THE PRINCIPLE OF INSIGNIFICANCE AND ITS APPLICABILITY IN CRIMINAL LAW
REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11529879
Izael Araújo Ferreira Rodrigues 1
RESUMO
O Conceito de Bagatela, ou Princípio da Insignificância, diz respeito a lesões de mínima gravidade em que o comportamento do infrator é pouco censurável. Dessa maneira, surge o questionamento no qual será o pilar da problemática do presente artigo: qual aplicabilidade do Princípio da Insignificância no Direito Penal? Buscando entender mais sobre o tema, a metodologia empregada é a revisão bibliográfica de publicações, utilizando o Google Acadêmico, dentre similares, como fonte de pesquisa. O presente artigo possui como objetivo abordar o princípio da insignificância e sua aplicação no contexto do direito penal, definir conceitos, além de analisar as posturas adotadas pelos órgãos judiciais superiores em relação a esse conceito. Em conclusão, torna-se claro que a aplicação do Princípio da Insignificância é fundamental, desde que se leve em conta o contexto global dos acontecimentos.
Palavras-chave: Princípio da Insignificância. Princípio da Bagatela. Direito Penal. Aplicabilidade Direito Penal. Bagatela.
ABSTRACT
The Concept of Trifle, or Principle of Insignificance, concerns injuries of minimal severity in which the offender’s behavior is little objectionable. In this way, the question arises that will be the pillar of the problem of this article: what is the applicability of the Principle of Insignificance in Criminal Law? Seeking to understand more about the topic, the methodology used is the bibliographic review of publications, using Google Scholar, among similar ones, as a research source. This article aims to address the principle of insignificance and its application in the context of criminal law, define concepts, in addition to analyzing the positions adopted by higher judicial bodies in relation to this concept. In conclusion, it becomes clear that the application of the Principle of Insignificance is fundamental, as long as the global context of events is taken into account.
Keywords: Principle of Insignificance. Trifle Principle. Criminal Law. Applicability Criminal Law. Trifle.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo central abordar o princípio da insignificância e sua aplicação no contexto do direito penal, definir conceitos, além de analisar as posturas adotadas pelos órgãos judiciais superiores em relação a esse conceito.
A pesquisa em foco adquire relevância ao promover uma melhor compreensão do Princípio da Bagatela, que está incorporado ao sistema jurídico do Brasil no âmbito penal. Nesse sentido, ela tem o potencial de ampliar a promoção da justiça social, contribuindo para o aprimoramento do sistema legal nacional e, consequentemente, para o benefício de toda a população, tornando as penalidades mais equitativas e passíveis de aplicação.
A gênese e a evolução histórica do princípio da insignificância estão intrinsecamente entrelaçadas com o princípio da legalidade, o qual desempenha um papel primordial na salvaguarda da liberdade individual em um Estado Democrático de Direito.
Embora o princípio da insignificância não esteja expressamente previsto na legislação, ele é considerado implícito, uma vez que está embasado em princípios fundamentais do direito penal, como o princípio da intervenção mínima, da lesividade, e da subsidiariedade, entre outros. Com base nisso, os profissionais do direito têm repetidamente aplicado esse princípio como uma maneira de preservar a dignidade e garantir a efetividade do Estado Democrático de Direito, assim como de proteger os direitos humanos.
O princípio da insignificância, por sua vez, surge como uma decorrência desse princípio maior. Ele visa garantir que o Estado concentre seus esforços na persecução de condutas que, de fato, ameacem a ordem social e os valores protegidos pelo ordenamento jurídico, deixando de lado situações de menor relevância que não justificariam a intervenção do sistema penal. Em outras palavras, o princípio da insignificância estabelece que a atuação punitiva do Estado deve se concentrar em atos de maior gravidade, evitando sobrecarregar o sistema de justiça com infrações de pouca importância.
Essa evolução histórica, guiada pelo ideal da legalidade, tem como objetivo principal proteger a liberdade individual dos cidadãos, assegurando que apenas as condutas verdadeiramente prejudiciais à sociedade sejam objeto de sanção penal. Dessa forma, o princípio da insignificância desempenha um papel crucial na garantia dos direitos individuais em um contexto democrático, promovendo a proporcionalidade e a eficácia do sistema legal.
Este estudo, derivado de uma pesquisa de natureza qualitativa predominantemente baseada em fontes bibliográficas e documentais, parte do pressuposto de que o crescente número de casos relacionados ao Princípio da Insignificância está sobrecarregando o sistema judiciário. Portanto, a pesquisa se concentra na avaliação da eficácia da aplicação da mencionada teoria da bagatela.
2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA / BAGATELA
Primeiramente, procederemos a uma análise doutrinária a respeito do tema, sendo fundamental esclarecer o conceito de infração bagatelar, conforme elucidado de forma clara e didática por Luis Régis Prado (2007, p. 146), isto é, para o referido autor, a infração bagatelar, também denominada delito de bagatela ou crime insignificante, representa um ato de mínima relevância, ou seja, uma ação de caráter insignificante. Em outras palavras, trata-se de uma conduta ou lesão ao bem jurídico tão desprovida de importância que não demanda intervenção do sistema penal. A aplicação do direito penal a tal situação se mostra desproporcional. Portanto, ações verdadeiramente insignificantes devem ser tratadas em outras esferas do Direito, como o civil, administrativo, trabalhista, entre outras. Não há justificativa para a imposição do aparato sancionatório do Direito Penal sobre atos que se enquadram nesse perfil de insignificância.
A análise detalhada e aprofundada deste ponto fundamental revela a verdadeira abrangência e importância do Princípio da Insignificância no contexto do direito penal, conforme DE OLIVEIRA; ALBUQUERQUE (2002). Ele transcende, de forma inquestionável, a sua interpretação simplista como um mero dispositivo de natureza econômica ou estritamente relacionado ao patrimônio. Na realidade, este princípio se configura como um dos alicerces essenciais do sistema jurídico penal, desempenhando um papel crucial na definição e aplicação das normas penais. Sua função primordial é a de guiar e moldar o conteúdo de todas as normas penais, assegurando que o direito penal seja utilizado de forma justa e proporcional. Isso significa que o Princípio da Insignificância não se limita apenas a questões financeiras ou patrimoniais, mas se estende a todas as esferas do direito penal, influenciando a interpretação e a aplicação das leis em casos que envolvam desde delitos de pequena gravidade até os mais complexos e sérios.
Segundo Juliana Haas e Airto Chaves Junior (2013, p. 1296-1323), a sua internalização é essencial em todas as condutas que configurem infrações penais, independentemente da natureza do crime. Isso ocorre para garantir que a aplicação das normas penais seja restrita às ações que verdadeiramente apresentem um caráter substantivamente penal, ou seja, que tenham o potencial de causar danos significativos à sociedade, à ordem pública ou aos direitos individuais. Portanto, o Princípio da Insignificância atua como um filtro de racionalidade, evitando que o sistema penal seja sobrecarregado com processos e punições desproporcionais para casos que não representam ameaças substanciais à sociedade.
Em essência, Lídia Losi Daher Zacharyas (2012, p. 243-262), entende que o Princípio da Insignificância atua como um guardião da proporcionalidade e da justiça no sistema penal, direcionando a atenção para a substância das condutas, a fim de evitar que a pesada carga do direito penal seja aplicada indevidamente a situações de insignificância ou de mínima relevância. Portanto, seu escopo vai muito além da dimensão puramente patrimonial, estendendo-se à esfera de todas as condutas criminalmente tipificadas, com a missão de preservar a adequação e a pertinência das normas penais, garantindo que apenas as ações que verdadeiramente mereçam tal tratamento se submetam à incidência do direito penal.
Segundo o jurista Damásio Evangelista de Jesus (2011), os crimes relacionados ao Princípio da Insignificância, também conhecidos como “crimes de bagatela,” devem ser abordados de maneira apropriada, considerando a gravidade da lesão ao bem jurídico. Assim, o Princípio da Insignificância, aplicado aos denominados “crimes de bagatela” ou “delitos de lesão mínima,” preconiza que o Direito Penal, por meio da tipicidade adequada, somente deve intervir nos casos em que ocorre uma lesão jurídica de considerável gravidade. Nas situações em que as perturbações jurídicas são de natureza mais leve, ou seja, de relevância material muito pequena, o princípio reconhece a atipicidade do ato.
Essa abordagem tem sido consistentemente adotada em nossa jurisprudência em uma variedade de casos, como o furto de objetos de valor insignificante, infrações fiscais com lesões mínimas, maus-tratos de pouca significância, descaminho e danos de montante reduzido, bem como lesões corporais de extrema simplicidade, entre outros. Essa aplicação do Princípio da Insignificância reflete uma compreensão madura e sofisticada do direito penal, reconhecendo que a desproporcionalidade entre o ato delituoso e a reação penal do Estado pode ser prejudicial ao sistema de justiça. De acordo com HAAS; CHAVES JUNIOR (2013), é nesse contexto que emerge a teoria da imputação objetiva, destacando-se a afetação jurídica quanto ao resultado normativo do crime, concebendo uma relevância substancial.
Através dela, o Princípio da Insignificância é fortalecido, atuando como um filtro protetor que evita que infrações de natureza minimamente ofensiva adentrem ao campo do direito penal, preservando assim a integridade do sistema jurídico e a justiça como um todo. Esta abordagem não apenas reduz a sobrecarga do sistema do direito penal, mas também contribui para uma aplicação mais equitativa e proporcional das leis, garantindo que a justiça criminal se concentre nas condutas que representam verdadeiras ameaças à sociedade.
É de suma importância ressaltar que os requisitos que delineiam a aplicação do Princípio da Bagatela, desempenham um papel fundamental no âmbito do Direito Penal. A ausência de periculosidade social, por exemplo, serve como um indicador de que a conduta não representa uma ameaça significativa à segurança pública. Isso significa que a sociedade não se sentirá insegura ou em risco em razão da não punição do infrator, uma vez que a infração não gera alarme social. Além disso, PELUSO (2001), ainda ressalta que a mínima ofensividade da conduta denota que o ato não causa danos substanciais a terceiros, preservando assim a integridade de bens e interesses protegidos pelo ordenamento jurídico.
Para Marcio André Lópes Cavalcante (2014), a proporcionalidade da resposta penal implica que a sanção imposta deve ser adequada à gravidade da infração, evitando a aplicação desmedida da punição, o que seria desproporcional e prejudicial à justiça. Por fim, a insignificância da lesão jurídica aponta para a ideia de que a infração não resulta em um abalo sério nos valores e princípios que sustentam a ordem jurídica, assegurando que a intervenção do direito penal se concentre nas condutas que efetivamente mereçam tal intervenção. Em conjunto, esses requisitos funcionam como um conjunto de diretrizes que ajudam a garantir que o Princípio da Bagatela seja aplicado de forma justa e equitativa, contribuindo para a eficiência e a proporcionalidade do sistema penal.
Além disso, FLORENZANO (2018, p. 110-142), ressalta que o baixo grau de reprovação do comportamento é um fator determinante na análise desse princípio. Ele implica que a conduta do agente não tenha causado uma comoção social ou uma reação de repúdio generalizada. A sociedade não vê a ação como moralmente inaceitável, o que reforça a ideia de que a intervenção penal é desnecessária.
A mínima ofensividade da conduta do agente é outro critério fundamental. Isso significa que os comportamentos do infrator não devem ser vistos como repulsivos, seja pela vítima direta ou pela sociedade em geral. Para CLARINDO (2007), a infração não provoca uma sensação de afronta à ordem social, contribuindo para a aplicação do Princípio da Bagatela.
Também, de acordo com Fabrício Denis Fernandes (2021, p. 34) cumpre destacar que a insignificância da lesão jurídica reforça a ideia de que o dano causado pela conduta é tão ínfimo que não acarreta transtornos significativos para a vítima ou para o bem jurídico tutelado. Isso significa que a lesão não tem relevância suficiente para justificar a imposição de sanções penais, uma vez que não causará impactos substanciais.
Dessa forma, considera-se que a aplicação do Princípio da Bagatela visa garantir a proporcionalidade e a razoabilidade das sanções penais, evitando que condutas de mínima relevância sejam submetidas ao rigor do sistema penal, ao mesmo tempo em que preserva a sua eficácia e seriedade na repressão de infrações verdadeiramente lesivas à sociedade.
O Supremo Tribunal Federal (STF) estabelece que a insignificância deve ser avaliada no âmbito da tipicidade formal, mas não necessariamente na tipicidade material, uma vez que, na ausência de lesão, não há base para a imposição de sanções no domínio do direito penal. Segundo Paula Soares Cardoso (2023) é fundamental, portanto, para a concepção de crimes de bagatela, conforme delineado pelo princípio da insignificância, levar em consideração os critérios de lesividade, a fragmentariedade do direito penal e a aplicação do princípio da “última ratio”. Dessa forma, a noção de crime de bagatela se aplica a delitos nos quais, no mínimo, a lesão é mensurável ou em que a lesão decorrente da conduta típica é desproporcional em relação a certos aspectos, como será abordado adiante. No entanto, essa abordagem indica que não é aplicável a crimes nos quais a lesão é imensurável, como no caso de violência, ou quando os valores em questão, como a liberdade sexual, não podem ser quantificados da mesma maneira.
Os críticos do Princípio da Insignificância levantam preocupações válidas sobre a imprecisão da terminologia associada a esse conceito. Eles argumentam que a falta de uma definição clara e objetiva do que constitui “insignificância” ou “bagatela” pode levar a interpretações subjetivas e arbitrárias. Isso pode resultar em incertezas no sistema penal, uma vez que diferentes juízes ou tribunais podem aplicar o princípio de maneira variada, levando a resultados inconsistentes, conforme JACOB (2022).
Por outro lado, DANTAS, et al (2015) entende que o Princípio da Insignificância é embasado na ideia de que o Direito Penal deve ser a última instância de intervenção estatal, reservada para condutas que efetivamente ameacem bens jurídicos relevantes e a ordem social. Crimes de pouca relevância, que não causam danos significativos ou que não representam uma ameaça significativa à sociedade, podem ser mais adequadamente tratados por meio de alternativas menos gravosas, como medidas de reparação às vítimas, serviços à comunidade ou programas de ressocialização.
Dessa forma, de acordo com Hélio Márcio Lopes Carneiro (2009), o Princípio da Insignificância não apenas visa a evitar o uso desnecessário do sistema penal, mas também a promover a justiça e a proporcionalidade nas sanções aplicadas. Ele busca encontrar um equilíbrio entre a proteção dos valores sociais e a não criminalização de condutas de pouca relevância. No entanto, a implementação desse princípio exige uma análise cuidadosa e criteriosa de cada caso, levando em consideração os critérios estabelecidos pela jurisprudência e pela doutrina jurídica. Portanto, a discussão em torno do Princípio da Insignificância continua a ser um ponto importante no debate sobre a função e os limites do Direito Penal.
3 CONSIDERAÇÕES JURISPRUDENCIAIS ACERCA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA / BAGATELA
Ao realizar uma pesquisa nos portais do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é possível constatar uma diversidade de decisões judiciais relacionadas à aplicação do Princípio da Insignificância, também conhecido como princípio bagatelar. É notável que, apesar da relevância desse princípio na jurisprudência brasileira, a falta de critérios bem definidos para sua aplicação gera certa imprecisão e variação nas decisões judiciais.
É importante destacar que, embora não existam critérios absolutamente rígidos e uniformes, o STF tem apresentado algumas orientações para aferir a aplicabilidade desse princípio, como pode ser observado em sua decisão no habeas corpus 94.685/08. Nessa decisão, a Suprema Corte forneceu diretrizes que podem ser utilizadas como referência pelos tribunais inferiores para avaliar se uma conduta se enquadra nos parâmetros do Princípio da Insignificância.
Essas orientações costumam abordar fatores como a lesividade insignificante da conduta, a ausência de periculosidade social, o baixo grau de reprovabilidade do comportamento do agente e a mínima ofensividade da ação. No entanto, é importante ressaltar que a análise da aplicação desse princípio em casos específicos ainda requer uma avaliação cuidadosa das circunstâncias individuais, a fim de determinar se o delito se encaixa nos critérios estabelecidos pela jurisprudência.
Segundo o Ministério Público do Distrito Federal e Território: “Não se aplica nos crimes contra a administração pública porque os bens jurídicos tutelados, nesses delitos, são a moral administrativa e o patrimônio, e a moral administrativa não pode ser mensurada como ínfima. Exceção- aplicam-se no descaminho quando o valor devido for inferior ao mínimo passível de execução pela fazenda pública; Da mesma forma, por se tratar de tutela da confiança nos papeis do Estado (moral administrativa), impossível de ser mensurada como bagatela, não se aplica o princípio da insignificância nos crimes contra a fé pública; quanto ao uso de drogas, importa exarar que o STF aplicou o referido princípio em julgamentos de uso de drogas por militar em serviço. Em seguida, afastou esse entendimento, de forma liminar, no HC 94.685 de 09/09/2008, o qual foi submetido ao Pleno, com novo exame no INFO 526 de 30/10/2008, ainda sem decisão final. Importa alertar que tanto STJ quanto STF não aplicavam o princípio da insignificância na vigência do art. 16 da 6368/76, de 21 de outubro de 1976 (revogada), substituído pelo art.28 da Lei 11343/06.” “Entendiam que o uso, pelas suas próprias elementares, deveria corresponder a uma quantidade insignificante, mas que não haveria atipicidade material, pois se tratava de crime de perigo abstrato contra a saúde pública”. (artigo extraído da internet em http://mpdft.mp.br).
É inegável que o Princípio da Bagatela desempenha um papel fundamental na evitação da judicialização de questões de mínima relevância. Sua função primordial reside em aliviar a carga de processos sobre o sistema judiciário, garantindo que questões triviais ou que resultem em danos insignificantes não sobrecarreguem os tribunais. Esse princípio visa a promover a eficiência e a racionalização da justiça, evitando que litígios de pouca importância ou de impacto mínimo sejam levados ao judiciário. De acordo com Acsa Vila Nova Jorge (2020), isso ocorre porque tais questões podem muitas vezes ser resolvidas de forma mais ágil e econômica por outros meios, como negociações entre as partes, conciliações, ou por meio de soluções extrajudiciais.
Além disso, Cardoso (2023) ressalta que ao aplicar o Princípio da Bagatela, busca-se preservar a seriedade e a relevância do sistema judicial, assegurando que este seja reservado para casos que verdadeiramente demandem a intervenção do Estado para a solução de controvérsias substanciais. Isso, por sua vez, contribui para uma justiça mais eficaz e eficiente, ao mesmo tempo em que protege as partes envolvidas de um processo oneroso e moroso quando a causa em questão é verdadeiramente insignificante.
Nesse contexto acerca do excesso de judicialização, merece destaque a crítica feita pelo filósofo Luiz Felipe Pondé à folha. (2019), que, diante do volume expressivo de processos judiciais, apresentou uma observação carregada de ironia, porém, de suma importância. Ele questiona a crescente tendência de judicialização que a sociedade enfrenta nos tempos contemporâneos: “(…) O mercado jurídico cresce para advogados que adoram esse inferninho. Se você pode ser processado por respirar para o lado errado, os advogados inescrupulosos aprovam. Já os juízes, não sei. (…) As pessoas se recusam ao uso da autonomia ou do senso comum e decidiram que precisam de um “juiz para chamar de seu”. Ninguém assume nada, apenas terceirizam. Já terceirizaram filhos, idosos, animais, agora vão terceirizar o ato de decidir questões cotidianas.(…)”
No que diz respeito à interpretação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é interessante notar algumas decisões que merecem destaque. Nesses casos, os respeitáveis magistrados optaram por não aplicar o Princípio da Bagatela em situações específicas, como as relacionadas à reincidência. Essa decisão foi fundamentada na consideração de que se tratava de delitos qualificados, nos quais os valores dos bens subtraídos ultrapassaram dez por cento do salário mínimo vigente. É evidente que a aplicabilidade desse princípio requer uma análise criteriosa, pois, embora seu objetivo primordial seja aliviar a carga do sistema judiciário em relação a questões de menor gravidade, é essencial considerar o contexto probatório de cada situação. Por exemplo, indivíduos que têm histórico de reincidência devem ser responsabilizados, como forma de desencorajá-los a continuar cometendo atos criminosos. Nesse sentido, os antecedentes criminais do agente devem ser devidamente ponderados no momento da aplicação da pena, visando à promoção de um sistema de justiça equitativo e proporcional.
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. REINCIDÊNCIA. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO MANTIDO. BENS AVALIADOS EM R$3.000,00 (TRÊS MIL REAIS). PRECEDENTES DAS DUAS TURMAS.
1. O presente delito deu-se por rompimento de obstáculo, e, além disso, o réu é reincidente e os bens ultrapassam bastante o total de 10% do salário mínimo, não sendo possível a aplicação do princípio da insignificância. 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no AgRg nos EDcl no HC n.726.669/MS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 20/9/2022, DJe de 22/9/2022.)”
Neste contexto, é fundamental ressaltar a importância de um processo de ressocialização eficaz, juntamente com a lacuna existente na sociedade no que se refere a estratégias preventivas de combate ao crime nos tempos atuais. O que merece destaque é a análise realizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em relação a dois fatores: o valor de referência para a imposição de uma sanção e a natureza da conduta criminosa. Quando o montante de valor em questão deixa de ser insignificante e a infração é cometida de forma agravada, a conduta do infrator passa a ser merecedora de reprovação, não preenchendo, portanto, os critérios para a aplicação do Princípio da Bagatela.
É relevante destacar a Súmula 599 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a qual aborda o Princípio da Insignificância e sua não aplicabilidade nos casos de crimes contra a administração pública. Essa súmula estabelece que “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.” No entanto, é importante notar que, em situações concretas, nem sempre essa súmula é estritamente seguida. Deve-se salientar que existem precedentes judiciais em que o Princípio da Insignificância tem sido aplicado, mesmo em casos envolvendo crimes contra a administração pública. Um aspecto relevante a ser considerado está relacionado à situação em que um indivíduo adota a prática de pequenos furtos ou outros delitos como uma fonte de renda. Nesse contexto, o Princípio da Insignificância não pode ser invocado para justificar a habitualidade criminosa.
Um exemplo ilustrativo disso é a comercialização de produtos piratas, como mídias, conteúdos musicais, software, vídeos e outros produtos digitais. Nesse cenário, não é apropriado aplicar o Princípio da Insignificância, uma vez que a conduta envolve a violação significativa dos direitos autorais. Nesse caso, não se pode alegar baixa reprovabilidade da ação ou um grau de lesão considerado pequeno, uma vez que o dano causado à propriedade intelectual é substancial e a conduta é habitual, caracterizando uma prática criminosa contínua.
“HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. PRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO SOCIAL E DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. ABOLITIO CRIMINIS DETERMINADA PELA LEI N. 10.695/2003. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E DENEGADA.
1. A Terceira Seção desta Corte de Justiça, ao julgar o REsp n. 1.193.196/MS, representativo de controvérsia, firmou-se no sentido de “considerar típica, formal e materialmente, a conduta prevista no artigo 184, § 2º, do Código Penal, afastando, assim, a aplicação do princípio da adequação social, de quem expõe à venda CD’S e DVD’S ‘piratas'” (REsp n. 1.193.196/MG, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 3ª S., DJe 4/12/2012).
No caso específico mencionado, conforme evidenciado no julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Princípio da Insignificância não foi aplicado em relação à violação de direitos autorais envolvendo mídias digitais, DVDs e CDs falsificados com o objetivo de obter lucro. Nesse cenário, a conduta do réu se destacou por sua reiteração, uma vez que ele já havia cometido o mesmo crime anteriormente e acumulava duas condenações definitivas por violação de direitos autorais. A reincidência do réu em práticas criminosas semelhantes agravou ainda mais a situação, visto que, apesar de já ter sido condenado previamente, ele prosseguiu com a prática do mesmo delito de forma reiterada. Isso ressalta a importância da análise das circunstâncias específicas de cada caso e a consideração da conduta reincidente ao avaliar a aplicabilidade do Princípio da Insignificância. Em situações em que a reiteração de condutas criminosas é evidente, a sua gravidade não pode ser desconsiderada, o que pode resultar na não aplicação desse princípio.
5 OBSERVAÇÕES ACERCA DA APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NA SEARA DO DIREITO PENAL.
O Princípio objeto do presente trabalho, representa um importante instrumento de limitação do exercício do poder punitivo do Estado no âmbito do Direito Penal. Conforme Pereira; Fogaça (2016), sua aplicabilidade é uma questão de relevância no contexto jurídico contemporâneo, pois desempenha um papel fundamental na busca por uma justiça mais proporcional e equitativa.
Para Eduardo Alencastro Veiga (2021), este princípio se fundamenta na ideia de que o direito penal deve se concentrar em condutas que efetivamente representem uma ameaça significativa à sociedade e aos valores jurídicos, evitando a criminalização de ações de pequena gravidade ou que não causem lesões jurídicas substanciais. A aplicação do Princípio da Insignificância depende da análise de diversos critérios, como a ausência de periculosidade social, a mínima ofensividade da conduta, a proporcionalidade da resposta penal e a insignificância da lesão jurídica, com o intuito de garantir que a intervenção do direito penal seja direcionada de forma justa e adequada.
Em consonância ao entendimento de Beatriz Lourenço Jacob (2022), um aspecto muito relevante a ser considerado ao discutir a aplicabilidade do Princípio da Insignificância é o seu papel na preservação dos princípios fundamentais do direito penal, como a legalidade, a proporcionalidade, a culpabilidade e a lesividade. Sua utilização visa a evitar a criminalização excessiva e a desproporcionalidade nas sanções, o que seria prejudicial tanto para o indivíduo quanto para a sociedade como um todo. Além disso, o Princípio da Insignificância está alinhado com a busca por uma justiça mais humanizada, na qual o direito penal seja reservado para casos que, de fato, mereçam a intervenção do Estado.
Leonidas Meireles Mansur Muniz de Oliveira e Alan Pereira.de Araújo (2018, p. 179-200) entendem que isso implica não apenas uma economia de recursos do sistema de justiça, mas também uma abordagem mais sensata e eficiente para o enfrentamento de condutas delituosas. Portanto, as observações acerca da aplicabilidade do Princípio da Insignificância no Direito Penal revelam sua importância na promoção de uma justiça mais justa, equitativa e voltada para a proteção dos valores essenciais da sociedade, ao mesmo tempo em que evita a punição desmedida de ações que não justificam a intervenção do direito penal.
É fundamental enfatizar que o Princípio da Insignificância não deve ser interpretado como uma ferramenta que promove a impunidade, mas sim como uma oportunidade de instigar a reflexão no pequeno infrator, incentivando-o a evitar a recorrência de condutas ilícitas. Além disso, nessa lógica Acsa Vila Nova Jorge (2020), entende que é fundamental compreender que o sistema judiciário não deve ser sobrecarregado com questões de menor relevância no âmbito do direito penal.
Cabe ressaltar que o objetivo deste estudo não é de forma alguma endossar a impunidade em casos de delitos, mas sim almejar uma eficaz desobstrução do sistema judiciário. Nesse sentido, BLANCHET; GABARDO(2012) destaca que é válido considerar alternativas simples que poderiam evitar que casos de menor magnitude chegassem aos Tribunais Superiores, como a imposição de medidas como prestação de serviço comunitário, permitindo que o infrator contribua para a sociedade como uma forma de reparação pelo dano causado. Já existem legislações pertinentes a esse propósito, como aquelas aplicadas nos Juizados Especiais.
A atuação do primeiro julgador que entra em contato com um caso no sistema judicial é de extrema relevância, pois recai sobre ele a responsabilidade de aplicar uma penalidade que esteja em conformidade com a gravidade do caso concreto. Esse juiz, ao avaliar a situação, deve considerar cuidadosamente os fatos, as circunstâncias e os princípios do direito penal, a fim de garantir que a sanção seja justa e proporcional. No entanto, FLORENZANO (2018, p. 110-142) acredita que uma abordagem adicional e complementar à questão da punição é a implementação de medidas preventivas e reabilitadoras, especialmente em situações de reincidência. A ideia subjacente a essa abordagem é não apenas a de punir o infrator, mas também a de abordar as causas subjacentes ao comportamento criminoso e oferecer oportunidades de reeducação e reintegração na sociedade.
Uma terceira possibilidade relevante para lidar com esse desafio é a elaboração de normativas específicas relacionadas ao tema, bem como a busca de um consenso nos entendimentos dos tribunais superiores. Para Mariana Costa de Oliveira (2021), isso implica em um esforço para estabelecer diretrizes e critérios claros para a aplicação do direito penal, especialmente quando se trata de questões sensíveis, como a punição de infrações de menor gravidade. Essas normativas podem fornecer orientações mais precisas para os juízes e promotores, ajudando a promover uma maior consistência nas decisões judiciais e, ao mesmo tempo, assegurando que a justiça seja efetivamente cumprida em todos os casos. Em última análise, a questão da aplicação do direito penal para infrações de menor gravidade é complexa e requer um equilíbrio cuidadoso entre a punição justa e a prevenção do delito, a reabilitação do infrator e a coesão nas interpretações legais. Portanto, a interação entre essas abordagens pode ser fundamental para alcançar um sistema de justiça criminal mais completo e eficaz.
É imprescindível notar que o ordenamento jurídico brasileiro carece de uma legislação específica sobre o Princípio da Insignificância, o que torna a interpretação e a aplicação desse princípio dependente da mentalidade e da sensibilidade do magistrado encarregado do caso, nesse sentido são as lições de Ronaldo João Roth (2008, p. 30-38). À medida que novas interpretações das normas jurídicas são desenvolvidas, levando em consideração os valores e costumes associados à cultura social, é possível afirmar que há um avanço na civilização. Portanto, é imperativo que o sistema judiciário esteja atento às necessidades da sociedade e priorize as questões de maior relevância, mantendo, no entanto, a punição, mas adequando-a à gravidade do bem jurídico lesado, a fim de evitar a consolidação de um sentimento de injustiça na consciência coletiva.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, torna-se evidente a importância da aplicação do Princípio da Insignificância, desde que seja considerado o contexto completo dos eventos. Não se nega a necessidade de reprovação de qualquer ato que cause lesão, porém, é fundamental que a punição seja proporcional.
A realidade em que vivemos abrange uma ampla gama de situações e interpretações. Portanto, é imperativo analisar cada caso individualmente para determinar se a lesão causada possui relevância significativa. Por exemplo, o roubo de um simples bloco de papel não pode ser equiparado ao roubo de um carro de luxo em termos de gravidade. É crucial evitar que o sistema jurídico fique excessivamente dependente da interpretação subjetiva de magistrados que conduzem julgamentos.
Sendo assim, espera-se não apenas uma tutela eficaz, mas também a criação de regulamentações específicas ou, pelo menos, de conceitos mais claros para evitar que o judiciário seja sobrecarregado com processos desnecessários. O objetivo é sempre atender aos interesses da sociedade e à sua proteção.
No entanto, é importante destacar que a criação de novas legislações não é a solução definitiva, a menos que sejam elaboradas com precisão e cuidado, evitando deixar lacunas interpretativas. Além disso, é fundamental considerar a possibilidade de investir em políticas públicas de segurança, incluindo programas de ressocialização e medidas preventivas contra condutas criminosas, como uma abordagem complementar para lidar com questões criminais e contribuir para a redução da criminalidade.
É necessário enfatizar a relevância de ações de ressocialização e prevenção de delitos, com um apelo para um compromisso mais substancial das entidades responsáveis na redução de crimes, independentemente de sua gravidade, a fim de assegurar a proteção e segurança de toda a sociedade. É amplamente reconhecido que as prisões estão sobrecarregadas, exigindo a construção constante de novos presídios, e o sistema judiciário enfrenta um aumento contínuo no volume de processos. Isso ressalta a necessidade premente de repensar a ausência de políticas públicas direcionadas à educação preventiva contra o crime.
No entanto, a evolução mais apropriada seria a implementação de uma norma jurídica que definisse o Princípio da Insignificância e estabelecesse regras claras para sua aplicação. Isso permitiria uma normatização mais precisa, evitando interpretações divergentes em casos similares e posicionamentos discrepantes entre os julgadores.
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1 Acadêmico do Curso de Direito