O PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA PIBIC –AF/CNPQ DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA UFJF: IMPACTOS E CONTRIBUIÇÕES ACADÊMICAS

THE AFFIRMATIVE ACTIONS SCIENTIFIC INITIATION PROGRAM (PIBICAF/CNPQ) AF/CNPQ OF THE FEDERAL UNIVERSITY OF JUIZ DE FORA (UFJF): ACADEMIC IMPACTS AND CONTRIBUTIONS

EL PROGRAMA DE INICIACIÓN CIENTÍFICA – ACCIONES AFIRMATIVAS(PIBIC-AF/CNPQ) DE LA UNIVERSIDAD FEDERAL DE JUIZ DE FORA(UFJF): IMPACTOS ACADÉMICOS Y CONTRIBUCIONES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202504301708


Amanda Prado1


Resumo

Este artigo analisa as experiências vivenciadas pelos alunos cotistas e orientadores participantes do Programa de Iniciação Científica Ações Afirmativas (PIBIC-Af/CNPq) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), investigando como essa iniciativa impacta o processo de educação, inclusão e permanência acadêmica desses estudantes. Utilizamos uma metodologia qualitativa, por meio de entrevistas semiestruturadas, e analisamos os dados coletados com base no referencial teórico de Bourdieu e outros estudiosos da educação. Os resultados indicam que o PIBIC-Af desempenha um papel significativo na democratização do acesso à pesquisa acadêmica e na redução de desigualdades no meio universitário. Além disso, observamos que o programa favorece a socialização acadêmica dos alunos, ampliando suas redes de contato e incentivando uma trajetória acadêmica mais sólida e produtiva. Ainda, constatamos que a participação no PIBIC-Af contribui para a melhoria do desempenho acadêmico e o desenvolvimento de competências essenciais para a vida profissional.

Palavras-Chave: Programa de Iniciação Científica PIBIC-Af. Política de apoio e inclusão aos cotistas. Universidade Federal de Juiz de Fora. Ações afirmativas.

Abstract

This article analyzes the experiences of quota students and advisors participating in the Affirmative Action Scientific Initiation Program (PIBIC-Af/CNPq) at the Federal University of Juiz de Fora (UFJF), investigating how this initiative impacts the process of education, inclusion, and academic retention of these students. We used a qualitative methodology, through semi-structured interviews, and analyzed the data collected based on the theoretical framework of Bourdieu and other education scholars. The results indicate that PIBIC-Af plays a significant role in democratizing access to academic research and reducing inequalities in the university environment. In addition, we observed that the program favors the academic socialization of students, expanding their contact networks and encouraging a more solid and productive academic trajectory. Furthermore, we found that participation in PIBIC-Af contributes to improving academic performance and developing essential skills for professional life.

Keywords: Scientific Initiation of Program PIBIC-Af. Politic of support and inclusive of the quota holders. Federal University of Juiz de Fora. Affirmative Actions.

Resumen

Este artículo analiza las experiencias de estudiantes y asesores cupistas que participan en el Programa de Iniciación Científica de Acción Afirmativa (PIBIC-Af/CNPq) de la Universidad Federal de Juiz de Fora (UFJF), investigando cómo esta iniciativa impacta el proceso de educación, inclusión y retención académica de estos estudiantes. Utilizamos una metodología cualitativa, a través de entrevistas semiestructuradas, y analizamos los datos recopilados con base en el marco teórico de Bourdieu y otros estudiosos de la educación. Los resultados indican que PIBIC-Af desempeña un papel importante en la democratización del acceso a la investigación académica y la reducción de las desigualdades en las universidades. Además, observamos que el programa favorece la socialización académica de los estudiantes, ampliando sus redes de contacto e incentivando una trayectoria académica más sólida y productiva. Además, encontramos que la participación en PIBIC-Af contribuye a mejorar el rendimiento académico y el desarrollo de habilidades esenciales para la vida profesional.

Palabras-Clave: Programa de Iniciación Científica PIBIC-Af. Política de apoyo e inclusión a los cuotistas. Universidad Federal de Juiz de Fora. Acciones Afirmativas.

Introdução

A promulgação da Lei de Cotas (Lei nº 12.711/2012) marcou um avanço na promoção da igualdade de oportunidades no ensino superior público brasileiro, proporcionando o acesso de grupos historicamente marginalizados às universidades federais. No entanto, a inclusão formal não garante, por si só, a equidade dentro do ambiente acadêmico. A permanência e o desempenho satisfatório desses estudantes ainda representam desafios que exigem a implementação de políticas de suporte adequadas (PAULA, 2017).

Segundo Paula (2017), as políticas de democratização do ensino superior implementadas nos anos 2000, como a adoção de cotas, ampliaram significativamente o número de estudantes pertencentes a classes sociais desfavorecidas nas universidades públicas. Contudo, a expansão do acesso não foi acompanhada de medidas estruturais e pedagógicas suficientes para garantir a inclusão plena desses alunos, resultando no fenômeno conhecido como “inclusão excludente”. Esse conceito se refere ao ingresso formal, mas sem suporte adequado para que os alunos se mantenham e tenham êxito acadêmico, refletindo-se nas altas taxas de evasão, especialmente entre aqueles provenientes das camadas populares.

No contexto da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a adoção do sistema de cotas ocorreu a partir de 2004. Estudos conduzidos por Beraldo e Magrone (2012) indicam que, ao contrário do esperado, os índices de evasão entre estudantes cotistas não foram superiores aos dos não cotistas. Na realidade, os dados demonstram que os alunos não cotistas apresentaram uma taxa de abandono quase duas vezes maior. Essa tendência pode estar relacionada ao valor simbólico atribuído à vaga conquistada por meio do sistema de cotas, levando os estudantes beneficiados a um maior comprometimento com sua trajetória acadêmica. 

Além disso, a literatura aponta que, enquanto os estudantes não cotistas geralmente possuem mais alternativas para ingressar em outras instituições ou cursos, os cotistas tendem a valorizar mais a oportunidade conquistada e se esforçam para permanecer na universidade.

No entanto, apesar da maior taxa de permanência dos cotistas na UFJF, o desempenho acadêmico desse grupo ainda se mostra inferior quando comparado ao dos estudantes não cotistas (BERALDO; MAGRONE, 2012). Esse dado reforça a necessidade de políticas institucionais que não apenas garantam o acesso, mas também promovam uma formação acadêmica de qualidade, assegurando equidade nas condições de aprendizado e desenvolvimento profissional.

Diante desse cenário, torna-se fundamental a existência de programas voltados à permanência qualificada desses estudantes. Além de auxílios financeiros, é essencial que as universidades ofereçam oportunidades acadêmicas que incentivem o desenvolvimento intelectual e científico dos alunos cotistas. Iniciativas como a Iniciação Científica, a Monitoria e os Programas de Extensão desempenham um papel crucial nesse sentido.

O Programa de Iniciação Científica para Ações Afirmativas (PIBIC-Af) surge como um instrumento essencial na inclusão acadêmica ao proporcionar oportunidades de engajamento na pesquisa científica. Segundo Bridi (2010), a universidade deve ir além da formação técnica e profissional, promovendo o pensamento crítico e investigativo por meio da produção de novos conhecimentos. Dessa forma, a iniciação científica não apenas fortalece a formação acadêmica, mas também estimula a construção de uma identidade universitária mais sólida, capacitando os estudantes para desafios futuros.

Portanto, este artigo busca analisar os impactos do PIBIC-Af na UFJF, avaliando seu papel na inclusão acadêmica e na formação dos estudantes cotistas. Investigamos como o programa contribui para a permanência e o desempenho desses alunos, bem como suas implicações na trajetória acadêmica e profissional a longo prazo.

2 O Programa Institucional de Iniciação Científica nas Ações Afirmativas (PIBIC-Af)/ CNPq

O Programa Institucional de Iniciação Científica nas Ações Afirmativas (PIBIC-Af) é uma iniciativa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), criada com o intuito de ampliar a participação de estudantes cotistas em atividades de pesquisa acadêmica. O CNPq, fundado em 1951, é atualmente uma fundação vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), sendo responsável pelo fomento à pesquisa científica no Brasil e pelo desenvolvimento de políticas voltadas à formação de pesquisadores (CNPQ, 2002). Seu papel é crucial na promoção da ciência, tecnologia e inovação, contribuindo para a soberania nacional e o desenvolvimento sustentável do país.

O PIBIC-Af é um programa de concessão de bolsas de iniciação científica voltado exclusivamente para estudantes que ingressaram no ensino superior por meio de políticas de ações afirmativas. Implementado em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que atualmente integra o Ministério dos Direitos Humanos, o programa busca reduzir desigualdades no acesso à ciência e incentivar a permanência de estudantes de grupos historicamente marginalizados na universidade. As bolsas são destinadas a instituições de ensino superior que já participam do Programa Institucional de Iniciação Científica (PIBIC) e que tenham políticas institucionais de inclusão social (CNPQ, 2002).

O PIBIC-Af segue as diretrizes estabelecidas pela RN 17/2006, que regulamenta a distribuição de bolsas por cotas no país. Entre seus principais objetivos, destacam-se:

Ampliar as oportunidades de formação técnico-científica para estudantes que ingressaram no ensino superior por meio de políticas afirmativas;
Contribuir para a formação científica e acadêmica de estudantes de grupos minorizados, incentivando sua participação em atividades de pesquisa e inovação;
Fomentar a integração dos estudantes cotistas à cultura acadêmica e científica, reduzindo barreiras estruturais que dificultam seu acesso à iniciação científica;
Fortalecer as políticas de ações afirmativas nas instituições de ensino superior, promovendo a equidade e a inclusão social no meio acadêmico (CNPQ, 2002).

A UFJF recebe cotas do PIBIC-Af desde 2009, sendo a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PROPP) a responsável pela gestão das bolsas concedidas pelo CNPq. O programa oferece suporte financeiro aos estudantes durante 12 meses, permitindo que se dediquem às atividades de pesquisa sem que questões econômicas sejam um obstáculo significativo. Os bolsistas são selecionados a partir de editais específicos, e o início das atividades ocorre anualmente no mês de agosto.

O impacto do PIBIC-Af na UFJF tem sido significativo, promovendo não apenas a inclusão acadêmica, mas também o fortalecimento da produção científica entre os estudantes cotistas. Além do apoio financeiro, o programa incentiva o desenvolvimento de habilidades acadêmicas, melhora o desempenho dos estudantes e amplia suas possibilidades de ingresso na pós-graduação e no mercado de trabalho.

Ao considerar o compromisso firmado pelo Governo Federal por meio da Lei de Cotas, o PIBIC-Af se insere como uma estratégia fundamental para corrigir desigualdades históricas e oferecer suporte contínuo aos estudantes beneficiados pelas ações afirmativas. A inclusão de cotistas na pesquisa científica representa um passo essencial para a democratização do conhecimento e para a construção de uma universidade mais plural e equitativa. Diante disso, este estudo busca compreender os impactos do programa na formação acadêmica e profissional dos bolsistas da UFJF, avaliando sua contribuição para a permanência estudantil e o desenvolvimento científico.

3 Metodologia

Para o desenvolvimento desta pesquisa, optamos por uma abordagem qualitativa, que, conforme Minayo (2002), se dedica à compreensão aprofundada dos fenômenos sociais, considerando os significados atribuídos pelos sujeitos envolvidos. Esse tipo de abordagem é especialmente relevante quando se busca analisar questões complexas, como os impactos das ações afirmativas no ensino superior, pois permite captar nuances que não seriam detectadas por meio de análises quantitativas.

Durkheim (2003) define o conceito de fato social como um conjunto de normas, crenças e valores que exercem influência sobre o comportamento dos indivíduos dentro de uma sociedade, muitas vezes de forma coercitiva. Aplicando essa perspectiva à presente pesquisa, consideramos que a inserção dos estudantes cotistas no meio acadêmico e sua participação no PIBIC-Af são fenômenos que refletem processos sociais amplos, os quais merecem ser analisados em profundidade.

Em relação aos objetivos, esta pesquisa se classifica como exploratória. Segundo Gil (2002, p. 41), estudos exploratórios têm como principal finalidade proporcionar maior familiaridade com o problema investigado, tornando-o mais explícito ou possibilitando a formulação de hipóteses futuras. Essa abordagem é flexível e permite uma análise mais ampla do tema. De acordo com Gil (2002), as principais técnicas utilizadas nesse tipo de pesquisa incluem: (a) levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que possuem experiência direta com o objeto de estudo; e (c) análise de exemplos que favorecem a compreensão do fenômeno investigado.

Para a construção do embasamento teórico e a estruturação da pesquisa, realizamos uma ampla revisão bibliográfica, consultando artigos científicos indexados em bases renomadas, como SciELO (Scientific Electronic Library Online) e o Portal de Periódicos da CAPES. A busca foi delimitada ao período de 2015 a 2023, utilizando descritores como “PIBIC-Af”, “Ações Afirmativas na Educação Superior” e “Iniciação Científica e Inclusão Acadêmica”. O levantamento bibliográfico possibilitou a identificação de estudos que discutem tanto os impactos das políticas de inclusão no ensino superior quanto os benefícios da iniciação científica na formação acadêmica e profissional dos estudantes cotistas.

A pesquisa empírica consistiu na realização de entrevistas semiestruturadas com estudantes e professores da UFJF que participaram do PIBIC-Af nos editais de 2015 e 2016. Optamos por essa abordagem devido à sua capacidade de permitir maior flexibilidade nas respostas, garantindo que os entrevistados pudessem expressar suas percepções e experiências de maneira mais aprofundada.

Os sujeitos da pesquisa foram selecionados com base em critérios específicos. Como o PIBIC-Af possui um número limitado de bolsas por edital, buscamos incluir pelo menos um representante de cada grande área do conhecimento, conforme a Tabela CAPES, garantindo uma visão mais abrangente sobre os impactos do programa. A seguir, apresentamos o quadro com a identificação dos participantes:

Quadro 1 – Sujeitos da Pesquisa

          Fonte: Elaborada pela autora.

A análise dos dados coletados foi realizada com base na metodologia de análise de conteúdo proposta por Bardin (2011), que permite a categorização das respostas em eixos temáticos relevantes. Dessa forma, buscamos compreender não apenas os impactos do PIBIC-Af na trajetória acadêmica dos estudantes cotistas, mas também os desafios enfrentados por esses alunos e os potenciais benefícios da participação em atividades de pesquisa científica.

Dessa maneira, a presente pesquisa se insere em um contexto mais amplo de avaliação das políticas públicas de inclusão no ensino superior, contribuindo para a construção de um entendimento mais profundo sobre os efeitos da iniciação científica na formação dos estudantes beneficiados pelas ações afirmativas.

4 Impactos do PBIC-Af na inclusão do bolsista cotista

A partir da análise das entrevistas realizadas com os discentes e docentes participantes do PIBIC-Af/CNPq na UFJF, identificamos impactos significativos do programa na inclusão e permanência dos estudantes cotistas. A seguir, apresentamos os principais achados, organizados em três eixos temáticos: inclusão acadêmica, desenvolvimento científico e impacto na permanência universitária.

4.1 Inclusão acadêmica e redução da auto exclusão

Os relatos dos discentes indicam que o PIBIC-Af desempenha um papel fundamental na inserção dos alunos cotistas na cultura acadêmica. De acordo com os entrevistados, as oportunidades dentro do ambiente universitário nem sempre são distribuídas de forma igualitária. Muitos afirmaram que alunos egressos de escolas particulares chegam ao ensino superior com maior preparo para disputar bolsas de iniciação científica, devido ao maior capital cultural adquirido antes do ingresso na universidade. Como destacado por um dos entrevistados:

Porque sendo só ações afirmativas, outras pessoas não podem concorrer. A gente sabe que as oportunidades que outros tiveram não são as mesmas que os cotistas tiveram, por exemplo. As ações afirmativas dão a oportunidade da pessoa se desenvolver igualmente” (A1, entrevista realizada em 04/10/2017).

A perspectiva dos docentes reforça essa constatação, pois apontam que alunos cotistas muitas vezes não se sentem pertencentes ao ambiente acadêmico e podem evitar buscar oportunidades de pesquisa por falta de informação e incentivo. O fenômeno da “auto exclusão”, citado por um dos entrevistados, se alinha ao conceito bourdieusiano de habitus, que explica como a trajetória social e familiar influencia a forma como os indivíduos se posicionam no espaço acadêmico (BOURDIEU, 2007).

Conforme apontado por um dos professores entrevistados:

Uma coisa do preconceito é a auto exclusão. Mas, uma vez que há essa oportunidade direcionada aos cotistas, pode ser que essa auto exclusão diminua. A pessoa percebe que existe um incentivo para que ela participe da iniciação científica, pois há uma bolsa voltada para ela” (P2, entrevista realizada em 19/09/2017).

Dessa forma, o PIBIC-Af não apenas amplia o acesso à pesquisa, mas também atua como um mecanismo de combate à auto exclusão, encorajando os alunos a se enxergarem como parte legítima da universidade.

4.2 Impacto na Permanência e no Desempenho Acadêmico

Os impactos do PIBIC-Af na formação acadêmica dos bolsistas cotistas se manifestam principalmente na melhoria do desempenho nas disciplinas, no desenvolvimento de habilidades científicas e no fortalecimento da identidade acadêmica. Segundo os entrevistados, o programa lhes proporcionou um contato mais próximo com a pesquisa, o que os ajudou a consolidar os conhecimentos adquiridos em sala de aula por meio da prática investigativa. Como relatado por um dos alunos entrevistados:

Com certeza! Melhorou assim… Cem por cento. Porque me ajudou bastante a sistematizar, eu aprendi agora a fazer pesquisa, melhorar a escrita acadêmica. Me ajudou bastante a entender melhor os conteúdos que eu já tinha visto nas aulas” (A1, entrevista realizada em 04/10/2017).

Queiroz e Massi (2010) apontam que a iniciação científica contribui para a formação de um pensamento crítico-reflexivo, permitindo que os alunos desenvolvam autonomia intelectual e aprendam a pesquisar de forma independente. Esse ponto é reforçado pelo depoimento de um dos entrevistados:

Antes de fazer a Iniciação Científica, eu dependia muito dos professores para pesquisar materiais. Depois que entrei no PIBIC-Af, aprendi a ter mais autonomia, a buscar fontes confiáveis e a organizar melhor meus estudos” (A6, entrevista realizada em 28/09/2017).

A pesquisa científica também foi identificada pelos alunos como um diferencial em sua formação acadêmica, fornecendo habilidades e conhecimentos que podem ser úteis na pós-graduação e no mercado de trabalho. Conforme evidenciado por outro estudante:

Abre um caminho na sua vida para sua futura profissão. Você aprende a lidar com novas leituras, a buscar referências e a interagir com outros pesquisadores. Isso muda muito a nossa perspectiva dentro da universidade” (A1, entrevista realizada em 04/10/2017).

Canaan e Nogueira (2015) destacam que o bolsista da iniciação científica tem maior domínio dos requisitos acadêmicos, desenvolvendo habilidades de leitura e escrita que podem impactar positivamente sua trajetória acadêmica e sua inserção na pós-graduação. Esse aspecto reforça a ideia de que a iniciação científica não apenas melhora o desempenho nas disciplinas regulares, mas também promove um habitus de pesquisa (BOURDIEU, 2007), tornando a experiência universitária mais significativa para os estudantes cotistas.

Por fim, o programa também se revelou relevante para a inclusão dos alunos cotistas no meio acadêmico e para sua permanência na universidade. Um dos docentes entrevistados destacou a importância da iniciação científica para a adaptação dos estudantes cotistas às exigências do ensino superior:

Muitos alunos chegam sem saber como funciona a pesquisa acadêmica, sem saber como escrever um artigo, como buscar fontes de qualidade. O PIBIC-Af possibilita esse aprendizado e dá a eles um suporte que reduz a desigualdade inicial em relação aos alunos que vêm de escolas particulares, onde esse incentivo já existe” (P5, entrevista realizada em 26/09/2017).

Dessa forma, a iniciação científica é um mecanismo relevante para a formação acadêmica de estudantes cotistas, ajudando a reduzir as desigualdades educacionais e preparando-os tanto para a continuidade na vida acadêmica quanto para sua inserção profissional.

5 Considerações Finais

Os achados desta pesquisa evidenciam que o Programa de Iniciação Científica para Ações Afirmativas (PIBIC-Af) tem um impacto significativo na trajetória acadêmica e na permanência universitária dos estudantes cotistas da UFJF. O programa se mostrou uma ferramenta eficaz para reduzir desigualdades acadêmicas, proporcionando aos alunos oriundos de escolas públicas e de grupos socialmente vulneráveis uma oportunidade de aprofundamento no meio científico e uma maior inserção na cultura acadêmica.

Com base nos depoimentos dos estudantes e docentes entrevistados, constatamos que a participação na iniciação científica contribui para o desenvolvimento de habilidades acadêmicas, como a escrita científica, a autonomia na pesquisa e a capacidade de organização dos estudos. Além disso, a inserção no PIBIC-Af auxilia no fortalecimento do pertencimento acadêmico dos cotistas, combatendo o fenômeno da autoexclusão e promovendo a construção de uma identidade universitária mais consolidada.

Outro ponto relevante identificado foi o impacto do programa na formação profissional dos bolsistas. A iniciação científica proporcionou não apenas um melhor desempenho nas disciplinas regulares, mas também incentivou o ingresso dos participantes em programas de pós-graduação e ampliou suas perspectivas no mercado de trabalho. Como indicado por autores como Canaan e Nogueira (2015) e Bridi (2010), o contato com a pesquisa desde a graduação contribui para a formação de um habitus acadêmico, permitindo que os estudantes desenvolvam competências essenciais para sua trajetória futura.

Entretanto, apesar dos benefícios evidentes do PIBIC-Af, algumas limitações ainda precisam ser enfrentadas. A oferta restrita de bolsas e a falta de maior divulgação do programa entre os estudantes cotistas são desafios que devem ser considerados para um aperfeiçoamento das políticas de inclusão. Além disso, políticas complementares, como suporte pedagógico contínuo e maior integração com outras ações afirmativas institucionais, poderiam fortalecer ainda mais os efeitos positivos do programa.

Diante disso, sugerimos que futuras pesquisas explorem os impactos de longo prazo do PIBIC-Af na trajetória profissional dos ex-bolsistas, analisando seu impacto na empregabilidade e na continuidade acadêmica na pós-graduação. Além disso, seria relevante investigar a percepção dos docentes orientadores sobre os desafios e as potencialidades da inclusão de cotistas na pesquisa científica, ampliando o debate sobre as melhores práticas para garantir equidade no acesso e na permanência acadêmica.

Concluímos, portanto, que o PIBIC-Af se configura como um mecanismo fundamental para a democratização do ensino superior e a promoção da equidade acadêmica. Seu fortalecimento e ampliação são passos essenciais para consolidar uma universidade mais inclusiva e comprometida com a transformação social.

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1Mestre em Educação pela Universidade Federal do  Juiz de Fora (UFJF), Minas Gerais, graduado em Enfermagem pela Universidade Federal do  Juiz de Fora, Minas Gerais. Técnica Superior em Educação na Universidade Federal do  Juiz de Fora (UFJF).
https://orcid.org/0000-0002-4470-9332