O POTENCIAL COLABORATIVO DO FARMACÊUTICO PARA O DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER – UM ESTUDO DE CASO.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11105148


Isadora de Oliveira Conceição Xavier¹


RESUMO: O objetivo do presente artigo é reiterar com base em um estudo de caso o potencial colaborativo do farmacêutico na identificação de sinais e sintomas relacionados ao câncer, conscientizando seus pacientes frente a necessidade da busca por assistência especializada à saúde, além da capacidade do profissional de fornecer as informações necessárias ao acesso dos pacientes aos serviços de saúde, e redução dos riscos e atraso do diagnóstico devido a automedicação. MÉTODO: Estudo de caso de paciente encaminhado a atendimento especializado após identificação dos sinais e sintomas de câncer na drogaria. CONCLUSÃO: O farmacêutico é, atualmente, frente ao grande número de drogarias existentes em todas as cidades brasileiras, um dos profissionais de saúde de mais fácil acesso à população e, portanto, possui grande potencial colaborativo na identificação de sinais e sintomas o mais rápido possível possibilitando o diagnóstico precoce, evitando automedicação e outras práticas que possam agravar o estado de saúde dos pacientes.

PALAVRAS CHAVE: Assistência farmacêutica. Câncer. Câncer laringe. Diagnóstico precoce. Farmacêutico.

INTRODUÇÃO

Câncer

O Instituto Nacional de Câncer (INCA) define o câncer como a expressão que abrange diversas formas de doenças malignas que têm em comum o crescimento desordenado de células, capazes de invadir tecidos próximos ou órgãos distantes. Dividindo-se aceleradamente, estas células tendem a ser muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores, que podem dispersar-se para outras regiões do corpo. (INCA – MS)

O câncer é um dos mais relevantes problemas de saúde pública do mundo, sendo uma das principais causas de morte e, consequentemente, um dos principais obstáculos para o aumento da expectativa de vida. (SANTOS et al., 2023). De acordo com a Estimativa 2023 do INCA, são esperados 704 mil novos casos de câncer no Brasil por ano até 2025. Destes casos, as regiões Sul e Sudeste concentram 70% da incidência (REIS, 2023).

Câncer de cabeça e pescoço

O câncer de cabeça e pescoço se refere a qualquer tumor que se desenvolve nessas regiões. Pode ser denominado de acordo com a área atingida: Câncer da cavidade oral – acomete lábios, gengiva, céu da boca e língua; Câncer de faringe – acomete a região da garganta, por onde passam os alimentos e o ar inalado pelo nariz; Câncer de laringe – atinge a região da garganta onde se localizam as cordas vocais; Câncer de tireoide – afeta a glândula da tireoide, responsável por produzir hormônios que regulam a função do coração, cérebro, fígado e rins; O câncer de cabeça e pescoço ainda pode atingir os seios da face, glândulas salivares e linfonodos localizados no pescoço. (PFIZER BRASIL)

O câncer de laringe é o terceiro tumor em predominância na região da cabeça e pescoço, com exceção dos tumores de pele não melanoma. Seus principais fatores etiológicos são o tabagismo e o etilismo, sendo que o fumo aumenta em 10 vezes a chance de desenvolver o câncer de laringe. Pode ter início em um dos três subsítios da laringe, supraglote, glote e subglote. Aproximadamente 2/3 dos tumores se manifestam na corda vocal verdadeira, localizada na glote, e 1/3 acomete a laringe supraglótica (acima das cordas vocais). O principal tipo histológico é o carcinoma de células escamosas. (INCA – MS)

Costa et.al (2023) caracterizaram o perfil epidemiológico para o câncer de cabeça e pescoço, no qual a incidência é relevante em homens de baixa renda na entre os 50 e 70 anos de vida. Inclui-se a isso o fato do acesso remisso ao serviço de saúde, taxas de mortalidade elevadas e baixas taxas de sobrevida à doença. (COSTA; RIBEIRO; LIMA, 2023)

De acordo com as estimativas do INCA, para cada ano do triênio 2023-2025, ocorrerão 39.550 novos casos de câncer de cabeça e pescoço no Brasil, 19.970 em homens e 19.580 em mulheres. Esse total representa a somatória dos cânceres de cavidade oral (boca), laringe e tireoide. (COSTA; RIBEIRO; LIMA, 2023)

As recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o controle do câncer são ações de prevenção, detecção precoce e acesso ao tratamento (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2017). Entre tais ações, a detecção precoce recebe grande importância da população e dos meios de comunicação devido a premissa de que quanto mais cedo o câncer for identificado, maiores são as chances de cura. (INCA – MS)

A estratégia de diagnóstico precoce contribui para a diminuição do estágio de apresentação do câncer (WHO, 2017). Com isso, destaca-se a importância de a população e os profissionais estarem aptos para a identificação dos sinais e sintomas suspeitos de câncer, bem como existir o acesso célere e facilitado aos serviços de saúde. (INCA – MS)

Diagnóstico precoce

O diagnóstico precoce é uma das estratégias para a detecção antecipada do câncer, direcionada a indivíduos com sinais e/ou sintomas suspeitos, visando a identificar o câncer no estágio mais inicial possível (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2017).

Com o diagnóstico precoce, o câncer pode ser detectado em um estágio potencialmente curável, melhorando a sobrevivência e a qualidade de vida. O propósito é viabilizar a confirmação do diagnóstico de câncer o mais rápido possível. Para tanto, é necessário reduzir as barreiras de acesso e qualificar a oferta de serviços, bem como garantir a integralidade e a continuidade do cuidado na Rede de Atenção à Saúde (RAS). (INCA, 2021)

Existem três elementos essenciais para o diagnóstico precoce do câncer: conscientização e busca por assistência à saúde; avaliação clínica e diagnóstica; acesso ao tratamento. (INCA, 2021). No presente trabalho o destaque será dado a conscientização e busca por assistência à saúde por se tratar do ponto onde se insere a contribuição do farmacêutico que será estudada no relato de caso deste artigo.

Conscientização e busca por assistência à saúde

O INCA define conscientização e busca por assistência à saúde como a estratégia de conscientização do indivíduo quanto ao conhecimento e à percepção de sinais e sintomas suspeitos, incentivando-o a buscar atendimento ao identificar tais anormalidades. A população deve estar informada sobre as manifestações clínicas sugestivas de câncer, reconhecer a urgência desses sinais, superar possíveis medos e estigmas e conseguir acessar os serviços de saúde. O indivíduo também deve estar orientado sobre como e onde buscar atendimento, conhecendo a unidade de referência na atenção primária para otimizar sua busca por cuidados em saúde. (INCA, 2021)

Conforme as diretrizes de detecção precoce do INCA, para atender aos elementos essenciais do diagnóstico precoce, é importante que os profissionais de saúde possam reconhecer os sinais de alerta dos cânceres mais comuns, que existam fluxos e protocolos clínicos baseados em evidências para orientar as ações e que haja serviços de confirmação diagnóstica e tratamento, com acesso disponível à população na RAS. Muitas são as barreiras que podem interferir no diagnóstico precoce, por exemplo, a baixa compreensão da população quanto às manifestações clínicas da doença; o estigma do câncer como doença incurável, que leva a população a não procurar o serviço de saúde; a má formação e a desatualização dos profissionais de saúde, que afetam a identificação e o seguimento dos casos de câncer; e a dificuldade de acesso aos serviços para avaliação, investigação diagnóstica e tratamento. (INCA,2021)

Automedicação

O Ministério da Saúde define automedicação como o ato fazer uso de medicamentos por conta própria, sem orientação médica. A automedicação, que pode ser vista como uma solução imediata para o alívio de sintomas, é também capaz de gerar consequências graves. O uso de medicamentos de forma inadequada pode acarretar o agravamento de doenças, uma vez que sua utilização incorreta pode mascarar determinados sintomas. Se o medicamento for antibiótico, a atenção deve ser sempre redobrada, pois o uso abusivo desta classe de medicamentos pode favorecer o aumento da resistência à micro-organismos, o que implica na redução da eficácia dos tratamentos. (BVS – MS)

Outra preocupação em relação ao uso dos medicamentos refere-se à combinação inadequada. Neste caso, podem ocorrer interações medicamentosas, onde o uso de um medicamento pode neutralizar ou ainda potencializar o efeito do outro. O uso irracional de medicamentos pode trazer, ainda, consequências como reações alérgicas, dependência e até a morte. Entre os riscos mais frequentes para a saúde estão o risco de intoxicação e resistência aos medicamentos. Todo medicamento possui riscos, que são os efeitos colaterais. (BVS – MS)

Assistência farmacêutica

A Secretaria de saúde do Paraná define Assistência Farmacêutica (AF) como atividade que abrange um conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto individual quanto coletiva, possuindo o medicamento como insumo fundamental e objetivando ao seu acesso e ao seu uso racional.

Conforme Thatto (2023) apresenta, “as atribuições clínicas do farmacêutico consequentemente também visam à promoção, proteção e recuperação da saúde, além da prevenção de doenças e de outros problemas de saúde. ” Tendem sempre a proporcionar cuidado ao paciente e sociedade, de forma a garantir o uso racional de medicamentos e otimizar a terapia medicamentosa, com propósito de alcançar resultados definidos que melhorem a qualidade de vida do paciente. “O farmacêutico tem o dever de contribuir para a geração, difusão e aplicação de novos conhecimentos que promovam a saúde e bem-estar do paciente, da família e da comunidade. ”

Ademais, ainda de acordo com Thatto, (2023), pelo fácil acesso à população, as farmácias representam um grande aliado no combate ao câncer. Reconhecidas como estabelecimento de saúde desde 2014 – com a lei 13.021, seus espaços dedicados aos atendimentos clínicos oferecem atendimento qualificado por profissionais farmacêuticos.

Frente a todo o contexto exposto, o objetivo do presente artigo é reiterar com base em um estudo de caso o potencial colaborativo do farmacêutico na identificação de sinais e sintomas relacionados ao câncer, conscientizando seus pacientes frente a necessidade da busca por assistência especializada à saúde, além da capacidade do profissional de fornecer as informações necessárias ao acesso dos pacientes aos serviços de saúde, e redução dos riscos e atraso do diagnóstico devido a automedicação

Justifica-se a importância de tal trabalho considerando a prevalência já mencionada dos casos de câncer e as estimativas dos próximos anos em relação à doença no Brasil, assim como o perfil epidemiológico e a situação social da maior parte de nossa população.

ESTUDO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 58 anos, tabagista, etilista crônico, apresentando tosse produtiva persistente, disfonia, dor de garganta contínua, falta de ar, cansaço, perda de peso e dificuldade de deglutição. Morador de área de risco e vulnerabilidade social, procurava atendimento de emergência em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e Pronto Socorros mais próximos ao local de trabalho, no centro da cidade onde reside, no interior do estado do Rio de Janeiro. Após as avaliações das unidades de emergência, era diagnosticado com faringites e/ou amigdalites, recebia prescrições médicas de antibióticos, analgésicos, anti-inflamatórios e/ou expectorantes e era liberado.

Frente a não resolução de seus sintomas, por já ter trabalhado em drogarias e possuir conhecimentos básicos sobre os medicamentos de venda livre comercializados para o tratamento dos sintomas que apresentava, o paciente continuava automedicando-se frequentemente com as classes de medicamentos anteriormente prescritas, além de sprays, chás e gargarejos fitoterápicos.

Começou a frequentar a mesma drogaria semanalmente e, após aproximadamente 45 dias de persistência dos sintomas descritos, mesmo com todos os medicamentos prescritos, além dos utilizados por conta própria pelo paciente por serem de venda livre, foi orientado pela farmacêutica a buscar ajuda médica para avaliação.

A análise da farmacêutica teve base nos sinais e sintomas do paciente, sexo, idade e fatores de risco associados ao câncer, histórico dos atendimentos médicos e medicamentos já adquiridos por ele na drogaria, além das características socioeconômicas do mesmo. Visivelmente debilitado e evoluindo mal a cada nova visita à drogaria.

Fortemente resistente ao atendimento farmacêutico, por acreditar que tal profissional não era capaz de contribuir para recuperação de sua saúde, resistente também em buscar assistência médica especializada, o paciente argumentava que por residir há poucos anos na cidade, acreditava que o acesso ao serviço de saúde era difícil e demorado, e que os sintomas não teriam tratamento além dos que já foram tentados através da automedicação. Disse também que não possuía cartão do Sistema Único de Saúde (SUS) e não sabia onde cadastrar-se para acesso ao documento.

Novamente orientado pela farmacêutica, foi encaminhado à Coordenadoria de Controle, Avaliação, Auditoria e Regulação de seu município para a confecção e atualização dos dados cadastrais de seu cartão SUS. Após tal medida, foi orientado a procurar inicialmente a Unidade Básica de Saúde mais próxima de sua residência, onde obteve acesso à consulta médica com clínico geral e recebeu encaminhamento de urgência ao otorrinolaringologista.

Na etapa de média complexidade com o otorrinolaringologista, frente ao quadro já avançado dos sintomas do paciente, realizou rapidamente todos os exames clínicos e de imagem necessários e, após os resultados foi diagnosticado com um dos tipos de câncer de cabeça e pescoço: o câncer de laringe.

O recebimento do diagnostico também constituiu uma situação delicada para o paciente e sua família, o mesmo obteve mais uma vez suporte da farmacêutica nesta etapa, no qual a conscientização da família assim como a o trabalho de exclusão das crenças de que o câncer é uma sentença de morte foram de imensa importância no enfrentamento da doença e das etapas seguintes.

Após o diagnóstico concluído, o paciente encaminhado à uma unidade de alta complexidade do município e submetido à cirurgia para retirada do tumor. Foi submetido também à traqueostomia definitiva. Devido à cirurgia de laringectomia total, não foi possível preservar suas cordas vocais, fato que comprometeu de forma expressiva suas relações sociais, além do impacto na autoestima do mesmo. Apesar do ocorrido, felizmente teve acesso a todo tratamento oncológico através do SUS, todas as sessões de quimioterapia associadas a radioterapias, assim como aos medicamentos necessários ao seu tratamento e, mesmo com todas as limitações ocasionadas pela perda das cordas vocais o paciente apresenta quadro estável atualmente, obtendo desfecho positivo frente ao câncer de laringe enfrentado.

CONCLUSÃO

Neste estudo de caso, destaca-se sobretudo a importância do profissional farmacêutico como educador em saúde, e parte fundamental da conscientização dos pacientes. O farmacêutico é, atualmente, frente ao grande número de drogarias existentes em todas as cidades brasileiras, um dos profissionais de saúde de mais fácil acesso à população e, portanto, possui grande potencial colaborativo na identificação de sinais e sintomas o mais rápido possível possibilitando o diagnóstico precoce, evitando automedicação e outras práticas que possam agravar o estado de saúde dos pacientes que, por motivos diversos, não tem acesso ou acreditam não terem acesso aos serviços de saúde.

A obrigatoriedade da presença do farmacêutico durante todo o horário de funcionamento da drogaria, garantido através da Lei nº 13.021 é o principal fator que democratiza o acesso da população a um profissional de saúde capaz de prestar um atendimento especializado que gera inúmeros benefícios à promoção e manutenção da saúde.

Assim como já discutido em publicação anterior por Thatto (2023), é possível reiterar que a localização geográfica, o horário estendido de atendimento e a presença em tempo integral do farmacêutico, torna a farmácia muitas vezes a principal porta de acesso à informação e prevenção em saúde. Por meio dos serviços clínicos farmacêuticos e acompanhamento farmacoterapêutico, as farmácias reforçam seu papel como grande aliada na prevenção de diversas condições clínicas graves, como o câncer.

A capacidade de identificação de sinais e sintomas característicos do câncer que nem sempre são óbvios e observáveis pelos pacientes também caracteriza o potencial colaborativo do farmacêutico.

Da mesma forma como observado no estudo de Sempe (2021) o profissional farmacêutico apresenta-se como educador em saúde, promovendo o diagnóstico precoce. É fundamental uma formação qualificada desses profissionais e disseminação de informações que orientem pacientes com câncer e que possibilitem uma repercussão social sobre o tema.

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