O PSICÓLOGO HOSPITALAR JUNTO AO PACIENTE ONCOLÓGICO E SEUS FAMILIARES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7826670


Gabriela de Oliveira Vargas de Andrade


RESUMO

O adoecer de câncer tem sido uma circunstância vivenciada por muitas pessoas, causando grande sofrimento. É uma doença que causa um impacto na vida do paciente e de seus familiares/cuidadores. No presente estudo procurou-se apontar as repercussões do câncer, assim como os aspectos físicos e psíquicos; o paciente e a família/cuidador frente a este diagnóstico e tratamento; a atuação do psicólogo hospitalar no cuidado oncológico, para auxiliar o paciente no enfrentamento da doença, promovendo o bem estar psicossocial, ofertando a escuta, com a finalidade de tornar o tratamento menos doloroso e invasivo. Assim, o familiar/cuidador necessita também de cuidado, vindo de toda a equipe, pois quando um membro adoece a família também adoece. Buscou-se também evidenciar que a equipe tem como possibilidade de intervenção o grupo sala de espera, oferecendo apoio psicológico, proporcionando um novo e importante contexto social ao paciente com câncer e a seus familiares, além de possibilitar uma melhoria nas informações sobre a doença e o tratamento e beneficiar ao sujeito a elaboração de suas experiências ligadas à doença.

PALAVRAS-CHAVE: Psicologia, Câncer, Psiconcologia, paciente, família/cuidador

ABSTRACT

Sick cancer has been a condition experienced by many people, causing great suffering. It is a disease that impacts the lives of patients and their families / caregivers. This study sought to pinpoint the cancer effects, such as physical and mental aspects; the patient and family / caregiver when diagnosis and treatment of cancer; the performance of the hospital psychologist in cancer care, to assist the patient in fighting the disease, promoting psychosocial well-being, offering listening, in order to make it less painful and invasive treatment. So the family / caregiver also needs care, coming from the whole team, because when a member falls ill the family also becomes sick. We sought to show that the team has the possibility of intervening in the waiting room group, offering psychological support, providing a new and important social context for patients with cancer and their families, and enabling an improvement in information about the disease and treatment and benefit subject to the preparation of their experiences related to the disease.

KEYWORDS: Psychology, Cancer, Psychoncology, patient, family / caregiver

INTRODUÇÃO 

Na contemporaneidade é possível perceber, por meio da psiconcologia, que o diagnóstico de câncer tem ocasionado uma instabilidade emocional tanto nas pessoas que recebem, quanto em seus familiares. Uma vez que todos os componentes de uma família buscam alcançar o equilíbrio, quando uma patologia passa a existir em um desses componentes, este equilíbrio passa a não existir mais como outrora. No cotidiano ocorrem mudanças devido aos tratamentos necessários, conflitos começam a surgir, assim como o medo da morte

O trabalho procurou compreender quais os comportamentos que sucedem diante de um diagnóstico e tratamento do câncer, e a atuação do psicólogo juntamente com os pacientes oncológicos e seus familiares/cuidadores. Trata-se também de entender o processo de adoecimento do câncer e as questões psicológicas e sociais envolvidas neste adoecer. Nesta perspectiva, buscou-se por meio dos significados dados ao câncer, refletir a respeito das implicações na vida do paciente e de seu familiar/cuidador, no que se referem às modificações, alterações psicológicas, e conflitos pertinentes a partir de uma nova realidade, por muitas vezes dolorosa. Tal investigação se fez por meio de uma revisão bibliográfica acerca do assunto.

A decisão de elaborar este trabalho que abrange psiconcologia, paciente e família, surgiu por observar o tratamento oncológico de maneira bem próxima, nos atendimentos psicológicos no estágio em Psicologia Hospitalar onde pude compreender a necessidade de atendimento psicológico aos pacientes, familiares e a equipe de profissionais que estão envolvidos neste momento de muita dor, angústia e ansiedade. Além de desejar contribuir para uma melhor qualidade de vida aos pacientes oncológicos, tal decisão também acendeu o desejo de entender, conscientizar, acolher, mediar, ajudá-los a compreender a circunstância que ele está vivenciando.

  1.  O Diagnóstico

Segundo Souza (2003), só de citar a palavra “câncer” é acarretado um conflito enorme na vida do sujeito, seguido de significações metafóricas, conjecturando algo que devasta, corrói, consome, entre tantas outras coisas, até mesmo a morte. Ser diagnosticado com câncer reflete na integridade física, diminuição das necessidades sexuais e afetuosas, rompimento de planos de vida, dos sonhos e dos desejos. Geralmente, o diagnóstico começa pela remoção do tecido doente, e, através de um processo cirúrgico, ocorre o exame mais conhecido por biópsia ou punção.

O mesmo autor esclarece que receber o diagnóstico e ouvir a palavra câncer é algo amedrontador, e, por isso, ainda na época de hoje, é comum ouvir dessas pessoas referindo-se ao câncer como: “… este problema…”, “… esta doença…”, “… é melhor nem dizer o nome…”. É complexo até para alguns médicos lidar com o diagnóstico perante seus pacientes.  O câncer é visto como sinônimo de morte e, por isso, alguns tentam não manifestar o diagnóstico por diversos motivos. Um bom exemplo está no sistema capitalista, regime político do nosso país. Neste contexto, deixar de ser produtivo na esfera familiar e social, pode significar ser incapaz, sofrer rejeições. É preciso considerar que, muitas vezes, a família não está preparada para suportar aspectos peculiares da doença como o tratamento que é longo ou até mesmo a morte. Por meio de estudos referentes ao câncer nota-se que essa doença ainda é muito estigmatizada, tendo a ideia de sentença de morte, uma vez que é ligada a uma sucessão de sentimentos ruins e bons. 

De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (2016), na vida de pacientes oncológicos ocorrem oito itens preocupantes como: mudanças na autoimagem; perda do controle sobre a vida; medo da dependência; medo do abandono; estigmas; raiva; isolamento e morte. Exemplo disso é a mulher com câncer de mama, que tem o seio como um órgão altamente investido de significados, representando uma das expressões da maternidade e da sexualidade feminina.

No decorrer do procedimento do diagnóstico, o paciente sente ansiedade devido aos exames, que por vezes são invasivos, desconfortantes e dolorosos, assim como os resultados que, da mesma maneira, é repleto de perspectivas. Deste modo, é fundamental compreender os pacientes que estão nesta etapa diagnóstica, pois com as possíveis descobertas podem apresentar medo, queixa por estar doente e ter o emocional abalado. (PAIVA & PINOTTI, 1998).

  1.  A FAMÍLIA E O PACIENTE FRENTE AO DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE CÂNCER

Segundo Delgado (2005), a família é formada por componentes que lutam para sustentar sua existência.  Cada componente passa por uma etapa nova em sua vida pessoal e inicia um sistema de relação, que é a família. Esses componentes dividem seus anseios, seus medos, descobertos e desenvolvidos na família de origem. Por isto, viver nesse vínculo, constante e dinâmico, completa e define o componente complexo que é a família. 

A família compartilha a vida e isso estimula sentimentos similares entre seus membros de modo que seja uma estrutura peculiar do cuidado, comenta o autor já citado. São nos membros dessa família que estão os fundamentos que compõem essa estrutura. Cada experiência de viver em família contribui para a nossa compreensão acerca da mesma.

Conforme trazido anteriormente, o olhar comum que se tem para o câncer é carregado de estigma, pois está relacionado a uma doença que pode levar à morte, existindo também o medo de todos os procedimentos do tratamento. Por consequência disso, o diagnóstico de câncer causa desequilíbrio na família, levando-a a necessidade de adaptação às circunstâncias, tentando sempre superar as dificuldades decorrentes, para que consiga contribuir na adaptação do paciente. (MELO, E.M., et al.,2007).

Afirmam ainda que quando um membro adoece a família também adoece, ocorrendo uma demanda para uma reorganização familiar, onde cada membro dessa família terá que reconstruir suas funções. Como, por exemplo, quando o pai dessa família é que adoece, todas as outras responsabilidades podem ficar sob a responsabilidade da mãe e vice-versa.

Segundo Vieira (2004), existem complexidades na tarefa de cuidar quando se tem um vínculo afetivo, pois ocorre uma dependência entre o paciente e o cuidador. Devido a essa dependência surgem mudanças na dinâmica familiar, trazendo algo inesperado e angustiante para quem cuida. Nascimento et al. (2005) destaca que não se pode desvalorizar a capacidade dos familiares/cuidadores no cuidado com os pacientes oncológicos e nem desampará-los. Compreende-se que, neste período, pode acontecer desintegração do vínculo familiar, entretanto, é importante que esse grupo mantenha a expectativa para que possa ressignificar essas relações. Ademais, o paciente e seu familiar/cuidador utilizam, muitas vezes, a religiosidade na cura como estratégia de enfrentamento.

A família também deve receber um cuidado de toda a equipe desde a notícia do diagnóstico, pois essa notícia não atinge somente o paciente, mas também a essa família que corre o risco de perder um membro. Devido à ansiedade, raiva, medo e culpa gerada neste cenário, há possibilidade de familiares cometerem atos que podem gerar um dano à situação de saúde do paciente (OLIVEIRA, et al, 2005). 

A família simboliza uma estrutura, e no momento em que um componente dessa estrutura adoece, pode notar-se uma desestruturação dessa família. Há uma tendência dos outros componentes se culpabilizam pela doença, em decorrência do modelo sistemático desta estrutura. De acordo com Chiattone (1987), depois dessa desestruturação, a família vai à procura de seu equilíbrio anterior por meio do remanejamento de seus investimentos emocionais, por meios ofensivos ou afetivos. Nesse período, a família utiliza uma das atitudes mais frequentes, se apropria do papel de superprotetora com o paciente internado. Essa atitude geralmente traz um enorme sentimento de culpa da família diante da hospitalização do membro, e essa experiência arrasta um intenso sofrimento, que não se esclarece simplesmente pela doença em si, mas principalmente pelas profundas modificações na vida dessa família, assim como suas funções sociais. 

Beck e Lopes (2007) iniciaram uma observação aos diferentes princípios da família e perceberam limitações e vantagens entre a relação da família com a equipe de saúde. O cuidado com o paciente normalmente é o mais importante, e a família/cuidador são considerados como benéficos. Toda família apresenta uma maneira de lidar com as demandas da própria existência, dentre elas o câncer e a morte. O psicólogo e toda a equipe, ao entender como a família lida com uma doença, tal como o câncer, pode beneficiar a família com procedimentos que permitam um melhor cuidado para a mesma, colaborando para que tenha meios de apoio mais adequado ao seu membro. 

Todas as atenções dos profissionais devem estar direcionadas não somente aos pacientes, mas também à família que é a organização em que ele está incluído, visto que ela que o acompanha ao longo de seu desenvolvimento (BIELEMANN, et al., 2009). Contudo, são evidentes os obstáculos que esses profissionais da saúde têm que enfrentar para que toda a família tenha o cuidado necessário, identificando-a como uma organização que traz benefícios ao paciente frente a esse procedimento angustiante. (SILVA, BOCCHI E BOUSSO, 2008).

  1.  Atuações do Psicólogo Junto ao Paciente Oncológico e seus Familiares

Conforme salienta Giglio (1999) o desequilíbrio na produção celular pode estimular o crescimento de tumores, que consequentemente irão acarretar os sintomas do câncer. Levando-se em conta que quanto mais rápido for diagnosticado e ter a atenção médica, maior será a probabilidade de soluções e maiores chances de cura. Contudo, não é ideal limitar-se em somente tratar do câncer e aspectos físicos da doença, e deixar de lado os aspectos psicológicos do sujeito, pois é preciso entender como esta doença tem impactado a vida dessas pessoas, como elas enfrentam a doença, se é necessário um acompanhamento psicológico ou não, além de outras questões. 

De acordo com Chiattone (1987), a atuação com pacientes hospitalizados deve ser de lutar pela humanização do atendimento. O foco do atendimento de toda a equipe deverá ser baseado no conceito de diminuir o sofrimento das pessoas internadas, proporcionando a saúde, fazendo com que esse paciente seja ativo no procedimento de hospitalização, considerando tudo que for conveniente para sua evolução no tratamento. 

Juntamente com a abordagem de humanização do atendimento, o psicólogo ao entrar no ambiente hospitalar, deverá ter como base a interdisciplinaridade, apoiando na conjectura de que o sujeito doente precisa ser visto como sujeito biopsicossocial. “Essas três esferas interdependem e inter-relacionam-se à outra, mantendo o ser doente, intercâmbios contínuos com o meio em que vive num constante esforço de adaptação à sua nova condição de doente […].” (CHIATTONE, 2003, p.32).

A percepção da multidisciplinaridade como estratégia da prática do psicólogo hospitalar vem por reconhecer que o ambiente da saúde tem uma realidade difícil e que precisa de conhecimentos diversos para que seja possível realizar uma intervenção de modo imediato. 

Amaral (2001) afirma que o papel do psicólogo hospitalar conta com dois atributos. Um em curto prazo, que diz respeito a uma intervenção imediata do comportamento do paciente. E a médio e longo prazo, que abrange o progresso de métodos de comportamento de aderência ao tratamento, prevenção à saúde e condutas de risco. Sendo assim, a equipe cuidadora do paciente deve estar munida de técnica e conhecimento e preparada emocionalmente para auxiliar nesse período complexo. O simples ato de ofertar escuta ao paciente, acompanhá-lo, proporcionar um acolhimento, e tratá-lo como uma pessoa portadora de subjetividade, é mais significativo do que outras intervenções, pois para esse indivíduo, não se ver sozinho contribui para que ele supere os obstáculos que terá que enfrentar. 

Albani (2004) realizou uma pesquisa a respeito de o paciente oncológico ter a necessidade de intervenção psicológica, colaborando para que o mesmo tenha um equilíbrio emocional, oferecendo ao paciente uma melhor maneira de vivenciá resta situação que acarreta mudanças na vida dele e de sua família, podendo trazer efeitos para que o procedimento de cura seja mais eficaz e assertivo. 

O psicólogo encarrega-se de desempenhar uma estrutura emocional, oferecer apoio e esclarecer as dúvidas dos pacientes e familiares, conforme a sua função – durante o diagnóstico e do tratamento – além de proporcionar um atendimento aos profissionais para que eles consigam lidar melhor com a pressão diante dos casos. Como consequência, pode haver a melhora na qualidade dos atendimentos aos pacientes com câncer, uma vez que “tem sido reconhecido que toda a doença leva a um sentimento de isolamento, e todas as pessoas desejam ter os seus sentimentos, ideias e dilemas entendidos por outras pessoas” (OLIVEIRA et al, 2005, p. 15).Deste modo, a psicologia hospitalar procura aliviar o conflito emocional dos pacientes e seus familiares diante do apoio prestado, sendo necessário mobilizar estratégias, pois este paciente está em uma fase que não foi escolhida por ele.  

Segundo Leshan (1992) é preciso considerar a relação entre paciente oncológico e seus familiares, oferecendo explicações acerca da importância de estar presente neste momento, para que esse paciente possa apresentar melhores resultados no decorrer de seu tratamento, trazendo efeitos para a obtenção de uma melhor qualidade de vida. A família passa por uma fase de crise por se sentir impotente frente à doença de um de seus componentes, tem medo de ter que enfrentar a morte do mesmo, pode ter dificuldade em entender a situação, assim como a dor de não ter recursos perante o sofrimento desse paciente. Por isso a importância do atendimento psicológico junto à família do paciente. 

Ainda segundo a autora, a intervenção psicológica é essencial para que haja compreensão a respeito da importância que cada sujeito tem ao realizar suas funções. Compete ao psicólogo conhecer a dinâmica do tratamento para que consiga auxiliar o paciente a ter entendimento da situação, assim como sua qualidade de vida, oferecendo a família, que está acompanhando o tratamento, um suporte emocional. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar os temas propostos neste artigo, que compreende em trabalhar com a psiconcologia, paciente e família, vai muito além do que estar contribuindo para melhor qualidade de vida aos pacientes oncológicos. Tais temas também provocam a vontade de conhecer, esclarecer, conscientizar, mediar, enfim, focalizar a atenção para que tenham a possibilidade de entender a situação que essas pessoas estão vivenciando no momento. 

Entender como ocorre o processo de diagnóstico e como proporciona uma condição dolorosa suficiente para fazer surgir sentimentos de angústia, depressão e ansiedade, assim como medos, sobretudo associados com a aproximação da morte. Ademais, o diagnóstico pode trazer à tona pensamentos que podem ocasionar consequências ao estado emocional do sujeito, principalmente por ter se formado ao longo da vida, como: o câncer é uma doença que leva à morte rapidamente e de forma dolorosa. 

Inserir a Psicologia neste processo gera perspectiva de oferecer ao paciente uma melhor adaptação à situação vivenciada, adaptação esta que poderá diminuir a influência psicológica do diagnóstico sobre o paciente, ou seja, diminuir o resultado emocional demonstrado sob a maneira, muitas vezes, de um transtorno emocional.

Com tais ponderações, é possível compreender a importância da atuação do psicólogo no tratamento de pacientes oncológicos e a cautela que se deve ter com as intervenções. Se o psicólogo não entender as causas, as implicações e o significado do câncer para o paciente, sua função poderá ter uma atitude invasiva, piorando a situação do mesmo. Porém é a prática e a análise de seu cotidiano que irá preparar o psicólogo para que ele consiga lidar com cada situação, pois cada câncer é diferente, cada um está dentro de um contexto, mergulhado em uma rede de experiências, sentimentos e significados estabelecidos durante sua história, valores e crenças. 

A partir da análise deste artigo é possível perceber que os pacientes e seus familiares/cuidadores, podem necessitar do apoio de profissionais da psicologia sendo evidenciada cada vez mais a coerência de ter a atuação de psicólogos nestes contextos, o que resulta em importantes benefícios para todas as pessoas envolvidas neste trabalho oncológico, tão carregado de estigmas – pacientes, profissionais de saúde etc.

É importante esclarecer que o psicólogo não tem como objetivo curar a patologia, mas sim oferecer recursos para que esse indivíduo consiga lidar com as fases do adoecer. Deste modo, identificamos uma psicologia hospitalar que se constitui a cada dia em sua prática, e que tem como método permitir que surja a palavra naquele que sofre. Exigindo um compromisso ético com a condição humana. 

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Especialização em Terapia Cognitivo Comportamental