O POTENCIAL TERAPÊUTICO DOS PSICODÉLICOS NO TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS MENTAIS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DE LITERATURA

THE THERAPEUTIC POTENTIAL OF PSYCHEDELICS IN THE TREATMENT OF MENTAL DISORDERS: AN INTEGRATIVE LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202504260912


Carlos Eduardo Oliveira Malheiro1
Gustavo Carneiro Santos1
Matheus Santos Marques2


Resumo 

Trata-se de uma revisão integrativa de literatura que investigou o potencial terapêutico de substâncias psicodélicas no tratamento de transtornos mentais, com ênfase em depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e dependência de substâncias. Foram selecionados 24 estudos primários, incluindo ensaios clínicos e pesquisas observacionais qualitativas, a partir de bases de dados indexadas, seguindo metodologia científica padronizada. Os resultados evidenciam que a psilocibina e a ayahuasca demonstraram efeitos antidepressivos rápidos e sustentados em pacientes com depressão resistente ao tratamento convencional, enquanto a psilocibina e o dietilamida de ácido lisérgico (LSD) estiveram associados à redução significativa da ansiedade em pacientes com doenças terminais. No TEPT refratário, a terapia assistida por 3,4 metilenodioximetanfetamina (MDMA) apresentou taxas elevadas de remissão e melhora dos sintomas, superiores às obtidas com farmacoterapia tradicional. Nos transtornos por uso de substâncias, estudos preliminares sugerem que a psilocibina e a ayahuasca podem facilitar a redução do consumo e a abstinência sustentada. Quanto à segurança, os psicodélicos mostraram perfil favorável em ambiente controlado, sem eventos adversos graves, embora reações psicodissociativas e ansiedade transitória possam ocorrer durante a experiência aguda. Conclui-se que os psicodélicos, quando administrados em contexto terapêutico supervisionado, despontam como intervenções promissoras e eficazes para diversos transtornos mentais, possivelmente equiparáveis ou superiores aos tratamentos convencionais em determinados cenários, embora sejam necessárias mais pesquisas para consolidar evidências, estabelecer diretrizes de uso e avaliar seus efeitos em longo prazo. 

Palavras-chave: Psilocibina. LSD. MDMA. Ayahuasca. Transtornos mentais. 

Abstract 

This is an integrative literature review that investigated the therapeutic potential of psychedelic substances in the treatment of mental disorders, with emphasis on depression, anxiety, post-traumatic stress disorder (PTSD), and substance dependence. Twenty-four primary studies were selected, including clinical trials and qualitative observational research, from indexed databases, following standardized scientific methodology. The results show that psilocybin and ayahuasca demonstrated rapid and sustained antidepressant effects in patients with depression resistant to conventional treatment, while psilocybin and lysergic acid diethylamide (LSD) were associated with a significant reduction in anxiety in patients with terminal illnesses. In refractory PTSD, therapy assisted by 3,4-methylenedioxymethamphetamine (MDMA) showed high remission rates and symptom improvement, surpassing those obtained with traditional pharmacotherapy. In substance use disorders, preliminary studies suggest that psilocybin and ayahuasca may facilitate reduced consumption and sustained abstinence. Regarding safety, psychedelics showed a favorable profile in a controlled environment, with no serious adverse events, although psychodissociative reactions and transient anxiety may occur during the acute experience. It is concluded that psychedelics, when administered in a supervised therapeutic context, emerge as promising and effective interventions for various mental disorders, possibly comparable or superior to conventional treatments in certain scenarios, although further research is needed to consolidate evidence, establish usage guidelines, and assess their long-term effects. 

Keywords: Psilocybin. LSD. MDMA. Ayahuasca. Mental disorders. 

1 INTRODUÇÃO 

Nos últimos anos, observa-se um ressurgimento do interesse científico pelos psicodélicos na psiquiatria, impulsionado por estudos clínicos rigorosos que exploram seu potencial terapêutico em transtornos mentais graves. Entre 2019 e 2023 foram conduzidos diversos ensaios clínicos randomizados (ECRs) e revisões sistemáticas envolvendo substâncias como psilocibina, LSD, MDMA, além de psicodélicos de origem natural como a ayahuasca (uma decocção rica em DMT, N,N-dimetiltriptamina) e o 5MeO-DMT (5-metoxi-DMT). Esses estudos recentes, conduzidos com rigor metodológico moderno, têm demonstrado reduções rápidas e significativas de sintomas em transtornos como o transtorno depressivo maior (especialmente depressão resistente), transtornos de ansiedade (incluindo ansiedade associada a doenças terminais), TEPT e dependência de substâncias, muitas vezes com magnitudes de efeito elevadas (p.ex., tamanho de efeito Cohen d > 0,8) em comparação aos tratamentos convencionais (MITHOEFER et al., 2019; MITCHELL et al., 2021; GOODWIN et al., 2022). 

Historicamente, os psicodélicos foram explorados em psiquiatria nas décadas de 1950–60, porém restrições legais interromperam as pesquisas por muitos anos. A partir da década de 2000, o campo foi retomado sob padrões éticos e científicos atuais, culminando em uma “renascença psicodélica” no tratamento de transtornos mentais (REIFF et al., 2020). Nesse novo contexto, investiga-se o uso assistido por psicoterapia de substâncias como a psilocibina (derivada de cogumelos alucinógenos), o LSD (sintetizado por Albert Hofmann em 1938), o MDMA (um entactógeno com propriedades empáticas), além de plantas e secreções tradicionais como a ayahuasca (utilizada em rituais amazônicos) e o 5-MeO-DMT (encontrado no veneno do sapo Bufo alvarius). Estudos publicados entre 2019 e 2023 adotaram delineamentos rigorosos, incluindo ECRs duplo-cegos controlados por placebo e ensaios clínicos de fase II e III, bem como followups prolongados e meta-análises, para avaliar a eficácia e segurança dessas intervenções (HOLZE et al., 2023; MITCHELL et al., 2023; BOGENSCHUTZ et al., 2022). 

Este trabalho adota uma abordagem integrativa organizando a discussão por substância, de forma a examinar cada psicodélico em relação aos diferentes transtornos para os quais foi aplicado nos estudos recentes. Essa perspectiva permite identificar tanto as aplicações específicas (por exemplo, MDMA no TEPT) quanto os benefícios transdiagnósticos (por exemplo, efeitos antidepressivos e ansiolíticos da psilocibina em diferentes contextos) de cada substância. Os objetivos desta revisão são apresentar o contexto histórico e científico do renascimento dos psicodélicos na psiquiatria, destacar as evidências terapêuticas atuais para TEPT, transtornos de ansiedade, depressão e dependência de substâncias, e avaliar criticamente a eficácia, segurança e limitações dos estudos clínicos publicados entre 2019 e 2023. Espera-se, assim, fornecer uma síntese coesa dos achados recentes e discutir suas implicações clínicas e direções futuras para o campo. 

2 METODOLOGIA  

Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura que seguiu a abordagem metodológica descrita por autores reconhecidos na área, contemplando fases de identificação, seleção, extração e síntese dos dados (Andersen et al., 2021; Davis et al., 2021; Mitchell et al., 2021). Esse tipo de revisão permite abarcar evidências empíricas de diferentes delineamentos e, ao mesmo tempo, integrar resultados quantitativos e qualitativos, fornecendo uma visão abrangente das intervenções psicodélicas em transtornos mentais (Fuentes et al., 2019; Gonçalves et al., 2023; Goodwin et al., 2022). 

A condução do presente estudo seguiu os seguintes procedimentos metodológicos, descritos a seguir em etapas. 

2.1 Fontes de Dados e Estratégia de Busca 

As buscas bibliográficas foram realizadas em março de 2024, abrangendo as bases PubMed, Scopus, Web of Science, SciELO e BVS (Jardim et al., 2021; Schenberg, 2020). Definiu-se o período de janeiro de 2019 a dezembro de 2023, considerando a crescente publicação de estudos clínicos e revisões sobre psilocibina, LSD, MDMA, ayahuasca e outras substâncias correlatas nesse intervalo (Reckweg et al., 2023; Sarris et al., 2021). Para aumentar a sensibilidade, adotou-se uma combinação de descritores específicos – por exemplo, “psilocybin”, “LSD”, “MDMA”, “ayahuasca”, “DMT” – aliada a termos relacionados a transtornos mentais, tais como “depression”, “anxiety”, “PTSD” e “substance use disorder” (Nutt et al., 2020; Van der Meer et al., 2023). O uso de operadores booleanos (AND, OR, NOT) seguiu recomendações metodológicas vigentes em revisões integrativas (Szigeti et al., 2021; Uthaug et al., 2019), bem como a padronização de sinônimos em português, inglês e espanhol. Também se recorreu à busca manual em listas de referências de artigos relevantes para captar estudos potencialmente omitidos pelas estratégias eletrônicas (Holze et al., 2023). 

2.2 Critérios de Inclusão e Exclusão 

Foram incluídos estudos originais (quaisquer delineamentos empíricos, como ensaios clínicos randomizados, abertos, coortes observacionais) e revisões sistemáticas/meta-análises que avaliassem diretamente o uso terapêutico de substâncias psicodélicas em pacientes com transtornos mentais, como depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e dependências (Bahji et al., 2020; Hogea et al., 2023). Os artigos deveriam estar publicados em periódicos avaliados por pares, com texto completo disponível, redigidos em inglês, português ou espanhol, e situados no intervalo 2019–2023 (Agin-Liebes et al., 2020; Bershad et al., 2019). Excluíram-se publicações duplicadas, bem como resumos de congressos, cartas ao editor, dissertações não publicadas e estudos pré-clínicos realizados apenas em animais ou modelos in vitro (Gukasyan et al., 2021; Sessa et al., 2021). Também foram eliminados artigos que abordassem o uso recreativo de psicodélicos sem aplicação terapêutica ou que não apresentassem dados sobre desfechos clínicos (Carhart-Harris et al., 2021; Davis et al., 2021). 

2.3 Procedimentos de Triagem (Fluxograma PRISMA) 

O processo de seleção dos estudos seguiu as etapas de identificação, triagem, elegibilidade e inclusão, conforme diretrizes PRISMA (Andersen et al., 2021; Mitchell et al., 2021). Na etapa de identificação, localizou-se um total de 872 registros em todas as bases consultadas (PubMed = 198; Scopus = 235; Web of Science = 210; SciELO = 56; BVS = 173), além de 8 registros obtidos por busca manual em listas de referências, totalizando 880 resultados iniciais. Após a remoção de 184 duplicatas, 696 referências únicas permaneceram para avaliação. Na *triagem, dois revisores examinaram títulos e resumos de forma independente, excluindo 615 artigos que não atendiam aos critérios (por exemplo, uso de psicodélicos sem foco clínico, falta de dados empíricos, idioma fora do escopo). Restaram 81 artigos para leitura integral na fase de elegibilidade, na qual 57 trabalhos foram excluídos devido a motivos como: não conter uma substância psicodélica das definidas; estudo anterior a 2019; ausência de foco em transtornos mentais; acesso indisponível ao texto completo. Por fim, 24 estudos preencheram todos os requisitos de inclusão e compuseram a amostra final da revisão (Bogenschutz et al., 2022; PalhanoFontes et al., 2019; Gukasyan et al., 2021). O Fluxograma 1 (PRISMA) sintetiza esse processo.

Fonte: Elaborado pelos autores, adaptado das diretrizes PRISMA (Moher et al., 2009) / (Page et al., 2021).

2.4 Extração e Análise dos Dados 

Os 24 estudos incluídos foram analisados por meio de um formulário padronizado, com campos sobre autoria, ano, país, desenho do estudo, substância psicodélica, transtorno-alvo, principais desfechos clínicos e implicações terapêuticas (Szigeti et al., 2021; Gukasyan et al., 2021). Em seguida, realizou-se uma síntese narrativa, identificando convergências nos protocolos (dosagem, número de sessões, tipo de suporte psicoterapêutico) e nos desfechos (remissão ou redução de sintomas depressivos, gravidade de TEPT, taxas de abstinência em dependência química, entre outros) (Bahji et al., 2020; Hogea et al., 2023). Embora a heterogeneidade geral dos estudos seja moderada, observou-se subgrupos com suficientemente alto grau de comparabilidade em termos de delineamentos e escalas de medidas (por exemplo, ensaios controlados com psilocibina para depressão, estudos com MDMA para TEPT), sugerindo a viabilidade de metanálises específicas que reúnam dados de eficácia e segurança (Van der Meer et al., 2023; Goodwin et al., 2022). Assim, nesta revisão integrativa, enfatizou-se a interpretação qualitativa dos achados, mas aponta-se a oportunidade de conduzir análises quantitativas somadas, desde que a homogeneidade metodológica permita uma comparação confiável (Reckweg et al., 2023; Andersen et al., 2021). 

2.5 Considerações Éticas 

Como se trata de pesquisa baseada em dados secundários, sem envolvimento direto de participantes, não foi necessária aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (Schenberg, 2020). Entretanto, seguiu-se o rigor metodológico aplicável, respeitando-se a integridade acadêmica na coleta, análise e interpretação dos achados (Bahji et al., 2020; Hogea et al., 2023). As recomendações do PRISMA foram adotadas integralmente para garantir transparência e reprodutibilidade (Nutt et al., 2020).

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES  

ANO DE PUBLICAÇÃO PROCEDÊNCIA AUTORES TÍTULO RESUMO  
2020PubMed AGIN-LIEBES, 
Gabrielle I. et al. 
Long-term follow-up of psilocybinassisted psychotherapy for psychiatric and existential distress in patients with life-threatening cancer Estudo de seguimento com pacientes oncológicos, demonstrando que os benefícios da psilocibina na ansiedade e depressão podem persistir por anos, incluindo melhora na qualidade de vida e redução do medo da morte. 
2021 PubMed ANDERSEN, Kristoffer A. A.; CARHART-HARRIS, Robin; NUTT, David J.; ERRITZOE, David Therapeutic effects of classic serotonergic psychedelics: a systematic review of modern-era clinical studies Revisão sistemática de estudos clínicos recentes sobre LSD, psilocibina e outros psicodélicos clássicos, apontando eficácia promissora em depressão, TEPT e ansiedade, mas reforçando a importância de mais ensaios controlados. 
2020 PubMed BAHJI, Abdallah; 
FORSYTH, Alexander; GROLL, Daryth; 
HAWKEN, Erin R. 
Efficacy of MDMA-assisted psychotherapy for post-traumatic stress disorder: a systematic review and meta-analysis Meta-análise demonstrando que a terapia assistida por MDMA reduz de forma significativa os sintomas de TEPT, com perfil de segurança aceitável quando administrado em ambiente clínico controlado. 
2022 PubMed BOGENSCHUTZ, Michael P. et al. Percentage of heavy drinking days following psilocybin-assisted psychotherapy vs. placebo in the treatment of alcohol use disorder: a randomized clinical trial Ensaio randomizado evidenciando que a psilocibina, associada à psicoterapia, reduziu significativamente os dias de consumo intenso de álcool em comparação ao placebo, sugerindo 
utilidade no tratamento do alcoolismo. 
2021 PubMed CARHART-HARRIS, Robin et al. Trial of psilocybin versus escitalopram for depression Comparou psilocibina com escitalopram em depressão moderada/grave. Embora não tenha mostrado superioridade estatística clara, a psilocibina resultou em melhora rápida e boa aceitação, estimulando estudos maiores. 
2021 PubMed DAVIS, Alan K. et al. Effects of psilocybin-assisted therapy on major depressive disorder: a randomized clinical trial Ensaio clínico que observou alívio rápido e persistente nos sintomas de depressão maior após duas sessões de psilocibina com suporte terapêutico, com efeitos adversos mínimos. 
2019 PubMed FUENTES, Juan J. et al. Therapeutic use of LSD in psychiatry: a systematic review of randomized-controlled clinical trials Revisão sistemática dos ensaios clínicos randomizados com LSD, apontando efeitos positivos em ansiedade e outros quadros. Ressalta a necessidade de mais pesquisas com maior número de participantes e padronização de doses. 
2022 PubMed GOODWIN, Guy M. et al. Single-dose psilocybin for a treatment-resistant episode of major depression Estudo fase 2 multicêntrico analisando dose única de psilocibina em depressão resistente. A dose mais alta produziu melhora significativa e rápida dos sintomas depressivos, com bom perfil de tolerabilidade. 
2023 PubMed GONÇALVES, Joana; LUÍS, Ângelo; GALLARDO, Eduarda; DUARTE, Ana P. A systematic review on the therapeutic effects of ayahuasca Revisão sistemática sobre ayahuasca, relatando efeitos antidepressivos, ansiolíticos e de redução de craving em estudos clínicos, embora ainda haja lacunas metodológicas e poucos ensaios de longo prazo. 
2021 PubMed GUKASYAN, Narek et al. Efficacy and safety of psilocybinassisted treatment for major depressive disorder: 12-month follow-up Pesquisa de acompanhamento de um ano mostrando que a maioria dos pacientes manteve melhora dos sintomas depressivos após psilocibina, sem efeitos negativos relevantes, indicando benefício prolongado. 
2023 PubMed HOLZE, Friederike et al. Lysergic acid diethylamideassisted therapy in patients with anxiety with and without a lifethreatening illness: a randomized, double-blind, placebo-controlled phase II study Estudo fase II apontando redução significativa da ansiedade em pacientes (com ou sem doenças graves) submetidos à terapia assistida por LSD, reforçando a segurança e eficácia do protocolo. 
2021 SciELO JARDIM, Alvaro V. et al. MDMA-assisted psychotherapy for victims of sexual abuse with severe post-traumatic stress disorder: an open label pilot study in Brazil Piloto brasileiro com vítimas de abuso sexual apresentando TEPT severo. O MDMA, aliado à psicoterapia, reduziu de forma expressiva os sintomas, sem eventos adversos graves, sugerindo viabilidade local. 
2021 PubMed MITCHELL, Jennifer M. et al. MDMA-assisted therapy for severe PTSD: a randomized, double-blind, placebo-controlled phase 3 study Fase 3 demonstrando eficácia robusta do MDMA em TEPT crônico resistente, com alta taxa de remissão de sintomas e segurança adequada, representando um importante avanço terapêutico. 
2019 PubMed PALHANO-FONTES, 
Fernanda et al. 
Rapid antidepressant effects of the psychedelic ayahuasca in treatment-resistant depression: a randomized placebo-controlled trial Estudo randomizado controlado mostrando que a ayahuasca produziu efeito antidepressivo significativo em pacientes com depressão resistente, comparado a placebo, sem eventos adversos graves. 
2023 PubMed RECKWEG, Jonas T. et al. A phase 1/2 trial to assess safety and efficacy of a vaporized 5methoxy-N,N-dimethyltryptamine formulation (GH001) in patients with treatment-resistant depression Ensaios iniciais sobre GH001 (5-MeO-DMT inalado) em depressão resistente, revelando melhora rápida dos sintomas e perfil de segurança aceitável, motivando estudos futuros maiores. 
2021 PubMed SARRIS, Jerome et al. Ayahuasca use and reported effects on depression and anxiety symptoms: an international crosssectional study of 11,912 consumers Investigação transversal em larga escala; a maioria dos usuários relatou melhorias em sintomas de depressão e ansiedade após o uso de ayahuasca, embora faltem dados controlados e prospectivos para confirmação. 
2020 SciELO SCHENBERG, Eduardo E. Psychedelic drugs as new tools in psychiatric therapeutics Discussão sobre o renascimento dos psicodélicos na psiquiatria, incluindo possíveis mecanismos de ação e revisão de estudos, com ênfase na necessidade de regulação apropriada e pesquisa ética. 
2021 PubMed SESSA, Ben et al. First study of safety and tolerability of 3,4-methylenedioxymethamphetamineassisted psychotherapy in patients with alcohol use disorder Piloto que demonstrou boa tolerância ao MDMA em pacientes com transtorno de uso de álcool, sugerindo potencial de reduzir o consumo. Aponta direções para ensaios controlados de maior porte. 
2021 PubMed SZIGETI, Balázs et al. Self-blinding citizen science to explore psychedelic microdosing Estudo de “ciência cidadã” com microdosagem de LSD ou psilocibina em regime autocegado. Resultados mostraram ausência de diferença significativa em relação ao placebo, sugerindo forte influência de expectativas. 
2019 PubMed UTHAUG, Malin V. et al. A single inhalation of vapor from dried toad secretion containing 5MeO-DMT… Investigação observacional do uso de 5-MeO-DMT (secreção de sapo) em ambiente naturalístico, relatando melhora rápida na satisfação com a vida e redução de sintomas depressivos e ansiosos, mantida a curto prazo. 
2023 PubMed VAN DER MEER, Pim B. et al. Therapeutic effect of psilocybin in addiction: a systematic review Revisão sistemática sobre psilocibina no tratamento de dependências (álcool, tabaco), indicando redução de craving e consumo, embora sejam necessários ensaios mais amplos e padronizados. 
2023 PubMed HOGEA, Lavinia; TABUGAN, Dana C.; COSTEA, Iuliana; ALBAI, Oana; NUSSBAUM, Laura; COJOCARU, Adriana The therapeutic potential of psychedelics in treating substance use disorders: a review of clinical trials Revisão de diversos ensaios clínicos que mostram benefícios de LSD, psilocibina, ayahuasca, ibogaína e MDMA para dependências químicas, enfatizando resultados preliminares promissores, mas ainda limitados. 
2020 PubMed NUTT, David J.; ERRITZOE, David; CARHART-HARRIS, Robin L. Psychedelic psychiatry’s brave new world Artigo que discute a “nova era” da psiquiatria psicodélica, abordando sua fundamentação neurobiológica e o potencial terapêutico, bem como barreiras políticas e regulatórias que ainda persistem. 
2019 PubMed BERSHAD, Anya K.; SCHEPERS, Shaun T.; BREMMER, 
Michael P.; LEE, Richard; DE WIT, Harriet 
Acute subjective and behavioral effects of microdoses of lysergic acid diethylamide in healthy human volunteers Ensaio controlado sobre microdosagem de LSD em voluntários saudáveis, apontando alterações leves de humor e percepção, porém sem benefícios terapêuticos significativos em curto prazo. 
Fonte: Elaborado pelos autores, adaptado das diretrizes PRISMA (Moher et al., 2009) / (Page et al., 2021).

3.1 Psilocibina: aplicações em depressão, ansiedade e dependência 

A psilocibina tem sido alvo de diversos estudos recentes em transtornos do humor, demonstrando resultados expressivos na depressão maior, inclusive em formas resistentes (Davis et al., 2021). Em um ensaio clínico randomizado com adultos portadores de transtorno depressivo maior, foi realizada a comparação entre duas sessões de terapia assistida por psilocibina (dose moderada, em torno de 20–30 mg) e um grupo de controle em lista de espera, observando-se redução significativa nos sintomas depressivos já na primeira semana após a intervenção (Davis et al., 2021). Em outro estudo multicêntrico, envolvendo uma única dose de 25 mg de psilocibina associada a suporte psicológico, constatou-se queda clinicamente relevante na gravidade da depressão em relação ao placebo, sem eventos adversos graves (Agin-Liebes et al., 2020). Em investigação de fase IIb, pacientes com depressão resistente ao tratamento obtiveram resposta mais elevada com dose de 25 mg de psilocibina se comparada a doses muito baixas (1 mg), embora, após três meses, a diferença entre os grupos diminuísse (Goodwin et al., 2022). Esses achados indicam efeito antidepressivo rápido, porém mais pronunciado nas primeiras semanas, sugerindo pesquisas adicionais sobre estratégias de reforço ou manutenção de longo prazo (Carhart-Harris et al., 2021). Também se corrobora, em revisão sistemática contemporânea, que a psilocibina, como psicodélico serotoninérgico clássico, apresenta efeitos terapêuticos robustos em quadros de depressão, ansiedade e dependência, evidenciando consistência e relevância clínica (Andersen et al., 2021). 

No que diz respeito à comparação com tratamentos tradicionais, destaca-se um estudo que confrontou diretamente duas sessões de psilocibina (25 mg) aliadas à psicoterapia de suporte versus seis semanas de tratamento contínuo com escitalopram em pacientes com depressão de moderada a grave (Carhart-Harris et al., 2021). Os resultados principais mostraram eficácia antidepressiva semelhante, embora a psilocibina apresentasse vantagens em alguns desfechos secundários, como bem-estar e capacidade de sentir prazer, além de um alívio mais imediato dos sintomas (Carhart-Harris et al., 2021; Davis et al., 2021). De modo geral, os ensaios não identificaram efeitos adversos graves associados à psilocibina em ambiente controlado, sendo mais comuns sintomas como ansiedade aguda ou alterações perceptuais, habitualmente transitórios e manejáveis (Gukasyan et al., 2021). Um estudo de seguimento, em torno de 12 meses, não evidenciou dependência ou prejuízos neurocognitivos duradouros, e parte dos participantes manteve melhora do humor após esse período (Gukasyan et al., 2021). 

Em relação à ansiedade, sobretudo a existencial ligada a enfermidades médicas graves, a psilocibina evidenciou benefícios sustentados. Observou-se, em acompanhamento longitudinal, que pessoas com câncer avançado apresentaram reduções marcantes e duradouras nos sintomas ansiosos e depressivos mesmo anos depois da sessão psicodélica (Agin-Liebes et al., 2020). Contudo, ainda não existem, até o momento, ensaios randomizados específicos em transtornos de ansiedade generalizada ou social, embora as evidências em ansiedade secundária (como aquela associada a doenças terminais) reforcem o possível efeito ansiolítico da substância (Agin-Liebes et al., 2020). 

No campo das dependências, a psilocibina mostra resultados notáveis sobretudo na dependência de álcool. Em ensaio clínico randomizado, duas doses de psilocibina combinadas a psicoterapia motivacional geraram redução acentuada na porcentagem de dias de consumo pesado de álcool quando comparadas a um controle ativo, além de maior taxa de abstinência (Bogenschutz et al., 2022). A queda média foi de aproximadamente 83% no consumo pesado em relação ao período pré-tratamento, superando em muito as melhorias obtidas em terapias convencionais (Bogenschutz et al., 2022). Tais resultados são frequentemente atribuídos a experiências subjetivas profundas, com ressignificação do comportamento adictivo (Van der Meer et al., 2023). Embora haja estudos também sobre psilocibina em tabagismo, o maior avanço recente concentra-se no tratamento do alcoolismo, com limitações como amostras ainda relativamente pequenas e dificuldades de mascaramento devido aos marcantes efeitos subjetivos da droga (Carhart-Harris et al., 2021). Em todo caso, a coerência dos achados em diferentes pesquisas reforça a robustez do seu sinal terapêutico (Andersen et al., 2021). 

3.2 LSD: aplicações em ansiedade (e outras condições) 

O LSD vem sendo retomado em pesquisas clínicas recentes, sobretudo para tratar transtornos de ansiedade. Em estudo de fase II controlado, duas sessões de psicoterapia assistida por LSD (200 µg) em pacientes com transtorno de ansiedade resultaram em redução significativa dos sintomas, aferidos por escalas padronizadas, tanto no curto quanto no médio prazo (Holze et al., 2023). Verificou-se diminuição média de cerca de 20 pontos na escala de ansiedade em até três meses após a segunda sessão, contrastando com um alívio bem menor no placebo, sem notificação de eventos adversos graves (Holze et al., 2023). 

Em indivíduos com ansiedade existencial relacionada a doenças terminais, dados de acompanhamento estendido mostraram alívio duradouro no desconforto emocional, semelhante ao perfil observado com a psilocibina em cuidados paliativos (Holze et al., 2023; Fuentes et al., 2019). Nesse contexto, muitos pacientes relataram mudanças na forma de encarar a mortalidade e maior aceitação, o que possivelmente explica a persistência da melhora nos índices de ansiedade. 

Além da ansiedade, o LSD é avaliado quanto ao potencial antidepressivo, embora ainda não haja ensaios clínicos robustos para depressão maior (Szigeti et al., 2021). Estudos de caráter mecanístico sugerem que doses plenas de LSD podem induzir alterações positivas de humor e aumento de otimismo em dias subsequentes (Fuentes et al., 2019). Em contrapartida, o uso de microdosagens (abaixo de 20 µg) mostra resultados inconclusos, sem evidências claras de benefícios antidepressivos ou cognitivos (Bershad et al., 2019; Szigeti et al., 2021). Assim, a evidência mais consistente, até o momento, situa-se na ação ansiolítica do LSD em protocolos clínicos controlados, com segurança satisfatória sob condições supervisionadas (Holze et al., 2023). 

3.3 MDMA: aplicações em TEPT e transtornos por uso de substâncias 

O MDMA, embora não seja categorizado como psicodélico clássico, integra a gama de intervenções assistidas por substâncias psicoativas devido aos expressivos efeitos observados no transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Ao atenuar a resposta de medo associada às memórias traumáticas, o MDMA facilita o processamento psicoterápico, contribuindo para melhoras significativas (Mitchell et al., 2021). Em análises conjuntas de diversos ensaios de fase II, constatou-se redução importante na gravidade do TEPT, chegando a 54% de pacientes que deixavam de preencher critérios para o transtorno após duas ou três sessões de MDMA, comparado ao placebo (Bahji et al., 2020). Em 2021, um grande estudo de fase III multicêntrico confirmou tais resultados, revelando que cerca de 67% dos participantes no grupo MDMA não apresentavam mais diagnóstico de TEPT ao final do protocolo, em contraste com 32% no grupo placebo (Mitchell et al., 2021). Tais achados reforçam a consistência do método, abrangendo população diversa, e abrem caminho para futura aprovação regulatória (Mitchell et al., 2021). Alguns autores consideram esse ressurgimento das pesquisas psicodélicas uma “nova era da psiquiatria” (Nutt et al., 2020). 

O MDMA também é investigado em outros transtornos, incluindo dependências de álcool e drogas, partindo-se da hipótese de que fatores traumáticos ou emocionais sustentam o comportamento adictivo (Sessa et al., 2021). Em estudo aberto com alcoolistas, observou-se redução substancial do consumo e alta taxa de abstinência em nove meses após apenas duas sessões de MDMA assistidas por psicoterapia (Sessa et al., 2021). Mesmo que a ausência de grupo controle impeça conclusões definitivas, tais resultados preliminares endossam a possibilidade de abordagens eficazes para dependência (Bahji et al., 2020; Hogea et al., 2023). Assim, o MDMA posiciona-se como recurso inovador para TEPT, mostrando potencial de expansão a outras condições, desde que aplicado em contexto controlado e seguro (Jardim et al., 2021). 

3.4 Ayahuasca e DMT: aplicações em depressão, ansiedade e dependência 

A ayahuasca, um preparo amazônico que combina beta-carbolinas inibidoras de monoamina oxidase (como Banisteriopsis caapi) e a N,N-dimetiltriptamina (DMT) presente em plantas como Psychotria viridis, desponta em estudos brasileiros e internacionais sobre depressão resistente (Palhano-Fontes et al., 2019). Em ensaio clínico duplo-cego, controlado por placebo, evidenciou-se efeito antidepressivo rápido, com redução relevante nos escores de depressão já no primeiro dia e manutenção parcial por até uma semana após dose única de ayahuasca (Palhano-Fontes et al., 2019). Revisões recentes indicam resultados favoráveis para depressão, com possível benefício adicional em ansiedade (Gonçalves et al., 2023). Mecanismos envolvidos incluem estados introspectivos profundos e modulação de redes neurais ligadas à regulação emocional (Reckweg et al., 2023). 

A ansiedade, embora menos estudada isoladamente, também parece diminuir após a ingestão de ayahuasca em contextos clínicos ou cerimoniais, segundo relatos de pacientes e estudos observacionais (Sarris et al., 2021). Da mesma forma, a ayahuasca tem sido associada a possíveis benefícios em dependências, pois as experiências catárticas e de autoconhecimento podem romper padrões de uso, favorecendo a reestruturação comportamental (Schenberg, 2020). Apesar de faltarem ensaios clínicos de larga escala sobre dependência, existem relatos naturalísticos e investigações-piloto sugerindo reduções marcantes no consumo de substâncias (Reckweg et al., 2023). Assim, a ayahuasca, quando administrada em ambiente controlado, surge como intervenção promissora na depressão resistente, com indícios de eficácia também em ansiedade e transtornos de uso de substâncias, requerendo, contudo, estudos adicionais para padronização e avaliação de longo prazo (Gonçalves et al., 2023). 

3.5. 5-MeO-DMT: aplicações em depressão e ansiedade (e considerações iniciais) 

A 5-MeO-DMT, substância psicodélica de ação muito breve, presente em secreções de sapos do gênero Bufo e em certas plantas, vem sendo destacada em relatos e estudos observacionais como possível adjuvante em quadros depressivos e ansiosos (Uthaug et al., 2019). Geralmente inalada, provoca experiências profundas e intensas de curta duração (cerca de 20 a 30 minutos), envolvendo alta incidência de sensações de dissolução do ego (Uthaug et al., 2019). Pesquisas naturalísticas mostram redução rápida nos sintomas de depressão e ansiedade, com parte dos participantes mantendo a melhora por algumas semanas (Davis et al., 2019). Em geral, não há registro de efeitos adversos persistentes, embora a intensidade do estado psicodélico exija cuidadoso preparo psicológico (Uthaug et al., 2019). 

No âmbito clínico, estudos fase I indicam tolerabilidade favorável da 5-MeO-DMT em voluntários sadios, sem complicações cardiovasculares graves ou riscos de dependência evidentes, embora os dados ainda sejam escassos (Reckweg et al., 2023). Considerando a brevidade do efeito, especula-se que sessões terapêuticas poderiam ser menos prolongadas do que aquelas com psilocibina ou LSD (Sarris et al., 2021). Contudo, permanecem lacunas acerca de protocolos ideais, doses, número de aplicações e impacto de variáveis contextuais (Reckweg et al., 2023). Em síntese, embora os relatos iniciais sejam animadores quanto à depressão e ansiedade, o uso clínico da 5-MeO-DMT segue experimental, demandando ensaios controlados para confirmação de eficácia e segurança (Uthaug et al., 2019; Davis et al., 2019). 

4 CONCLUSÃO 

Os estudos analisados, publicados entre 2019 e 2023, fornecem evidências sólidas de que psicodélicos associados à psicoterapia podem desempenhar um papel transformador no tratamento de transtornos mentais graves. Cada substância abordada – psilocibina, LSD, MDMA, ayahuasca/DMT e 5-MeO-DMT – demonstrou, em graus variados, eficácia clínica em condições psiquiátricas de difícil manejo, atendendo em grande medida aos objetivos propostos nesta revisão. 

Em depressão, especialmente depressão resistente, a psilocibina destacou-se com efeitos antidepressivos rápidos e pronunciados (DAVIS et al., 2021; GOODWIN et al., 2022), confirmando seu potencial como intervenção inovadora. A ayahuasca, por sua vez, ofereceu evidência pioneira de benefício antidepressivo agudo em um ECR placebocontrolado (PALHANO-FONTES et al., 2019), enquanto o LSD e o 5-MeO-DMT apresentam sinais encorajadores de eficácia antidepressiva que aguardam confirmação por estudos em andamento. Em transtornos de ansiedade, o LSD comprovou em ensaio fase II sua capacidade de reduzir sintomas ansiosos de forma sustentada (HOLZE et al., 2023), alinhando-se aos achados positivos históricos com psicodélicos nessa área, e a psilocibina, embora testada formalmente sobretudo em ansiedade associada a câncer, demonstrou alívio duradouro do sofrimento existencial (AGIN-LIEBES et al., 2020). No TEPT, o MDMA alcançou um patamar de evidência sem precedentes, com dois estudos fase III confirmando remissão do TEPT em cerca de dois terços dos pacientes tratados, muito acima das taxas obtidas com tratamentos usuais (MITCHELL et al., 2021; 2023). Esse resultado atende plenamente ao objetivo de verificar a eficácia do MDMA no TEPT e sinaliza uma mudança de paradigma iminente nesse campo. Quanto à dependência de substâncias, os resultados revisados também são promissores: a psilocibina, em um rigoroso estudo controlado, reduziu drasticamente o consumo de álcool em alcoolistas (BOGENSCHUTZ et al., 2022), e o MDMA, em estudo piloto, mostrou capacidade de manter alta taxa de abstinência em dependentes de álcool (SESSA et al., 2021). Sugestões de benefício da ayahuasca em dependências e do 5-MeO-DMT em quadros associados a traumas e uso de substâncias foram levantadas, embora necessitem de pesquisa adicional. 

De maneira geral, os objetivos iniciais desta revisão foram atingidos: sintetizamos as principais contribuições dos estudos recentes, integrando os achados por substância e por transtorno. Observa-se que, sob o rigor metodológico atual, grande parte desses tratamentos apresentou efeitos de magnitude moderada a alta, com perfis de segurança aceitáveis em contexto clínico controlado e benefícios clínicos tangíveis mesmo após poucas sessões terapêuticas. Esses resultados têm implicações práticas importantes: por exemplo, o MDMA-assisted therapy para TEPT e a psilocibina para depressão resistente aproximam-se da fase de translação para a clínica, com expectativa de aprovação regulatória nos EUA e Europa nos próximos anos, o que poderá revolucionar o manejo dessas condições refratárias. 

Contudo, é necessário temperar o otimismo com a consciência das limitações da evidência atual. Muitos estudos apresentaram amostras relativamente pequenas ou características específicas, demandando replicações em larga escala e maior diversidade populacional. A questão do efeito placebo e do cegamento é especialmente desafiadora em pesquisas com psicodélicos – embora estudos com controle ativo tenham buscado mitigar isso, ainda existe possibilidade de viés de expectativa. A durabilidade dos efeitos também varia: em alguns casos, como TEPT com MDMA, os benefícios parecem manter se por meses/anos na maioria (MONSON et al., 2021 – acompanhamento naturalístico), mas em depressão resistente, por exemplo, parte dos pacientes retoma sintomas após alguns meses, indicando possivelmente a necessidade de sessões de reforço ou cuidados continuados. No âmbito da segurança, se por um lado nenhum dos estudos relatou efeitos adversos graves atribuíveis às substâncias em si, é importante ressaltar que esses ensaios excluíram cuidadosamente indivíduos com risco de psicose, bipolaridade ou problemas cardiovasculares instáveis – portanto, a generalização para população ampla requer cautela e manutenção de critérios rigorosos de seleção e acompanhamento. Além disso, a integração adequada da experiência psicodélica através de psicoterapia é considerada essencial para a eficácia e segurança; fora do contexto controlado, o uso dessas substâncias pode não reproduzir os mesmos resultados e acarretar riscos (como episódios de ansiedade aguda ou uso inadequado). 

Do ponto de vista da aplicabilidade clínica atual, em 2023 esses tratamentos ainda não integram as diretrizes clínicas oficiais, mas vários países já iniciaram programas experimentais ou de uso compassivo. Por exemplo, nos EUA e Israel, há acesso expandido ao MDMA ou psilocibina para alguns pacientes terminais ou com TEPT grave, sob protocolos de pesquisa. No Brasil, clínicas e centros universitários realizam estudos com ayahuasca e psilocibina. Contudo, até a aprovação formal, seu uso permanece restrito. Uma barreira prática é a necessidade de infraestrutura especializada – as terapias assistidas por psicodélicos requerem sessões longas com dois terapeutas, preparação e integração, o que implica custos e treinamento de pessoal. Assim, a incorporação desses tratamentos exigirá não apenas aval científico-regulatório, mas também modelos de atendimento e financiamento adequados. 

Em conclusão, a atual onda de pesquisas (2019–2023) resgatou e ampliou o conhecimento sobre psicodélicos, fornecendo evidências substanciais de que, quando utilizados de forma criteriosa, podem oferecer alívio sem precedentes em condições psiquiátricas difíceis, com efeitos terapêuticos rápidos e, em muitos casos, duradouros. As contribuições dos estudos revisados confirmam a relevância da abordagem integrativa proposta: cada substância tem pontos fortes específicos (e.g., MDMA no processamento de traumas, psilocibina na dissolução de pensamentos depressivos rígidos, LSD na catalisação de insights em ansiosos) ao mesmo tempo em que compartilham mecanismos comuns de facilitar flexibilização mental e reconexão emocional. Essa convergência aponta para um paradigma terapêutico emergente, focado não apenas em aliviar sintomas, mas em promover experiências transformadoras que catalisam mudanças psicológicas profundas. 

Recomenda-se, para o futuro, a realização de novos estudos clínicos com amostras maiores e mais heterogêneas, incluindo grupos populacionais sub-representados (p. ex., minorias étnicas, pacientes adolescentes ou idosos, comorbidades clínicas controladas), a fim de avaliar a generalização dos achados. Pesquisas comparativas diretas entre diferentes psicodélicos seriam valiosas para determinar qual substância pode ser mais apropriada para qual perfil de paciente ou transtorno. Adicionalmente, investigar protocolos combinados ou de manutenção – por exemplo, sessões de reforço após 6 meses, ou uso adjunto de microdoses entre macrodoses – pode esclarecer como prolongar os benefícios iniciais. No tocante à segurança, monitoramentos de longo prazo (vários anos) se fazem necessários para confirmar a ausência de efeitos tardios (como problemas cognitivos ou psiquiátricos emergentes), embora até o momento os dados sejam tranquilizadores. Finalmente, estudos sobre os correlatos neurobiológicos e psicossociais dessas intervenções ajudarão a refinar as teorias de mecanismo de ação e possivelmente a identificar marcadores de quais pacientes têm mais chance de responder (p. ex., tipo de personalidade, estrutura cerebral funcional). Em suma, embora desafios permaneçam, as evidências reunidas neste trabalho indicam que estamos diante de um novo horizonte terapêutico na psiquiatria, em que substâncias antes estigmatizadas ressignificam-se como ferramentas valiosas para o cuidado de condições mentais complexas – um horizonte que exige tanto entusiasmo baseado em dados quanto rigor e responsabilidade na sua concretização clínica. 

REFERÊNCIAS 

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1Discente do Curso Superior de Medicina da Instituição: Faculdade de Saúde Santo Agostinho – Afya Educacional – Vitoria da Conquista – BA. 
2Docente do Curso Superior de Medicina da Instituição: Faculdade de Saúde Santo Agostinho – Afya Educacional – Vitória da Conquista – BA. Especialista em Saúde Pública. E-mail: matheus.marques@vic.fasa.edu.br