REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202507310951
Daniela Oliveira Soares1
Rafael Molinari Rodrigues2
RESUMO
O presente artigo tem por principal objetivo verificar, de forma pragmática, após mais de cinco anos da publicação da Lei de Liberdade Econômica, se a positivação do Princípio da Intervenção Mínima do Estado e a excepcionalidade da Revisão Contratual, nas relações civis e empresariais, já pode ser verificada nas decisões emanadas pelo Poder Judiciário. Para tanto, conforme metodologia apresentada no artigo, foi delimitada amostragem, com palavras-chave de pesquisa, pautada na jurimetria, isto é, no estudo empírico do Direito e, portanto, em dados concretos e estatísticos de jurisprudência. Ao final, foram apresentados os resultados encontrados na pesquisa realizada e concluiu se a positivação do referido Princípio da Intervenção Mínima do Estado e a excepcionalidade da Revisão Contratual nas relações civis e empresariais surtiu os efeitos esperados pelo legislador pátrio, pelo mercado e pela sociedade.
Palavras-chave: Princípio da intervenção mínima do Estado. Excepcionalidade da revisão contratual. Lei da Liberdade Econômica. Relações cíveis e empresariais.
ABSTRACT
This article has the main objective of verifying, in a pragmatic way, after more than five years of the publication of the Law of Economic Freedom, if the affirmation of the Principle of Minimum Intervention of the State and the exceptionality of the Contractual Review, in civil and business relations, can already be verified in the rulings issued by Judiciary Power. For that, according to the methodology presented in the article, sampling was delimited, with research keywords, based on jurimetrics, i.e., on the empirical study of Law and, therefore, on concrete and statistical data of jurisprudence. At the end, the results found in the research carried out were presented and concluded whether the affirmation of the mentioned Principle of Minimum State Intervention and the exceptionality of the Contractual Review in civil and business relations had the effects expected by the national legislator, the market and society.
Keywords: Principle of the minimal intervention of the State. Exception of the contract review. Law of Economic Freedom. Civil and business relations.
1. Introdução
Em 30 de abril de 2019, foi editada a Medida Provisória nº 881, que instituiu a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica no ordenamento jurídico brasileiro. No processo para conversão da medida provisória em lei, verificou-se inúmeras discussões no Poder Legislativo, de forma a se buscar convergência de valores e interesses dos mais diversos setores da sociedade, da economia e em prol de segurança jurídica, o que culminou, quase cinco meses depois, na publicação da Lei nº 13.874/2019, de 20 setembro de 2019, ficando conhecida como Lei da Liberdade Econômica.
Como será visto no próximo capítulo deste trabalho, a liberdade econômica é princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro, insculpido na Constituição Federal e fundamental para o devido funcionamento do mercado e da sociedade. Não é, portanto, algo novo. Inclusive, quando da edição da mencionada Medida Provisória nº 881/2019 e mesmo no processo de conversão na Lei nº 13.874/2019, muito se discutia a necessidade de uma legalização deste princípio tão relevante, mas fato é que a Lei da Liberdade Econômica não trouxe apenas normas programáticas, principiológicas, mas a partir da ideia do liberalismo econômico, efetivas normas individuais e concretas, com mudanças em diversos e importantes diplomas legais, como ao Código Civil, à CLT e outras normas esparsas, especialmente de natureza empresarial.
Importante destacar que o contexto de criação da Lei da Liberdade Econômica era de demasiada intervenção estatal na livre iniciativa, nas relações privadas e, principalmente, de dirigismo contratual, tanto pelo Poder Judiciário quanto pelos entes do Poder Executivo, arrefecendo, flexibilizando e, ao cabo, não observando princípios tradicionais e basilares do Direito Privado, como pacta sunt servanda, autonomia privada, boa-fé objetiva, função social do contrato, entre outros que serão destacados ao longo deste artigo. Como forma de resposta a essa insegurança jurídica, a Lei da Liberdade Econômica, dentre outras coisas, resolveu positivar o ‘Princípio da Intervenção Mínima do Estado e a Excepcionalidade da Revisão nas Relações Privadas’, que será objeto do presente estudo.
Destaque-se, de antemão, que se buscou neste trabalho delimitar o estudo às relações contratuais civis e empresariais, excluindo-se outras relações privadas, como as consumeristas ou trabalhistas, que têm regimes jurídicos muito específicos e com características marcantes de hipossuficiência entre os atores de suas relações jurídicas, não sendo o princípio em discussão norteador, portanto, das respectivas discussões jurídicas atreladas.
Assim, o presente estudo terá por principal objetivo verificar, de forma pragmática, após mais de cinco anos da publicação da Lei de Liberdade Econômica, se a positivação do Princípio da Intervenção Mínima do Estado e a excepcionalidade da Revisão Contratual, nas relações civis e empresariais, já pode ser verificada nas decisões emanadas pelo Poder Judiciário. Para tanto, conforme metodologia que será estabelecida e apresentada em capítulo próprio deste artigo, será delimitada amostragem, com palavras-chave de pesquisa, pautada na jurimetria, isto é, no estudo empírico do Direito e, portanto, em dados concretos e estatísticos. Ao final, serão apresentados os resultados encontrados na pesquisa realizada e concluiremos se a positivação do Princípio da Intervenção Mínima do Estado e a excepcionalidade da Revisão Contratual nas relações civis e empresariais, através da Lei da Liberdade Econômica, surtiu o efeito esperado pelo legislador pátrio, pelo mercado e pela sociedade de uma forma geral.
2. Breves considerações sobre a Lei da Liberdade Econômica nas relações contratuais privadas e o impacto nos princípios contratuais
A vontade é o principal elemento constitutivo do negócio jurídico; é elemento de existência e validade de todo negócio jurídico. “A vontade humana é a base de sustentação de toda a teoria do negócio jurídico”3.
Em termos jurídicos, a valoração da autonomia da vontade decorre da liberdade de atuar juridicamente. A autonomia da vontade está relacionada ao agir na ordem jurídica conforme a sua vontade, conforme o seu desejo, e uma vez manifestada faz lei entre as partes que as manifestaram, surgindo a máxima pacta sunt servanda.
A autonomia da vontade, em um primeiro momento, surge como o poder de regular relações jurídicas, poder de autorregulamentação, cujo fundamento maior é obtido a partir do conceito amplo de liberdade, do valor liberdade. No entanto, o conceito de autonomia da vontade passou por uma grande evolução, e suportou profundas transformações uma vez que era caracterizada por uma liberdade irrestrita nas relações jurídicas.
Com o início da Revolução Francesa (1789), a monarquia absolutista que governava há séculos, entrou em colapso e a sociedade francesa passou por profundas transformações, o que influenciou os valores e consequentemente o sistema jurídico, não apenas francês, mas de todo o mundo, culminando no Código Civil Francês.
Em 18 de agosto de 1896, foi publicado o novo Código Civil Alemão, o BGB4 Seu perfil seguiu o caráter rigorosamente conceitual e sistemático da pandectística5, caracteres conceituais que influenciaram a criação de uma Parte Geral (Livro I e II). A ciência jurídica dominante na redação do BGB era a pandectística, assente no direito romano, com raízes jusnaturalistas, e que não davam qualquer liberdade de interpretação ao juiz que não fosse a vontade do legislador.
Em 1934, Hans Kelsen através da Teoria Pura do Direito reduziu o direito à pura norma, logicamente encadeada, através de uma norma fundamental, criando a metodologia da pirâmide das normas. A teoria de Hans Kelsen está baseada na ideia de que o justo não é objeto da ciência do direito, e sim das demais ciências, como a sociologia e a filosofia. Sua preocupação é com a pureza metodológica da ciência do direito, que deveria ser totalmente autônoma das demais ciências. O direito se faz obrigatório porque é válido, e sua validade depende de uma norma fundamental.
No positivismo então vigente imperava a vontade do legislador, não havia espaço para interpretação por parte do juiz. E foi neste contexto que Clóvis Beviláqua idealizou o Código Civil de 1916.
Em 1940, o brasileiro Miguel Reale, percebendo o reducionismo da teoria de Hans Kelsen, formulou a Teoria Tridimensional do Direito, segundo a qual o direito deve ser analisado sob três dimensões. A ordem jurídica positiva deve ter validade social, validade ética e validade técnico-jurídica, com a finalidade de alcançar um valor racional de justiça. Na concepção do autor, “o direito não é puro fato, nem pura norma, mas é o fato social na forma que lhe dá uma norma racionalmente promulgada por uma autoridade competente segundo uma ordem de valores”6.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial7, do Terceiro Reich8, e com a industrialização em crescente evolução, no início do século XX, iniciou-se um movimento de alteração dos paradigmas da época, novos valores foram agregados à ciência do direito. Consequentemente houve alteração do paradigma da autonomia da vontade, que sofreu uma releitura e a liberdade de contratar passou a ser exercida através da chamada autonomia privada. A autonomia privada é poder de autorregulamentação, contudo, dentro dos limites impostos pelo Estado.
A liberdade é princípio geral da ordem econômica e financeira, e é fundamentada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por finalidade assegurar a existência digna, conforme os ditames da justiça social9. Portanto, a autonomia privada é fundamento do direito privado, e seu conceito “é obtido por derivação do conceito, bastante amplo, de liberdade”10.
Josef Esser afirma que, em primeiro lugar, é a casuística que nos revela o que é direito. Os princípios, segundo ele, devem ser procurados na sociedade e integram o ordenamento jurídico, através de um elemento legislativo, constituído através das cláusulas gerais, dos conceitos indeterminados e das normas de conduta11.
Nesse sentido, os Códigos mais recentes, dentre eles o civil brasileiro de 2002, “têm em comum a adoção de uma dupla e convergente opção técnica: paralelamente às disposições casuísticas, ajuntam, situando-os pontualmente, cláusulas gerais, princípios, conceitos determinados e conceitos indeterminados, intentando aliar segurança e flexibilidade”12.
O Código Civil de 2002, seguindo a ordem constitucional, foi construído com fundamento nos paradigmas da socialidade, da eticidade e da operabilidade, e para cumprir com o seu objetivo se utilizou das chamadas cláusulas gerais, dos conceitos indeterminados e dos princípios, como verdadeira técnica legislativa, já que, diante da abertura de seus termos conduzem o julgador, diante do caso concreto, a interpretar e complementar normas jurídicas, com base nos princípios gerais do direito, com base em normas sociais, com elementos (valores) existentes até mesmo fora do sistema. Estes elementos (internos e externos) possibilitam ao juiz fundamentar sua decisão – fundamentos que, reiterados no tempo, permitirão a ressistematização13.
Através da técnica das cláusulas gerais, dos conceitos indeterminados, foram inseridos no sistema jurídico privado os princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato, igualdade substancial, equilíbrio contratual, bons costumes e usos do tráfego jurídico.
A autonomia privada continuou a ser manifestação máxima da liberdade no âmbito do sistema jurídico privado, todavia, esse poder de autorregulamentação, sofreu uma releitura e deve agora, ser lido em conjunto com a boa-fé objetiva, com a função social do contrato, com a igualdade substancial, isto é, de acordo com os limites impostos pela lei, pelas normas jurídicas, pelos princípios gerais do direito.
A respeito da autonomia privada é a lição de Orlando Gomes:
Muito embora a autonomia privada seja elemento fundamental do negócio jurídico, garantida pelo princípio norteador da liberdade econômica, a norma em questão impõe limites ao exercício dos direitos subjetivos e à liberdade de contratar, limites estes que serão demandados pela função social e econômica dos negócios jurídicos.
A suposição de que a igualdade formal dos indivíduos asseguraria o equilíbrio entre os contratantes, fosse qual fosse a sua condição social, foi desacreditada na vida real. O desequilíbrio tomou-se patente, principalmente no contrato de trabalho, gerando insatisfação e provocando tratamento legal completamente diferente, o qual leva em consideração a desigualdade das partes. A interferência do Estado na vida econômica implicou, por sua vez, a limitação legal da liberdade de contratar e o encolhimento da esfera de autonomia privada, passando a sofrer crescentes cortes, sobre todas, a liberdade de determinar o conteúdo da relação contratual”14.
O princípio da boa-fé objetiva apresenta pelo menos uma tríplice funcionalidade geral: a interpretativa, que constitui um “critério para se estabelecer o sentido e alcance da norma”; a integrativa, que através da boa-fé integra o conteúdo da relação obrigacional, impõe direitos e deveres na relação obrigacional, além daqueles já estipulados pelas partes; e a função corretiva (de controle) ou limitadora de direitos subjetivos, que tem por finalidade limitar a autonomia privada, adequando-a à boa-fé objetiva15.
O contrato é o instrumento por excelência da vida econômica, e o liberalismo econômico, a livre concorrência, a valorização do trabalho humano continuam a ser fundamentos da ordem jurídica, econômica e financeira.
Ocorre que, com a inserção dos novos valores no sistema jurídico, e diante da técnica legislativa que permite a interpretação, a integração e a limitação de direitos subjetivos, através da cláusula geral da boa-fé objetiva, abusos começaram a ser cometidos por parte de alguns operadores do direito, a intromissão do Estado na vida econômica em algumas oportunidades ultrapassou os limites do aceitável, e o dirigismo contratual passou a preocupar e a ameaçar a segurança jurídica e a liberdade de contratar.
A técnica legislativa criada e inserida em nosso sistema dá poder de criatividade ao julgador, e impõe ao mesmo o dever de interpretar e julgar segundo os parâmetros da boa-fé, no entanto, o dirigismo contratual do Estado dependerá da regulação subjacente, tem critérios distintos a depender do campo de incidência da norma.
O ativismo judicial descontrolado, a possibilidade de arbitrariedade nas decisões, o subjetivismo de determinadas decisões, e ainda, a possibilidade de manipulação das decisões em razão de interesses políticos e econômicos, é uma ameaça à segurança jurídica, e consequentemente passou a preocupar o mercado financeiro, as relações privadas e a sociedade como um todo. Tornou-se um desafio equilibrar o atual sistema jurídico aberto com a segurança jurídica tão necessária ao desenvolvimento da ordem econômica e financeira.
Nesse contexto, em 20 de setembro de 2019 foi publicada e entrou em vigor, a Lei n. 13.874, chamada de Lei da Liberdade Econômica, cuja origem foi a Medida Provisória nº. 881/2019, conforme mencionado na Introdução.
Interpretar e revisar é poder-dever do juiz, no entanto, o juiz está nesta tarefa submetido a regras jurídicas de interpretação e de revisão, e a Lei da Liberdade Econômica, com um viés didático, vem reforçar ao operador do direito que a intervenção do Judiciário deve ser mínima e utilizada apenas quando necessária, desde que observados os critérios objetivos, ou seja, os critérios impostos pela própria lei, em um total equilíbrio dos princípios da autonomia privada, boa-fé objetiva e função social do contrato.
Na redação original da Medida Provisória, verifica-se que a intenção das alterações introduzidas era alcançar os nortes interpretativos dos negócios jurídicos de natureza empresarial. Contudo, alterou-se a Medida Provisória para que os nortes interpretativos introduzidos pelos parágrafos fossem aplicados aos negócios jurídicos em geral, e com a entrada da Lei em vigor, alguns dispositivos do Código Civil sofreram alterações, dentre os quais destacamos o artigo 11316,artigo 42117, e a inclusão do artigo 421-A18.
A Lei da Liberdade Econômica estabelece garantias de livre mercado e através de seu artigo 1º, esclarece que o objetivo da lei é estabelecer normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica, e traz disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, cujo âmbito de abrangência é o direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho.
O objetivo da lei é ressaltar a percepção do legislador sobre o significado da “expressão “valor social da livre-iniciativa (art. 1., IV, CF)”19, tornar mais preciso e previsível o papel interpretativo e limitativo do poder judiciário sobre as relações privadas.
Nelson Rosenvald ressaltando a importância da Lei nº. 13.874/2019 ensina que:
A Lei de Liberdade Econômica não é desnecessária – como pensam aqueles que enfatizam que desde 1988 vivemos em uma ordem econômica pautada pela livre-iniciativa – ou excessiva – como vaticinam os que à associam a uma excepcional intervenção sobre o princípio da função social do contrato. Muito pelo contrário, a Lei n. 13.874/19 é um marco institucional para nós que (sobre)vivemos em uma ordem jurídica disfuncional, na qual as interferências econômicas estatais sobre a ordem privada frequentemente se mostram burocráticas, custosas e desnecessárias20.
3. O Princípio da Intervenção Mínima do Estado e a excepcionalidade da Revisão Contratual
3.1. O Princípio da Intervenção Mínima do Estado e a excepcionalidade da revisão nas relações contratuais cíveis
O artigo 2º, da Lei nº. 13.874/2019 arrola quatro princípios que são norteadores da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, quais sejam: 1º) o princípio da liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas; 2º) o princípio da boa-fé do particular perante o poder público; 3º) o princípio da intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e 4º) o princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.
O inciso III, do artigo 2º, da Lei nº. 13.874/2019, que disciplina o princípio da intervenção mínima, determina expressamente que a intervenção do Estado sobre o exercício de atividades econômicas será subsidiária e excepcional.
A intervenção do Estado sobre o exercício de atividades econômicas será medida, ou seja, será maior ou menor, a depender do campo de aplicação do princípio. Cada espécie de contrato sujeita-se a um regime de caráter tutelar diferenciado a depender do campo de sua aplicação.
Os significados, o alcance e as funções desempenhadas por cada um dos princípios norteadores das relações contratuais, tais como o princípio da boa-fé objetiva, da função social do contrato, do equilíbrio contratual, e da intervenção mínima, dependerão da área, ou seja, do campo normativo em que os princípios incidem, dos bens jurídicos tutelados e demais princípios incidentes no caso concreto.
Uma coisa é certa, todos os princípios incidem conjuntamente em maior ou menor incidência sobre cada uma das relações, mas sempre em conjunto, em uma verdadeira dialética, não há contraposição de princípios e sim, complementariedade entre cada um deles. Todos eles direcionam, em conjunto, as relações jurídicas privadas. “Há uma necessária e inafastável interdependência entre a boa-fé e outros princípios, postulados normativos, diretrizes, presunções e regras jurídicas que se manifestarão conforme o setor ou campo em que situada a relação obrigacional in concreto examinada”21.
O direito privado é amplo e se manifesta através do Direito Civil; do Direito Empresarial; do Direito Internacional Privado; do Direito do Consumidor; do Direito Agrário; e do Direito do Trabalho.
Os chamados contratos de direito comum, são disciplinados pelo regime jurídico do Código Civil, e caracteriza-se “por ser aquele em que há maior espaço para a atuação da autonomia privada”22.
Os contratos disciplinados pelo Código Civil, por sua vez, podem ser paritários ou por adesão.
No contrato por adesão uma das partes formula antecipadamente as cláusulas contratuais, e à outra parte cabe a aceitação de todo o conteúdo contratual, sem qualquer possibilidade de alterá-las, resta-lhe concordar, aderindo às cláusulas antecipadamente formuladas e impostas, sem qualquer discussão acerca do conteúdo contratual, há apenas imposição. O regime jurídico dos contratos de adesão segue o tratamento previsto nos artigos 423 e 424, do Código Civil.
Os contratos empresariais contam com regime jurídico próprio, e a aplicabilidade do princípio da intervenção mínima será analisada no próximo subcapítulo.
O objetivo do presente subcapítulo é examinar a incidência do princípio da intervenção mínima sobre as atividades econômicas que surgem das relações obrigacionais de Direito Civil comum, cujo pressuposto está assentado na ocorrência de relações paritárias. “Isto é: tendencialmente simétricas quanto ao exercício do poder negocial, não polarizadas por uma finalidade empresária e fundadas em atos expressivos da liberdade de atuação de cunho patrimonial, prevalentemente em negócios jurídicos. Normalmente, a relação será entre pessoas físicas ou entre essas e pessoas jurídicas não empresárias”23.
O princípio do equilíbrio contratual, corolário da igualdade substancial (CF, art. 3º, III) e da boa-fé objetiva (CC, arts. 113, 187 e 422), atua tanto na formação do contrato, permitindo a sua invalidade através da figura da lesão, bem como por força de alterações supervenientes das circunstâncias que acabam por acarretar onerosidade excessiva, ou a quebra da base objetiva do negócio jurídico permitindo sua revisão.
Os princípios do equilíbrio contratual, da igualdade substancial, da boa-fé objetiva e da função social do contrato são norteadores, servem de parâmetro de avaliação para uma relação jurídica contratual justa, e consequentemente são instrumentos de desconstituição ou revisão uma relação jurídica contratual justa.
Nesse sentido, um contrato livremente pactuado “pode ser, não obstante, um contrato injusto e, nesta medida, pode ser revisto, modificado judicialmente ou mesmo integralmente rescindido: à ênfase na liberdade sucede a ênfase na paridade”24.
A justa medida do equilíbrio contratual está na comparação, na proporção das vantagens e encargos outorgados a cada uma das partes contratantes, e é por essa razão que o alcance da possibilidade de utilização dos mecanismos tem um alcance muito específico, ou seja, incide no âmbito das relações nas quais uma das partes é vulnerável, ou no âmbito dos contratos de adesão.
O controle das posições jurídicas, através dos princípios contemporâneos, deve, portanto, ser medido a partir da avaliação das partes contratantes. Como já exposto, as relações obrigacionais de Direito Civil comum são tendencialmente simétricas quanto ao exercício do poder negocial. E é justamente neste campo que atua o princípio da intervenção mínima.
O princípio da boa-fé objetiva continua a ser parâmetro de interpretação dos negócios jurídicos, no entanto, ao seu lado o princípio da “intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas”, introduzido pelo art. 2º, III, da Lei nº. 13.874/2019, também deve guiar a interpretação e aplicação das normas jurídicas, em campos nos quais as relações são simétricas.
O artigo 113, do Código Civil, que traça parâmetros de interpretação dos negócios jurídicos, e o artigo 421, do diploma citado, que traça critérios norteadores da liberdade de contratar, sofreram mudanças substanciais em razão da Lei da Liberdade Econômica, que tem por objetivo justamente, ressaltar o paradigma da intervenção mínima e excepcional nas relações paritárias.
As alterações da Lei nº. 13.874/2019 buscam delimitar as bases da intervenção estatal sobre o exercício da autonomia privada, com a finalidade de coibir os frequentes abusos do ativismo judicial. O objetivo da Lei nº. 13.874/2019 é buscar um ponto de equilíbrio entre a justiça contratual, a boa-fé objetiva e a autonomia privada, ou seja, “um ponto no qual a autonomia privada seja limitada, mas não descaracterizada, nem pela boa-fé, nem pela justiça contratual”25.
A Lei nº. 13.874/2019 inseriu no Código Civil o artigo 421-A com a finalidade de reforçar a relação de equivalência existente entre as partes de uma relação de Direito civil comum, ressaltando que “presumem-se paritários e simétricos” os contratos civis e empresariais, o que não afasta a possibilidade de o intérprete analisar diante do caso concreto “a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção”.
Como consequência dessa presunção de paridade, o artigo 421-A, do CC, pretende garantir que “as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução”, que as partes poderão definir a alocação de riscos, bem como garantir que a revisão contratual “somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”.
O artigo 421-A, do Código Civil é uma repetição da ideia já sintetizada pelo artigo 421, do Código Civil.
O artigo 421, do Código Civil introduziu em nosso sistema a cláusula geral da função social do contrato, e celebra o princípio da autonomia privada, a liberdade de contratar, porém ressalta que esse poder deve ser exercido nos limites da função social do contrato.
Através da cláusula geral da função social do contrato (CC, art. 421) e através da cláusula geral da boa-fé objetiva (CC, art. 422) o juiz tem o poder-dever de revisar, modificar e até mesmo invalidar cláusula contratual que implique desequilíbrio entre as partes, motivo pelo qual a Lei da Liberdade Econômica vem estabelecendo os limites dessa intervenção às relações jurídicas entre partes que estão em uma relação de desequilíbrio, de inferioridade.
O contrato é expressão da autonomia privada, que em termos contratuais, é consequência do princípio da livre-iniciativa, e dirige-se a uma finalidade concreta, em direção a um objetivo comum entre as partes contratantes, a um propósito específico em prol dos interesses individuais das partes que fazem parte dessa relação, todavia, o art. 421 reconhece que os efeitos do contrato ultrapassam os interesses das partes, e por essa razão deve ser instrumento de concretização de valores sociais.
A redação original do artigo 421, do Código Civil dispunha que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Com as modificações introduzidas pelo artigo 7º, da Lei nº. 13.874/2019 houve a exclusão do termo “em razão”. O objetivo da Lei nº. 13.874/2019 foi sedimentar que o contrato deve atender aos fins perseguidos pelas partes, deve atender às utilidades pretendidas pelas partes, ressaltar que existe e deve ser resguardado o interesse individual das partes, e não que o contrato é firmado em razão da função social, mas o dispositivo não deixa de estabelecer limites, e deixa claro que os interesses buscados através do contrato transcendem a esfera dos particulares, e deve também promover interesses socialmente relevantes.
O termo “liberdade de contratar” foi substituída pelo termo “liberdade contratual”, uma vez que o termo atende muito melhor à amplitude da autonomia privada, que tem seu cerne não apenas na liberdade de celebrar ou não um contrato, mas também na liberdade de negociação, de estipulação do conteúdo contratual.
O parágrafo único do artigo 421, do Código Civil foi integralmente introduzido pela Lei da Liberdade Econômica, mostrando mais uma vez a preocupação do legislador com a excepcionalidade da revisão contratual, e com a intervenção mínima. E foi através deste parágrafo que a Lei da Liberdade Econômica positivou o Princípio da Intervenção Mínima do Estado e a excepcionalidade da Revisão Contratual nas relações privadas.
Em complemento, o artigo 113 do Código Civil que estabelece a boa-fé objetiva e os usos do lugar de sua celebração como critério de interpretação dos negócios jurídicos, também sofreu consideráveis alterações pela Lei da Liberdade Econômica, que introduziu dois grandes parágrafos ao dispositivo.
O paradigma de hermenêutica dos negócios jurídicos continua a ser a boa-fé objetiva, exigindo que os negócios jurídicos sejam interpretados segundo critérios de eticidade e de socialidade determinadas pela Constituição Federal de 1988. Trata-se de critério objetivo de interpretação dos contratos, que serve de parâmetro para o juiz a interpretá-los de forma justa, útil e equânime.
Os incisos I, II, III e IV, do §1º, do dispositivo em análise, introduzem regras de interpretação que, implicitamente, já faziam parte dos parâmetros impostos pelo caput do dispositivo, e neste sentido, impõe parâmetros hermenêuticos que já vinham sendo consagrados pela doutrina e pela jurisprudência.
O inciso IV vem confirmar que, mesmo em relações paritárias, o negócio jurídico deve ser interpretado contra proferentem, ou seja, contra quem redigiu a cláusula. Aquele que redigiu uma cláusula ou um contrato com falta de clareza, não poderá se beneficiar dessa falta de clareza, e a cláusula ou o contrato será interpretado a favor da contraparte.
A novidade está no inciso V, introduzido pela Lei da Liberdade Econômica, que introduziu no dispositivo um novo conceito indeterminado, qual seja, a “racionalidade econômica das partes”.
O inciso V, do §1º, do art. 113 do Código Civil, seguindo o sentido da boa-fé objetiva, valoriza o comportamento das partes no momento das negociações, isto é, o comportamento das partes no momento das negociações preliminares, proposta e eventuais contrapropostas, anteriores à efetiva conclusão do negócio jurídico. Essas negociações preliminares deverão ser inferidas, interpretadas com as demais cláusulas contratuais com base na “racionalidade econômica das partes”. O critério para a interpretação deve ser objetivo, ou seja, conforme o declarado pelas partes nas negociações preliminares, e deve ser auferido a partir das próprias negociações, sem espaço para suposições contrárias à vontade efetiva das partes.
Quanto ao novo conceito indeterminado a “racionalidade econômica das partes”, observa-se que o objetivo é ressaltar a importância dos usos e costumes em relação ao negócio firmado, em razão do que é economicamente esperado de acordo com os usos e costumes do local em que foi firmado, para se chegar à conclusão acerca das reais expectativas de vantagem econômica das partes.
Por fim, o parágrafo 2º do artigo 113 do Código Civil, também introduzido pela Lei da Liberdade Econômica, autoriza que as partes estabeleçam cláusulas que estabeleçam critérios próprios para as regras de interpretação, de preenchimento e integração do negócio jurídico firmado entre as partes. As partes podem estipular quais serão os parâmetros de interpretação daquele negócio jurídico.
O ativismo judicial não é um problema do conteúdo da norma26, uma vez que a norma estabelece critérios objetivos para a intervenção judicial, e a autonomia privada e a livre-iniciativa jamais deixaram de ser princípios fundantes das relações privadas. O problema reside em uma pequena parte dos operadores do direito que cometem abusos na interpretação das normas.
A hermenêutica praticada pelo julgador, assim como a integração e a correção no caso concreto, deverá ser realizada de acordo com o conteúdo próprio da lei, de forma objetiva, conforme o sentido normativo, deduzido logicamente do próprio texto da lei e da integração de todos os princípios que fazem parte do sistema normativo, já que todos eles direcionam, em conjunto, as relações jurídicas privadas, dentre os quais merece destaque, também, o princípio positivado pela Lei da Liberdade Econômica da intervenção mínima do Estado e a excepcionalidade da revisão contratual nas relações contratuais cíveis.
3.2. O Princípio da Intervenção Mínima do Estado e a excepcionalidade da revisão nas relações contratuais empresariais
O contrato empresarial é, por excelência, ferramenta de circulação de riqueza, de inovação e de empreendedorismo no mercado. É realizado entre empresários, o que traz a premissa de exercício de atividade organizada e profissional, logo e por consequência, se faz presente a presunção de paridade e simetria entre os contratantes, em linha com os termos do caput do artigo 421-A do Código Civil. Porém, sua maior característica distintiva dos demais contratos de natureza civil comum é sua função econômica de lucro, isto é, as partes buscam o lucro no respectivo negócio jurídico realizado. E isso muda completamente a dinâmica de celebração e regras de interpretação do contrato empresarial, conforme ensina a Prof. Paula Forgioni:
[…] Nos contratos empresariais, ambas (ou todas) as partes têm no lucro o escopo de sua atividade. […] Traço diferenciador marcante dos contratos comerciais reside no escopo de lucro bilateral, que condiciona o comportamento das partes, sua ‘vontade comum’ e, portanto, a função econômica do negócio, imprimindo-lhe dinâmica diversa e peculiar. 27(destacamos).
Esta função econômica de lucro aproxima, tanto na celebração quanto na interpretação dos contratos empresariais pelas partes e juristas, o direito e a economia, no que se tem denominado de Law and Economics ou Análise Econômica do Direito, conforme metodologia de estudos desenvolvida na Escola de Direito de Chicago nos EUA a partir de 1960, sendo seus principais expoentes Ronald Coase, Guido Calabresi e Richard Posner.
A dogmática jurídica tradicional estuda a coerência lógica e sistemática dos princípios e regras jurídicas de acordo com textos constitucionais e legais, especialmente inspirada no Positivismo já mencionado anteriormente. Com isso, muitas vezes, não incorpora as consequências da decisão judicial no raciocínio jurídico, o que pode culminar em ponderação de princípios e regras sem levar em conta a repercussão do julgamento para a sociedade. Neste contexto, em complemento à dogmática tradicional, a Análise Econômica do Direito busca mais pragmatismo e realismo jurídico, mais fatos e dados, não apenas a dogmática. Destaque-se, ainda, que no Brasil, considerar as consequências das decisões judiciais é hoje mandatório, em razão do disposto no artigo 2028 da LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro. É nesta linha os ensinamentos dos Professores Decio Zylbersztajn e Rachel Sztajn:
A análise econômica deve, então, considerar o ambiente normativo no qual os agentes atuam, para não correr o risco de chegar a conclusões equivocadas e imprecisas, por desconsiderar os constrangimentos impostos pelo Direito ao comportamento dos agentes econômicos. O Direito, por sua vez, ao estabelecer regras de conduta que modelam as relações entre pessoas, deverá levar em conta os impactos econômicos que delas derivarão, os efeitos sobre a distribuição ou alocação de recursos e os incentivos que influenciam o comportamento dos agentes econômicos privados. Assim, o Direito influencia e é influenciado pela Economia.29
Além do escopo de lucro e da análise econômica do direito, os contratos empresariais são fortemente influenciados também pelos usos e costumes, tradicional fonte do Direito Comercial e fundamental para o forte dinamismo verificado nos contratos empresariais. Tem forte relação com o princípio da boa-fé e costuma seguir o ciclo de práticas de mercado, que levam a legislação nova ou atualização das existentes, que por sua vez, após as disputas, levam à jurisprudência, que influenciam novamente as práticas de mercado, e assim sucessivamente.
Ademais, todos os princípios contratuais já indicados em tópicos anteriores também se aplicam aos contratos empresariais e, como já destacado, eles incidem conjuntamente, não havendo contraposição e sim complementariedade entre eles . Assim, os já mencionados princípios da boa-fé, função social do contrato, por exemplo, aplicam-se perfeitamente aos contratos empresariais, assim como outros não mencionados, como os princípios do consensualismo, da relatividade ou mesmo da exceptio non adimpleti contractus (exceção dos contratos não cumpridos). Porém, na dinâmica empresarial já explorada acima, dois princípios contratuais merecem maior destaque: o princípio da autonomia privada e o pacta sunt servanda.
O princípio da autonomia privada é fundamental para os contratos empresariais, pois garante liberdade e criatividade aos empresários. Decorre do princípio da legalidade, esculpido no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Claro que, como já comentado no tópico das relações contratuais cíveis, não há autonomia absoluta ou ilimitada, mas se há normas cogentes, é no espaço deixado por estas que se manifesta a autonomia da vontade, trazendo dinamismo ao mercado.
Na mesma linha, o princípio do pacta sunt servanda ou força vinculante dos contratos também é fundamental para os contratos empresariais, pois ele é o pilar de sustentação do mercado, trazendo proteção sistêmica, de interesse do mercado e do comércio, culminando em segurança jurídica entre as partes contratantes. O que os empresários, que exercem profissionalmente suas atividades organizadas, combinarem deve ser respeitado e cumprido, não apenas por aquela relação jurídica em si, mas também por todas as demais relações em cadeia que eventuais descumprimentos podem ocasionar.
É neste contexto que a positivação do Princípio da Intervenção Mínima do Estado e a excepcionalidade da Revisão Contratual nas relações privadas, nos termos do já destacado parágrafo único do artigo 421 do Código Civil, conforme redação dada pela Lei da Liberdade Econômica, ganha enorme destaque para os contratos empresariais, já que ratifica a dinâmica de elaboração das regras do jogo estabelecidas livremente pelos empresários, as respectivas alocação de riscos e custos determinadas por eles naqueles negócios jurídicos formalizados através de contratos empresariais. A garantia de observância dessas regras, o que em grande parte é exercida pelo Poder Judiciário, é de crucial importância ao adequado convívio em sociedade e seu conjunto de relações jurídicas no mercado, sob pena de surgirem, no jargão de mercado, os chamados custos de transação, que ao cabo, são repassados à população e/ou afastam investimentos e crescimento do país.
Portanto, não basta a intervenção mínima do Estado nas relações empresariais, é preciso que o Poder Judiciário respeite também a excepcionalidade da revisão contratual, quando demandado no âmbito das relações empresariais. Neste ponto, a Lei da Liberdade Econômica, além de ratificar princípios decorrentes da defesa da ordem econômica esculpidos no art. 170 da Constituição Federal, de dar resposta ao dirigismo contratual, de incentivar a liberdade econômica ampla e a livre iniciativa, bem como de fortalecer os princípios da autonomia privada e do pacta sunt servanda, como já comentado neste artigo, também trouxe importante salvaguardas. A mais relevante delas, sem dúvida, foi a inserção do artigo 421-A no Código Civil, in verbis:
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) (destacamos)
Primeiramente, destaque-se que nos contratos empresariais, como já exaustivamente indicado, as partes são empresários, que exercem suas atividades de forma organizada e profissional, não tendo, portanto, nada que justifique o afastamento de presunção de paridade e simetria entre eles. Ademais, o artigo 421-A traz a possibilidade dos empresários estabelecerem não apenas os parâmetros interpretativos das cláusulas contratuais, mas também os pressupostos de revisão ou de resolução do contrato, o que é bastante comum nos contratos empresariais, especialmente pelos usos e costumes dos respectivos negócios celebrados. Citado artigo ainda dispõe expressamente o óbvio, mas que infelizmente, muitas vezes no Brasil, o óbvio precisa ser dito, escrito e repetido: as alocações de riscos livremente acordadas entre as partes devem ser respeitadas e observadas e isso, nas relações empresariais, é crucial, já que não há negócios empresariais, nos quais o escopo é o lucro, sem riscos, ele é inerente aos negócios. Por fim, mas não menos importante, o inciso III do artigo 421-A do Código Civil ratifica a excepcionalidade da revisão contratual, em linha com o também já citado parágrafo único do artigo 421, que positivou o Princípio da Intervenção Mínima do Estado e a excepcionalidade da Revisão Contratual nas relações privadas.
Neste aspecto, importante mencionar que a Teoria da Imprevisão adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro para as relações cíveis comuns e empresariais, apesar de inspirada na cláusula rebus sic stantibus romana, não estabeleceu que apenas um evento imprevisível e extraordinário pode dar azo à revisão ou resolução contratual. Além do necessário nexo causal entre o evento imprevisível e extraordinário e a impossibilidade do cumprimento contratual, exige-se também manifesta desproporção entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, no caso da revisão, ou ainda que a prestação se torne excessivamente onerosa para uma parte, com extrema vantagem para a outra, no caso da resolução contratual por onerosidade excessiva, nos termos dos artigos 31730 e 47831 do Código Civil.
4. Jurimetria e uma visão pragmática sobre a intervenção do Estado nas relações contratuais cíveis e empresariais após mais de cinco anos da Lei da Liberdade Econômica
A Jurimetria, de forma resumida, é a aplicação da estatística no Direito. Uma de suas principais funções é trazer pragmatismo à Ciência Jurídica, buscando elementos concretos na aplicação do Direito e no entendimento dos fenômenos jurídicos.
Neste contexto, através de pesquisa empírica jurisprudencial delimitada, buscou-se verificar, após mais de cinco anos da publicação da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, se a positivação do Princípio da Intervenção Mínima do Estado e a excepcionalidade da Revisão Contratual nas relações privadas, nos termos do parágrafo único do artigo 421 do Código Civil, conforme redação dada pela Lei da Liberdade Econômica, pode já ser verificada na jurisprudência pátria, delimitada neste momento, em pesquisa realizada nos acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) e nas decisões emanadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Para tanto, a pesquisa se limitou às relações civis e empresariais e buscou-se uma visão quantitativa de decisões ocorridas no período pesquisado de 20 de setembro de 2019 a 30 de junho de 2025. A pesquisa foi realizada (i) no sítio do TJSP, aba “Jurisprudência” (https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do), campo “Pesquisa livre”, excluído o item “pesquisar por sinônimos” e marcados os campos “Origem: 2º grau” e “Tipo de Publicação: Acórdãos”; e (ii) no sítio do STJ, aba “Jurisprudência” (https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp), campo “Pesquisa por termo”, utilizando-se, em ambos os sítios, as seguintes palavras chaves, entre aspas, para resultarem em resultados idênticos (não aproximados) na busca:
Pesquisa 1: “princípio da intervenção mínima”;
Pesquisa 2: “princípio da intervenção mínima” E “lei da liberdade econômica”;
Pesquisa 3: “excepcionalidade da revisão contratual”; e
Pesquisa 4: “excepcionalidade da revisão contratual” E “lei da liberdade econômica”.
Na Pesquisa 1 no TJSP, das palavras chaves “princípio da intervenção mínima”, foram identificados 9.870 acórdãos. Verificou-se que muitos dos resultados estavam atrelados ao Código de Defesa do Consumidor ou relacionados ao princípio da intervenção mínima no Direito Penal, de forma que a esmagadora maioria dos casos não se tratava do objeto de estudo deste artigo. Mesmo buscando refinar o resultado, utilizando-se o filtro “Classe: apelação cível”, ainda assim foram identificados 1846 acórdãos, mas que também não eram fidedignos ao princípio da intervenção mínima estabelecido pela Lei da Liberdade Econômica.
Com isso, os dados da Pesquisa 1 no TJSP foram descartados e seguiu-se para a Pesquisa 2 no TJSP, utilizando-se as palavras chaves “princípio da intervenção mínima” E “lei da liberdade econômica”. Desta vez, foram encontrados 114 acórdãos, que efetivamente faziam alguma referência ao princípio da intervenção mínima estabelecido pela Lei da Liberdade Econômica.
O primeiro acórdão teve data de julgamento em 03/07/2020, portanto 287 dias após a publicação da Lei da Liberdade Econômica, conforme ementa abaixo, mas as palavras chaves só puderam ser encontradas no inteiro teor do acórdão:
Ação declaratória de rescisão contratual. Prestação de serviços para a confecção de uma plataforma digital de uma loja virtual (e-commerce). Partes que firmaram apenas uma proposta comercial prevendo a prestação de serviços iniciais denominada de “setup”. Avença preliminar que previa a exigibilidade do valor integral referente aos serviços da fase de setup, caso houvesse desistência da contratante na fase de implementação do projeto. Impossibilidade de simples aplicação do princípio da pacta sunt servanda, sob pena de manifesto enriquecimento sem causa da ré. Rescisão antecipada que se deu sem que tivesse sido prestada a maior parte dos serviços previstos na proposta inicial. Função social do contrato e boa-fé objetiva que devem ser prestigiadas para evitar abusos contratuais. Necessidade de arbitramento proporcional da quantia devida pela autora para corresponder aos serviços efetivamente prestados até a comunicação de desinteresse na manutenção da proposta. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente os pedidos iniciais. Sucumbência proporcional reconhecida. Recurso provido.
(TJSP; Apelação Cível 1047597-75.2019.8.26.0100; Relator (a): Ruy Coppola; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 43ª Vara CÍvel; Data do Julgamento: 03/07/2020; Data de Registro: 03/07/2020)
Já o último acórdão teve data de julgamento em 24/06/2025, portanto seis dias antes da data de pesquisa realizada, e as palavras chaves puderam ser encontradas tanto na ementa quanto no inteiro teor do acórdão:
AÇÃO REVISIONAL – Acordo de incentivo celebrado entre estabelecimento comercial e credenciadora de cartões – Pretensão de declaração de nulidade de cláusulas contratuais e repetição de valores – Sentença de improcedência. RECURSO DA AUTORA – Invocou a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso – Alegou hipossuficiência diante das condições impostas pela ré – Cláusulas contratuais que atrelam o pagamento de taxas reduzidas ao atingimento de metas de vendas são abusivas, pois condicionam o fornecimento de serviços sem justa causa – Condições agravadas pela Pandemia do Covid-19 afetando o setor de atuação da autora – Requereu seja reformada a sentença e julgada procedente a ação. JULGAMENTO – Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor por ausência de relação de consumo, uma vez que os serviços foram contratados como insumo para incremento da atividade empresarial – Contrato empresarial paritário e simétrico celebrado entre partes dotadas de capacidade negocial – Empresas contratantes são de grande porte – Cláusulas que condicionam taxas reduzidas ao atingimento de metas não se mostram abusivas, estabelecendo contrapartida equilibrada aos benefícios concedidos – Prova pericial que demonstrou observância rigorosa das taxas contratuais pela credenciadora – Pandemia de COVID-19 que não justifica revisão contratual, constituindo risco inerente ao negócio livremente pactuado – Aplicação do princípio da mínima intervenção nas relações contratuais privadas, na forma do artigo 421, parágrafo único do Código Civil – Sentença mantida – Honorários sucumbenciais majorados (artigo 85, §11, do CPC – Sentença mantida – Recurso DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1010743-13.2021.8.26.0068; Relator (a): Marco Pelegrini; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 29ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/06/2025; Data de Registro: 24/06/2025) (destacamos)
Pode-se afirmar que boa parte dos 114 acórdãos identificados tinham como pano de fundo a pandemia do COVID-19, que assolou o Brasil de 2020 a 202232 – 33
Na Pesquisa 3 no TJSP, das palavras chaves “excepcionalidade da revisão contratual”, foram identificados 1831 acórdãos. Mesmo buscando refinar o resultado, utilizando-se o filtro “Classe: apelação cível”, ainda assim foram identificados 1396 acórdãos, mas em ambos os casos, não eram fidedignos ao princípio da excepcionalidade da revisão contratual estabelecido pela Lei da Liberdade Econômica.
Com isso, os dados da Pesquisa 3 no TJSP foram descartados e seguiu-se para a Pesquisa 4 no TJSP, utilizando-se as palavras chaves “excepcionalidade da revisão contratual” E “lei da liberdade econômica”. Desta vez, foram encontrados 90 acórdãos, que efetivamente faziam alguma referência ao princípio da excepcionalidade da revisão contratual estabelecido pela Lei da Liberdade Econômica.
Porém, ao analisar a numeração dos 90 acórdãos encontrados, foi possível verificar que praticamente todos já estavam dentro dos 114 acórdãos encontrados na Pesquisa 2 no TJSP.
Seguindo para a Pesquisa 1 no STJ, das palavras chaves “princípio da intervenção mínima”, foram identificados 128 acórdãos. Porém, assim como na Pesquisa 1 no TJSP, verificou-se na Pesquisa 1 no STJ vários acórdãos fazendo referência ao princípio da intervenção mínima no Direito Penal, de forma que a esmagadora maioria dos casos não se tratava do objeto de estudo deste artigo.
Com isso, os dados da Pesquisa 1 no STJ foram descartados e seguiu-se para a Pesquisa 2 no STJ, utilizando-se as palavras chaves “princípio da intervenção mínima” E “lei da liberdade econômica”. Desta vez, nenhum acórdão foi encontrado, mas 6 decisões monocráticas foram verificadas, com a primeira com data de julgamento em 02/08/202134 e a última com data de julgamento em 06/05/202535 Em tais decisões monocráticas, as palavras chaves puderam ser encontradas no inteiro teor das respectivas decisões.
Na Pesquisa 3 no STJ, das palavras chaves “excepcionalidade da revisão contratual”, foram identificados 5 acórdãos e 828 decisões monocráticas. Há de se ressaltar que os 4 acórdãos, com datas de julgamento em 31/08/202036, 20/04/202137, 23/08/202238, 09/11/202239 e 15/08/202340, fizeram referência ao Princípio da Intervenção Mínima do Estado e a excepcionalidade da Revisão Contratual de forma combinada e que, em todos eles, o princípio foi observado nos casos concretos.
Na sequência, seguiu-se para a Pesquisa 4 no STJ, utilizando-se as palavras chaves “excepcionalidade da revisão contratual” E “lei da liberdade econômica”. Desta vez, nenhum acórdão foi encontrado, mas 9 decisões monocráticas foram verificadas, sendo que em todas as decisões monocráticas, as palavras chaves só puderam ser encontradas no inteiro teor das respectivas decisões.
Desta forma, pode-se verificar nas pesquisas realizadas no sítio do STJ que, apesar de ainda serem poucos os julgados encontrados, o que faz todo sentido, na medida em que os litígios demoram mais tempo para percorrerem 1ª e 2ª instâncias, até chegar aos tribunais superiores, já pode ser considerada em formação uma jurisprudência bastante firme em respeito e prestígio ao Princípio da Intervenção Mínima do Estado e a excepcionalidade da Revisão Contratual nas relações privadas, conforme positivação realizada pela Lei da Liberdade Econômica, especialmente nas relações contratuais de cunho cíveis comuns e empresariais.
5. Conclusão
Como destacado ao longo deste trabalho, a liberdade é e jamais deixou de ser princípio geral da ordem econômica e financeira e é fundamentada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. A autonomia privada, a liberdade de autorregulamentação, jamais deixou de ser fundamento do direito privado. E justamente em razão da liberdade como fundamento e princípio geral do direito e do princípio da autonomia privada, o princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade de revisão sempre foi corolário lógico em nosso sistema, isto é, princípio implícito em nosso sistema jurídico.
Todavia, em razão de uma equivocada compreensão, por parte de alguns juízes, acerca da nova sistemática que passou a abarcar também os princípios sociais, decisões arbitrárias, custosas e de cunho totalmente subjetivo passaram a intervir no âmbito de contratos, cuja relação é totalmente simétrica, como ocorre nas relações de direito civil comum e de direito empresarial. A intromissão do Estado na vida econômica em algumas oportunidades ultrapassou os limites do aceitável, e o dirigismo contratual passou a preocupar e a ameaçar a segurança jurídica e a liberdade de contratar.
E foi justamente neste cenário que a Lei da Declaração de Direitos da Liberdade Econômica precisou positivar o princípio da intervenção mínima e da revisão excepcional, que se frisa, já faziam parte do nosso sistema jurídico.
Como pode ser verificado no Capítulo 4 do presente artigo, após mais de cinco anos da publicação da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, a positivação do Princípio da Intervenção Mínima do Estado e da excepcionalidade da Revisão Contratual nas relações privadas já pode ser verificada em diversos acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e, ainda em menor quantidade, também em julgados do Superior Tribunal de Justiça, sendo que em boa parte deles, os efeitos desejados de intervenção mínima e excepcionalidade da revisão contratual nas relações cíveis comuns e empresarias têm sido observados, sinalizando-se assim que o Poder Judiciário tem aplicado a premissa de que “em se tratado de contrato de prestação de serviços firmado entre dois particulares os quais estão em pé de igualdade no momento de deliberação sobre os termos do contrato, considerando-se a atividade econômica por eles desempenhada, inexiste legislação específica apta a conferir tutela diferenciada para este tipo de relação, devendo prevalecer a determinação do art. 421, do Código Civil”41.
Em pesquisa semelhante realizada pelo Professor Kleber Luiz Zanchim, em levantamento concluído em 04 de setembro de 2023, com 196 acórdãos do TJSP, considerando pesquisa no campo “ementa” do site do TJSP: “421” “único” “intervenção”, a conclusão já era muito semelhante:
“A referência expressa ao princípio da intervenção mínima nos contratos no artigo 421, parágrafo único, do Código Civil, vem sendo reproduzida nas decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para evitar e/ou moderar a interferência judicial nas disposições contratuais. (…) É possível concluir, portanto, que a alteração promovida pela Lei de Liberdade Econômica no Código Civil já tem o efeito prático de fortalecer o clássico princípio do pacta sunt servanda, ainda que em situações-limite como o contexto da Pandemia de Covid-19”42.
Ante o exposto, há de se ressaltar mais uma vez que a intervenção do Estado sobre o exercício de atividades econômicas será medida, ou seja, será maior ou menor, a depender do campo de aplicação do princípio. Cada espécie de contrato sujeita-se a um regime de caráter tutelar diferenciado a depender do campo de sua aplicação, mas sem devida que nas relações cíveis comuns e empresariais, a intervenção mínima do Estado e a excepcionalidade da revisão contratual é medida que se impõe para os contratantes, aos juristas e ao Poder Judiciário, visando segurança jurídica para toda a sociedade.
3CARNACCHIONI, DANIEL. Manual de direito civil: volume único- 5. ed. Rev. Ampl. e atual. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 402.
4Passou a vigorar em 1º de janeiro de 1900.
5Movimento científico doutrinário, difundido na Europa do século XIX, que atingiu seu apogeu na Alemanha através da chamada Escola Histórica. Tinham como princípio os estudos do direito romano, conduzindo à codificação.
6REALE, Miguel. Fundamentos do direito. 4. ed. São Paulo: Migalhas, 2014, p. 365.
71 de setembro de 1939 – 2 de setembro de 1945.
81933-1945.
9CF. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
10BUNAZAR, Maurício. A Declaração de Direitos da Liberdade Econômica e seus impactos no regime jurídico do contrato de direito comum. Revista Brasileira de Direito Contratual. v.01, n. 01, out.-dez., 2019, p. 1551.
11ESSER, Josef. Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado. Tradução do original alemão intitulado: GRUNDSATZ UND NORM IN DER RICHTERLICHEN FORTBILDUNG DES PRIVATRECHTS, 1956. Barcelona: Bosch, Casa Editorial, 1961, p. 193. “Lo indica la circunstancia frecuente de que primero se haga referencia al derecho consuetudinario en calidad de fuente secundaria, y sólo después, y como tercera fuente, a los “’principias generales”. Con otras palabras, lo que se busca es dar el monopolio del derecho legal. que en cada caso puede y debe ser “aplicado” como algo ya existente. Por eso se proscribe toda alusión a la jusprudencia y a la doctrina en didad de fuentes. La segunda gran irrupción de los principios jurídicos materiales no incorporados axiomácicamente en el sistema de la codificación, ocurre en las llamadas cláusulas generales, normas en blanco y standards”.
12COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado: critérios para sua aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 141.
13COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: RT, 1999, p. 303
14GOMES, Orlando. Contratos. 26ª ed. ver., atual. e aum. De acordo com o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 25-28.
15SOARES, Daniela Oliveira. Cláusula geral da boa-fé objetiva como fundamento de concretização do sistema jurídico aberto. 2020. 184 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2020.
16Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I – for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II – corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III – corresponder à boa-fé; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
IV – for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
V – corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
17Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
18Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
19ROSENVALD, Nelson. Leis Civis Comentadas/ Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto – São Paulo: Editora JusPodivm, 2022:70.
20Idem.
21COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: RT, 1999, p.
22BUNAZAR, Maurício. A Declaração de Direitos da Liberdade Econômica e seus impactos no regime jurídico do contrato de direito comum. Revista Brasileira de Direito Contratual. v.01, n. 01, out.-dez., 2019, p. 1554.
23COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: RT, 1999, p. 292.
24NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 158
25NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 225
26SCHREIBER, Anderson [et al.]. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2020, p. 260
27FORGIONI, Paula A. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: RT, 2009, p. 46.
28“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.”
29ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia: análise econômica do direito e das organizações. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 74.
30“Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”
31“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”
32Locação de imóvel comercial – ação revisional de aluguel e ação de despejo por falta de pagamento – parcial procedência do pedido revisional para suspender exigibilidade de 50% do valor dos locativos contratados enquanto durarem as restrições sanitárias impingidas pelo poder público, período findo o qual seria autorizada cobrança retroativa do montante – insurgência restrita à determinação de pagamento posterior, pleiteando a locatária efetiva redução dos alugueis – notórias as intercorrências econômicas e sociais desencadeadas pela pandemia do vírus causador da covid-19 – readaptação do contrato por quebra da base objetiva do negócio em decorrência da pandemia – possibilidade – – situação fática indicada revela circunstância excepcional a permitir intervenção judicial para exame e adequação das obrigações, em atenção ao que estabelece o art. 317 do código civil – atividade empresarial da apelante severamente afetada pela crise sanitária – buffet infantil – estabelecimento fechado e/ou com funcionamento limitado por fato do príncipe – impossibilidade de utilização do imóvel – aplicabilidade da teoria da imprevisão ao caso concreto – princípio da preservação dos contratos e da cooperação das relações privadas – recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1005295-91.2020.8.26.0004; Relator (a): Francisco Casconi; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II – Santo Amaro – 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/07/2021; Data de Registro: 19/07/2021)
33APELAÇÃO CÍVEL. Contrato de intermediação comercial. Ação de cobrança e indenização por danos materiais e morais. Julgamento antecipado da lide, com parcial procedência para condenar a ré intermediada a pagar à autora indenização pela rescisão da venda comercial motivada por seu inadimplemento. Inconformismo. Descabimento. Presença de discriminação dos valores que seriam pagos a título de intermediação e de eventuais perdas e danos. Informação prévia, clara e não abusiva. Partes capazes e ausência de vício de consentimento. Desistência posterior do negócio pela prefeitura adquirente dos produtos, em decorrência de vício na qualidade, que não afasta a necessidade de remuneração da intermediadora. Preceptivo do Artigo 725 do Código Civil. Quem deu causa ao dano é obrigado a repará-lo (Art. 186 e 927, CC). Necessidade de respeito aos princípios da obrigatoriedade (pacta sunt servanda) dos contratos. Manutenção das cláusulas contratuais livremente pactuadas que é a regra no ordenamento jurídico brasileiro. Inteligência do Art. 421, do Código Civil, com redação dada pela Lei da Liberdade Econômica nº 13.874, de 2019. Concretização do princípio da autonomia privada no plano do Direito Empresarial, com maior força do que em outros setores do Direito Privado, em face da necessidade de prevalência dos princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da função social da empresa. Precedentes. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1001634-45.2021.8.26.0368; Relator (a): Rodolfo Pellizari; Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Foro de Monte Alto – 1ª Vara; Data do Julgamento: 29/09/2022; Data de Registro: 29/09/2022)
34REsp n. 1.938.780, Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe de 12/08/2021.
35AREsp n. 2.595.111, Ministro Afrânio Vilela, DJe de 08/05/2025.
36AgInt no REsp n. 1.818.694/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 9/9/2020.
37AgInt no REsp n. 1.848.104/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, relator para acórdão Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe de 11/5/2021.
38REsp n. 1.752.569/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 26/8/2022.
39AgInt no REsp n. 1.863.156/SC, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe de 16/11/2022.
40REsp n. 2.069.868, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 15/08/2023.
41REsp n. 1.799.039/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 7/10/2022.
42ZANCHIM, Kleber Luiz. Princípio da Intervenção Mínima nos Contratos na Jurisprudência do TJSP. Disponível em https://www.academia.edu/116149174/PRINC%C3%8DPIO_DA_INTERVEN%C3%87%C3%83O_M%C3%8DNIMA_NOS_CONTRATOS_NA_JURISPRUD%C3%8ANCIA_DO_TJSP, acesso em 30 de junho de 2025.
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NUNES, Marcelo Guedes. Jurimetria: como a estatística pode reinventar o Direito. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2016.
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1994
REALE, Miguel. Fundamentos do direito. 4. ed. São Paulo: Migalhas, 2014.
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ROSENVALD, Nelson. Leis Civis Comentadas/ Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto – São Paulo: Editora JusPodivm, 2022.
SOARES, Daniela Oliveira. Cláusula geral da boa-fé objetiva como fundamento de concretização do sistema jurídico aberto. 2020. 184 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2020.
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ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia: análise econômica do direito e das organizações. 1 ed. Rio de Ja
1Doutoranda e Mestra em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Especialista em Direito Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito do Consumidor pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo – FGV Direito/SP. Professora Titular na Damásio Educacional, no curso preparatório para o Exame da OAB. Professora Titular na Faculdade Nove de Julho- UNINOVE. Professora convidada do curso de Pós-graduação em Direito Civil e Processual Civil da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP. Membro da Comissão Especial de Direito Agrário da OAB/SP. Advogada.
2Advogado. Doutorando e Mestre em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Especialista em Direito Empresarial pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo – FGV Direito/SP. Bacharel em Direito pela PUC/SP. É Executivo Jurídico e de Compliance de empresa multinacional do Agronegócio. Coordenador Acadêmico e Professor do LL.M. em Direito do Agronegócio da Harven Agribusiness School. Professor convidado em cursos de pós-graduação e de extensão. Palestrante, autor de diversos artigos, coordenador e coautor de livros jurídicos.