O PRINCÍPIO CENTRAL DO DIREITO DO TRABALHO E A SUA RELAÇÃO COM O CONCEITO DE JUSTIÇA.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12734870


Waldyr Mendes Tatsch Neto


Resumo:

Este artigo tem como intuito central abordar os princípios basilares do Direito do Trabalho, principalmente o Princípio da Proteção e a sua relação íntima com o conceito de justiça, tendo em vista figuras como; o hiper suficiente e o hipossuficiente e a busca pelo equilíbrio entre as partes.

Palavras Chaves: Direito do Trabalho; Princípios; Princípio do Proteção; Justiça.

Abstract:

This article has as main goal to address the basic principles of Labor Law, mainly the Principle of Protection and its intimate relationship with the concept of justice, considering figures such as; hyper enough and hyposufficient and a search for balance between parts.

Keywords: Labor Law; Principles; Principle of Protection; Justice.

Introdução

Desde a antiguidade clássica o conceito justiça é perseguido por vários estudiosos, desde Aristóteles e o equilíbrio aristotélico, até o utilitarismo de Jeremy Bentham e o conceito da diferença trabalhado em John Rawls. Tal questionamento permanece vívido dentro do campo da filosofia, das ciências sociais e até mesmo do Direito moderno, mas não costuma encontrar espaço no processo de criação das normas pelo legislativo, e por consequência, não se faz tão presente no plano prático do Direito.

Por se fazer necessário que as normas tenham ao menos um sentido básico de justiça, para aferi-la legitimidade, muitos juristas têm defendido o conceito de Ativismo Judicial, principalmente no plano Constitucional. Tal ideia parte de uma interpretação da norma dando-a maior alcance interpretativo, ao ponto de criar uma nova jurisprudência em cima de casos concretos. É o Direito criando Direito.

Essa visão é extremamente criticada pelos garantistas, que acreditam que dessa forma torna-se possível a interferência entre os poderes, e portanto, uma tendência ao desequilíbrio na separação proposta por Montesquieu, além de uma maior insegurança jurídica.

Pode-se perceber, por exemplo, nessa discussão, como o conceito de justiça se coloca polarizado. Ao mesmo tempo que os magistrados e juristas que defendem o ativismo judicial pela necessidade de adaptação da interpretação de determinadas normas, a fim de suprir as necessidades atuais, e, principalmente, interpretá-las de modo a torná-las legítimas ao seu tempo, respeitando a evolução social. Tem-se do outro lado o ideal garantista, em que a justiça precisa obedecer às regras pré-estabelecidas de maneira mais restrita, a fim de garantir a segurança jurídica.

Em ambos os lados, há a busca pela justiça. Uma firmada pela segurança e outra buscando uma evolução. De qualquer modo, o conceito de justiça permanece sendo uma das questões centrais na sociedade moderna, discussão a qual parece não estar próxima do fim.

O Direito do trabalho, entretanto, por meio dos seus princípios, principalmente o seu princípio central, o Princípio da Proteção, apresenta um ótimo exemplo de ligação com o conceito de justiça, já que de maneira principiológica apresenta caminhos e soluções que equilibram a evolução social, com a segurança das normas mais rígidas.

Desenvolvimento

O Direito do Trabalho é um direito de natureza material, subdividido em Direito Individual do Trabalho e o Direito Coletivo do Trabalho. Ambos são um sistema de cunho jurídico institucional, principiológico e normativo, que regulam as relações laborais de maneiras distintas.

Enquanto o direito individual do Trabalho está ligado a matéria e as pessoas envolvidas, e a relação empregatícia do trabalho; o Direito Coletivo está vinculado a relação dos empregados e os empregadores, sendo considerada a sua ação coletiva, a partir de associações ou efetuada de maneira autônoma. Ambos possuem grupos jurídicos especificados normativamente.

Os princípios basilares do Direito Individual do Trabalho (ou Direito do Trabalho) são: O princípio da proteção ( também conhecido como o princípio tutelar-protetivo ); O princípio da norma mais favorável; o princípio da imperatividade das normas trabalhistas; o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas; o princípio da condição mais benéfica; o princípio da inalterabilidade contratual lesiva; o princípio da intangibilidade salarial; o princípio da primazia da realidade sobre a forma; o princípio da continuidade da relação de emprego.

 O princípio da proteção, também chamado de princípio tutelar, ou tutelar – protetivo, é o princípio central no Direito do Trabalho. Nele se fundamenta a ideia do desequilíbrio entre as partes nas relações empregatícias, criando figuras, normas e institutos que visam equilibrar as partes de maneira justa.

Doutrinariamente há divergências quanto ao seu raio de incidência, já que parte significativa da Doutrina acredita que o Princípio da Proteção, se subdivide somente em três princípios. No princípio in dubio pro operário; no princípio da norma mais favorável e no princípio da condição mais benéfica. O jurista Américo Plá Rodrigues[1], compartilha dessa visão.

Em uma análise mais profunda, entretanto, pode-se observar que o princípio da proteção se faz presente, em essência, não só em todos os demais princípios, mas também, em todo o complexo de institutos e normas que regem o Direito do Trabalho, como assim defende o jurista e atual Ministro do TST, Maurício Godinho Delgado[2].

Fato é que o princípio da proteção é inovador em sua essência, por ter uma finalidade que resguarda o trabalhador diante de qualquer possível abuso do empregador. O legislador entende que por estar em uma relação de trabalho, o empregador, sempre terá uma superioridade econômica em relação ao empregado, o que torna essa relação díspar em sua própria existência, cabendo assim uma maior proteção do empregado.

Por ser mais dependente dessa relação, o empregado, passa a ser tutelado pelo direito do trabalho, a fim de evitar possíveis abusos por parte do empregador.  Essa tutela se apresenta por base de uma disparidade jurídica. Ou seja, ao que possui uma superioridade econômica, o empregador, menores direitos, e ao que possui maior dependência econômica, o empregado, maiores direitos.

É criado, assim, a figura do hipossuficiente.  Que é o empregado tutelado por esse princípio da proteção, como também, por todo o complexo de regras que envolve o Direito do Trabalho.  Essa figura representa essa desigualdade jurídica a fim de compensar a desigualdade econômica entre as partes, sendo assim, fonte de diversas críticas.

A primeira dessas é quanto a sua própria essência de desigualdade jurídica, que em teoria, feriria o princípio da igualdade, já que o critério de classificação se estabelece por meio de uma análise monetária. A crítica é que para o Direito não deveria observar questões de renda para tomar decisões, em nenhuma hipótese.

Tal ideia se perde quando se lança a luz as lutas trabalhistas e os abusos sofridos no passado. A figura do hipossuficiente é estabelecida principalmente como resposta dessas lutas no decorrer dos anos. É a evolução da norma, com base nas evoluções sociais vigentes no seu tempo.

Outro ponto de crítica seria o fato que nem toda relação de emprego se estabelece com pessoas de pouco poder econômico no lado do empregado.  Pensando nisso, com a lei 13.467 de 13 de julho de 2017, na chamada Reforma Trabalhista, houve a criação de uma nova figura nessa relação de emprego.  A figura do hipersuficiente.

O hipersuficiente é o empregado que merece proteção como qualquer outro, mas  um pouco menos por possuir algumas características específicas que  o tornam não tão desigual nessa relação. Essas características estão presentes no artigo 444 da CLT.

“Art. 444 – As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Parágrafo único.  A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.”

Nota-se que para ser um hipersuficiente é necessário ter algumas características bem específicas como, por exemplo, o diploma em nível superior, e um salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime de Previdência Social.  O que hoje seria um salário de aproximadamente R$ 12.202,12.

Outro ponto é que o que compactuado entre o hipersuficiente e o seu empregador por um acordo individual vai se sobrepor a negociação coletiva, e  a  própria lei, dentro das hipóteses legais previstas na 611a da CLT.

É notável, portanto, a constante tentativa, dentro do Direito do Trabalho, por meio do princípio da proteção, e os demais princípios que dele decorrem, em equilibrar as partes a fim de tornar a regra e os seus efeitos, mais justos. É uma relação íntima com o conceito de justiça, ainda tão abstrato, mas amplamente discutido em nossa sociedade.

Mas como nem tudo são flores, e como a justiça foi e permanece sendo fonte de discussão, o princípio da proteção e seus desdobramentos ainda passam por processos de crítica, principalmente devido um dos seus princípios decorrentes. O princípio da Norma mais favorável.

Na visão garantista de Hans Kelsen, as normas estão organizadas de maneira hierárquica, e portanto, possuem diferentes graus de influência dentro do Ordenamento Jurídico. A Constituição da República se apresenta na ponta superior da pirâmide, e portanto, subordina todas as demais normas do ordenamento. Em contrapartida, o princípio da norma mais favorável, apresenta a ideia de que, tendo uma norma mais favorável ao empregado, levar-se-á em consideração esta, mesmo diante de uma norma constitucional.

Esse princípio é amplamente criticado pelos garantistas, por ser algo que vai totalmente de encontro com uma das maiores bases do Direito, a hierarquia das normas, sendo inclusive, reforçada pela jurisprudência, em boa parte das vezes.

Entretanto o mesmo se apresenta como uma tentativa de resguardar os direitos conquistados pelos trabalhadores, que muitas vezes não se veem representados pelas normas constitucionais, que apresentam como característica uma certa rigidez quanto ao seu processo de formal de criação, mas são representados por normas ordinárias, que tratam diretamente sobre assuntos do seu interesse.

Conclusão 

Por fim, pode-se perceber que há várias ferramentas dentro do Direito do Trabalho que apresentam uma íntima ligação com o conceito de justiça.  Parte disso, por possivelmente ser o Direito que mais dialoga com as questões enfrentadas pelos trabalhadores, e portanto, pela grande massa populacional brasileira.

Trabalhar com tais princípios gera, em suma, uma maior legitimidade da norma, pois essas dialogam com a realidade brasileira, e não se colocam de maneira distante e irrealista como muitas vezes o direito se coloca.

Dentre as demais maneiras de se tratar a evolução das normas por meio de uma lógica justa, a forma com a qual os princípios funcionam dentro do Direito do Trabalho e principalmente, o princípio da proteção, basilar nesse sistema, funcionam, são um ótimo exemplo de como um Sistema pode evoluir por meio de princípios que respeitam o período vigente e as lutas conquistadas no decorrer do tempo, além de normas, que passam a serem criadas e moldadas com base nesses princípios.

O Direito do Trabalho e o princípio da proteção é um dos melhores, se não o melhor, | exemplo daquilo que poderíamos chamar de equilíbrio aristotélico, e portanto, age de maneira corretiva quanto as disparidades enfrentadas no cunho social.  É o Direito buscando justiça sem perder a segurança jurídica.

Bibliografia

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1993. p. 42-43 e 28.

Alfredo J. Ruprecht. Os Princípios do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p. 14-28

DELGADO,Maurício Goldinho,Curso de Direito do Trabalho. São Paulo,LTr, 2019.


[1] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1993. p. 42-43 e 28. O jurista argentino Alfredo J. Ruprecht também aponta esse desdobramento do princípio tutelar em três regras distintas: in dubio pro operario, norma mais favorável e condições mais vantajosas. In: Os Princípios do Direito do Trabalho.

São Paulo: LTr, 1995, p. 14-28

[2] DELGADO, Mauricio Goldinho,Curso de Direito do Trabalho. São Paulo,LTr, 2019.