REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7612510
Conselho Editorial:
Editores Fundadores: Dr. Oston de Lacerda Mendes e Dr. João Marcelo Gigliotti. Editor Científico: Dr. Oston de Lacerda Mendes . Orientadoras: Dra. Hevellyn Andrade Monteiro e Dra. Chimene Kuhn Nobre,
Drummond Ataíde Moraes1
RESUMO: O objetivo do trabalho é demonstrar o problema estrutural da falta de vagas em creches da rede pública do Distrito Federal, analisando principalmente a realidade jurídica enfrentada pelo Poder Judiciário com base nas inúmeras ações ajuizadas para reserva de vaga. Conforme se defenderá, a situação enfrentada não só pelo Distrito Federal, mas também pelos demais entes federativos, mostra-se contornável se adotadas soluções estruturais, em especial por meio de um processo civil estrutural. A ideia é analisar as causas que levam o Poder Público a disponibilizar quantidade de vagas inferior à necessária para atendimento da população, não se restringindo apenas ao aspecto puramente financeiro. Definitivamente, decisões individuais dadas pelo Poder Judiciário, que acabam por reorganizar a fila de espera por vagas em creches públicas, não se revelam como as mais acertadas.
PALAVRAS-CHAVE: Processo Estrutural. Creche. Poder Judiciário. Reserva do Possível.
ABSTRACT: The objective of the work is to demonstrate the structural problem of the lack of vacancies in public day care centers in the Federal District, mainly analyzing the reality faced by the Judiciary Branch based on the lawsuits filed to reserve space. As will be defended, the situation faced not only by the Federal District, but also by other federative entities, proves to be circumvented if necessary solutions are adopted, especially through a structural civil process. The idea is to analyze the causes that lead the Government to make available fewer places than necessary to serve the population, not restricting itself to the purely financial aspect. Definitely, the individual decisions given by the Judiciary, which end up reorganizing the waiting list for vacancies in public day care centers, do not prove to be the right ones.
KEYWORDS: Structural Process. Nursery. Judicial Power. Possible booking.
Introdução
A falta de vagas em creche da rede pública ou conveniada nas proximidades do local da residência da criança ou do trabalho de um de seus genitores representa um dos grandes desafios no cumprimento de políticas públicas por parte do Estado. Apesar de representar direito assegurado tanto na Constituição Federal2 quanto no Estatuto da Criança e Adolescente3, a oferta de vagas para a população menos favorecida é consideravelmente menor do que a demanda, causando enormes prejuízos às famílias que delas necessitam, seja em face do menor, por não dispor de ambiente adequado a seu desenvolvimento, ou dos genitores, ao comprometer a rotina de trabalho para cuidar dos filhos.
Os instrumentos até então experimentados para reduzir a grave ausência de vagas na rede pública de ensino, invariavelmente por meio de um contencioso judicial entre o Ministério Público ou Defensoria Pública contra o Poder Executivo local, não minimiza a situação das inúmeras famílias carentes que necessitam dessas vagas. A solução, como se revelará, partirá para uma decisão estrutural, diante de um problema nitidamente complexo e estrutural, com a intensa participação dos atores envolvidos. A realidade do Distrito Federal não é diferente das demais, valendo-se, por isso, de uma mesma solução.
1. Realidade do Distrito Federal na oferta de vagas em creches da rede pública ou conveniada
A falta de vagas em creches reflete o forte quadro de desigualdade social no Brasil. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) divulgada em 2017, entre as crianças de 0 a 3 anos que pertencem aos 20% da parcela da população com renda domiciliar per capita mais baixa do país, 33,9% estão fora da escola em razão da ausência de vagas em creche, ao passo que entre o grupo de 20% com renda mais alta, esse problema atinge apenas 6,9% das crianças4.
No Distrito Federal, como nos demais municípios do País, a ausência de vagas em creche na rede pública de educação ou conveniada, principalmente para a população carente, confirma uma situação estruturalmente caótica e de difícil solução. Um dos estudos mais recentes sobre a disponibilidade de vagas no Distrito Federal, por meio de auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal, informa que 15.767 alunos foram atendidos com matrículas em creches pelo sistema público de ensino, mas que havia 28.605 aguardando vagas em creches da rede pública ou conveniada. O estudo também encontrou falhas na gestão dessas vagas, como matrículas em duplicidade, vagas ociosas em creches conveniadas à rede pública e existência de alunos matriculados em desacordo com os critérios de prioridade (renda, localidade e deferimento de medidas protetivas em favor das mães)5. As alternativas dadas pelo Poder Executivo Distrital para enfrentamento da crise, como o credenciamento de creches privadas para o atendimento da população de baixa renda6, mostram-se paliativas e insuficientes.
Com efeito, o Poder Público local encontra-se inerte em relação ao déficit de vagas, problema que se arrasta há anos e em diferentes gestões. Resta apenas àqueles sem condições financeiras para custeio de uma creche particular socorrer-se ao Poder Judiciário, invariavelmente por meio das Defensorias Públicas, para satisfação do direito à matrícula em creches da rede pública ou conveniada, abarrotando os tribunais locais com ações judicias para disponibilização do referido direito. O tema, inclusive, teve seu mérito apreciado em repercussão geral no Supremo Tribunal Federal (tema 548), a fim de pacificação da controvérsia e confirmação do dever do Estado no fornecimento das vagas7.
Com a questão judicializada, o ente público aduz em sua defesa que a disponibilização de vagas em creches da rede pública ou conveniada relaciona-se à discricionariedade própria do Poder Executivo na gestão das políticas públicas, valendo-se da teoria da reserva do possível por conta da limitação de seus recursos, sustentando indevida interferência do Poder Judiciário ao se determinar a compulsoriedade da matrícula em favor do autor. Aponta, ainda, administrar a situação com a existência de listas de espera de crianças e que o cumprimento de decisões determinando a inscrição dos autores em detrimento daqueles que, igualmente, aguardam uma das vagas violaria o princípio da isonomia. Os pontos defensivos não encontram guarida no ordenamento jurídico brasileiro e só ganham espaço no cenário jurídico em razão da construção processual litigiosa da demanda judicial tradicional, com partes adversas e pretensão resistida (essência do conceito de lide). O processo estrutural redefine essa dinâmica, apontado para um potencial redução do problema enfrentado.
2. Estímulo à manutenção da falta de vagas e ausência de alinhamento entres os agentes públicos
A situação de conflito, por óbvio, acaba por beneficiar o Poder Executivo, por revelar a manutenção da fila posição favorável aos interesses, já que as soluções dadas são insignificantes e apenas institucionaliza a omissão do Estado na consecução das políticas públicas, ao favorecer a permanência do mesmo número de vagas em creches para a população carente, quando o ideal, por óbvio, deveria se debruçar no planejamento técnico para a crescente disponibilização das vagas ao decorrer dos anos. Não há dispêndio para o governo na ampliação do quadro, economizando recursos para aplicação em outras áreas com maior visibilidade política.
A divergência das decisões emanadas pela justiça reflete a dificuldade do tema, com juízes e turmas cíveis ora se filiando ao dever do Estado quanto à matrícula de crianças de 0 a 3 anos em creches da rede pública ou conveniada, ora se posicionando pela impossibilidade de interferência do Poder Judiciário na concretização das políticas públicas. Restaria, apenas ao Executivo local definir a melhor forma de administrar a quantidade de vagas, comportamento esse que acaba por chancelar a vergonhosa fila de espera das jovens crianças. O próprio Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por meio das Promotorias de Justiça de Defesa da Educação, elaborou recomendação favorável à lista de espera organizada, levando grande parte dos promotores a manifestar pela improcedência da matrícula, manifestando-se para que a Secretaria de Educação do DF apenas estabelecesse critérios objetivos em relação à classificação dos candidatos8. Alguns membros do MPDFT, inclusive, recorreram de sentenças favoráveis aos autores, dando a impressão de sucumbência, pelo Parquet, ao Estado de Coisas Inconstitucional9, ao se perseguir o gerenciamento do problema, e não a superação.
O quadro apresentado, além atestar o descumprimento reiterado do Poder Executivo quanto à concretização das políticas públicas constitucionalmente dispostas e até mesmo reafirmada pelo Supremo, confirma a ineficácia dos instrumentos jurídicos. Não importa se as decisões judiciais favoráveis em benefício dos autores são resultantes de ações individuais ou de ações civis públicas10: o descumprimento da determinação judicial é uma rotina. Necessário, então, um pensamento mais crítico, efetivo e inteligente sobre o problema da falta de vagas em creche da rede pública ou conveniada, pois as decisões tradicionais não entregam à sociedade a devida solução. Em vários ângulos, haverá algum tipo de prejuízo, já que, se cumprida, uma criança da fila será preterida; se não cumprida, o autor entrará na interminável fila de espera por uma vaga. De uma forma ou outra, o problema permanecerá, afinal, decisões judiciais não são capazes de, magicamente, alterar a realizada com a criação de vagas em creches.
Considerando que a ausência de vagas em creches da rede pública ou conveniada aponta como um litígio estrutural11, já que o cumprimento das decisões atende apenas ao interesse dos postulantes e não a raiz do problema, o processo estrutural figura-se como uma solução prática e extremamente útil para a superação do problema. Este artigo defenderá a necessidade de mudança do comportamento das instituições na defesa dos interesses coletivos, seja o Ministério Público, Defensoria Pública, demais legitimados coletivos, Poder Executivo e do próprio Poder Judiciário, abandonando, nos casos de litígio estrutural, a utilização de técnicas tradicionais de julgamento baseadas em uma litigiosidade clássica ou bipolar, em que um simplesmente pede e outro tão somente resiste à pretensão12.
3. O processo estrutural: formação e características
Problemas complexos reclamam comportamento diferenciado, sob pena de, valendo-se dos meios tradicionais de solução do litígio, presenciarmos a manutenção do quadro ou até mesmo agravamento da crise. Nesse sentido, buscando corrigir a anomalia em sua origem, nasce o processo estrutural. A ideia de processo estrutural tem raiz nos Estados Unidos, entre os anos de 1950 e 1970, justamente em litígio relacionado à educação. Grande parte da doutrina13 cita como caso inaugural o processo Brown vs Board of Education of Topeka, em que a Suprema Corte norte-americana reputou inconstitucional a admissão de estudantes em escolas públicas americanas com base em um sistema de segregação racial14. A Suprema Corte americana entendeu que não bastaria determinar a matrícula de apenas uma criança negra em escola frequentada por brancos, pois outras estudantes negras permaneceriam alijadas do acesso às escolas de sua preferência, o que preservaria a política até então segregacionista.
O comando dado pela corte constitucional inicia um amplo processo de mudança do sistema público de educação, reformando a própria estrutura educacional para exclusão de qualquer tipo de diferenciação pela origem racial dos estudantes. Owen Fiss denominou essa mudança estrutural, projetada para o futuro, de structural reform15.
Outro bom exemplo citado pela doutrina, também dos Estados Unidos, refere-se ao caso Holt vs Saver, em que se buscava a reforma completa, por meio de ação judicial, de todo o sistema prisional do estado de Arkansas. Posteriormente, outros quarenta estados norte-americanos também tiveram demandas semelhantes, reforçando não só o caráter estrutural do litígio, mas também a correspondente solução a ser dada16.
Nas lições de Vitorelli17, o processo estrutural (structural litigation) é um processo coletivo no qual se pretende, pela atuação jurisdicional, a reorganização de uma estrutura, pública ou privada, que causa, fomenta ou viabiliza a ocorrência de uma violação a direitos, pelo modo como funciona, originando um litígio estrutural. Conclui o autor que o processo estrutural é aquele que busca reformular uma estrutura cujo mau funcionamento é a causa do litígio, valendo-se essa restruturação por meio da elaboração de um plano implementado ao longo de um considerável período de tempo, buscando transformar o comportamento da estrutura para o futuro. Reforça que o processo estrutural é um processo-programa.
Como apontado, o processo judicial tradicional, em que o requerente busca a asseguração de um direito por meio de um confronto direto e dual contra o responsável pela omissão, não encontra espaço em litígios estruturais, de natureza irradiada18. No caso da falta de vagas em creches da rede pública ou conveniada, ao se confirmar a recalcitrância e prolongada inércia do Poder Público na implementação de direitos fundamentais19, o modelo de processo estrutural deve ser adotado pelos autores coletivos e suportado pelo Poder Judiciário, já que a complexidade reside mais na estruturação do processo que no próprio objeto pleiteado.
As medidas estruturais devem ser utilizadas, em especial, quando na presença de litígios de extrema complexidade, em razão de diversas possibilidades de soluções aplicadas ao caso concreto, bem como na presença de multipartes (aqui, há diversas coletividades envolvidas, formadas por outros tantos subgrupos, geralmente com interesses antagônicos).
Quanto às características de um processo estrutural, é possível elencar o policentrismo, como a imprescindibilidade da intervenção no contraditório do poder público e da coletividade, afastando a ausência de um protagonismo único. O centro de tomada de decisões dever ser pulverizado, para que a formação da tomada de poder revele a melhor solução possível. Como exemplo, temos a realização de audiências públicas entre a sociedade e o poder público.
Há também a formação de medidas dialogais, a fim de incrementar o entrosamento dos atores diretamente envolvidos no problema. Seja interinstitucional (dentro da mesma instituição, como no Ministério Público) ou interinstitucional, com os demais legitimados coletivos (Defensor Pública, Juiz ou a própria sociedade. A importância do diálogo repousa na diminuição da judicialização dos feitos, com medidas consensuais.
Entre as características, há atitudes colaborativas e participativas, com atuação extra e endoprocessual de todos os sujeitos envolvidos, dentro ou fora da relação jurídica processual, ainda que judicializada a questão. E, por fim, maior espaço para o regime da consensualidade, com íntima ligação do sistema multiportas20 e art. 3o do Código de Processo Civil. A busca pela solução consensual dos litígios resultará em soluções mais rápidas e menos onerosas.
Nesse sentido, o processo estrutural busca dar uma nova roupagem aos conflitos coletivos, uma vez comprovada a ineficácia do modelo tradicional de litígio em relação às demandas complexas. No caso das creches, a procedência do pedido nas ações de obrigação de fazer em face do Poder Público não garantirá, ao final, a matrícula do menor e, muito menos, diminuirá a fila organizada de espera. A razão é bastante simples: o provimento judicial não cria a vaga, não amplia o espaço físico e, tampouco, faz surgir um prato a mais de merenda. Há apenas uma reorganização dos candidatos ansiosos à espera de uma vaga, passando à frente aqueles com decisão judicial favorável. O problema persiste e a solução convencional dada pelo Poder Judiciário, em algum aspecto, é até mesmo injusta com outras crianças merecedoras do mesmo direito.
O número de vagas, a verdadeira solução do problema, permanece inalterado, cabendo ao Estado apenas gerir a fila. E revela-se insuficiente para o desfecho do problema estrutural das creches a exigência de critérios objetivos quanto à classificação dos candidatos, como proposto pela Recomendação no 12/2016 – Proeduc do MPDFT, pois, da mesma forma, as ações individuais ajuizadas apenas resultarão na substituição das crianças que ganharam a demanda judicial.
O processo estrutural é a solução para as demandas complexas e coletivas. O cumprimento de uma decisão judicial individual relacionado a litígios complexos, considerando fragmentação em diversas ações, não apenas inibe uma tutela jurisdicional efetiva como também compromete a própria organização já instalada. Ora, não basta um simples comando judicial de matrícula da criança em creche da rede pública ou conveniada sem a respectiva vaga, já que o quadro precário e atuação tímida do gestor público no preenchimento das vagas não permitirá a inclusão dos estudantes beneficiados por decisão judicial.
E os questionamentos da dificuldade são vários: há espaço físico para a inclusão dessa criança? A quantidade de comida é suficiente para alimentação de mais uma criança ou deverá ser reduzida a quantidade individual de bolachas (a alimentação precária das crianças e estudantes da rede pública é outra linha do problema estrutural) para a devida distribuição entre os matriculados? As consequências não são interessantes, já que o governo suportará, no cumprimento das diversas decisões judiciais individuais, aumento indevido das despesas públicas decorrente da ausência de planejamento, como licitações emergenciais e atos de corrupção, mantendo o problema nos casos futuros. A solução passa, necessariamente, por uma atuação estrutural.
4. O processo estrutural como solução da falta de vagas em creches
Confirmado o problema sistêmico da rede pública de ensino e a falta de efetividade das decisões judiciais individuais, até mesmo as coletivas, resta claro que o litígio tradicional, com a simples atividade de subsunção do fato à norma em sua concepção clássica de jurisdictium (impondo ao juiz apenas a função de mero replicador de leis), deve ser repensando. A efetivação de um direito, no caso dos litígios estruturais, requer uma atividade muita mais ativa dos atores processuais (como os juízes, defensores, promotores, o Poder Executivo…), com apoio de outras áreas de conhecimento (como contabilidade, estatística, economia…), analisando a raiz do conflito. E, no presente caso, o ponto fulcral desse problema verificado não só no Distrito Federal, mas em todos o País, é simplesmente a falta de vagas.
A grande vantagem do processo estrutural é que ele é construído com base na origem do problema, e não simplesmente imposto em face do responsável pelo descumprimento da obrigação prevista no ordenamento jurídico. A decisão se apoia, necessariamente, na elaboração de um plano de alteração do funcionamento da estrutura, formado através de diversos acordos ou ordens judiciais, não sem antes, claro, compreender com atenção as características do litígio em toda sua conflituosidade e complexidade21. Em seguida, ocorrerá a implementação desse plano, de forma compulsória ou negociada (preferível), bem como a avaliação de seus resultados, de forma a garantir o desfecho social desejado inicialmente disposto para, assim, evitar a reiteração do conflito no futuro. Como bem apontado pela doutrina, o processo estrutural é constantemente repensado e reavaliado, com mudança permanente de curso de atuação conforme os resultados obtidos durante a implementação da solução. A decisão, pois, será em cascata, com possibilidade de modificação e sobreposição com base em novos provimentos, caso necessário.
Essas duas fases (alteração da estrutura e concretização do plano inicialmente traçado) são, certamente, as mais cruciais de um processo estrutural. No caso das creches, deve se impor ao Poder Público a construção de um plano de aumento das vagas em período razoável de tempo, seja com a construção de novas creches ou reforma das já existentes, a contratação programada de profissionais da rede pública, bem como o fornecimento de produtos para a manutenção das crianças (alimento, material escolar, uniforme). Nada impede a celebração de convênios com a rede privada de ensino, que igualmente poderá ser disposta em um plano de quantidade de vagas a serem ofertadas pela parceria.
Caberá ao legitimado extraordinário, sem prejuízo da atuação dos demais observadores, a avaliação periódica dos resultados obtidos para a manutenção do plano ou seu imediato ajuste. É possível, inclusive, a nomeação de um interventor específico para fiscalização do plano22. Essa apuração é de extrema relevância para análise de aspectos inicialmente não aferidos, ou redução dos imprevistos indesejados. Como dito, a decisão estrutural é apenas inaugural e orientadora, com o surgimento de outras durante o curso do processo para imprescindíveis ajustes na implementação.
Vitorelli resume bem o ciclo de um processo estrutural23, indicando a necessidade de diagnóstico da situação estrutural; elaboração do plano; a implementação do plano; avaliação dos resultados; por fim, a revisão do plano e implementação dos aspectos alterados. Quanto às creches, em um cenário de aplicação do processo estrutural, as vagas a serem disponibilizadas à população deverão ser constantemente reavaliadas, já que uma das características marcantes do processo estrutural é a mutabilidade de suas decisões.
O pedido também deve guardar grande atenção e cuidado pelo postulante e demais envolvidos processuais. Ainda conforme a obra de Vitorelli, seu teor deve envolver um plano de transformação estrutural, e não necessariamente um pedido certo, específico ou determinado, sob pena de não resolver o problema e piorar as condições que deram origem ao litígio. Haverá, ainda, potencial mácula à autoridade do Poder Judiciário, em razão de decisões sem efetividade. Assim, não se deve pedir vaga para determinada quantidade de crianças, mas apresentar simulação, por exemplo, do custo individual da inclusão de cada uma delas e cronograma de disponibilização de vagas, além da imposição de multa ao Poder Público por descumprimento, com destinação de parte do valor obtido para fortalecimento do programa, como para o custeio da oferta de novas vagas.
Na possibilidade de inércia do gestor em colaborar com a construção do plano, notadamente mais drástico, é possível a apresentação ao juízo de projeto confeccionado por um terceiro imparcial ou por administrador judicial. Já em casos de extrema complexidade, em que se acentua o caráter irradiado do litígio, é possível a elaboração de um plano estrutural por uma entidade especificamente criada para essa finalidade, como a Fundação Renova24 no rompimento da barragem de Mariana/MG, no maior desastre ambiental da história do Brasil. Este exemplo ilustra bem potencialidade de sucesso na reparação do dano ambiental por meio de um processo estrutural, com diversas frentes de atuação em razão da complexidade do problema.
Percebe-se que o juiz atua mais como uma agente de negociação, e não como um mero impositor de uma decisão judicial. Apesar de relevante, no processo estrutural, o magistrado deixa de ser o protagonista e divide com os demais envolvidos a responsabilidade pela realidade de implementação do direito e alteração fática. Essa é uma das grandes vantagens do processo estrutural, cuja condução é feita para um maior diálogo e participação das partes em relação ao processo individual. Essa abertura e negociação se aproxima dos acordos judiciais, com cessão de parcela do interesse de cada um para provimento conjunto e com maior potencial de exequibilidade, revelando-se muito mais eficaz. Afinal, o cumprimento dos termos indicados e por todos aceitos possui muito mais chances de sucesso.
Apesar de não desejável, é perfeitamente possível que o processo estrutural seja conduzido e instrumentalizado mesmo com a resistência do réu, geralmente o ente público, em colaborar com o plano estrutural. Isso porque a elaboração do plano, por ser multidisciplinar, poderá ser perfectibilizado mesmo sem a atuação do Poder Público, bastando que os elementos cruciais para solução do problema estrutural sejam apresentados em juízo e considerados na construção da solução. Caso a informação seja de titularidade daquele que deveria voluntariamente participar do planejamento e que acabe por apresentar indevida resistência, o manejo dos instrumentos processuais típicos para sua obtenção, como mandado de segurança, é medida a ser sacada. Assim, a decisão resultante de um processo estrutural poderá ser perfeitamente imposta, desde que considere as causas e especificidades do litígio.
Interessante apontar que os principais argumentos do Poder Público para a não disponibilização de vagas em creches da rede pública de ensino ou conveniada, com a consequente manutenção da fila organizada, podem ser rebatidos com a adoção do processo estrutural. A intervenção do Poder Judiciário na efetivação das políticas públicas resta como superada quando o plano de estruturação é elaborado com a participação do Poder Executivo. A atuação será conjunta e integrada, cabendo ao juiz um exercício praticamente homologatório. Na função de verdadeiro gestor, o magistrado buscará, junto com o demais participantes, a melhor forma de execução da medida, reduzindo as críticas quanto à judicialização das políticas públicas. Logo, afasta-se o argumento de ativismo judicial, já que o fenômeno ocorre justamente quando não há abertura dos demais poderes na composição da resolução do litígio.
Nesse sentido, o processo estrutural se alinha à tendência de construção das soluções “dialógicas”, na tentativa de conferir exequibilidade às decisões contra graves problemas constitucionais25 26, superando bloqueios políticos e institucionais comumente verificados, ao mesmo tempo em que afasta a tese de violação à separação dos poderes. Afinal, foi o próprio Poder Executivo que concordou com os termos dispostos na mesa, mitigando comportamentos contraditórios na execução (famoso e indesejado venire contra factum proprium).
Importante ressaltar, ainda, a possibilidade de o Ministério Público solucionar a questão de forma extrajudicial, valendo-se de um acordo estrutural com base na utilização do Inquérito Civil (colheita de informações técnicas para posterior celebração de Termos de Ajustamento de Conduta – TAC ou recomendações). O acordo estrutural se difere dos TAC’s convencionais por atacar, extrajudicialmente, a origem do problema da falta de vagas em creches da rede pública ou conveniada, com a elaboração de um plano que alterará a estrutura até então instalada, e não a simples definição de uma quantidade de vagas em determinado período. Na hipótese de ausência de acordo estrutural, partir-se-á para o processo estrutural.
Igualmente, o argumento das escolhas trágicas, levantado pela Administração Pública para dificultar o fornecimento de vagas em creches, também se enfraquece. O estado de conflito entre a necessidade de provimento estatal na efetivação dos direitos prestacionais fundamentais (como os ligados à saúde e à educação) e as dificuldades financeiras e burocráticas da utilização dos parcos recursos públicos, o que forçaria o governo a optar por determinado direito em detrimento de outro, reduzirão com o processo estrutural. Isso porque a decisão construída considerará as despesas relacionadas com as outras áreas de atuação indicadas pelo próprio governo, fazendo um encaixe dessas demandas. Afinal, o plano de restruturação, objeto do processo estrutural, foi construído também pelo Executivo, que certamente considerou as diversas variáveis existentes em relação às outras áreas públicas, construindo decisões integradas com a realidade local, e não isoladas do panorama orçamentário.
Obviamente, não será possível atender plenamente todas os direitos, zerando as necessidades da população, mas o sacrifício no atendimento de certos pleitos podem ser sensivelmente minorados quando abrangido em um plano de estruturação, uma vez que o governo não será surpreendido com decisões “surpresas” determinando a efetivação de certos direitos, além possibilitar um trabalho planejado de arrecadação de recursos para fazer frente aos gastos futuros e já previstos no plano de restruturação, como o aumento da oferta de vagas em creches da rede pública ou conveniada com base no plano de arrecadação e crescimento populacional.
5. Conclusão
A formulação e aplicação do direito devem servir ao caso concreto, cabendo aos seus aplicadores o dever e a sensibilidade na avaliação constante dos meios jurídicos dispostos para consecução dos direitos fundamentais frequentemente ignorados pelo Estado. No caso da falta de vagas em creche da rede pública ou conveniada do Distrito Federal, a busca pela solução do litígio complexo, de natureza irradiada, apresenta resultados frustrantes ao se utilizar como instrumento um processo tradicionalmente bipolar, concentrado na resolução de uma pretensão individual resistida.
O processo estrutural revela-se promissor em relação à falta de vagas em creches no Distrito Federal, direcionando os esforços dos atores processuais na origem do problema estruturalmente complexo. A decisão deve considerar todas as variáveis que influenciem, ao final, na ausência de vagas em creches, sem abrir mão do planejamento e fiscalização periódica quanto aos termos do ajuste. A participação do Poder Executivo na implementação é o grande diferencial e o potencial de sucesso da medida, já que a parte tradicionalmente resistente comporá o próprio plano. E caso necessário, forçosa será a imediata readequação em razão de elementos não considerados no plano inicial ou em face dos resultados posteriormente obtidos. Como dito, a mutabilidade das decisões estruturais reclama exercício constante de análise e repactuação.
Quanto à ingerência dos poderes constituídos, argumento chave de defesa para a oferta insuficiente das vagas em creche, o processo estrutural reforça a validade da atuação do Poder Judiciário. Com efeito, não é possível concluir que o Executivo e o Legislativo serão mais competentes ou eficientes. O Poder Judiciário, ainda que não eleito pela população, poderá atender aos interesses da sociedade com o processo estrutural devidamente construído, sendo o espaço propício para compreensão das questões técnicas regulamentares, sempre com uma visão imparcial.
Certamente, esse “esforço” processual encontrará resistência por parte do Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública ou demais entes coletivos, não pela novidade, mas pela complexidade em si do processo, quando comparado a uma demanda individual. No caso das creches, esse cenário fica mais evidentes, uma vez que, a princípio, parece muito mais cômodo a prolação de milhares de sentenças padrões (alterando-se apenas o nome e idade das crianças postulantes) a uma que analise as circunstâncias do problema. Contudo, a decisão estrutural possibilitará a efetivação dos direitos à educação à população carente, em um momento crucial do desenvolvimento infantil, refletindo positivamente na redução dos indicadores de desigualdade social. Os efeitos benéficos de uma decisão bem construída, da mesma forma, são também estruturais, melhorando a qualidade dos genitores e dos filhos.
O processo estrutural resolverá o desprestígio do Poder Judiciário em relação às decisões dadas que, no caso concreto, carecem de efetividade. Quando todos os atores participam, as decisões carregarão com elas a legitimidade e fluidez esperadas, fortalecendo o espectro compositivo. A ação coletiva estrutural é o espaço apropriado para análise e solução de litígios complexos que não podem ser tomados pela sua simples fragmentação em diversas demandas individuais, com se tem observado há anos no Distrito Federal e em outros municípios do País que, sabidamente, não mitigam o caos na rede pública de ensino.
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1Servidor do Ministério Público Federal. Especialista em Direito Público. Mestre em Direito pela ESMPU/Universidade Católica de Brasília
2Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
3Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: IV – atendimento em creche e pré-escola àscrianças de zero a cinco anos de idade; (Redação dada pela Lei no 13.306, de 2016);
4Disponível em https://g1.globo.com/educacao/noticia/um-terco-das-criancas-de-0-a-3-anos-mais-pobres-do-brasil-estao-fora-da-creche-por-falta-de-vaga-diz-ibge.ghtml. Ainda segundo a pesquisa, “A creche é hoje uma das etapas mais desiguais da educação, o que ajuda a demonstrar que a injustiça social começa desde os primeiros meses de vida”, afirma Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE).
5Disponível em: https://www2.tc.df.gov.br/wp-content/uploads/2020/10/Relatorio-Final-e-Decisao-11728-19.pdf
6Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2020/11/4886703-gdf-pede-que-secretarias-
incentivem-credenciamento-de-creches.html. Há informações de cadastramento em duplicidade e vagas ociosas,confirmando que a parceria público-privada não alcançou o resultado desejado.
7O Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese (tema 548): “1. A educação básica em todas as suas fases –educação infantil, ensino fundamental e ensino médio – constitui direito fundamental de todas as crianças e jovens, assegurado por normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata. 2. A educação infantil compreende creche (de zero a 3 anos) e a pré-escola (de 4 a 5 anos). Sua oferta pelo Poder Público pode ser exigida individualmente, como no caso examinado neste processo. 3. O Poder Público tem o dever jurídico de dar efetividade integral às normas constitucionais sobre acesso à educação básica”. RE 1008166. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5085176.
8RECOMENDAÇÃO no 012/2016 – PROEDUC, 4 de outubro de 2016.
9“Expressão utilizada pera definir situações de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, cuja
persistência ou agravamento, em razão da inércia ou incapacidade de atuação do Poder Público, tornaria legítima a utilização do ativismo judicial para tentar remediar o problema. Trata-se, portanto, de nova categoria de vício inconstitucional conectada ao controle das omissões inconstitucionais, à eficácia objetiva dos direitos
fundamentais e, obviamente, ao ativismo judicial”. Bernardes, Juliano Taveira; Ferreira, Olavo Augusto Vianna
Alves Ferreira. Direito Constitucional – Tomo I – Teoria da Constituição. 7a Ed. Editora Juspodivm. Salvador
10Caso mais emblemático é a ação civil pública no 61.425/1993, ajuizada pelo Ministério Público do DF em 1993,
buscando a garantia do acesso gratuito de crianças em creches e pré-escolas. Mesmo com trânsito em julgado
favorável ao Ministério Público, o cumprimento de sentença restou infrutífero, com várias crianças desassistidas
do direito à creche pública ou conveniada.
11“Litígios Estruturais são definidos como litígios coletivos decorrentes do modo como uma estrutura burocrática, usualmente de natureza pública, opera. O funcionamento da estrutura é que causa, permite ou perpetua a violação que dá origem ao litígio coletivo. Assim, se a violação for apenas removida, o problema poderá ser resolvido de modo aparente, sem resultados empiricamente significativos, ou momentaneamente, voltando a se repetir no futuro.” Edilson Vitorelli. Levando os conceitos a sério: processo estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças. Revista de Processo, v. 284, p. 333-369, 2018.
12Cortês, Osmar Mendes Paixão. Covid/19, processo estrutural e ativismo judicial. Disponível em:
https://migalhas.uol.com.br/arquivos/2020/4/DC447C1221B26F_COVIDPROCESSOSESTRUTURAISATIVI.pdf
13Fredie Didier Jr., Hermes Zaneti Jr e Rafael Alexandria de Oliveira. Elementos para uma teoria do processo
estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro no 75,
jan./mar. 2020
14Em sua obra, Vitorelli aponta que o Brown não é um exemplo de processo estrutural, mas sim sua implementação que, em algumas localidades e por iniciativa dos juízes locais, adquiriu, gradativamente, essa característica. Vitorelli, Edilson. Processo Civil Estrutural: teoria e prática – Salvador: Editora Juspodivm 2020.
15FISS, Owen. “Two models of adjudication”. In: DIDIER JR. Fredie, JORDÃO, Eduardo Ferreira (Coord.).
Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 761.
16VIOLIN, Jordão. Holt v. Sarver e a reforma do sistema prisional no Arkansas. Processos estruturais. Sérgio
Cruz Arenhart e Marco Félix Jobim (Org.). 2a ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 505.
17Vitorelli, Edilson. Processo Civil Estrutural: teoria e prática – Salvador: Editora Juspodivm 2020
18“Litígios transindividuais irradiados: são litígios que envolvem a lesão a direitos transindividuais que interessam,
de modo desigual e variável, a distintos segmentos sociais, em alto grau de conflituosidade. O direito material
subjacente deve ser considerado, nesse caso, titularizado pela sociedade elástica composta pelas pessoas que são atingidas pela lesão. A titularidade do direito material subjacente é atribuída, em graus variados, aos indivíduos que compõem a sociedade, de modo diretamente proporcional à gravidade da lesão experimentada”. Edilson Vitorelli. O devido processo legal coletivo: representação, participação e efetividade da tutela jurisdicional. Tese de doutorado defendida em 2015, UFPR.
19Medeiros Júnior, Leonardo. Processo estrutural consequencialista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. p. 85
20“Em 1976, Frank Sander, professor de Havard, introduziu no mundo jurídico uma ideia denominada “centro
abrangente de justiça”, que mais tarde ficaria conhecida como “Tribunal Multiportas”. Sendo assim, o “Tribunal
Multiportas” é uma instituição que direcionaria as questões que lhes são apresentadas ao método mais adequado de resolução. Desse modo, a ideia é examinar as diferentes formas de resolução de conflito e entender no caso concreto qual é a mais adequada. Deixa-se de lado o monopólio da Jurisdição Estatal e abrem-se novas portas para a solução de conflitos. No nosso ordenamento, destacam-se, além do processo tradicional, a arbitragem, a mediação e a conciliação. O tema ganha destaca nos últimos anos sobretudo pelo abarrotamento do Judiciário em meio a uma crescente conflitualidade, o que acaba comprometendo a própria prestação jurisdicional”. Ferreira, Ana Conceição Barbuda Sanches Guimarães; Motta, Ana Bárbara Barbuda Ferreira. O sistema multiportas como propulsor do acesso à Justiça no âmbito do juizado da Fazenda Pública. Disponível em: http://www5.tjba.jus.br/juizadosespeciais/images/pdf/REVISTA_NOVATIO/07_REVISTA_NOVATIO_1a_ED
ICAO_ARTIGO_05.pdf
21Edilson Vitorelli, no estudo da titularidade dos direitos transindividuais, busca caracterizá-los, além de outras
premissas teóricas, quanto à conflituosidade e complexidade. Para o autor, quanto mais conflituoso o litígio menos uniforme a posição dos membros do grupo diante do conflito. É o grau de desacordo entre os membros de determinado grupo. Quanto à complexidade, o litígio será tão mais complexo quanto maior for a variedade de
formas pelas quais ele pode ser resolvido juridicamente. É o grau de variabilidade das possibilidades de tutela do
direito material litigioso. O devido processo legal coletivo. Dos direitos aos litígios coletivos. 2a Edição. Revista, atualizada e ampliada. Editora Revista dos Tribunais. 2019
22Processo multipolar, participação e representação de interesses concorrentes in ARENHART, Sergio Cruz,
JOBIM, Marco Félix (org.). Processos estruturais. Salvador: Editora Juspodivm, 2017. pp. 423-424.
23Vitorelli, Edilson. Processo Civil Estrutural: teoria e prática – Salvador: Editora Juspodivm 2020
24Segundo o site da Fundação, “a Fundação Renova é a entidade responsável pela mobilização para a reparação
dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). Trata-se de uma organização
sem fins lucrativos, resultado de um compromisso jurídico chamado Termo de Transação e Ajustamento de
Conduta (TTAC). Ele define o escopo da atuação da Fundação Renova, que são os 42 programas que se desdobram nos muitos projetos que estão sendo implementados nos 670 quilômetros de área impactada ao longo do rio Doce e afluentes. As ações em curso são de longo prazo”. Disponível em https://www.fundacaorenova.org/a-fundacao/. Cabe destacar que os recursos arrecadados já somam quase 3 bilhões de reais e sua destinação é alvo de intenso debate perante a comunidade e órgãos de fiscalização.
25Segundo Carlos Alexandre de Azevedo Campos, para combater o estado de coisas inconstitucionais, a corte
constitucional colombiana profere “sentenças estruturais”, que não deixam de ser invasivas em relação à
competência de outros poderes, mas se preocupa em mantê-las dentro de um ativismo judicial “dialógico”, de
modo que os remédios ou sentenças estruturais, embora dirigidos a múltiplos órgãos públicos, não chegam a
excluir os espaços próprios de deliberação política e técnica dos outros Poderes. Ainda segundo Campos, cuida-se de ordens flexíveis e sob monitoramento, buscando conservar a participação e as margens decisórias dos diferentes atores políticos e sociais sobre como superar os problemas estruturais. Da Inconstitucionalidade por Omissão ao “Estado de Coisas Inconstitucional”. Rio de Janeiro, 2015. 254f. Tese de doutorado. Faculdade de Direito, UERJ.
26Importante citar, ainda quanto à temática de provimentos estruturais, o “compromisso significativo” (meaningful engagement) do direito sul-africano. Outra técnica decisória de base dialógica, próxima da adotada pela corte colombiana, o compromisso significativo revela um menor valor de ativismo judicial. Conforme Juliano Taveira Bernardes e Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, o tribunal não aplica medidas invasivas, nem interfere nas políticas públicas, tampouco na alocação de recursos orçamentários, mas estabelece um tipo de procedimento a exigir o constante intercâmbio entre a comunidade de um lado, e o Estado de outro. A grande vantagem do compromisso significativo é apresentar um modelo de atuação judicial que respeite o perfil democrático, considerando na implementação de decisões judiciais principalmente relacionadas à política pública a participação conjunta dos representantes eleitos. Por fim, curioso apontar que o meaningful engagement sul-africano nada mais é que a compatibilização no âmbito judicial da prática comunitária do Ubuntu, cujas decisões de forte impacto na comunidade e de índole marcadamente social deverão contar, antes, com interações dos populares, revelando a prática dos aldeões e da comunidade. Por todos: Leal, Saul Tourinho. Roberto Gargarella no Brasil e os Diálogos Institucionais. Disponível em: https://migalhas.uol.com.br/coluna/conversa-constitucional/267896/roberto-gargarella-no-brasil-e-os-dialogos-institucionais