulo se aprofunda na análise do racismo estrutural no Brasil, enfatizando como o racismo está enraizado nas estruturas sociais, econômicas e políticas do país. Sequencialmente, discorrerá sobre na Lei nº 7.716/1989, também conhecida como a Lei do Racismo, que desempenha um papel fundamental no combate à discriminação racial no Brasil, discutindo os aspectos legais da lei, como as punições para práticas racistas e as medidas destinadas a coibir a disseminação de ideologias racistas. E por fim, o Estatuto da Igualdade Racial, representado pela Lei nº 12.288/2010, cuja relação visa promoção da igualdade racial e à valorização da cultura afro-brasileira e indígena.

1.1. O Racismo Estrutural no Brasil e o Processo Histórico

Já no século XXI, há mais de 130 anos da abolição da escravidão no Brasil, opressão racial continua sendo uma barreira substancial ao exercício dos direitos de cidadania. A sociedade brasileira contemporânea pode ser descrita como um sistema social racializado, no qual as instituições sociais são profundamente influenciadas por e hierarquias raciais socialmente definidas. A persistência até hoje, da marcada desigualdade econômica e social das minorias raciais, está apoiada num sistema generalizado de crenças que pretendem naturalizar a discriminação e a estratificação racial.

Conforme Almeida (2019), o racismo é intrínseco à estrutura social, ou seja, é uma consequência do modo convencional com que as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares se estabelecem. Não é uma anomalia social nem uma disfunção institucional; o racismo é, na verdade, uma característica estrutural. Comportamentos individuais e procedimentos institucionais são produtos de uma sociedade em que o racismo é a norma, não a exceção.

Ainda de acordo com o autor, o racismo faz parte de um processo social que ocorre de forma sub-reptícia, muitas vezes parecendo estar enraizado na tradição. Portanto, para além das medidas que visam reprimir o racismo em nível individual e institucional, é essencial contemplar mudanças profundas nas dinâmicas sociais, políticas e econômicas (ALMEIDA, 2019, p. 33).

No Brasil, o racismo se expressa como um sistema silencioso de prática que visa naturalizar a discriminação racial contra os negros. Dessa maneira, o preconceito racial se aplica em todos os parâmetros sociais quando se trata da pessoa de cor, da pessoa negra. Assim definido, o racismo se materializa na ideologia e nas práticas em toda a sociedade. Também, em nossa vida cotidiana, coadjuvando na normalização e replicação do racismo (ações, hábitos, situações, falas e pensamentos que já fazem parte do dia a dia do povo brasileiro), na cultura e nas instituições e políticas interconectadas (CAMPOS, 2017). Desta forma se estabelecem as bases que tentam legitimar, naturalizar e perpetuar o racismo.

O recente relatório sobre os Direitos Humanos no país, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA, 2021, p. 140), enfatiza que o racismo é uma característica que aponta para a presença de um sistema organizado de violência e eliminação de indivíduos considerados “indesejados” na sociedade brasileira. Além disso, esses grupos continuam a ser protegidos por um sistema judicial que parece agir apenas para punir aqueles que pertencem a essas comunidades particularmente vulneráveis (CIDH/OEA, 2021).

O racismo se mostra de forma clara nas diversas camadas da sociedade, perpetuando sistematicamente a discriminação contra grupos como negros, quilombolas, indígenas, sem-teto e moradores de favelas. Essa estrutura racista, enraizada na sociedade brasileira, remonta aos tempos coloniais e foi agravada durante o período escravocrata. Portanto, para compreender o que é o racismo estrutural, é necessário retroceder na história.

Mesmo após mais de 130 anos da abolição da escravidão, é errôneo pensar que, na sociedade brasileira contemporânea, o racismo se manifesta apenas como eventos isolados. A elite social muitas vezes tenta transmitir a ideia de que a presença de um indivíduo negro em seu círculo social a isenta de contribuir para o racismo estrutural,  ou seja, acredita que o racismo existe  sem a necessidade de racistas evidentes (FIGUEIREDO, 2009). Contudo, a realidade observada por parte da sociedade contradiz esse pensamento.

Na atualidade brasileira, a discriminação racial opera como um sistema, caracterizando o racismo como estrutural. A natureza estrutural do racismo significa que ele vai além das ações individuais ou institucionais isoladas, pois “as ações individuais são influenciadas e, muitas vezes, só podem ocorrer por meio das instituições, sempre com os princípios estruturais da sociedade em pano de fundo, incluindo questões políticas, econômicas e jurídicas” (ALMEIDA, 2019, p. 33). No cenário atual, o racismo está profundamente enraizado no cotidiano das relações entre os membros da sociedade, configurando-se assim como uma estrutura de exclusão.

A população do Brasil é majoritariamente composta por pessoas negras, assim, as notáveis desigualdades entre negros e brancos são evidentes. Uma vez que, ao examinarmos o mercado de trabalho com base na igualdade racial em relação à qualificação e educação, observamos que ele atua como um fator que não apenas perpetua, mas também aprofunda as desigualdades, “pois negros e brancos com a mesma qualificação ocupam diferentes posições e, consequentemente, recebem diferentes salários” (LIMA, 2001, p. 46). De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2019, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maior parcela da população do Brasil, totalizando 56,2%, se autodeclarou como pardos ou pretos (veja o gráfico 1).

Gráfico 1 – Composição por cor ou raça da população residente no Brasil até 2019

Fonte: IBGE, 2020.

No entanto, um levantamento conduzido pelo IBGE em 2018 revelou que 75% das pessoas em situação de pobreza no Brasil são negras. Além disso, o estudo apontou que pessoas pretas e pardas trabalham, estudam e recebem menos em comparação com pessoas brancas no país.

Conforme os dados do Gráfico 1 ilustram, a extensão das disparidades raciais que persistem na sociedade brasileira. Embora o país seja caracterizado por sua diversidade racial, a igualdade de oportunidades e a justiça social ainda são metas distantes a serem alcançadas. As desigualdades econômicas, educacionais e de acesso ao mercado de trabalho continuam a afetar de maneira desproporcional a população negra, exigindo ações efetivas para combater o racismo estrutural e promover a inclusão e a igualdade racial em todas as esferas da sociedade.

A disparidade racial na distribuição de riqueza é inquestionável. Em 2018, as atividades econômicas com rendimentos médios mais baixos tinham uma proporção significativamente maior de trabalhadores autodeclarados como negros ou pardos. Em média, os brancos ganhavam 73,9% a mais do que os pretos ou pardos. Além disso, a população negra tinha uma presença mais expressiva em empregos informais, com uma taxa de 47,3%, em comparação com os trabalhadores brancos, que apresentavam uma taxa de 34,6%. Esses dados de 2018 refletem desigualdades historicamente enraizadas, como a maior concentração de trabalhadores negros ou pardos em empregos sem carteira assinada (IBGE, 2019).

De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2019, a população negra enfrenta níveis mais elevados de desemprego e condições precárias de trabalho em comparação com a população branca. A taxa de desemprego entre os brancos autodeclarados foi de 9,5%, substancialmente menor do que as taxas de desemprego entre pretos (14,5%) e pardos (14%). Por outro lado, a população negra é maioria nos empregos informais, representando 47,3% dos trabalhadores nessa categoria. Isso se traduz em mais de 18 milhões de negros e pardos, o dobro da população branca, em situações de emprego precário. Em geral, os negros são recrutados para empregos mal remunerados   e exigentes, com poucas exceções em cargos de gestão e liderança. Vale ressaltar que o Brasil é classificado como o sétimo país mais desigual do mundo. Lamentavelmente, a tendência atual aponta para um agravamento da desigualdade. O Índice de Desenvolvimento Humano do país caiu da 79ª posição em 2019 para a 84ª em 2020.

Em síntese, os dados apresentados evidenciam a marcante desigualdade racial que persiste no Brasil, refletindo uma realidade em que a população negra enfrenta desafios significativos no acesso ao mercado de trabalho e na qualidade das oportunidades profissionais. As disparidades salariais, as taxas de desemprego mais elevadas e a predominância em empregos informais destacam a necessidade premente de ações afirmativas e políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial.

Além disso, o fato de o Brasil estar entre os países mais desiguais do mundo enfatiza a urgência de se combater o racismo estrutural e trabalhar para construir uma sociedade onde a cor da pele não seja um fator determinante no acesso a direitos e oportunidades. O desafio da igualdade racial deve ser encarado como uma prioridade para a construção de uma nação verdadeiramente justa e inclusiva.

1.2. O Estudo da Lei nº 7.716/89 (Lei dos Crimes Resultantes de Preconceito de Raça ou de Cor) e o processo de combate à discriminação racial no Brasil

A Lei nº 7.716/1989, conhecida como a Lei dos Crimes Resultantes de Preconceito de Raça ou de Cor, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, é um marco fundamental no combate à discriminação racial no Brasil. Promulgada com o objetivo de coibir e punir de forma rigorosa as práticas discriminatórias baseadas na raça, cor, etnia, religião ou origem nacional, reforçando o compromisso do país com a promoção da igualdade e da justiça social (BRASIL, 1989).

Esta lei estabelece que a prática de racismo é crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão de um a três anos e multa, conforme estipulado em seu Artigo 20 (BRASIL, 1989). Isso significa que não importa o tempo decorrido desde a prática do ato racista; ele pode ser julgado e punido a qualquer momento. Além disso, a Lei do Racismo não prevê o pagamento de fiança para que o acusado seja liberado, garantindo uma resposta enérgica à discriminação racial (BRASIL, 1989).

Logo, nota-se que, a abrangência da lei é notável, pois ela considera como racismo qualquer conduta que negue, restrinja ou limite direitos fundamentais de uma pessoa em função de sua raça ou cor. Isso inclui ações públicas, como discursos de ódio, e ações privadas, como a discriminação racial em ambientes de trabalho, escolas, locais públicos e meios de comunicação. O que vai de encontro ao disposto na Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU (1948) e Constituição Federal de 1988.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948), o artigo 2, enfatiza que, todos os seres humanos possuem a capacidade de desfrutar dos direitos e das liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem qualquer distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou qualquer outra característica, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição. Além disso, nenhuma discriminação será feita com base na condição política, jurídica ou internacional do país ou território sob cuja jurisdição uma pessoa se encontre, quer se trate de um país independente, território sob administração fiduciária, não autônomo ou sujeito a qualquer outra limitação de soberania (ONU, 1948, p. 02).

Os artigos 5º, XLI e XLII da Constituição Federal do Brasil de 1988 são pilares fundamentais para o combate ao racismo no país. O artigo XLI estabelece que a lei deve punir qualquer forma de discriminação que atente contra os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, demonstrando o compromisso do Estado em garantir a igualdade e a não discriminação como valores essenciais da sociedade brasileira (BRASIL, 1988, p.02).

Por sua vez, o artigo XLII é ainda mais contundente ao afirmar que a prática do racismo constitui um crime inafiançável e imprescritível. Isso significa que o racismo é considerado um delito tão grave que não pode ser objeto de fiança e não possui prazo de prescrição, ou seja, não importa quanto tempo tenha passado desde a sua ocorrência, ele ainda pode ser punido nos termos da lei (BRASIL, 1988, p.02).

Vele mencionar que, esses artigos têm um papel crucial na proteção dos direitos das minorias étnicas e na promoção da igualdade racial no Brasil. Eles reforçam o compromisso do Estado em combater o racismo em todas as suas formas e garantir que as vítimas de discriminação racial tenham acesso à justiça e que os perpetradores sejam devidamente responsabilizados. No contexto atual, esses dispositivos legais são ferramentas importantes para promover a justiça social e a inclusão, contribuindo para a construção de uma sociedade mais igualitária e respeitosa com a diversidade étnica e cultural do país.

Outros aspectos importante, trata-se da Lei do Racismo (Lei nº 7.716/1989) é a previsão de penas mais severas quando a discriminação racial é praticada por meio de violência física. Isso demonstra a gravidade que o legislador atribui a atos racistas que resultam em agressão física ou lesões às vítimas (BRASIL, 1989). Ademais, é relevante ressaltar que a Lei do Racismo também proíbe a fabricação e distribuição de símbolos nazistas e neonazistas, reforçando o compromisso do Brasil com a luta contra o ódio racial em todas as suas formas (Art. 20, § 1º).

Contudo, a implementação eficaz da Lei do Racismo depende da atuação das autoridades judiciais e policiais, bem como da conscientização da sociedade sobre a importância de denunciar e combater atos racistas. Para tanto, o Ministério Público e órgãos de defesa dos direitos humanos desempenham um papel essencial na promoção do cumprimento da lei, mas apesar dos avanços legais representados pela Lei do Racismo, o Brasil ainda enfrenta desafios significativos na luta contra a discriminação racial. Visto que, o racismo estrutural persiste em várias áreas, incluindo acesso desigual à educação, emprego e justiça.

Portanto, além da aplicação rigorosa da lei, é essencial promover políticas públicas que abordem as desigualdades raciais de maneira mais ampla, pois a Lei nº 7.716/1989, a Lei do Racismo, é uma ferramenta fundamental no combate à discriminação racial no Brasil, que estabelece a gravidade do racismo como crime inafiançável e imprescritível e abrange uma ampla gama de práticas discriminatórias. No entanto, o desafio de eliminar o racismo em todas as suas manifestações requer não apenas a aplicação eficaz da lei, mas também uma transformação cultural e social para promover a verdadeira igualdade racial em nosso país.

1.3. A valorização da cultura afro-brasileira e indígena e o contexto do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010)

O Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) representa um marco significativo na legislação brasileira, dedicado a promover a igualdade racial e a valorização das culturas afro-brasileira e indígena. Este estatuto reconhece e celebra a riqueza da diversidade cultural presente no país, destacando a herança africana e indígena como elementos fundamentais na formação da identidade brasileira.

O artigo 1º estabelece o propósito da Lei nº 12.288/2010, que é garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, bem como a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos, além do combate à discriminação e a outras formas de intolerância étnica. Isso reflete o compromisso do Estado brasileiro em abordar questões relacionadas à desigualdade racial e ao racismo sistêmico.

Ainda no contexto do art. 1 da referida Lei, o parágrafo único define os termos- chave para o entendimento da lei. No qual, o item I define a discriminação racial ou étnico-racial como qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha como objetivo anular ou restringir o exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições. Isso amplia a compreensão do que constitui discriminação racial, abrangendo diversas esferas da vida pública e privada (BRASIL, 2010, p.01). O item II aborda a desigualdade racial, definindo-a como situações injustificadas de diferenciação no acesso e desfrute de bens, serviços e oportunidades com base em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, reconhecendo a existência de disparidades que precisam ser corrigidas para alcançar uma sociedade mais justa (BRASIL, 2010). O item III ressalta a desigualdade de                  gênero e raça, reconhecendo a interseccionalidade das discriminações que afetam as mulheres negras, destacando a necessidade de abordar essas desigualdades de maneira específica (BRASIL, 2010).

Os itens IV a VI definem termos importantes, como “população negra”, “políticas públicas” e “ações afirmativas”, que são fundamentais para a implementação e compreensão da legislação. Vale mencionar que esse artigo e seus incisos fornece uma base sólida para o combate ao racismo e para a promoção da igualdade racial no Brasil, ao estabelecerem princípios claros e diretrizes para ações que visam corrigir as injustiças históricas e promover uma sociedade mais inclusiva e igualitária (BRASIL, 2010, p.01).

Logo, uma das pedras angulares deste estatuto é a promoção da cultura afro- brasileira como parte integrante da cultura nacional, o que abrange a música, a dança, a culinária, as religiões de matriz africana e outras manifestações culturais que enriquecem o cenário brasileiro. Além disso, o estatuto busca destacar a história e as contribuições dos afro-brasileiros e indígenas para o desenvolvimento do país, reconhecendo figuras históricas e momentos que moldaram a nação (BRASIL, 2010). Todavia, uma importante vertente do Estatuto da   Igualdade   Racial é   a educação, em que se estabelece a inclusão do ensino da história e cultura afro- brasileira e indígena no currículo escolar, assegurando que as gerações futuras compreendam e respeitem a diversidade étnica e cultural desde a educação básica (Art.11, parágrafo 1).

O Artigo 11 do Estatuto da Igualdade Racial é de extrema importância, pois estabelece a obrigatoriedade do estudo da história geral da África e da história da população negra no Brasil nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, sejam eles públicos ou privados (BRASIL, 2010). Esse é um passo significativo para promover a educação antirracista e a conscientização sobre a contribuição histórica e cultural dos africanos e afro-brasileiros para a sociedade brasileira.

A obrigatoriedade desse estudo é crucial para combater estereótipos, preconceitos e o racismo estrutural que permeiam a sociedade, pois ao incluir o ensino da história da África e da população negra no currículo escolar, os alunos têm a oportunidade de aprender sobre as raízes históricas e culturais da diáspora africana no Brasil, bem como sobre as lutas e conquistas desse grupo ao longo dos anos.

Ademais, o parágrafo 1º do mesmo artigo enfatiza que esses conteúdos devem ser integrados em todo o currículo escolar, resgatando a contribuição decisiva da população negra para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural do país. Isso significa que não se trata apenas de uma matéria específica, mas de uma abordagem interdisciplinar que permeia todas as disciplinas, promovendo uma compreensão mais completa e inclusiva da história e da cultura brasileira (BRASIL, 2010, p.01).

Essa iniciativa é uma ferramenta importante para combater a desigualdade racial e promover a igualdade de oportunidades no Brasil, pois ao educar as gerações futuras sobre a história e as contribuições da população negra, espera-se que a sociedade se torne mais consciente e engajada na luta contra o racismo, contribuindo para uma sociedade mais justa e equitativa. Portanto, o Artigo 11 do Estatuto da Igualdade Racial desempenha um papel crucial na promoção da educação antirracista e na construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária.

O estatuto, em seu art. 17, também busca fomentar a produção artística e cultural afro-brasileira e indígena, apoiando artistas, grupos culturais e iniciativas que promovam essas manifestações. Além disso, reconhece a necessidade de reparação histórica às comunidades afro-brasileiras e indígenas, que sofreram séculos de discriminação e exclusão (BRASIL, 2010).

Em relação às questões territoriais, o estatuto aborda o acesso à terra e aos recursos naturais por parte das comunidades indígenas, visando garantir seus direitos territoriais. Além de promover a valorização cultural, o Estatuto da Igualdade Racial estabelece medidas para enfrentar o racismo e a discriminação, fortalecendo a punição para práticas racistas e discriminatórias. Ele busca, igualmente, promover a igualdade de oportunidades em diversos setores, incluindo educação, mercado de trabalho e acesso a serviços públicos, com o objetivo de reduzir as desigualdades raciais (BRASIL, 2010).

Portanto, o Estatuto da Igualdade Racial é um importante instrumento legal que busca valorizar as culturas afro-brasileira e indígena, ao mesmo tempo em que combate o racismo e promove a igualdade de oportunidades, contribuindo para a construção de uma sociedade brasileira mais justa, inclusiva e igualitária, onde a diversidade é reconhecida e respeitada, independentemente da origem étnica ou racial dos cidadãos.

2. REDES SOCIAIS E AS PRINCIPAIS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL

As redes sociais se tornaram uma parte intrínseca da vida moderna, proporcionando uma plataforma de interação e comunicação sem precedentes. No entanto, esse espaço aparentemente aberto e inclusivo também revelou seu lado sombrio, à medida que se tornou um terreno fértil para a manifestação de várias formas de discriminação, incluindo a racial. A discriminação racial nas redes sociais é um problema global e complexo, que merece nossa atenção e análise crítica.

Nesse contexto, o presente capítulo fomentará o papel das redes sociais na sociedade contemporânea, bem como as principais formas de discriminação racial presentes no contexto das redes sociais, na qual, traz uma perspectiva de como a discriminação racial pode afetar a vida desse indivíduo. Além disso, aborda-se os mecanismos utilizados pelas empresas de tecnologia para coibir esse tipo de prática no âmbito virtual.

2.1. O papel das redes sociais na sociedade contemporânea

As redes sociais se tornaram uma parte intrínseca da vida cotidiana na sociedade contemporânea, desempenhando um papel fundamental na comunicação, na disseminação de informações e na formação de conexões sociais. Conforme Gama et al. (2020), desde o surgimento do Friendster e do MySpace nos anos 2000 até as redes sociais populares de hoje, como o Facebook, Instagram, Twitter e LinkedIn, essas plataformas transformaram a maneira como as pessoas interagem, compartilham e obtêm informações.

Deste modo, as redes sociais desempenham um papel central na promoção da comunicação e conectividade na sociedade contemporânea, permitindo que as pessoas estejam em contato constante com amigos, familiares e colegas, independentemente da distância geográfica (Schneider; Trevisol, 2020). Além disso, proporcionam um espaço para a troca de mensagens, fotos, vídeos e informações em tempo real. Essa conectividade virtual tem o potencial de fortalecer laços interpessoais, proporcionar apoio social e reduzir a sensação de isolamento (Gama et al., 2020).

Adicionalmente, Grieger e Botelho-Francisco (2019) elucidam que, as redes sociais também têm moldado a cultura e a identidade na sociedade contemporânea, fomentando seu papel na formação de tendências, na disseminação de cultura popular e na expressão individual. Através do compartilhamento de fotos, vídeos e postagens, os usuários podem criar e promover narrativas pessoais e coletivas que contribuem para a construção da cultura digital.

Contudo, é importante enfatizar que, as redes sociais têm sido uma plataforma para a disseminação de informações sobre questões sociais, políticas e ambientais, bem como para a mobilização de movimentos sociais. Uma vez que, fornecem um canal de comunicação global, permitindo que informações sobre questões sociais, políticas e ambientais cheguem a um público amplo de forma rápida e acessível. Logo, campanhas de conscientização podem se espalhar viralmente, educando as pessoas sobre problemas prementes, como as mudanças climáticas, direitos humanos, igualdade de gênero e racismo (Neves; Borges, 2020).

Nessa perspectiva, Mugnaini (2020) elucida que, as redes sociais permitem que ativistas mobilizem rapidamente apoiadores e organizem protestos, petições, boicotes e campanhas de arrecadação de fundos, agilizando a capacidade de responder a eventos atuais e de pressionar por mudanças significativas. Posto que, as plataformas de mídia social permitem que ativistas e cidadãos comuns se conectem diretamente com tomadores de decisão, como políticos e líderes de empresas, criando uma maneira mais direta e acessível de influenciar políticas e práticas corporativas.

Contudo, é válido mencionar, que em um mundo cada dia mais online, questões sociais negativas também são geradas, em que as redes sociais se tornam um espaço onde indivíduos promovem discursos de ódio e racismo de forma anônima. Isso pode incluir comentários, postagens e mensagens diretas que contêm linguagem racialmente ofensiva, insultos e estereótipos prejudiciais (Rodrigues, 2023).

Desde modo, a dificuldade de combater esse tipo de situação, vem denotado pela anonimidade nas redes sociais, que pode dificultar a identificação e responsabilização de indivíduos que promovem o discurso de ódio e a discriminação racial, tornando desafiador o combate a esses problemas de maneira eficaz. Logo, Rodrigues et al. (2023, p.02) afirma que:

Nas mídias sociais, existe a opção de criar um perfil anônimo, não revelando nem mesmo o próprio nome, sendo uma porta aberta para pessoas mal- intencionadas “fazerem o que quiserem”. Por conta dessa falsa liberdade em ser quem quiser, alguns usuários utilizam a internet e seus meios de comunicação como palco para discursos de ódio e falas preconceituosas, tendo a impressão de passar por cima das leis e suas punições (Rodrigues, 2023, p.02).

Nesse viés, Reis (2021) discorre que, as redes sociais desempenham um papel multifacetado e influente na sociedade contemporânea, que moldam a forma como as pessoas se comunicam, participam de questões cívicas, conduzem negócios e expressam sua identidade cultural. No entanto, esse impacto não é isento de desafios, incluindo preocupações com a privacidade, disseminação de desinformação, discurso de ódio, apropriação cultural e outros crimes.

Logo, é essencial que os indivíduos, as empresas de mídia social e os legisladores estejam atentos aos aspectos positivos e negativos das redes sociais, buscando um equilíbrio que permita maximizar os benefícios dessa tecnologia enquanto enfrentam seus desafios.

2.2. As principais formas de discriminação racial presentes nas redes sociais e seus impactos

A disseminação da discriminação racial nas redes sociais assume várias formas, algumas das quais são mais evidentes do que outras. Algumas das principais formas de discriminação racial nas redes sociais incluem o discurso de ódio e racismo explícito, micro agressões, algoritmos discriminatórios, assédio online, entre outros.

Conforme Buttner (2021), o discurso de ódio e racismo explícito abrange a publicação de conteúdo que contém linguagem racialmente ofensiva, insultos e estereótipos prejudiciais em postagens, comentários e mensagens diretas nas redes sociais. Muitas vezes, os autores dessas manifestações utilizam pseudônimos para ocultar sua identidade, tornando ainda mais desafiadora a tarefa de combater essa forma de discurso prejudicial.

Contudo, é importante reconhecer que, apesar do potencial positivo das redes sociais como espaço de comunicação e compartilhamento de informações, também surgem preocupações, incluindo o uso dessas plataformas para promover ideias racistas e preconceituosas (ONUMA, 2018, p. 267). Com a natureza dinâmica e informal das redes sociais, observa-se que certos discursos se tornam violentos, discriminatórios e intolerantes, frequentemente menosprezando indivíduos e grupos devido à sua raça, cor, etnia, gênero, religião, orientação sexual, nacionalidade, deficiência, entre outras características. Isso é o que é comumente denominado de “discurso de ódio” (Buttner, 2021).

O discurso de ódio é prejudicial porque expressa publicamente pensamentos de desprezo, e o problema se agrava quando tais pensamentos ultrapassam os limites do discurso, resultando na disseminação duradoura de palavras carregadas de ódio (Silva et al., 2011). Em termos legais, o discurso de ódio, também conhecido como “hate speech”, é frequentemente interpretado como manifestações de desprezo ou intolerância direcionadas a grupos específicos com base em critérios como origem étnica, gênero, religião, entre outros. Esse fenômeno é amplamente reconhecido no contexto do Direito Comparado (Pannain; Pezzela, 2015, p. 2).

Desta maneira, o impacto do discurso de ódio é profundo e abrangente, afetando tanto indivíduos quanto a sociedade como um todo, na qual, tem graves consequências para a saúde mental das vítimas, levando a ansiedade, depressão e estresse pós-traumático. Além disso, as vítimas muitas vezes se sentem isoladas e excluídas, enfrentando baixa autoestima e dúvidas sobre sua identidade (Martins et al., 2020).

Em nível societal, Ferreira (2021) dicorre que, o discurso de ódio frequentemente leva à polarização, dividindo comunidades e dificultando o diálogo construtivo. Ele perpetua a discriminação sistêmica e pode resultar em obstáculos no acesso à educação e no progresso na carreira das vítimas. Além disso, o discurso de ódio pode incitar à violência e à intolerância, resultando em crimes de ódio e violência sectária.

No que se refere as microagressões, Pereira (2021, p. 04) afirma que “a ideia de ‘micro’ é de como essas agressões acontecem de forma ‘sutil’, transformando a ofensa em algo naturalizado, com um caráter implícito do racismo, principalmente on-line”. Isto é, são comentários ou ações sutis que denigrem ou diminuem pessoas de diferentes raças. Nas redes sociais, essas microagressões podem se manifestar como “piadas” aparentemente inofensivas, comentários que minimizam a experiência racial de alguém ou apropriação cultural (Da Mota Borges, 2021).

Segundo Martins et al. (2020), ainda nesse contexto, essas microagressões são frequentemente enraizadas em estereótipos, preconceitos e discriminação sistêmica, e podem ser prejudiciais, mesmo que não sejam tão explícitas quanto formas flagrantes de discriminação. Contudo, o impacto de uma microagressão pode variar dependendo da percepção do indivíduo que a vivencia, pois o que uma pessoa considera uma microagressão, outra pode não perceber como problemático, tornando essencial ouvir e respeitar as experiências e sentimentos das pessoas afetadas.

Ainda de acordo com os autores, mesmo que as microagressões sejam sutis, seu impacto psicológico nas vítimas pode ser significativo. Elas podem causar estresse, ansiedade, baixa autoestima e até mesmo levar a problemas de saúde mental a longo prazo. De modo que, o constante acúmulo de microagressões ao longo do tempo pode ser exaustivo (Martins et al., 2020).

Em outro panorama das redes sociais, estão os algoritmos discriminatórios, que são sistemas de inteligência artificial ou aprendizado de máquina que, inadvertidamente ou não, perpetuam viés e discriminação com base em raça, gênero, etnia ou outras características protegidas (Kroeff, 2023). Esses algoritmos são uma preocupação crescente na sociedade contemporânea, uma vez que podem impactar negativamente a igualdade, a justiça e a inclusão em várias áreas, incluindo a tomada de decisões automatizadas, o acesso a oportunidades e a experiência dos usuários nas plataformas digitais (De Bona et al., 2023).

Logo, alguns algoritmos de redes sociais podem amplificar a discriminação racial, recomendando conteúdo que reforça estereótipos e preconceitos. Isso acontece porque os algoritmos muitas vezes priorizam o conteúdo que gera mais engajamento, e o conteúdo controverso tende a ser mais compartilhado.

A discriminação ocorre quando os algoritmos são treinados com exemplos fornecidos por seres humanos que fazem parte de uma sociedade marcada por preconceitos raciais. Portanto, essa discriminação algorítmica pode ser mais bem compreendida como um racismo algorítmico, como Silva (2022) observa, a maneira pela qual as tecnologias reproduzem concepções sociais e técnicas, fortalecendo a estruturação racial de conhecimento, recursos, espaço e violência, em detrimento de grupos não-brancos. Isso porque esses algoritmos tendem a afetar, de forma consistente, grupos que historicamente enfrentam estigmatização social e opressão. A discriminação algorítmica pode ter impactos profundamente negativos em indivíduos, se manifesta em níveis de estresse, ansiedade e depressão, à medida que as pessoas experimentam a injustiça e desigualdade que surgem a partir de algoritmos tendenciosos. Além disso, o racismo algorítmico pode restringir as oportunidades de emprego, habitação e acesso a empréstimos com base em características demográficas, perpetuando desigualdades sociais já existentes (O’Neil, 2021).

De modo amplo, a estigmatização e a marginalização são resultados adicionais, com aqueles que são alvo de discriminação algorítmica se sentindo excluídos e relegados a cidadãos de segunda classe (Madruga, 2020). Segundo Meireles Pereira (2022), isso pode levar a sentimentos de frustração e desconfiança em relação às instituições e sistemas que perpetuam a discriminação, minando a coesão social. Além disso, o impacto na identidade e na autoestima é considerável, à medida que indivíduos começam a duvidar de seu próprio valor na sociedade.

A insegurança financeira é outra consequência significativa do racismo algorítmico. Algoritmos que negam o acesso a empréstimos ou serviços financeiros com base em critérios tendenciosos da discriminação racial podem resultar em sérias dificuldades econômicas para os indivíduos afetados (Lima, 2022). Isso pode levar a um ciclo de desvantagem financeira, com pessoas sendo impedidas de acessar recursos que são essenciais para melhorar sua qualidade de vida, como habitação, educação ou empréstimos para iniciar um negócio.

Além disso, como destacado por Silva (2022), a exclusão digital é um problema adicional que merece atenção. Grupos específicos enfrentam barreiras significativas para acessar serviços online devido à discriminação algorítmica. Essas barreiras podem se traduzir em falta de acesso a oportunidades educacionais, recursos de saúde, emprego e participação em atividades cotidianas que se tornaram cada vez mais dependentes da conectividade digital. A exclusão digital, alimentada por algoritmos tendenciosos, só amplifica a disparidade existente entre aqueles que têm acesso às oportunidades digitais e aqueles que são excluídos devido a critérios discriminatórios.

Esses impactos agravam as desigualdades sociais e econômicas, tornando a discriminação algorítmica uma questão crítica que requer ação imediata para garantir que algoritmos sejam justos, transparentes e equitativos. A regulamentação, auditorias de algoritmos e a promoção de melhores práticas na indústria de tecnologia são passos essenciais para combater os impactos prejudiciais do racismo algorítmico na sociedade.

Em geral, a discriminação algorítmica não afeta apenas o presente, mas também o futuro, impactando gerações subsequentes e perpetuando desigualdades ao longo do tempo. Portanto, é crucial adotar medidas para mitigar esses efeitos prejudiciais, incluindo regulamentação adequada, auditorias de algoritmos, transparência na tecnologia e educação sobre os riscos associados à discriminação algorítmica.

Além dos impactos anteriores, é fundamental considerar também o assédio online como uma grave consequência do racismo algorítmico. Muitas vezes, indivíduos pertencentes a grupos racialmente minoritários se tornam alvos de assédio online, que pode abranger desde ameaças e difamação até invasões de privacidade (Da Silva Pardo, 2022). Esse tipo de comportamento prejudicial e discriminatório pode ter sérias consequências para a saúde mental e o bem-estar das vítimas.

Segundo Da Silva Pardo (2022), o assédio online não apenas cria um ambiente hostil e ameaçador para as vítimas, mas também pode afetar seu equilíbrio emocional, levando a ansiedade, estresse e, em casos extremos, resultar em sérios impactos na saúde mental, como depressão e transtorno de estresse pós-traumático. Além disso, o assédio online pode prejudicar a capacidade das vítimas de participar plenamente da vida online e se beneficiar das oportunidades oferecidas pela internet.

Portanto, a luta contra o racismo algorítmico deve incluir medidas para combater o assédio online, promovendo um ambiente virtual seguro e inclusivo para todos. Isso envolve a conscientização, a responsabilização dos agressores e o desenvolvimento de estratégias de apoio para as vítimas, a fim de proteger sua saúde mental e garantir que possam desfrutar plenamente de todas as possibilidades da era digital.

2.3. Mecanismos utilizados pelas empresas de tecnologia para coibir o racismo nas redes sociais

Com a proliferação de plataformas de mídia social, o discurso de ódio e o racismo online se tornaram desafios significativos que afetam a segurança, a saúde mental e o bem-estar de inúmeras pessoas. Para abordar essa problemática, as empresas de tecnologia têm adotado uma série de mecanismos e estratégias destinados a coibir o racismo nas redes sociais e a promover ambientes mais inclusivos.

Para enfrentar esse desafio, Macêdo (2018) afirma que, as empresas de tecnologia implementam uma série de mecanismos e estratégias que visam criar ambientes online mais inclusivos e seguros. Uma das primeiras linhas de defesa é a estabelecimento de políticas de uso responsável. Essas políticas são projetadas para proibir explicitamente conteúdo racista, discriminatório e de ódio nas plataformas de redes sociais. Ao definir regras claras e expectativas para os usuários, as empresas criam uma base sólida para a promoção de comportamentos respeitosos e a coibição do racismo online.

A implementação de políticas de uso responsável nas redes sociais é um passo fundamental na luta contra o racismo online, pois essas políticas proíbem explicitamente conteúdo discriminatório e de ódio, criando regras claras para os usuários. Isso contribui para a promoção de comportamentos respeitosos e a coibição do racismo, embora seja essencial aplicá-las com justiça e sensibilidade.

Outro mecanismo importante é a implementação de ferramentas de denúncia e moderação. Conforme Bispo (2021), isso permite que os usuários relatem facilmente conteúdo racista ou discriminatório. As denúncias são então revisadas por equipes de moderação, que podem remover o conteúdo violador e aplicar medidas disciplinares aos autores, criando um sistema de responsabilização.

A capacidade dos usuários de denunciar facilmente conteúdo discriminatório ou de ódio ajuda a criar um ambiente mais seguro e responsável nas redes sociais. A revisão por equipes de moderação e a subsequente remoção de conteúdo prejudicial estabelecem um sistema de responsabilização que desencoraja comportamentos racistas. No entanto, é crucial que as empresas garantam que o processo de moderação seja transparente e justo, evitando abusos ou censura indevida.

Além disso, Da Silva (2020) afirma que, muitas empresas recorrem à inteligência artificial (IA) para identificar automaticamente conteúdo racista. Posto que, a IA pode ser treinada para reconhecer padrões e linguagem prejudicial, acelerando a detecção e a remoção de conteúdo prejudicial. Logo, o aprimoramento contínuo de algoritmos de IA é uma área de foco constante, na qual, as empresas buscam melhorar a precisão e eficácia de seus algoritmos na detecção de conteúdo racista, o que ajuda a reduzir a disseminação dessas mensagens prejudiciais.

O aprimoramento contínuo de algoritmos de IA é primordial, uma vez que as empresas buscam constantemente melhorar a precisão e eficácia de seus sistemas de detecção, assim, desempenha um papel importante na redução da disseminação de mensagens prejudiciais e na promoção de ambientes online mais seguros e inclusivos.

Continuamente, as empresas frequentemente colaboram com grupos de defesa dos direitos civis para desenvolver estratégias mais eficazes de combate ao racismo online, pois conforme De Paula Soares et al. (2021), essas parcerias ajudam a orientar a formulação de políticas e a adoção de medidas que sejam culturalmente sensíveis e impactantes.

Concomitamente, as empresas investem em treinamento de funcionários para que suas equipes de moderação e suporte ao cliente estejam melhor preparadas para reconhecer e responder ao racismo online de maneira apropriada (Silva, 2022). Isso é fundamental para garantir que as políticas sejam aplicadas de maneira consistente e sensível aos contextos culturais.

A transparência também é uma parte vital da resposta ao racismo nas redes sociais. Assim, Vilhena (2023) discorre que, algumas empresas estão se esforçando para serem mais transparentes em relação às ações tomadas e políticas adotadas, em que, publicar relatórios de transparência que detalham o número de denúncias recebidas e as ações tomadas ajuda a criar um ambiente mais responsável e presta contas às comunidades online.

Por fim, a educação e sensibilização desempenham um papel importante. Algumas empresas lançam campanhas de conscientização para educar os usuários sobre os impactos do racismo online e promover a tolerância e o respeito. Essas iniciativas visam não apenas reprimir o discurso de ódio, mas também criar uma cultura online mais inclusiva (De Paula Soares et al., 2021).

Vale enfatizar que, em alguns casos, as empresas também colaboram com as autoridades para lidar com casos de racismo que violam as leis locais, demonstrando seu compromisso em enfrentar ativamente o racismo online. Embora desafios permaneçam, essas estratégias e mecanismos representam esforços significativos para tornar as redes sociais mais seguras e respeitosas para todos os usuários.

3. O PAPEL DO ESTADO NA REGULAMENTAÇÃO DO COMBATE AO RACISMO NAS REDES SOCIAIS

O papel do Estado na regulamentação do combate ao racismo nas redes sociais é de suma importância para garantir a eficácia das medidas e proteger os direitos dos cidadãos em um cenário em que a tecnologia de comunicações possibilitou o surgimento das redes sociais, que funcionam como plataformas virtuais para a conexão de pessoas, grupos e empresas com interesses comuns: comunicar, compartilhar ideias, produtos e serviços.

Cada rede social permite que os usuários criem seus perfis e estabeleçam relações com outros utilizadores. Além disso, essas redes possibilitam a formação de grupos específicos que compartilham identidades, visões de mundo e, infelizmente, preconceitos. No ambiente virtual, como no mundo real, as pessoas expressam suas opiniões sobre uma ampla gama de tópicos, incluindo racismo e discriminação.

No entanto, é inegável que as redes sociais têm sido utilizadas como palco para a disseminação de preconceito e ódio. Denúncias e punições, embora existam, não parecem conter a necessidade de muitos usuários em expressar seus preconceitos, o que é demonstrado por casos recentes. O que antes era discutido apenas em círculos pessoais ou entre familiares, agora é exposto na internet sem constrangimento, como se fosse algo normal. Assim, nos últimos anos, a internet se tornou um ambiente propício para a prática de crimes de ódio, especialmente o racismo.

Nesse contexto, o Estado desempenha um papel crucial ao estabelecer um marco legal claro que define o discurso de ódio e o racismo online, fornecendo orientações tanto para as empresas de tecnologia como para os usuários. Além disso, o Estado é responsável pela aplicação da lei, investigando e processando casos de racismo online de acordo com as legislações vigentes. Ademais, a supervisão regulatória e a fiscalização dessas empresas também estão entre as responsabilidades do Estado para garantir que estejam em conformidade com as políticas antirracismo.

O Estado também pode desempenhar um papel ativo na conscientização pública, promovendo campanhas educacionais sobre os impactos do racismo online e a importância da denúncia de conteúdo discriminatório.

Posto que, ele (o Estado) tem a responsabilidade de equilibrar a proteção contra o discurso de ódio e a promoção da liberdade de expressão, encontrando abordagens regulatórias que sejam eficazes e respeitem os direitos individuais. Portanto, sua atuação é crucial para criar um ambiente online mais inclusivo e seguro, onde o racismo seja combatido de forma adequada e justa.

Logo, o presente capítulo visa evidenciar o papel do Estado na regulamentação do combate ao racismo nas redes sociais e as iniciativas que têm sido adotadas para garantir a aplicação da legislação brasileira que pune atos de racismo. Para isso, dividiu-se em subseções na qual, enfatiza-se a aplicação da legislação brasileira que pune atos de racismo; os desafios e limitações na coibição do racismo online; e as iniciativas governamentais para garantir a aplicação da legislação.

3.1. Aplicação da legislação brasileira que pune atos de racismo

A aplicação da legislação brasileira que pune atos de racismo representa um ponto fundamental na luta contra a discriminação racial no país. O Brasil possui um arcabouço legal abrangente que visa coibir e punir práticas racistas, refletindo o compromisso com a promoção da igualdade racial e a proteção dos direitos fundamentais de todos os cidadãos.

Na era digital, a proliferação de ofensas e inverdades na internet demanda uma análise cuidadosa para diferenciar as lesões a direitos decorrentes de publicações online, especialmente previstas na legislação vigente, do racismo.

O combate ao racismo no Brasil é sustentado por um robusto arcabouço legal, cuja pedra angular encontra-se na Constituição Federal de 1988. Em seu Art. 5º, XLII, a Constituição estabelece de forma categórica que o crime de racismo é inafiançável e imprescritível, submetendo os infratores à pena de reclusão, conforme determinado por lei. Esta disposição constitucional reflete o compromisso sério e inegociável do país com a erradicação do racismo, posicionando tais atos não apenas como ofensivos à individualidade, mas como afrontas diretas aos fundamentos da República e da dignidade da pessoa humana.

A Lei nº 7.716/1989, conhecida como a Lei de Crimes Raciais, detalha e especifica as condutas consideradas criminosas quando decorrentes de preconceito de raça ou cor. Um dos artigos mais relevantes desta lei, o Art. 20, tipifica como crime o ato de “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Esta legislação é vital na luta contra o racismo, pois abrange uma ampla gama de atos discriminatórios, desde comentários ofensivos até ações que visam segregação e exclusão.

Além da Lei de Crimes Raciais, o Código Penal Brasileiro também aborda condutas relacionadas, através do crime de injúria racial, previsto no Art. 140, § 3º. Este dispositivo legal trata da ofensa à honra de alguém, empregando elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem. A diferenciação entre os crimes de racismo e a injúria racial reside principalmente na natureza coletiva ou individual do ato discriminatório.

Outro marco legal significativo é a Lei nº 9.459/1997, que amplia o escopo da Lei nº 7.716/1989, abrangendo também a discriminação ou preconceito de origem, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Esta expansão evidencia a evolução contínua do entendimento legal sobre discriminação e a necessidade de adaptar-se a novas realidades sociais.

Complementarmente, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010) representa um avanço significativo, pois embora não tipifique novos crimes, ele estabelece normas para a promoção da igualdade racial e proteção das vítimas de discriminação em diversos setores da sociedade, como educação, cultura e acesso à justiça. Este estatuto reflete um esforço mais amplo para criar um ambiente de respeito mútuo e igualdade de oportunidades, indo além da mera punição de atos discriminatórios.

Em suma, o conjunto dessas leis, aliado ao compromisso do Brasil com convenções internacionais contra o racismo, constrói um cenário legal que não apenas pune, mas também busca prevenir e erradicar a discriminação racial. A legislação brasileira, dessa forma, desempenha um papel crucial em moldar uma sociedade mais justa e igualitária, reconhecendo a diversidade como um valor essencial da nação.

Logo, a aplicação da legislação brasileira que pune atos de racismo é um passo essencial no combate à discriminação racial no país. No entanto, é necessário um esforço contínuo para garantir que a lei seja aplicada de maneira justa e eficaz, e para promover a conscientização e a educação como instrumentos complementares na construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária.

3.2. Desafios e limitações na coibição do racismo online

Apesar da existência de leis robustas para combater o racismo no Brasil, a eficácia de sua aplicação tem sido objeto de discussão. A dificuldade na obtenção de provas concretas, a subjetividade na interpretação de certas condutas e os desafios no processo judicial podem tornar a aplicação da legislação complicada em muitos casos. Além disso, o racismo estrutural e institucional ainda persiste na sociedade brasileira, tornando importante ações educacionais e de conscientização para combater o preconceito racial em sua raiz.

Em setembro de 2023, a Câmara dos Deputados promoveu uma audiência pública do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional (CSS), na qual jornalistas, especialistas e advogados se uniram para discutir a regulamentação das plataformas digitais e a responsabilização das grandes empresas de tecnologia pela disseminação de conteúdos criminosos. Nesse contexto, as sugestões e reflexões levantadas durante o evento se revelaram fundamentais para enfrentar o crescente problema do discurso de ódio propagado nas redes sociais.

Letícia Cesarino, Assessora de Comunicação e Cultura do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, destacou a necessidade urgente de combater o discurso de ódio no ambiente digital, que tende a se intensificar e radicalizar, caso não seja devidamente enfrentado. Ela enfatizou a falta de mecanismos, estratégias e políticas claras para evitar o que descreveu como a “soberania paralela” das plataformas digitais, onde a política dos algoritmos das grandes empresas de tecnologia permite o patrocínio e a disseminação de conteúdos criminosos (Câmara dos Deputados, 2023).

Uma das principais dificuldades para a eficácia das políticas públicas de combate ao discurso de ódio e à regulamentação dos conteúdos nas plataformas, segundo Cesarino, é a ambiguidade presente na comunicação digital, pois muitos conteúdos são produzidos e compartilhados por meio de influenciadores que habilmente camuflam o teor de ódio sob a aparência de humor, ironia ou brincadeira, dificultando a identificação de conteúdos radicais.

Andrea Vainer, diretora da Confederação Israelita do Brasil (Conib), também ressaltou os desafios legais enfrentados na luta contra o discurso de ódio nas redes sociais. Apesar de o Brasil possuir legislações que permitem a responsabilização penal, como a Lei do Racismo e o Marco Civil da Internet, e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), Vainer apontou uma lacuna legal que permite que crimes de ódio se escondam sob o pretexto do direito à liberdade de expressão. Isso, segundo ela, resulta em uma aplicação inconsistente da lei e gera insegurança jurídica na busca por medidas mais rigorosas contra o extremismo e a violência online (Câmara dos Deputados, 2023).

Neste contexto, onde a discriminação racial se apresenta como um tema recorrente, diversas jurisprudências podem ser elencadas para ilustrar como o judiciário brasileiro aborda casos similares. Essas jurisprudências refletem a gravidade atribuída a atos de discriminação racial, evidenciando a aplicação rigorosa da lei e o esforço em garantir a proteção dos direitos e da dignidade das vítimas. Através desses precedentes, percebe-se um padrão de reconhecimento da seriedade do racismo e a busca pela justiça e reparação adequadas a quem foi discriminado.

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CRIME DE RACISMO PRATICADO PELA INTERNET. COMPETÊNCIA. DISCUSSÃO JÁ DECIDIDA PELO SUPERIRO TRIBUNAL DE JUSTIÇA E SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. JUSTIÇA COMUM. 1. Tal como consta no parecer do Ministério Público Federal, “ a questão ora em análise competência jurisdicional para o julgamento de feito relativo à prática do crime de racismo via internet ‘ foi devidamente analisada em momento processual próprio, assentando-se na ocasião tanto no âmbito do STJ (em sede de conflito de competência), quanto no âmbito do STF (em sede de habeas corpus), o entendimento jurisprudencial prevalecente, qual seja, o de que o processo e julgamento do feito competia à Justiça Estadual” . 2. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que “ a divulgação de mensagens incitadoras da prática de crime pela rede mundial de computadores não é suficiente para, de per si, atribuir à prática do crime a demonstração de resultado além do território nacional (ACO 1.780, Rel. Min. Luiz Fux). Ainda nessa linha, veja-se o RE 1.053.961, Rel. Min. Dias Toffoli. 3. Agravo interno a que se nega provimento.
(STF –   AgR   ARE:   1169322   DF   –   DISTRITO   FEDERAL   0098316-59.2012.8.07.0001, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 29/03/2019, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-069 05-04-2019)

Neste julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), discute-se a competência jurisdicional para o julgamento de crimes de racismo praticados através da internet. O agravo interno em questão foi analisado no âmbito do recurso extraordinário com agravo, tratando da definição da jurisdição adequada para processar e julgar tais delitos. De acordo com o parecer do Ministério Público Federal, a matéria relacionada à competência para julgar o crime de racismo via internet já havia sido abordada tanto pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de conflito de competência, quanto pelo próprio STF, em habeas corpus.

A decisão do STF, relatada pelo Ministro Roberto Barroso, segue a linha jurisprudencial da Corte de que a simples divulgação de mensagens incitadoras de crimes através da internet não é suficiente para estabelecer a competência da Justiça Federal, caso não haja evidência de resultado ou impacto do crime além do território nacional. Este entendimento se alinha ao do Rel. Min. Luiz Fux no ACO 1.780 e do Rel. Min. Dias Toffoli no RE 1.053.961. Portanto, o STF negou provimento ao agravo interno, consolidando o entendimento de que tais crimes, na ausência de elementos que demonstrem sua transnacionalidade, devem ser processados e julgados pela Justiça Estadual. Esta decisão sublinha a relevância de se considerar a extensão e o alcance dos atos praticados através da internet para a determinação da competência jurisdicional.

Apelação Criminal. Crimes de racismo. Art. 20, § 2º, da Lei 7.716/89. Recurso ministerial contra decisão que, fundada no art. 386, III, do CPP, absolveu o apelado das imputações veiculadas na denúncia, por entender atípica a conduta. Necessidade de parcial reforma da r. sentença. Crimes configurados e tipicidade demonstrada. Postagens efetuadas pelo réu em redes sociais com nítido caráter ofensivo e preconceituoso. Estigmatização de grupos sociais vulneráveis. Indubitável configuração do delito descrito na denúncia, por duas vezes. Manifestações discriminatórias fundadas em características fenotípicas ligadas à raça e à cor. Prática, ainda, de ato caracterizador de homotransfobia, abrangendo o racismo em sua dimensão social. Discurso de ódio configurado. Sólido entendimento doutrinário. Precedentes deste Tribunal de Justiça. Julgado paradigmático do STF a versar sobre a matéria. Mantença da solução absolutória, todavia, em relação a uma das condutas sob apuração. Pena aplicada no mínimo legal, com incidência do acréscimo decorrente da continuidade delitiva, na fração de 1/6. Substituição da privativa de liberdade por duas restritivas de direitos. Fixação do regime inicial aberto para o caso de conversão. Parcial provimento.
(TJ-SP –   APR:   15018373020208260482   SP   1501837-30.2020.8.26.0482,
Relator: Freire Teotônio, Data de Julgamento: 27/05/2022, 14ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 27/05/2022)

No julgamento da Apelação Criminal pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, verificou-se uma importante decisão no âmbito dos crimes de racismo, conforme estabelece o Art. 20, § 2º, da Lei 7.716/89. O Ministério Público apelou contra a absolvição inicial do acusado, baseada no art. 386, III, do Código de Processo Penal (CPP), que considerou atípica a conduta. No entanto, a revisão do caso levou à parcial reforma da sentença, reconhecendo a tipicidade das ações do réu e a configuração dos crimes de racismo. As postagens do apelado em redes sociais, caracterizadas por um conteúdo ofensivo e preconceituoso contra grupos sociais vulneráveis, foram consideradas uma forma de estigmatização baseada em características fenotípicas relacionadas à raça e à cor. Ademais, identificou-se também a prática de homotransfobia, expandindo o racismo para sua dimensão social e configurando discurso de ódio.

A sentença foi mantida parcialmente, absolvendo o réu apenas em relação a uma das condutas investigadas. A pena imposta foi estabelecida no mínimo legal, acrescida de 1/6 devido à continuidade delitiva, optando-se pela substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos e fixando regime inicial aberto em caso de conversão. Este julgamento ressalta o entendimento sólido doutrinário e jurisprudencial sobre a matéria, alinhado a precedentes do próprio Tribunal de Justiça e a julgados paradigmáticos do Supremo Tribunal Federal, enfatizando a seriedade com que o sistema judiciário brasileiro trata os delitos relacionados ao racismo e a discriminação.

Neste contexto, onde a discriminação racial manifesta-se de formas multifacetadas, especialmente na era digital, os tribunais brasileiros têm se deparado com desafios significativos ao interpretar e aplicar a legislação pertinente. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no caso do Agravo Interno em Recurso Extraordinário com Agravo, envolvendo a prática de racismo pela internet, reforça o entendimento de que a competência para julgar tais delitos cabe à Justiça Estadual. Esta determinação destaca a natureza local desses crimes, mesmo quando praticados em plataformas digitais, que transcendem as fronteiras geográficas.

O STF, ao analisar o alcance territorial desses atos e decidir pela não demonstração de um resultado além do território nacional, alinha-se ao posicionamento adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Este último, ao julgar a Apelação Criminal, enfatizou a gravidade dos crimes de racismo praticados nas redes sociais, destacando a relevância de combater tais condutas e de proteger os grupos sociais vulneráveis afetados por elas. Ambas as jurisprudências, embora tratem de aspectos diferentes — uma da competência jurisdicional e outra da tipicidade e gravidade do ato em si —, convergem para um entendimento mais robusto e aprofundado sobre o racismo na sociedade contemporânea, evidenciando a necessidade de um olhar criterioso e contextualizado nas ações judiciais relacionadas a esses crimes.

3.3. Iniciativas governamentais para garantir a aplicação da legislação

Uma das principais iniciativas foi a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), estabelecida em 2003. A SEPPIR tem como missão formular, coordenar e articular políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial, combatendo a discriminação e reduzindo as desigualdades raciais. Esta Secretaria também atua na promoção de políticas afirmativas, como cotas raciais em universidades públicas e em concursos públicos, visando a aumentar a representatividade de negros e pardos em espaços historicamente dominados por brancos (Souza, 2019; Da Silva, 2019).

Além disso, o Governo Federal tem implementado programas de educação e conscientização sobre a questão racial, visando tanto ao ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana nas escolas, conforme estabelecido pela Lei nº 10.639/2003, quanto à realização de campanhas de sensibilização pública para a importância da diversidade e do respeito mútuo (Brasil, 2003).

Isso foi fundamental para promover uma mudança de paradigma no sistema educacional brasileiro e na sociedade como um todo. A inclusão da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas propiciou aos alunos, especialmente aos negros, a possibilidade de se reconhecerem nos conteúdos estudados, valorizando sua ancestralidade e fortalecendo sua identidade. Essa mudança curricular também colaborou para desconstruir estereótipos e preconceitos arraigados, formando cidadãos mais conscientes e empáticos em relação às questões raciais (Silva; De Leon Ramírez, 2020).

Conforme Saballa (2020), as campanhas de sensibilização pública, por sua vez, estenderam esse impacto para além das salas de aula, alcançando adultos, famílias e comunidades. Estas campanhas têm sido ferramentas poderosas para conscientizar a população sobre os males do racismo, incentivando o respeito à diversidade e a coexistência harmônica entre diferentes grupos étnicos e culturais.

Tal iniciativa, portanto, não só trouxe uma abordagem mais inclusiva e representativa na educação formal, mas também desencadeou uma onda de reflexão e debate na sociedade brasileira sobre o papel do negro na formação da nação, sua cultura, suas lutas e conquistas, e os desafios que ainda enfrenta. Esse movimento educacional e de conscientização contribuiu para a formação de uma geração mais informada, crítica e atuante na luta contra a discriminação e pela igualdade racial.

No âmbito da segurança pública e da justiça, Piosevan (2021) discorre que, observaram-se esforços para capacitar policiais e agentes do sistema judiciário na identificação e no tratamento adequado de casos de discriminação racial. A criação de delegacias especializadas e núcleos dentro do Ministério Público e da Defensoria Pública para tratar de crimes raciais e de intolerância são exemplos dessas ações.

A criação de delegacias e núcleos especializados dentro do sistema judiciário e órgãos de defesa, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, fornece não apenas uma estrutura mais sólida para o atendimento das vítimas de crimes raciais, mas também enfatiza a seriedade com que o Estado passa a tratar esses delitos. Esses órgãos especializados funcionam como um importante ponto de apoio para as vítimas, garantindo que suas queixas sejam tratadas com a devida atenção e diligência, e também atuam na prevenção e educação contra o racismo (Piosevan, 2020).

Logo, isso foi importante para estabelecer um ambiente de maior compreensão e eficiência no combate ao racismo dentro do sistema de segurança pública e da justiça. A capacitação de policiais e agentes judiciários específica para identificar e tratar adequadamente os casos de discriminação racial contribui para uma abordagem mais sensível e informada nestas instâncias. Isso ajuda a superar barreiras históricas de desconfiança e má compreensão que muitas vezes caracterizaram a relação entre as forças de segurança e comunidades marginalizadas, especialmente a negra.

Ademais, a data de 3 de julho, que celebra o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, é emblemática, pois marca a aprovação da primeira legislação contra o racismo no Brasil, a Lei 1.390, em 1951. Essa lei incorporou a proibição de práticas discriminatórias com base em raça e cor entre as contravenções penais. Contudo, a discriminação racial, no entanto, não se limita a atos óbvios; ela muitas vezes se enraíza nas estruturas sociais e culturais, manifestando-se como racismo estrutural, que perpetua discursos e práticas discriminatórios mesmo de forma inconsciente.

Contudo, é válido ressaltar que, no panorama das redes sociais, ainda não existem normativas específicas e pontuais para combater o racismo, sendo essa questão tratada por meio de artigos dispersos em diferentes legislações e regulamentações. A ausência de um marco legal único e específico para o racismo online implica que as ações sejam guiadas por interpretações de leis gerais sobre crimes de ódio, discriminação, e condutas ofensivas na internet. Essa dispersão normativa pode resultar em desafios quanto à eficácia e à agilidade na resposta às condutas racistas nas plataformas digitais.

Além disso, as plataformas de redes sociais possuem suas próprias políticas e diretrizes de conduta, que podem ser mais ou menos rigorosas na identificação e remoção de conteúdos racistas. Contudo, essas políticas são estabelecidas pelas empresas de forma privada, o que gera uma certa inconsistência na forma como o racismo é combatido em cada plataforma.

Portanto, reconhece-se a necessidade de um marco regulatório mais claro e específico, que contemple as particularidades do racismo nas redes sociais e ofereça diretrizes uniformes para o tratamento dessas questões tanto pelas autoridades públicas quanto pelas plataformas privadas. Este marco regulatório deveria visar não apenas a punição, mas também a prevenção e a educação, garantindo um ambiente digital mais seguro e respeitoso para todos.

CONCLUSÃO

A ascensão das redes sociais revolucionou a forma como interagimos, compartilhamos informações e nos expressamos. No entanto, esses espaços virtuais, que prometiam ser locais de encontro, discussão e celebração da diversidade, muitas vezes se converteram em palcos de ódio e intolerância. Entre as várias facetas desse fenômeno, o racismo nas redes sociais emerge como uma das mais preocupantes e destrutivas.

Historicamente, o racismo se manifesta através da opressão sistemática de grupos étnicos considerados inferiores por aqueles que detêm o poder. Nas redes sociais, essa dinâmica se perpetua e, por vezes, se agrava. A aparente anonimidade e a distância física proporcionadas pela internet frequentemente resultam em um aumento da audácia dos agressores, que se sentem mais seguros para manifestar pensamentos e atitudes racistas.

É alarmante observar como o racismo se infiltra nas interações online, desde comentários maliciosos em publicações, memes degradantes, até ataques coordenados contra indivíduos ou grupos. Perfis falsos e bots são frequentemente utilizados para amplificar discursos de ódio, criando uma atmosfera tóxica que afeta principalmente as minorias étnicas. Esses ataques não são apenas desagradáveis, mas podem ter efeitos psicológicos profundos nas vítimas, reforçando estereótipos negativos, exacerbando tensões raciais e contribuindo para a perpetuação da desigualdade e discriminação na sociedade.

Além disso, o racismo nas redes sociais reflete e reforça as estruturas e preconceitos raciais do mundo offline. Publicações e comentários racistas frequentemente espelham as atitudes e crenças arraigadas na sociedade, mostrando como o racismo está profundamente enraizado em muitas culturas. Porém, a velocidade e o alcance das redes sociais podem amplificar e espalhar o racismo de maneiras antes inimagináveis, tocando um número vasto de pessoas em um curto espaço de tempo.

Nesse contexto, a pesquisa sobre o impacto do racismo nas redes sociais, à luz da legislação brasileira, oferece um panorama esclarecedor e preocupante sobre como a discriminação racial se manifesta e é potencializada no ambiente digital. O estudo atingiu seus objetivos específicos, proporcionando percepções sobre as várias facetas do problema.

Primeiramente, foi possível identificar que as formas de discriminação racial nas redes sociais são diversas e frequentemente sutis, manifestando-se através de comentários depreciativos, memes e imagens que perpetuam estereótipos e ofensas. Essas expressões, muitas vezes disfarçadas de humor ou opiniões pessoais, refletem e reforçam preconceitos arraigados na sociedade, demonstrando a persistência do racismo em novos meios de comunicação.

Quanto aos mecanismos utilizados pelas empresas de tecnologia para coibir o racismo, observou-se que, embora existam esforços para identificar e remover conteúdos racistas, essas medidas são muitas vezes inconsistentes e insuficientes. A moderação de conteúdo, baseada em algoritmos e revisão humana, enfrenta desafios significativos, como a subjetividade na interpretação de linguagem e o equilíbrio entre liberdade de expressão e prevenção do discurso de ódio. Ademais, a falta de transparência e uniformidade nas políticas de cada plataforma levanta questões sobre a eficácia desses mecanismos.

Em relação ao papel do Estado na regulamentação e no combate ao racismo nas redes sociais, constatou-se que, embora a legislação brasileira ofereça um arcabouço jurídico para a punição de atos racistas, há um vácuo legislativo específico para o ambiente virtual. As iniciativas governamentais existentes, incluindo a educação sobre a história e cultura afro-brasileira e africana, campanhas de sensibilização, e capacitação de agentes de segurança pública e do judiciário, são passos importantes, mas ainda insuficientes diante da magnitude e da especificidade do racismo online.

Portanto, esta pesquisa destaca a necessidade urgente de uma abordagem mais robusta, integrada e adaptada ao ambiente digital para combater o racismo nas redes sociais. Isso envolve a criação de novas normativas, o aprimoramento das políticas de moderação de plataformas e a continuação de esforços educacionais e de conscientização. Somente através de um esforço conjunto entre governo, empresas de tecnologia, sociedade civil e usuários das redes sociais será possível mitigar o impacto prejudicial do racismo no ambiente digital e promover uma cultura de respeito e inclusão.

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA – SP – APR: 15018373020208260482SP 1501837-30.2020.8.26.0482, Relator: Freire Teotônio, Data de Julgamento: 27/05/2022, 14ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 27/05/2022.

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