O PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) E SUA INFLUÊNCIA NO LOCAL: SANTA MARIA – RS (1951 – 1954)

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7829483


Augusto Russini1


RESUMO

Este artigo tem como objetivo investigar os desdobramentos das ações políticas do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), na cidade de Santa Maria, no estado do Rio Grande do Sul, entre os anos de 1951-1954. Para tanto, buscou-se identificar algumas das principais características da história política de Santa Maria e suas respectivas relações com a política nacional por meio das políticas públicas de cunho trabalhista de Getúlio Vargas, difundidas na comunidade santa-mariense pelo PTB. O estudo desenvolveu-se por meio de um cruzamento entre fontes bibliográficas e documentais, no caso os jornais A Razão, Diário do Estado e as atas do Legislativo Municipal, no recorte temporal proposto. As análises desenvolvidas apontam que o PTB e as políticas públicas de cunho trabalhista efetivadas por Getúlio Vargas marcaram significativamente o contexto político santa-mariense, entre os anos de 1951-1954, sendo Santa Maria um reduto Getulista, onde as políticas sociais eram identificadas com a imagem pública de Getúlio Vargas, sugerindo a presença do fenômeno político Getulista e do trabalhismo no âmbito político local.  

Palavras-chave: Trabalhismo. Getulismo. PTB. Santa Maria.

ABSTRACT

This article aims to investigate the developments of the political actions of the Brazilian Labor Party (PTB), in the city of Santa Maria, in the state of Rio Grande do Sul, between the years 1951-1954. Therefore, we sought to identify some of the main characteristics of the political history of Santa Maria and their respective relationships with national politics through public policies of a labor nature of Getúlio Vargas, disseminated in the community of Santa Maria by the PTB. The study was developed through a cross between bibliographic and documentary sources, in this case the newspapers A Razão, Diário do Estado and the minutes of the Municipal Legislative, in the proposed time frame. The analysis carried out point out that the PTB and the public policies of a labor nature carried out by Getúlio Vargas significantly marked the political context of Santa Maria, between the years 1951-1954, with Santa Maria being a Getulist stronghold, where social policies were identified with the public image of Getúlio Vargas, suggesting the presence of the political phenomenon Getulio Vargas and laborism in the local political sphere.

Keywords: Labor. Getulismo. PTB. Santa Maria.

INTRODUÇÃO

A derrocada do Estado Novo, em outubro de 1945, proporcionou um processo de abertura democrática no Brasil, empreendida a partir da criação e da legalidade dos partidos políticos para a disputa das eleições presidenciais de 2 de dezembro de 1945. Nesse contexto, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) retornou à cena política e novos partidos surgiram destacando-se a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que se tornaram os principais partidos políticos brasileiros, até a instituição do Ato Institucional número 2, em 1965, quando o pluripartidarismo é substituído pelo bipartidarismo representado pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) (FAUSTO, 2001). 

Mesmo com a deposição de Getúlio Vargas, em 1945, sua imagem política perante os trabalhadores brasileiros permaneceu, pois estes relacionam as políticas trabalhistas e sociais à figura do ex-presidente, configurando-se no cenário político nacional o Getulismo.

A partir do contexto histórico apresentado, optou-se por construir um estudo de história regional, a partir do enfoque da história política, identificando a influência das políticas trabalhistas de Getúlio Vargas, difundidas pelo PTB na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul, entre os anos de 1951-1954, uma vez que esta cidade era considerada um dos principais entroncamentos ferroviários do sul do país e um dos maiores polos militares do Brasil. Metodologicamente trata-se de uma pesquisa qualitativa que para Minayo (2002, p.21-22) têm o potencial de responder 

[…] a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.  

Para sua efetivação, o estudo desenvolve-se por meio de: pesquisas bibliográficas, que de acordo com Brito, Oliveira e Silva (2001, p. 7) é um método que oportuniza ao pesquisador “buscar novas descobertas a partir de conhecimentos já elaborados e produzidos. […] levando em conta em suas dimensões os avanços e as novas descobertas nas diferentes áreas do conhecimento” e análise do material empírico constituído por fontes documentais, como as Atas da Câmara de Vereadores de Santa Maria, publicações oriundas de jornais locais como o Diário do Interior e A Razão, no período entre 1951-1954.  

O referencial teórico é composto por autores como Bobbio; Matteuci; Pasquino (1998), Bonavides (1997), Chacon (1981), Falcon (1997), Franco (1980), Rémond (2003), Silva (1990), além do representante do trabalhismo, em nível nacional, Alberto Pasqualini. Nesse artigo, privilegiou-se a história política, que no entender de Falcon (1997, p. 76) está atrelada às relações de poder; e na relação entre o PTB e a comunidade santa-mariense destaca-se as “representações sociais e coletivas, os imaginários sociais, a memória ou memórias coletivas, as mentalidades”; dito em outras palavras, a pesquisa aproxima o contexto político santa-mariense com o cenário político nacional.   

Rémond (2003, p. 444), entende que a política: 

[…] é aquilo que tem uma relação direta com o Estado e a sociedade global, ele não se reduz a isso: ele se estende também às coletividades territoriais e a outros setores por esse movimento que ora dilata e ora encolhe o campo do político. Praticamente não há setor ou atividade que, em algum momento da história, não tenha tido uma relação com o político: existe uma política para habitação assim como para a energia; a televisão é um investimento político, o sindicalismo intervém no campo das forças políticas. […] o campo da história política irradia em todas as direções e libera como uma multiplicidade de digitações.

A partir destes pressupostos, é possível inferir que a política está interligada com as diversas esferas da vida social, como a economia, a cultura manifestando-se por meio de certas relações de poder, permitindo formar uma espécie de identidade coletiva para a comunidade de um determinado local. 

Para identificar partidos políticos, buscou-se a conceituação apresentada por Bonavides (1997, p. 346)

[…] uma organização de pessoas inspiradas por idéias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder, normalmente pelo emprego de meios legais, e nele conservar-se para a realização dos fins propugnados. […] vários dados entram de maneira indispensável na composição dos ornamentos partidários: a) um grupo social; b) um princípio de organização; c) um acervo de ideias e princípios, que inspiram a ação do partido; d) um interesse básico em vista: a tomada do poder; e) um sentimento de conservação desse mesmo poder ou de domínio do aparelho governativo quando este lhes chega às mãos. 

Já Bobbio; Matteuci; Pasquino (1998, p. 889), entende por partidos políticos associações cuja “natureza de sua ação essencialmente orientada à conquista do poder político dentro de uma comunidade”. A partir destes princípios, observa-se que o PTB, no Brasil, se estruturou como um partido político, objetivando atingir o poder, baseando-se no Trabalhismo como ideologia e na imagem política de Getúlio Vargas. 

Chacon (1981, p. 450), apresenta alguns pressupostos que permitem qualificar o PTB como partido político formado por trabalhadores, os quais buscavam a defesa de seus direitos através de “representação política dos trabalhadores por legítimos trabalhadores […] defesa dos princípios contidos na Consolidação das Leis do Trabalho, aprimoramento dos seus dispositivos e maior rigor na sua aplicação”. Assim sendo, o petebismo trabalhista representado pelas propostas de Getúlio Vargas fundiu-se nas ideias trabalhistas de Alberto Pasqualini; Simon (2001, p. 6) relata que Pasqualini fundamentava seu pensamento em duas premissas, “justiça social e solidariedade”. Tais premissas defendidas por Alberto Pasqualini permitem sugerir a intrínseca relação do seu pensamento com a atuação do PTB e as políticas públicas de Getúlio Vargas, sobretudo as que se referem à legislação social. 

Percebe Franco (1980, p. 84), que o petebismo trabalhista no Brasil configurou-se graças ao “impulso personalista” de Getúlio Vargas e significava a permanência das vantagens sociais aos trabalhadores brasileiros, bem como sua manutenção no cenário político nacional abrindo espaços para futuras conquistas eleitorais. Franco (1980, p. 84) acredita ainda nas vitórias do PTB ao comportamento político do eleitor brasileiro, pois tanto o eleitorado urbano quanto rural “vota muito menos com os programas e legendas dos partidos do que com os seus chefes e candidatos mais populares”.      

Ao identificar a influência do petebismo trabalhista sustentado pelas políticas públicas de Getúlio Vargas na cidade de Santa Maria, entre os anos de 1951-1954, percebeu-se a importância de buscar os pressupostos teóricos apresentados pela História Regional. Desse modo, a região (cidade de Santa Maria) pode ser definida através de diversos aspectos como o econômico, o geográfico e o cultural permeado de particularidades interligadas a um contexto amplo, que permitem explicar as singularidades de certas regiões em determinados contextos históricos (SILVA, 1990). Portanto, o artigo apresenta um entrelaçamento entre a história política e a história regional, pois entende-se que as políticas trabalhistas de Getúlio Vargas influenciaram as relações de poder na comunidade santa-mariense.  

O artigo estrutura-se em duas seções, sendo o primeiro intitulado O Contexto Histórico Brasileiro (1951-1954) no qual demonstra-se o cenário político brasileiro que caracterizou o Brasil nesse recorte histórico. Para a construção desta seção foram utilizadas fontes bibliográficas; já a segunda seção O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) no local: Santa Maria – RS (1951-1954) prioriza-se a fundação, a estruturação e o desempenho eleitoral do PTB, em nível regional e local, salientando as políticas trabalhistas de Getúlio Vargas, difundidas em Santa Maria pelo PTB. Além das fontes bibliográficas, foram utilizadas fontes documentais para elaborar a seção, com destaque para os jornais A Razão e Diário do Estado, além das atas do Legislativo Municipal no recorte temporal proposto. 

A importância deste estudo se justifica em corroborar com o registro da história política santa-mariense, no período histórico entre os anos de 1951-1954. Na arena política a cidade de Santa Maria foi marcada por uma intensa atividade que deixou marcas significativas na sociedade local, por meio de propostas reformistas que almejam melhorias na infraestrutura deste município. Nesse sentido, destacaram-se a atuação dos representantes petebistas nos Poderes Executivo e Legislativo Municipal, que defendiam a criação de novas escolas, melhoramentos no transporte coletivo urbano e na regularização da distribuição de energia elétrica, que possibilitaria um crescimento industrial em Santa Maria, gerando empregos e conseqüentemente melhorias sociais para a comunidade local.      

  1. O CONTEXTO HISTÓRICO BRASILEIRO 1951-1954

Nascido em São Borja, Rio Grande do Sul, no ano de 1883, Getúlio Dornelles Vargas tornou-se um importante personagem da política brasileira durante o século XX. Antes de tornar-se Presidente da República exerceu os cargos de Promotor Público em Porto Alegre, Deputado Estadual, Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Deputado Federal e Ministro da Fazenda de Washington Luiz (HARTMANN, 1984).

Com a Revolução de 1930, Getúlio Vargas, representante da Aliança Liberal2, assumiu a presidência da República através de um Governo Provisório que se estendeu de 1930 a 1934. Vargas dissolve o Congresso Nacional (novembro de 1930) nomeando interventores para os estados e municípios, governando com decretos-leis. Foi desafiado a reestruturar o setor cafeeiro que sofria com a superprodução e a falta de mercados consumidores, e ainda alavancar um desenvolvimento capitalista industrial, encontrando maneiras de diminuir as elevadas taxas de desemprego (PESAVENTO, 1994). 

É nesse cenário que Getúlio Vargas é eleito indiretamente por uma eleição realizada pela Assembléia Constituinte e manteve-se como Presidente da República entre os anos de 1934 a 1937. Esse período ficou conhecido como Governo Constitucional e foi marcado pelo radicalismo político, representado pela atuação do governo federal e da Ação Integralista Brasileira3 (AIB) contra os membros da Aliança Nacional Libertadora4 (ANL), numa tentativa de eliminar o comunismo do cenário nacional. Frente a este teatro de perseguições políticas, ocorre a Intentona Comunista de 23 de novembro de 19355, que foi sufocada pelas forças militares do governo Getulista (RUSSINI, 2004).

No desenvolver destes acontecimentos, mais precisamente no final de 1936, iniciou-se o processo de sucessão presidencial tendo como candidatos Armando Salles de Oliveira e José Américo de Almeida. Mantendo interesse em permanecer como chefe do Executivo nacional, Vargas uniu-se aos militares de alta patente alegando a existência de uma insurreição comunista em nível nacional, o Plano Cohen6. Esses fatos levaram o Ministro da Guerra, General Dutra, e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, o General Góes Monteiro, a optarem juntamente com Getúlio Vargas pelo fechamento do Congresso Nacional, no dia 10 de novembro de 1937, iniciando-se o Estado Novo (FAUSTO, 2001).

Deve-se levar em consideração que a implantação do Estado Novo ocorreu num momento de transição econômica, em que o Brasil agro-exportador foi paulatinamente cedendo espaço para o desenvolvimento capitalista industrial, formando uma burguesia ávida de atuar politicamente. Assim, o regime autoritário estadonovista significava a certeza de continuidade do progresso capitalista brasileiro, bem como uma estratégica forma de controlar os grupos sociais (PESAVENTO, 1994).

Entendido como um regime de caráter autoritário, o Estado Novo foi arquitetado com diversos mecanismos repressivos, como a extinção dos partidos políticos, o fortalecimento do Executivo, extinguindo o Legislativo através do fechamento do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, Câmaras Municipais e as Assembléias Legislativas. O processo de afirmação do Estado Novo com seu aparato repressivo teve na censura do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) uma importante arma, pois atuava sobre praticamente todas as formas de comunicação.  Foi na radiodifusão que Vargas encontrou espaço para semear suas propostas políticas e fortalecer sua imagem de líder político em nível nacional, nesse processo merece destaque a criação e efetivação da Hora do Brasil (RUSSINI, 2004). 

Além da radicalização política e da valorização do sentimento patriótico, o Estado Novo caracterizou-se por ser um momento de afirmação do desenvolvimento capitalista representado pela construção da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda, conseguido graças ao apoio norte-americano, pois não havia recursos nacionais para colocar em prática o modelo desenvolvimentista de indústrias de base (PESAVENTO, 1994). 

Embora alicerçado em bases políticas, econômicas e ideológicas bem definidas que, de acordo com Bobbio; Matteuci; Pasquino (1998, p. 585), podem ser entendidas como “um conjunto de idéias e de valores respeitantes a ordem pública e tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos” o Estado Novo começa a apresentar desgastes, proporcionados principalmente pelos acontecimentos no cenário internacional, no caso em questão, a Segunda Guerra Mundial. À medida que ia alcançando uma desenvoltura econômica, sustentada pelas alianças com os Estados Unidos, rompia suas ligações com as potências do Eixo, entrando no conflito mundial em 1942. Dessa forma, emergiram manifestações em todo o Brasil questionando o regime estadonovista; Pesavento (1994, p. 53), relata a situação contraditória do país, pois “estabelecia-se uma situação bizarra: no plano europeu, o Brasil combatia as potências do Eixo em nome do mundo livre, mas no plano interno vigorava um regime de direita com conotação fascista”.  

Entre as manifestações contrárias ao Estado Novo, destacaram-se a Sociedade dos Amigos da América, composta por membros comunistas, as contestações jurídicas sobre a legitimidade do Estado Novo por parte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Manifesto dos Mineiros, em 1943, defendendo a implantação de um regime democrático no país e o I Congresso de Escritores em 1945. Nesse Congresso, intelectuais como Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Aníbal de Oliveira debateram sobre o autoritarismo de Vargas e eleições diretas para o cargo de Presidente da República (TOTA, 1987).

Os momentos finais da ditadura Varguista foram marcados pelo distanciamento de Vargas com os militares e pela criação e efetivação de partidos políticos. A anistia aos presos políticos também foi concedida por Getúlio Vargas permitindo o retorno do Partido Comunista Brasileiro (PCB) à cena política. Acontecimentos como o Movimento Queremista e a nomeação de Benjamim Vargas para chefe de Polícia do Rio de Janeiro, desencadearam uma suspeita de planos continuístas para a permanência de Vargas no poder. Frente a este cenário político, Getúlio Vargas é deposto, no dia 29 de outubro de 1945, por militares comandados pelo General Góes Monteiro, findando um período de quinze anos de Vargas como chefe do Executivo Nacional (TOTA, 1987).

Evidencia-se que o Brasil, durante o recorte temporal em que Getúlio Vargas foi Presidente da República (1930-1945), passou por um intenso processo de reestruturação econômica deixando de ser um país tipicamente agroexportador, direcionando suas ações para desenvolvimento do capitalismo industrial; a mesmo tempo apresentou um fortalecimento do poder Executivo.

É nessa arena política que ocorreu o processo de abertura democrática proporcionando o surgimento dos partidos políticos que iriam participar das eleições presidenciais marcadas para 2 de dezembro de 1945, como a União Democrática Nacional (UDN), que se caracterizou pela oposição a Vargas contando com o apoio de grupos liberais e de lideranças regionais, lançando o Brigadeiro Eduardo Gomes como candidato à Presidência da República. O Partido Social Democrático (PSD) foi estruturado por Vargas sendo apoiado por lideranças estadonovistas, lançando o General Eurico Gaspar Dutra como candidato nestas eleições. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) recebeu anistia e participou das eleições com o candidato Iedo Fiúza (BRUM, 1988).

Em meio a esse processo de estruturação do regime democrático na política brasileira, atrelada à derrocada do Estado Novo, em 1945, ocorre a fundação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), estreitamente interligado com as políticas públicas e com o personalismo de Getúlio Vargas, que para Bobbio; Matteuci; Pasquino (1998, p. 925) “insiste no valor absoluto de uma pessoa e seus vínculos de solidariedade com outras pessoas”. Desse modo, o PTB significava a tentativa de conter o avanço do PCB, atraindo para as fileiras do partido uma importante parcela dos trabalhadores urbano-industriais do país, além de manter a imagem pública de Getúlio Vargas atrelada às suas políticas trabalhistas (NEVES, 1989). 

É pertinente nessa construção do PTB, em nível nacional, definir o Trabalhismo, pois se tornou a base de sustentação política de Getúlio Vargas no cenário político brasileiro. O Trabalhismo no Brasil significava, de acordo com Neves (1989, p. 78) a “defesa da legislação trabalhista e social da primeira era Vargas; a luta contra a pobreza, a resistência ao avanço imperialista e, por fim, o culto ao getulismo”.

A tentativa de aglutinar em um partido político a popularidade de Vargas com os trabalhadores, conseguida por meio de difusão das políticas trabalhistas, em especial pela Consolidação das Leis do Trabalho, abriu espaço para a inserção dos trabalhadores no cenário político. Assim, os trabalhadores vislumbraram no PTB a possibilidade de participarem da política nacional, além da manutenção das conquistas sociais inseridas por Getúlio Vargas no contexto político brasileiro. 

Nessa conjuntura política, Gomes; D’Araújo (1989, p. 6) entendem que a partir da criação e da legalidade dos partidos políticos, começa a despontar “a importância da figura e do carisma de Getúlio Vargas”, através do processo de legitimação do Trabalhismo. Getúlio Vargas, como Presidente da República, construiu uma imagem de liderança frente aos trabalhadores, por meio de instituição de leis sociais destinadas a esta clientela. Essa personificação de Vargas pelos trabalhadores ficou conhecida por Getulismo.  

Entende-se que a relação entre Trabalhismo e Getulismo influenciou profundamente a nova configuração da política brasileira. Ferreira (2005, p. 12), delimita o cenário político brasileiro “da personalização política o ‘getulismo’ institucionalizou-se um partido político, o PTB, transformando-se em um projeto para o país, nomeado de trabalhismo”.   

Durante o processo de organização do PTB, torna-se necessário mencionar a importância do movimento queremista, pois este representava uma associação entre os trabalhadores brasileiros e a liderança política de Getúlio Vargas. De acordo com Fausto (2001, p. 214), esse movimento iniciou nos primeiros meses de 1945, e foi 

[…] uma iniciativa promovida pelos círculos trabalhistas ligados a Getúlio, com o apoio de comunistas, mudou os rumos da sucessão presidencial. Foi à campanha queremista assim chamada porque seu objetivo se sintetizava na palavra de ordem ‘queremos Getúlio’. Os ‘queremistas’ saíram às ruas defendendo a instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte, com Vargas no poder. Só posteriormente deveriam ser realizadas eleições diretas para presidente, nas quais Getúlio deveria concorrer.

O queremismo, portanto, foi um movimento seguido de grande adesão dos trabalhadores nacionais, colaborando para a afirmação do Trabalhismo e do Getulismo na conjuntura política do Brasil. O PTB surge a partir do movimento queremista e buscava, em sua essência, manter inalteradas as obras sociais e trabalhistas de Getúlio Vargas e, ao mesmo tempo, fortalecer politicamente o ex-presidente.  

Além do movimento queremista que inspirou a articulação do PTB por Vargas e membros do Ministério do Trabalho, Neves (1989, p.52-53) sugere ainda a presença de grupos na organização do PTB, com destaque para os pragmático-fisiológicos que eram “identificados com Vargas, preso a estrutura do Ministério do Trabalho” e os doutrinários trabalhistas que estavam “ligados às propostas trabalhistas de Alberto Pasqualini”. Todavia a origem do PTB, segundo Neves (1989, p. 54) contou sobretudo com os pragmático-fisiológicos que tinham como propósito promover Getúlio Vargas “junto aos trabalhadores, através da pregação que propunha a defesa de sua obra trabalhista […] mobilização do voto dos trabalhadores urbanos e operários, o que lhe daria força e sustentação política”. 

No que se refere a doutrina trabalhista inserida no PTB destacam-se as idéias de Alberto Pasqualini, que se identificam pela justiça social, onde ele projeta o bem-estar dos cidadãos por meio da valorização dos trabalhadores. No seu entendimento, os trabalhadores promovem a prosperidade de uma sociedade, portanto defende programas de ensino, melhorias nas condições de trabalho e oportunidades para os excluídos, promovendo assim a igualdade social (PASQUALINI, 2001). 

Entende-se como importante identificar no contexto trabalhista sul-rio-grandense as idéias de Alberto Pasqualini, para evidenciar a presença dessas concepções no regional e no local, demonstrando as simetrias entre a política defendida pelo PTB nacional e sua inserção nesses contextos. 

Desse modo, sendo o PTB um partido que representava os trabalhadores e a imagem de Vargas com suas diversas políticas sociais em prol das melhorias das condições para os trabalhadores, Gomes; D’ Araújo (1998, p. 28) destacam que seu posicionamento seria decisivo para o resultado das eleições presidenciais de 1945, pois “de seu apoio poderia depender a eleição de Dutra, o fortalecimento maior ou menor do Partido Comunista ou, até mesmo, a eleição do brigadeiro”. Dentro dessa seara, Hugo Borghi representante a ala do PTB favorável à candidatura de Dutra articulou acordos entre o PTB e o PSD, porém faltava o apoio de Vargas, que seria vital para atrair os votos dos trabalhadores.

Enquanto Vargas não se pronunciava, Hugo Borghi procurava desestabilizar a candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes, para tanto valeu-se da campanha do marmiteiro7 que se espalhou pelo território brasileiro. Nesse emaranhado de disputas políticas, Vargas rompeu o silêncio e oficializou seu apoio ao candidato do PSD, o General Eurico Gaspar Dutra, mediante acordos, destacando-se a conservação das leis trabalhistas e o domínio do Ministério do Trabalho para o PTB. Frente a estes acontecimentos o resultado das eleições presidenciais favoreceu o candidato do PSD que foi eleito Presidente da República (FERREIRA, 2005). 

Percebe-se que mesmo depois da deposição de Vargas seu prestígio político manteve-se perante os trabalhadores, e o PTB embora legalmente constituído como um partido político apresentou uma estreita ligação com a figura do presidente deposto. Nessa perspectiva, as forças petebistas aglutinavam-se para conquistar a Presidência da República, lançando Getúlio Vargas como candidato à disputa presidencial marcada para outubro de 1950. Além de Getúlio Vargas (PTB), concorreram Cristiano Machado (PSD) e o Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN). 

Em sua campanha eleitoral, Getúlio Vargas contou com o apoio do governador de São Paulo, Ademar de Barros, chefe do Partido Social Progressista (PSP), que tinha o apoio de significativa parcela da emergente burguesia paulista e dos trabalhadores daquele estado. Em seus discursos Vargas fundamentou sua proposta política de governo em dois pilares: na ampliação da legislação trabalhista e na aceleração do processo de industrialização do país (GOMES; D’ARAÚJO, 1989). 

Essas propostas políticas defendidas por Vargas durante sua campanha eleitoral buscavam aumentar o número de empregos no país, por meio da industrialização, instituindo uma legislação trabalhista que assegura benefícios sociais aos trabalhadores brasileiros. Esse desenvolvimento das indústrias no Brasil também atenderia aos anseios da burguesia que se fortaleceria economicamente.  

Nessa ótica, a campanha de Vargas à Presidência da República foi marcada pelo personalismo dele, acima dos interesses partidários. Essa configuração política permitiu a vitória do candidato do PTB/PSP nas eleições presidenciais de 1950, como demonstra-se no Quadro 1 – Resultado das eleições presidenciais de 1950. 

Quadro 1 – Resultado das eleições Presidenciais de 1950

CandidatoPartidoResultado %
Getúlio VargasPTB/PSP48,7
Eduardo GomesUDN29,7
Cristiano MachadoPSD21,5

Fonte: Fausto (2001, p. 224).

Observa-se que a expressiva vitória de Getúlio Vargas nas eleições presidenciais (48,7% contra 29,7% obtidos pelo Brigadeiro Eduardo Gomes), sugere sua imagem e liderança política frente ao eleitorado brasileiro. Demonstra-se essa assertiva pelo resultado das eleições para as vagas no Congresso Nacional, onde o PTB não obteve o mesmo desempenho eleitoral como salienta o Quadro 2 – Resultado das eleições para o Congresso Nacional em 1950. 

Quadro 2 – Resultado das eleições para o Congresso Nacional em 1950

PartidoNúmero de cadeirasResultado em %
PSD11236,8%
UDN8126,6%
PTB5116,8%

Fonte: Skidmore (1998, p. 222).

Evidencia-se nesse resultado que o PTB obteve a terceira colocação na disputa pela maioria no Congresso Nacional (conquistando 51 cadeiras, contra 81 da UDN e 112 do PSD). Esse resultado do PTB no Congresso Nacional dificultou a realização das propostas Getulistas de governo, tendo que buscar apoio político na UDN e no PSD, através de uma política de conciliação, nomeando membros destes partidos na composição de seu ministério, tornando-o pluripartidário. O PTB por sua vez permaneceu somente com a Pasta do Trabalho.  

Getúlio Vargas em seu governo (1951-1954) direcionou o desenvolvimento da economia do Brasil no nacionalismo e na industrialização, regulando os investimentos internacionais, sobretudo em áreas vitais como energia, transporte, siderurgia e comunicação. Nessa conjuntura, Getúlio Vargas entende que o Estado deveria ser o responsável pelo setor econômico direcionando os investimentos com o objetivo de assegurar melhorias para a população brasileira, diminuindo as desigualdades sociais (AGOSTINI, 2003). 

Para pôr em prática seus objetivos nacionalistas, Getúlio Vargas utiliza-se de vários programas para reduzir os índices de inflação e conduzir o país rumo à industrialização. Entre esses programas destacam-se a criação do Banco Nacional para o Desenvolvimento Econômico (BNDE), a nomeação de Oswaldo Aranha para o Ministério da Fazenda e a criação da Eletrobrás e da Petrobras (SKIDMORE, 1998).

A Petrobras, surgiu em outubro de 1953 e representou o domínio do Brasil sobre a exploração petrolífera em seu território. A criação desta empresa estatal significou o triunfo do governo Vargas em relação a sua política nacionalista. Porém, as crises políticas permaneceram, e a criação da Petrobras foi alvo de críticas por parte de opositores do governo representados pela UDN, que defendiam uma proposta privatista em relação à exploração do petróleo brasileiro (SILVA, 2007).    

Nesse universo, a política de conciliação proposta por Vargas para a formação de seu ministério contou com o apoio da UDN e do PSD fracassou, pois esse quadro ministerial ficou marcado pelas desconfianças por parte da UDN e dos militares opositores a Vargas, tendo como principal consequência a dificuldade em consolidar acordos. Esses impasses dentro da esfera governamental foram bem explorados pela imprensa com destaque para o jornal oposicionista Tribuna da Imprensa, representado pelo jornalista Carlos Lacerda. A oposição ao governo Varguista em suas políticas econômicas e sociais contou ainda com a presença de Assis Chateaubriand (UDN), por meio da incipiente televisão brasileira (AGOSTINI, 2003).

Entretanto, Getúlio Vargas contava com o apoio do jornal Última Hora, de Samuel Wainer, que publicava em suas páginas matérias enfatizando as obras sociais realizadas pelo presidente. Porém, as matérias do jornal Última Hora fomentaram os argumentos da oposição, que acusava Vargas de criar mecanismos de comunicação favorecendo sua imagem pública acentuando as crises políticas (AGOSTINI, 2003).

Verifica-se a composição de um quadro desfavorável para Vargas implantar seu plano de desenvolvimento nacional. Os pilares de sustentação do governo, representados por militares nacionalistas e o PTB, não conseguiram manter-se unidos e articular saídas para as crises. 

A difícil situação política do governo de Getúlio Vargas atingiu também a Pasta do Trabalho. Em 1951 o Ministro do Trabalho Danton Coelho, uma liderança do PTB e nome bem respeitado entre os militares nacionalistas, foi substituído por Segadas Viana, outro líder petebista. Gomes; D’Araújo (1989, p. 59) retratam a situação do PTB no governo “sendo o PTB um partido em constante convulsão, a orientação usada para realizar a simbiose entre a pasta do trabalho e o partido é duplamente desastrosa: desarticula o ministério e desorienta ainda mais o PTB”.

Segadas Viana já conhecia os anseios dos trabalhadores, pois fora diretor do Departamento Nacional do Trabalho durante o Estado Novo e um dos idealizadores do PTB. Sua atuação no Ministério do Trabalho caracterizou-se por políticas confusas, como o aumento do salário mínimo em 1952, o fim do atestado de ideologia para os líderes sindicais (o que não ocorreu na prática) e uma maior fiscalização sobre os sindicatos através dos serviços de informação. Dessa forma, não resolveu os problemas do ministério e agravou-os gerando um aumento expressivo no número de greves, principalmente em 1953 (FERREIRA, 2005).

Em meio às agitações grevistas, Getúlio Vargas reestruturou o Ministério do Trabalho, sendo Segadas Viana substituído por João Goulart, o Jango, Deputado Federal e presidente do PTB. Ao assumir a pasta do trabalho, João Goulart encontrou trabalhadores descontentes devido às perdas salariais (decorrentes da alta inflação) e princípios de impopularidade de Vargas. Sua missão seria resgatar o apoio dos trabalhadores pelo viés da conciliação (FERREIRA, 2005).

As primeiras medidas adotadas por Goulart para unificar os trabalhadores foi a suspensão definitiva do atestado de ideologia para as lideranças sindicais, e atuar junto aos sindicatos através de um diálogo, permitindo uma aproximação dos trabalhadores brasileiros com o governo, o Ministério do Trabalho e o PTB. Jango, ao estreitar os laços governamentais com os trabalhadores, abriu espaço para a atuação dos comunistas que estavam oficialmente na clandestinidade desde 1946 (GOMES; D’ARAÚJO, 1989).

Enquanto esteve à frente do ministério, Jango foi alvo de ataques por parte dos setores conservadores, em especial da UDN, que incessantemente o acusou de esquerdista e de conduzir o Brasil rumo a uma república sindicalista, devido ao seu estilo de atuar politicamente (FERREIRA, 2005).

A atuação de Jango no Ministério do Trabalho, segundo Gomes; D’ Araújo (1989, p. 63) foi: 

[…] marcada por um estilo mais informal e flexível no tratamento das questões sociais. Não era somente o ministro que falava aos trabalhadores e os ouvia. Efetivamente ele estabelecia negociações e fazia concessões, praticando uma informalidade até então inédita.

Percebe-se que Jango modernizou o trabalhismo brasileiro, ou seja, preservou a intervenção do Estado na economia e nas relações com os trabalhadores, manteve o personalismo político e defendeu a participação política para os trabalhadores. Nesse sentido, João Goulart fortaleceu o PTB e o trabalhismo no Brasil.  

Todavia, João Goulart permitiu um significativo crescimento do movimento sindical que além das reivindicações de melhorias salariais e da deflagração de greves passou a atuar de forma consistente na estrutura da política nacional. Em 1953, a Frente dos Trabalhadores Brasileiros (FTB) fundada por um líder metalúrgico, no Rio de Janeiro, defendia amplas reformas para o Brasil, como a reforma agrária, a nacionalização dos bancos e companhias internacionais que exploram riquezas minerais do país. Enquanto isso, as lideranças sindicais no estado de São Paulo lançaram, em 1954, uma série de reivindicações, sendo a mais relevante a formação da Frente Única, onde cada setor profissional poderia lançar candidatos próprios nas eleições (FERREIRA, 2005).

Esse fortalecimento do movimento sindical em nível nacional, somado ao aumento do salário mínimo em 100% proposto por Jango ampliou substancialmente os ataques da oposição, representada por grupos militares contrários a Getúlio Vargas e pela UDN. Frente a essa pressão política, João Goulart renunciou à Pasta do Trabalho em fevereiro de 1954, e Getúlio Vargas nomeia Hugo de Faria, chefe do Departamento Nacional do Trabalho, como ministro interino (GOMES; D’ARAÚJO, 1989).

Nesse panorama de disputas políticas, Getúlio Vargas ratificou, em 1 de maio de 1954, o aumento salarial estipulado por Jango. Skidmore (1998, p. 192), salienta que o aumento do salário mínimo

[…] alarmou empregadores e confirmou as suspeitas militares de que Getúlio estava tramando uma meticulosa estratégia populista radical. Muitos empregadores recusam-se a cumprir o decreto salarial, mesmo este sendo legitimado pelo Supremo Tribunal Federal. O resultado foi uma onda de greves e ameaças de greve por todo o país. Mais uma vez a UDN denunciava que o presidente não estava comprometido com a manutenção da ‘ordem’.

Percebe-se que a oposição à Vargas representada, sobretudo pela UDN, estava bem articulada, apresentando argumentos consistentes e explorando principalmente as contradições na pasta do trabalho, as políticas econômicas e sociais, o aumento do número de greves e as discordâncias nos ministérios. Assim, os últimos meses do governo Vargas foram marcados, na visão de Skidmore (1998), por um pedido de impeachment pela UDN, acusações pela imprensa de uma suposta aliança entre Vargas e Perón para a implantação de uma república sindicalista no país. Trata-se do Pacto ABC, que seria, segundo Agostini (2003, p. 41) “uma ação conjunta formada pela Argentina, Brasil e Chile através de um plano de formação de um bloco econômico e político em oposição aos Estados Unidos”.  

Getúlio Vargas foi acusado, ainda, pelo Jornal Tribuna da Imprensa por beneficiar seus aliados políticos, como o jornalista Samuel Wainer, editor do diário Última Hora. O Atentado contra Carlos Lacerda culminou com a morte do Major da Aeronáutica Ruben Vaz (onde as investigações acusaram a participação do segurança do Presidente, Gregório Fortunato), que abriu espaço para a oposição acusar Getúlio Vargas de envolvimento no incidente, seja pela participação direta ou por ter acobertado os atos de seu segurança. Soma-se a esses fatos a crise política e a possibilidade de um golpe militar para afastar o Presidente do poder (SKIDMORE, 1998). 

Getúlio Vargas resistiu como Presidente da República baseando-se no princípio da legalidade constitucional, já que fora eleito democraticamente, em 1950. Porém, a formação ministerial pluripartidária de seu governo corroborou com a crise política impossibilitando que sua base de apoio (representada pelos militares nacionalistas e pelo PTB que ocupava a Pasta do Trabalho) encontrasse saídas para estes impasses políticos. Esse quadro político desfavorável levou Getúlio Vargas a cometer suicídio em 24 de agosto de 1954.  

Para Gomes; D’Araújo (1989, p. 69), o suicídio de Vargas significou o desmantelamento do Getulismo na política brasileira, pois sem a presença do líder ocorreu o “seu esvaziamento como movimento social”. Dessa forma, despontou a importância dos partidos políticos, em especial o PTB, pois estes seriam responsáveis pela manutenção das políticas públicas de cunho trabalhistas inferidas pelo ex-presidente na sociedade brasileira. O trabalhismo, após o trágico fim de Vargas, foi paulatinamente sofrendo modificações e se adaptando às necessidades dos partidos ou das lideranças políticas emergentes.

Ferreira (2005), entende que o PTB nesse contexto político discerniu o Getulismo do Trabalhismo. Para tanto, reorganizou o movimento trabalhista no Brasil, por meio do reformismo econômico e social, contando com o apoio dos trabalhadores brasileiros, dos sindicatos, dos estudantes e dos militares nacionalistas atendendo as necessidades sociais, econômicas e políticas no país a partir da segunda metade dos anos de 1950 e início dos anos de 1960.     

Como prioriza-se a identificação do PTB com as propostas políticas getulistas de 1951 a 1954, é de significância perceber suas ligações com o local, no caso em questão a cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. 

2. O PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB) NO LOCAL: SANTA MARIA – RS (1951-1954)

Para identificar a influência do petebismo trabalhista atrelado às propostas políticas de Getúlio Vargas em Santa Maria, entre os anos de 1951-1954, torna-se necessário entender o processo de abertura política que ocorreu a partir da derrocada do Estado Novo em âmbito regional, pois sua desarticulação possibilitou o processo de estruturação dos partidos políticos no Brasil. 

No estado do Rio Grande do Sul, a abertura política ocorrida no final do Estado Novo permitiu a criação, a estruturação e o retorno dos partidos políticos à esfera pública. Porém, estes partidos apresentam particularidades, como a incorporação de pressupostos da política regional em sua fundação e estruturação, diferentemente do ocorrido no resto do Brasil (BODEA, 1992). 

A UDN gaúcha, antivarguista, apoiou o Brigadeiro Eduardo Gomes nas eleições presidenciais de 1945. Seus principais idealizadores foram lideranças da política regional, que nesse momento histórico não se conciliavam politicamente com Getúlio Vargas, como Flores da Cunha, Osvaldo Aranha e Borges de Medeiros. Contudo, a UDN no Rio Grande do Sul caracterizou-se por ser um partido dividido e de pouca expressão eleitoral formando duas facções; a Esquerda Democrática Gaúcha (ED) com baixos índices de aprovação nas urnas e o Partido Libertador (PL) monopolizado na figura de Raul Pilla8, que tornou-se uma força na política regional (BODEA, 1992).

Observa-se que a UDN, no Rio Grande do Sul, não se configurou como um partido político expressivo em nível nacional, pois fragmentou-se na ED e no PL. Todavia, estes partidos políticos (ED e PL) representaram a oposição ao PTB e a Getúlio Vargas no cenário político regional.    

O PSD, no Rio Grande do Sul, estruturou-se a partir da administração regional. Ernesto Dornelles era o interventor e desta maneira não mediu esforços para aglutinar forças pró-Vargas. No período de fundação do PSD gaúcho durante o Estado Novo, destacaram-se além de Ernesto Dornelles, Protásio Vargas, Walter Jobim e Cylon Rosa, lideranças políticas regionais que ostentavam laços políticos com Getúlio Vargas (BODEA, 1992).

O PSD gaúcho, a exemplo da UDN, também enfrentou rupturas internas, principalmente entre líderes tradicionais elitistas como Walter Jobim e Cylon Rosa, com lideranças populares como José Diogo Brochado da Rocha que defendeu a mobilização política dos trabalhadores estaduais. Essas divergências internas entre as lideranças regionais do PSD colaboraram com a estruturação do PTB gaúcho, sobretudo com os descontentamentos da Ala Trabalhista do PSD (BODEA, 1992). 

A abertura política, no Rio Grande do Sul, também foi marcada pela presença do PCB, sobretudo em cidades que possuíam movimentos sindicais bem estruturados, com destaque para Porto Alegre e Rio Grande (BODEA, 1992). A atuação do Partido de Representação Popular (PRP) no estado ocorreu principalmente nas regiões rurais, sendo o PRP gaúcho um prolongamento da Ação Integralista Brasileira, porém como foi percebido em nível nacional não representou uma força expressiva na política sul-rio-grandense (BRUM, 1988).

O PTB gaúcho surgiu, entre os anos de 1945-1946, e manteve preservado o programa de propostas defendidas pelo partido em nível nacional. Bodea (1992) destaca que três correntes distintas colaboraram para a formação do PTB estadual: a corrente sindicalista; a corrente doutrinário-pasqualini esta é a corrente pragmático-getulista.

A corrente sindicalista era composta por líderes sindicais, e esteve intimamente ligada ao movimento queremista nos principais centros operários gaúchos. Essa corrente era formada também pelos membros da Ala Trabalhista do PSD que se desligaram deste partido, em 14 de setembro de 1945, e fundaram o PTB no Rio Grande do Sul. Entre os pioneiros do PTB gaúcho destacam-se José Vecchio (presidente do Sindicato da Carris – Porto Alegre) e Sílvio Sanson (representante do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Madeireira). A corrente sindicalista, além da iniciativa de fundar o partido, realizou sua estruturação em diferentes alas operárias (BODEA, 1992).

A segunda corrente fundadora do PTB gaúcho é conhecida por doutrinário-pasqualinista, sendo composta por intelectuais progressistas, destacando-se o advogado Alberto Pasqualini. Ruas (1986, p. 24) salienta que “Pasqualini possuía aquilo que o PTB necessitava, isto é, as idéias que viriam contribuir com a estruturação do partido”. 

As concepções políticas de Pasqualini foram concentradas na União Social Brasileira (USB) que posteriormente aderiu com seu ideólogo ao PTB. A USB, no entender de Bodea (1992, p. 23), era um “agrupamento político dirigido por Pasqualini e lançado, em sessão pública, no Teatro São Pedro, de Porto Alegre, no dia 21 de setembro de 1945” e, tinha por objetivos segundo Pasqualini (2001, p. 105) “ideais de humanidade, de justiça social, de liberdade e decência política”.  Doutrina no entender de Bobbio; Matteuci; Pasquino (1998, p. 382) significa “geralmente um complexo orgânico de idéias, resultado de uma reflexão metódica intensa”; o Trabalhismo foi defendido por Pasqualini (2001, p. 100) como uma doutrina e esteve presente no Manifesto-Programa da USB, onde ele afirmava que

[…] a instituição de um verdadeiro regime de justiça social que permita aos trabalhadores uma crescente participação na riqueza comum. Nessas condições […] deverão ser-lhes assegurados, de maneira pronta e efetiva, os direitos e as garantias que lhes confere a atual legislação do trabalho […] o salário fundamental, deverá corresponder à natureza do trabalho e às necessidades do trabalhador […] além do salário fundamental, que deverá reverter ao trabalhador uma parte dos lucros sob a forma de remuneração indireta, expressa em obras e serviços sociais.

O Trabalhismo sob a influência de Pasqualini tornou-se uma doutrina com dimensões políticas, econômicas e sociais, e esse teórico defendeu que o trabalho é imprescindível para o bom andamento da sociedade e que cada cidadão tem responsabilidade e direitos sobre os bens produzidos. Pasqualini procurou ainda ligar o Trabalhismo com a Doutrina Cristã através da incorporação em seus discursos das encíclicas papais de Leão XIII e Pio XI, renegando desta forma vinculação com o comunismo, e atribui a relação dos problemas nacionais ao baixo consumo das camadas populares brasileiras (RUAS, 1986).  

Verifica-se que o trabalhismo com Pasqualini apresentou simetrias com as propostas políticas sociais e trabalhistas de Vargas. Ao instituir no cenário político nacional a Legislação Social e a Consolidação das Leis do Trabalho, Vargas buscou assegurar direitos aos trabalhadores nacionais, como por exemplo, regulamentação na jornada de trabalho e nos salários, combater os abusos dos empregadores, enfim garantir o bem-estar dos operários brasileiros.    

Nessa perspectiva ocorreu, no Rio Grande do Sul, o acordo entre a corrente sindicalista e a corrente doutrinária-pasqualinista, devido a deflagração do golpe de 29 de outubro de 1945, no qual Getúlio Vargas foi afastado do cargo de Presidente da República. Formou-se assim, o compromisso PTB/USB que colaborou para o processo de unificação do partido em nível regional (BODEA, 1992).

A corrente pragmático-getulista inseriu-se nos quadros do PTB gaúcho, no ano de 1946, sendo composta por políticos vindos do PSD mediante orientação de Getúlio Vargas com o objetivo de fortalecer os quadros petebistas para as eleições estaduais de 1947. Os maiores expoentes desta corrente foram Loureiro da Silva (ex-prefeito de Porto Alegre) que fundou vários diretórios do PTB no interior do estado e José Diogo Brochado da Rocha (ex-dirigente da Viação Férrea do Rio Grande do Sul e um dos fundadores da Ala Trabalhista do PSD) que contava com o amplo apoio dos trabalhadores ferroviários sul-rio-grandenses. Contudo, as transferências de políticos oriundos do PSD para o PTB gaúcho encerraram-se em 1950, através do Partido Social Democrático Autonomista (PSDA)9 que se funde ao PTB (BODEA, 1992).

No Rio Grande do Sul, a formação do PTB foi alicerçada no objetivo de criar um partido que mantivesse a imagem pública de Getúlio Vargas e suas políticas trabalhistas, bem como atingir resultados eleitorais favoráveis, contando com o apoio dos trabalhadores gaúchos. Nesse sentido, o PTB gaúcho buscava tornar-se um partido hegemônico no cenário político regional.

Dessa forma, o PTB no Rio Grande do Sul, apresentou em sua composição as premissas básicas de um partido político, que são no entender de Bonavides (1997, p. 346) “uma organização de pessoas que inspiradas por idéias ou movidas por interesses que buscam tomar o poder […] e nele conservar-se para a realização dos fins propugnados”. Nesse sentido, o PTB gaúcho buscou, além da manutenção da imagem de liderança e das políticas públicas de cunho trabalhistas difundidas por Getúlio Vargas, a afirmação do trabalhismo na arena política estadual, contando com o apoio do ideólogo trabalhista Alberto Pasqualini. 

O trabalhismo para Alberto Pasqualini baseava-se na busca por benefícios sociais para a população brasileira. Para tanto, defendeu salários justos para os trabalhadores, além de atender as necessidades urgentes do povo brasileiro, como por exemplo, melhorias nas infra-estruturas das cidades (luz, água, saneamento básico, habitações confortáveis) (RUAS, 1986). 

Alberto Pasqualini estabeleceu relações entre seu pensamento político, a realidade social do Brasil e o PTB que representava politicamente Getúlio Vargas com suas políticas trabalhistas que promoveram significativos benefícios sociais para os operários nacionais. Isto posto, fica evidente que as propostas políticas getulistas favoreciam os trabalhadores devido às suas garantias (em especial a Consolidação das Leis do Trabalho) e o desenvolvimento industrial que representava o aumento nas possibilidades de emprego, além de promover a justiça social no Brasil.  

Assim, o PTB do Rio Grande do Sul obteve nas eleições, de 19 de janeiro de 1947, um bom desempenho nas urnas, resultado da campanha eleitoral para o Palácio Piratini, que foi marcada pela ascensão da doutrina Trabalhista difundida no território gaúcho pelo candidato Alberto Pasqualini, por meio de comícios em cidades do interior, debates nas rádios e propagandas em jornais, além da instalação de diversos diretórios petebistas na capital e no interior. Já o PSD procurou realizar acordos partidários para unir forças contra Pasqualini, merecendo destaque as alianças com o PCB e o PRP (BODEA, 1992).

Apesar da forte e bem articulada campanha em nível regional, a vitória de Pasqualini não se consolidou devido ao apoio do governo estadual de Cylon Rosa ao candidato Walter Jobim, à deficitária estrutura do PTB em pequenas localidades e as alianças interpartidárias realizadas pelo PSD. Contudo, o PTB saiu fortalecido das eleições de janeiro de 1947, sobretudo pelos altos índices de votação conseguidos para a Assembléia Legislativa e para o Senado Federal pelo Rio Grande do Sul (BODEA, 1992). 

O fortalecimento do PTB gaúcho é marcado pelo desempenho nas urnas dos seus candidatos demonstrando os quadros 3, 4 e 5.

Quadro 3 – Resultado das eleições para Governador do Rio Grande do Sul de 1947

CandidatoPartidoVotos% Votos
Walter JobimPSD/PRP/PCB229.12941
Alberto PasqualiniPTB209.16438
Décio Martins CostaPL/UDN105.25419

Fonte: Bodea (1992, p. 54).

Quadro 4 – Resultado das eleições para o Senado Federal no Rio Grande do Sul em 1947

CandidatosPartidosVotos% Votos
Salgado FilhoPTB195.65835
Oswaldo Vergara PSD155.32928
João Carlos MachadoUDN/PL85.33815
Félix RodriguesPRP43.4368
Trifino CorrêaPCB28.5505
Mendonça LimaED1.8150

Fonte: Bodea (1992, p. 54).

Quadro 5 – Resultado das eleições para a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em 1947

PartidosVotos% VotosCadeiras% Cadeiras
PTB171.605312342
PSD170.786301629
PL54.8321059
UDN47.280947
PRP46.783847
PCB32.009636
PSP2.7270,5
ED2.5430,5

Fonte: Bodea (1992, p. 55).

Evidencia-se a partir dos resultados das eleições ocorridas no Rio Grande do Sul no ano de 1947, que o PTB se consolidou como um dos maiores partidos políticos gaúchos, devido à conquista da maioria na Assembleia Legislativa10 e pela vaga no Senado Federal com Salgado Filho, embora seu candidato ao Governo do Estado não tenha saído vitorioso na disputa eleitoral.  

O desfecho destas eleições para Cortés (2007, p. 197) foi devido à atuação política de Getúlio Vargas que procurou estruturar uma campanha eleitoral que não o afastasse do PSD e ainda fortalecer o PTB no Rio Grande do Sul, assim

[…] Getúlio precisou agir com muita cautela. Queria uma vitória para o PTB, mas sem alienar o PSD ou permitir que Pasqualini, um homem individualista e independente, ameaçasse sua hegemonia no partido. Dessa forma, montou uma vigorosa campanha a favor de Salgado Filho e da chapa do PTB para a Assembléia Estadual, mas literalmente se manteve fora das eleições para governador.

É perceptível a importância da imagem pública de Getúlio Vargas para definir os rumos políticos do Rio Grande do Sul. Nessa perspectiva, o crescimento eleitoral do PTB gaúcho seria ainda confirmado nas eleições de 1950.

Com as eleições de 3 de outubro de 1950 para Presidente da República, Governador do Rio Grande do Sul e para o Legislativo nacional e regional confirmou-se o prestígio político de Getúlio Vargas e também o crescimento do PTB gaúcho. Demonstra-se essa assertiva com os resultados finais das eleições de 1950 através dos quadros 6, 7, 8, 9 e 10.   

Quadro 6 – Resultado das eleições presidenciais no Rio Grande do Sul em 1950

CandidatosPartidosVotos%Votos
Getúlio VargasPTB/PSDA/PSP346.79848
Cristiano MachadoPSD/PCB207.61329
Eduardo GomesUDN/PL/PRP147.57121

Fonte: Bodea (1992, p. 85).

Quadro 7 – Resultado das eleições para Governador do Rio Grande do Sul em 1950

CandidatosPartidosVotos%Votos
Ernesto DornellesPTB/PSDA/PSP329.88446
Cilon RosaPSD/UDN/PRP283.94239
Edgar Schneider PL80.79811

Fonte: Bodea (1992, p. 85).

Quadro 8 – Resultado das eleições para o Senado Federal no Rio Grande do Sul em 1950

Candidatos PartidosVotos%Votos
Alberto PasqualiniPTB/PSDA/PSP343.74148
Plínio SalgadoPRP/PSD/UDN244.76934
Décio Martins CostaPL88.61412

Fonte: Bodea (1992, p. 85).

Quadro 9 – Resultado das eleições para Câmara Federal no Rio Grande do Sul em 1950

LegendasVotos%VotosCadeiras%Cadeiras
PTB296.421411045
PSD225.12931836
PL54.195829
PRP48.728715
UDN46.505615
PSP11.32920

Fonte: Bodea (1992, p. 86).

Quadro 10 – Resultado das eleições para Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul em 1950

LegendasVotos%VotosCadeiras%Cadeiras
PTB250.108352138
PSD209.404291731
PL70.34310611
PRP53.861747
UDN53.423747
PSP26.165424
PSB12.867212

Fonte: Bodea (1992, p. 86).

Os resultados demonstrados nas eleições de 1950, no Rio Grande do Sul, apontam que o PTB obteve vitórias em todas as disputas (Presidente da República, Governador do estado, no Senado Federal, na Câmara dos Deputados e na Assembléia Legislativa), o que sugere que ocorreu no estado uma simbiose entre Getúlio Vargas e o PTB, ou seja, o PTB gaúcho significava a imagem política de Vargas. Configura-se dessa forma em nível regional o Getulismo, que se conecta ao imaginário popular construindo pressupostos que proporcionaram uma relação entre o eleitor e Vargas, tornando o PTB uma ferramenta eleitoral.

Demonstrado o cenário político regional de afirmação do PTB como força política, aborda-se as propostas políticas getulistas disseminadas por meio do PTB na cidade de Santa Maria. Esta cidade, nos anos de 1951 a 1954, caracterizava-se por ser um importante pólo militar e também um dos maiores entroncamentos ferroviários do sul do Brasil. Também, apresentava uma forte economia agropecuária paralela à atividade comercial, destacando-se a Cooperativa de Consumo dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul (COSTA BEBER, 1998).

Agostini (2005, p. 136) salienta ainda que Santa Maria durante o Estado Novo passou por um intenso processo de modernização que 

[…] vai desenhar o espaço político santa-mariense nos anos de 1950. Nessa perspectiva, verificam-se nos discursos políticos […] da época a defesa de um projeto modernizador para a cidade, então carente na infra-estrutura básica, tais como a energia (que era racionada diariamente); a água potável e os transportes (rodovias).  

Assim, Santa Maria, entre os anos de 1951-1954, refletiu o processo de modernização dos centros urbanos brasileiros, iniciado no Estado Novo. As lideranças políticas locais buscavam assegurar melhorias sociais para a comunidade santa-mariense, bem como na infraestrutura do município, por meio da reestruturação dos transportes coletivos e do fornecimento de energia elétrica que possibilitaria um desenvolvimento industrial para a cidade.      

Santa Maria, nesse contexto histórico, era uma das principais cidades do interior do Rio Grande do Sul e um centro petebista trabalhista. Nessa perspectiva, a pesquisa priorizou identificar as propostas políticas trabalhistas de Getúlio Vargas difundidas pelo PTB na cidade, entre os anos de 1951-1954.

A atuação do PTB na esfera política local manteve simetrias com as práticas políticas do partido em nível regional. Essa afirmativa pode ser evidenciada frente ao resultado das eleições ocorridas em 19 de janeiro de 1947, em Santa Maria, publicadas no jornal A Razão de 29 de janeiro de 1947 (p.1), onde para o cargo de Governador do estado, “o candidato do PTB Alberto Pasqualini obteve 5.808 votos contra 1.994 votos do candidato do PSD Walter Jobim e 1.114 votos obtidos pelo candidato Décio Martins Costa, representante da aliança entre a UDN/PL”.    

Percebe-se que a estruturação do PTB local ocorreu dentro do que Neves (1989, p. 52) definiu como “pragmático fisiológico”, ou seja, um partido identificado com a imagem paternalista de Getúlio Vargas. Essa assertiva pode ser percebida nas palavras de Agostini (2005, p. 139) frente ao depoimento da vereadora trabalhista Helena Ferrari Teixeira, concluindo que “o getulismo nessa cidade está associado às leis trabalhistas, à defesa de Getúlio com relação às classes humildes e ao solidarismo varguista”.

Bodea (1992) observa que a partir da campanha eleitoral de Alberto Pasqualini o PTB gaúcho montou diretórios do partido no interior do estado, disseminando as idéias trabalhistas por meio de comícios e da imprensa. Essa divulgação da campanha de Pasqualini para o governo estadual ocorreu em Santa Maria, como demonstra a reportagem do jornal Diário do Estado, em 3 de dezembro de 1946, p. 4, 

Excursionou domingo último a Santa Flora, neste município, uma caravana do PTB em propaganda da candidatura do Sr. Alberto Pasqualini à governança do estado. A caravana compunha-se dos seguintes membros do diretório local do Srs. Rafael Saraiva, Francisco Marranquiel, Luciano de Castro, Engracio Menezes e Pedro Noal. Excursionaram, também representando a Ala Feminina do Partido a Srtas. Mercedes Bugueristian, Helena Ferrari Teixeira e Maria Menezes.  

O PTB local em suas origens apresentou uma relação entre a imagem pública de Getúlio Vargas e suas políticas que almejam justiça social, por meio de melhorias na infraestrutura do país (transporte, rede elétrica, saneamento básico, saúde, educação, empregos) e na manutenção das leis trabalhistas, somadas à disseminação da candidatura de Alberto Pasqualini para o Executivo estadual. 

Confirma-se essa assertiva pela expressiva vitória de Alberto Pasqualini na cidade de Santa Maria nas eleições para governador, em 1947, que caracterizou politicamente a cidade como um importante centro petebista trabalhista. Nessa ótica, Getúlio Vargas visitou Santa Maria durante sua campanha eleitoral para a Presidência da República nas eleições de 1950. Segundo Agostini (2003, p. 87) sua passagem evidenciou 

[…] a presença de um forte reduto getulista em Santa Maria, visto que, além da presença maciça no comício, nos momentos que antecederam a esse acontecimento, as casas comerciais fecharam suas portas. Apoiadores da candidatura Vargas concentravam-se nas calçadas para acompanhar sua passagem em carro aberto, quando se deslocavam do aeroporto de Camobi até o centro da cidade.

Evidencia-se que a partir das proposições apresentadas, que o getulismo estava presente no cenário político local. Como resultado, o PTB santa-mariense obteve uma significativa votação em todas as disputas durante as eleições de 3 de outubro de 1950, bem como verificou-se em nível regional consolidando-se, de acordo com Cortés (2007, p. 209), como a 

[…] principal força do estado, o PTB gaúcho ganhou as disputas para a presidência e a vice-presidência, elegeu Dornelles como governador e Pasqualini como senador, conseguiu dez às 22 cadeiras gaúchas no Congresso, e no legislativo estadual, das 55 cadeiras, o PTB preencheu 21.

No cenário apresentado, buscam-se os resultados do processo eleitoral de 1950 em Santa Maria para demonstrar a presença do PTB e da liderança política de Vargas na cidade. Comprova-se o desempenho do PTB santa-mariense nas eleições de outubro de 1950 nos quadros 11, 12, 13 e 14. 

Quadro 11 – Apuração dos votos para Presidente da República nas eleições de 1950 em Santa Maria

CandidatoPartido Votos
Getúlio VargasPTB/PSDA/PSP10.099
Cristiano MachadoPSD/PCB4.131
Eduardo GomesUDN/PL/PRP1.576

Fonte: Jornal A Razão, 11 de Out. de 1950, p. 6.

Quadro 12 – Apuração dos votos para o cargo de vice-presidente da República nas eleições de 1950 em Santa Maria

CandidatosPartidosVotos
Café FilhoPTB/PSP/PSDA7.860
Altino ArantesPSD/PCB4.283
Odilon BragaUDN/PL/PRP2.062

Fonte: Jornal A Razão, 11 de Out. de 1950, p. 6.

Quadro 13 – Apuração dos votos para o Senado Federal nas eleições de 1950 em Santa Maria

CandidatoPartidoVotos
Alberto Pasqualini PTB/PSDA/PSP10.019
Plínio Salgado PRP/PSD/UDN3.765
Décio Martins CostaPL1.487

Fonte: Jornal A Razão, 11 de Out. de 1950, p. 6.

Quadro 14 – Apuração dos votos para Governador do Rio Grande do Sul nas eleições de 1950 em Santa Maria

CandidatosPartidosVotos
Ernesto DornellesPTB/PSDA/PSP9.694
Cilon Rosa PSD/UDN/PRP5.210
Edgar Schneider PL698

Fonte: Jornal A Razão, 11 de Out. de 1950, p. 6.

Pelo resultado do processo eleitoral demonstrado, o PTB em Santa Maria tornou-se após as eleições de 1950, um partido de expressiva votação, pois seus candidatos ao Executivo obtiveram vitórias em nível nacional, regional e local. Observa-se ainda o desempenho eleitoral favorável na cidade dos candidatos eleitos Café Filho ao cargo de Vice-Presidente da República e Alberto Pasqualini para  Senador Federal pelo Rio Grande do Sul. Agostini (2003, p. 88) ao tratar sobre a vitória trabalhista em Santa Maria salienta a existência de “uma afinidade partidária entre o nacional, o estadual e o municipal”. 

O resultado destas eleições, realizadas em 1950, rendeu ao PTB local a notoriedade de importantes personagens trabalhistas, como Alberto Pasqualini, que parabeniza o partido pelas contundentes vitórias nesta eleição, como publicou o jornal A Razão em 11 de outubro de 1950, p. 6, 

Congratulando-se com o diretor municipal do PTB, por motivo da vitória dos trabalhistas em Santa Maria, o Dr. Alberto Pasqualini, candidato a senador pelo Rio Grande do Sul, enviou ao Sr. Elvidio Azevedo presidente da secção local daquela agremiação partidária, um telegrama cujo teor publicamos […] ‘Elvidio Azevedo, presidente do PTB, Santa Maria – envio ao ilustre amigo e demais companheiros as minhas felicitações pela esmagadora vitória trabalhista conquistada neste município. Desejo também agradecer o apoio recebido e os votos com que honraram meu nome. Saudações cordiais. Alberto Pasqualini’.

Devido à vitória dos trabalhistas em Santa Maria nas eleições de 1950, o PTB local organizou diversos festejos para celebrar a posse dos representantes do partido. Essas manifestações, além de comemorarem a posse dos trabalhistas, também buscaram fortalecer a imagem do partido frente à comunidade santa-mariense, para tanto foram organizadas festas populares em locais estratégicos, como por exemplo, nas ruas centrais da cidade, espalhando cartazes e fotografias dos candidatos petebistas eleitos. Essas afirmações podem ser evidenciadas na reportagem publicada pelo jornal A Razão do dia 29 de janeiro de 1951, p. 4,

A noite as ruas centrais da cidade tiveram lugar grandiosa festa popular que se concentrou defronte a sede do PTB, onde se encontravam seus dirigentes. Diversos blocos carnavalescos saíram à rua emprestando à imponente festa trabalhista um cunho de alegria e entusiasmo de alta significação. O diretório do PTB local promoveu um grande desfile composto por dezenas de caminhões, automóveis e ônibus, puxados por um automóvel aberto que conduzia o presidente do partido, Sr. Elvidio Azevedo e demais dirigentes do órgão diretivo do partido no município. Grande maioria dos veículos que tomaram parte do desfile vinham ornamentados com grandes fotografias dos srs. Getúlio Vargas, Ernesto Dornelles, Café Filho e Alberto Pasqualini, além de cartazes exaltando a vitória do trabalhismo nacional.  

O PTB local contava com o apoio de significativa parcela do eleitorado santa-mariense. Nesse clima político ocorreu a disputa pelo Executivo e Legislativo municipal, em 1 de novembro de 1951. O PTB local sagrou-se vitorioso como em 1950, com significativa diferença na disputa pela Prefeitura Municipal e com ampla maioria na Câmara dos Vereadores. Os resultados das eleições municipais de 1 de novembro de 1951 são demonstrados nos Quadros 15 e 16. 

Quadro 15 – Apuração dos votos para Prefeito Municipal em Santa Maria, nas eleições de 1 de novembro de 1951

CandidatoPartidoVotos
Heitor da Silveira CamposPTB6.938
Raimundo João Cauduro PSD-PL-PRP4.404
Pedro Alvares PSB1.529
Aristeu DreonPSP587
João Antonio EdlerUDN264

Fonte: Jornal A Razão, 04 de Out. de 1951, p. 8.

Quadro 16 – Composição da Câmara de Vereadores em Santa Maria, nas eleições de 1 de novembro de 1951

Vereadores Partido
Faustino Raimundo CauduroPTB
Firmino Ventura dos santos PTB
Francisco Zeferino Rodrigues CorreaPTB
Helena Ferrari TeixeiraPTB
Moacir Antunes SantanaPTB
Osvaldo ZambonatoPTB
Virgilio Pereira NevesPTB
Antônio Lozza PSD
Hélio Herbert dos SantosPSD
Rubens Correa KrobPSD
Wasco da CunhaPSD
Jorge Mottecy PSB
Pedro Arbues Martins Alvares PSB
Pedro Veríssimo Gomes Filho PSP
Walter Cechella PRP
José Inácio Xavier PL

Fonte: Câmara de Vereadores, Santa Maria. Anais v.7 10 de maio de 1952.

Os resultados das eleições para o cargo de Prefeito Municipal e para a composição da Câmara Municipal sugerem o PTB como um partido hegemônico no cenário político santa-mariense. Verifica-se uma formação multipartidária no Parlamento local, porém o PTB representava a maior bancada contando com sete vereadores, seguido do PSD com quatro, do PSB com dois e do PRP, PSP e PL com um representante cada. 

É pertinente nesse estudo do cenário político santa-mariense, entre os anos de 1951-1954, salientar a importância do carisma político e da liderança de Getúlio Vargas. Líder no entender de Bobbio; Matteuci; Pasquino (1998, p.149) são pessoas “[…] cuja autoridade se baseia […] na capacidade extraordinária que eles possuem. Estes dons excepcionais se impõem como tais no anúncio e realização de uma missão de caráter religioso, político, bélico, filantrópico, etc.”.  Assim, sugere-se que a imagem política de Vargas estava presente no imaginário político local, e o PTB seria para a comunidade santa-mariense a afirmação e a continuação das políticas trabalhistas e sociais de Getúlio Vargas em nível nacional, regional e local.      

O PTB santa-mariense, frente ao resultado das eleições municipais de 1951, organizou uma manifestação pública ressaltando o desfecho favorável do pleito para o partido. O jornal A Razão de 4 de novembro de 1951, p. 8, destaca:

Com uma vibrante manifestação popular, o trabalhismo santa-mariense assimilou festivamente a vitória de seus candidatos em primeiro de novembro. Ainda pela parte da manhã, o Partido Trabalhista anunciou para as primeiras horas da noite o grande comício da vitória. Atendendo aquela convocação feita através de rádio e serviços de auto-falantes […] já as últimas horas da tarde, grande massa popular se concentrava diante da sede do partido aclamando entusiasticamente os companheiros vitoriosos.   

Como ocorreu em nível nacional, o PTB em Santa Maria tornou-se um partido de significativa votação. Assim, torna-se necessário apresentar o programa de propostas do PTB em âmbito nacional, que de acordo com Chacon (1981, p. 449-455) defendiam: 

1º) Reexame da Constituição, sem que sejam reduzidos os direitos por ela assegurados aos trabalhadores. […]. 3º) Representação política dos trabalhadores por legítimos trabalhadores. […]. 4º) Defesa dos princípios contidos na Consolidação das Leis do Trabalho, aprimoramento de seus dispositivos e maior rigor na sua aplicação. […]. 7º) Obrigatoriedade e direito de trabalho a todo o indivíduo […] para obter os meios necessários ao sustento próprio e de sua família de maneira condigna […]. 8º) aprimoramento profissional e intelectual dos trabalhadores para que lhes possibilite ampla oportunidade de acesso […]. 9º) Desenvolvimento e prestígio do movimento trabalhista, com maior autonomia para as atividades sindicais […]. 11º) Concretização do programa do Instituto de Serviços Sociais do Brasil, de modo a assegurar completa proteção aos trabalhadores e as suas famílias […]. 12º aumento do nível de vida a fim de assegurar uma alimentação conveniente, assim como a habitação própria e a preço acessível.  

Nesse sentido, entende-se que o PTB local aderiu às propostas do PTB apresentadas no cenário político nacional, buscando melhorias sociais para a comunidade santa-mariense. A bancada trabalhista na Câmara de Vereadores de Santa Maria passou a propor soluções para os problemas sociais da cidade, como por exemplo, o desenvolvimento intelectual da comunidade local. Nessa seara, a vereadora trabalhista Helena Ferrari Teixeira (Ata nº. 1/1952), em seu pronunciamento

[…] encaminhou à mesa uma moção a ser dirigida ao Exmo. Sr. Secretário da Educação, pleiteando a criação de um curso de Ginásio, junto a um dos Grupos Escolares do Estado, para funcionamento noturno, levando em conta a existência de um Ginásio Público para atender as necessidades escolares de Santa Maria 

Os vereadores trabalhistas de Santa Maria procuravam cumprir as premissas apresentadas no programa de propostas do PTB. Ao defender a instalação de novos grupos escolares na cidade, verifica-se um alinhamento das políticas sociais de Getúlio Vargas e as ideias de Alberto Pasqualini (2001, p. 86) que justificava o desenvolvimento social por meio de “construção de patronatos, colégios para menores, escolas noturnas, escolas técnico – profissionais”.

Os embates políticos no Legislativo municipal também buscavam soluções para outras questões sociais e econômicas que emperravam o desenvolvimento econômico e social de Santa Maria. O racionamento de luz que ocorria na cidade prejudicava a instalação de indústrias e por consequência não possibilita um aumento no número de empregos para a comunidade local. Confirma-se essa assertiva frente às palavras, proferidas, de acordo com Ata nº. 13/1952, pelos dos vereadores Hélio Helbert dos Santos (PSD) e Walter Cechella (PRP): 

[…] o vereador Hélio Helbert do Santos […] ofereceu à Casa uma série de observações técnicas recolhidas pelo Sr. Backman, técnico em eletricidade residente nesta cidade e que faz parte da comissão de vereadores que visitou a usina, na qualidade de assessor técnico; as revelações apresentadas deixam claro que os racionamentos propositais visam aumentar mais os lucros da companhia que explora os serviços de força de luz, nesta cidade, de vez que a usina tem capacidade […] para iluminar a cidade e as residências […] que mensalmente pagam as tarifas cobradas. […] conclui por afirmar que se não forem tomadas medidas enérgicas e que se não for feita pressão permanente, a SUDAM nada fará em favor da coletividade […] o vereador Jorge A. Mottecy, em reforço, afirmou que esse velho jogo da SUDAN que pretende forçar uma revolta popular forçando o governo, consequentemente, a encampação, pelo governo de sua velha maquinaria.  

A energia elétrica em Santa Maria era explorada, conforme Costa Beber (1998), pela SUDAM (Companhia Sul Americana de Serviços Públicos), uma empresa privada canadense. Todavia, seus serviços não eram de boa qualidade e os santa-marienses pagavam altos valores pela assistência da companhia. Essa questão proporcionou acusações por parte da bancada oposicionista, que afirmou que o Executivo local não tomava posições enérgicas para solucionar estas crises, favorecendo os interesses privados que vislumbravam a encampação da SUDAM pelo governo do Estado, desfazendo-se de sua retrógrada tecnologia.

Os representantes trabalhistas no Legislativo santa-marienses, frente às acusações de passividade em relação aos serviços da SUDAM proferidas pelos vereadores Hélio Helbert dos Santos (PSD) e Walter Cechella (PRP), posicionaram-se defendendo a implantação de um racionamento nas vitrines no centro do município, a fim de beneficiar a iluminação pública de vários bairros da cidade. Defenderam essas propostas os vereadores trabalhistas Helena Ferrari Teixeira, Faustino Cauduro e Firmino Ventura dos Santos,  que cobravam da diretoria da SUDAM “[…] um pronunciamento no sentido que fique claro se, após a chegada do quadro de controle, por um prazo de 60 dias, em face da modalidade de racionamento […] que estaria resolvido o problema da luz, em santa Maria” (Ata nº. 25/1952). 

O racionamento de energia elétrica permaneceu na cidade de Santa Maria, entretanto, ocorreram embates na Câmara dos Vereadores na tentativa de encontrar soluções para a crise. Essas atitudes dos edis santa-marienses possibilitaram que o problema do abastecimento de luz fosse definitivamente sanado, no entender de Costa Beber (1998) em 1955, por meio da encampação da empresa pelo governo do Rio Grande do Sul.  

Os representantes trabalhistas no legislativo municipal demonstravam-se participativos e denunciavam os entraves que não permitiam êxito de suas propostas reformistas para a comunidade local. Nesse sentido, denunciaram os problemas do transporte coletivo em Santa Maria, e ainda buscavam soluções para esses impasses sobre os quais a vereadora Helena Ferrari Teixeira sugeriu “[…] providências para o cumprimento do contrato por parte da empresa Medianeira que vem desrespeitando o que foi aprovado por esta casa quanto ao itinerário” (Ata nº. 86/1953). 

Verifica-se que os vereadores petebistas em consonância com os representantes de outras legendas no Parlamento Municipal almejavam o desenvolvimento econômico e social para os santa-marienses. Para tanto, apresentaram propostas reformistas em relação à infraestrutura da cidade, o que geraria um maior número de indústrias no município e, por conseguinte, um aumento no número de ofertas de trabalho melhorando as condições de vida da população local.

Nessa conjuntura, observaram-se ainda fortes críticas ao governo federal e à pessoa do Presidente Getúlio Vargas pela bancada oposicionista. O vereador Jorge Mottecy (PSB), no seu discurso de 4 de abril de 1952, registrado na Ata nº. 4/1952, proferiu as seguintes palavras:

[…] o perigo que cada dia mais claro se mostra no horizonte brasileiro. O perigo de um golpe. Queremos alertar os vereadores para que não aconteça o que aconteceu em 1937 quando as liberdades públicas foram varridas do Brasil. É querer golpear tudo o que representa a democracia em nossa pátria. […] São vários os Generais do Exército que alarmam a opinião pública, para que a mesma peça um golpe, e o Sr. Jango Goulart diz que o Sr. Getúlio Vargas pretende resolver os problemas com ou sem partidos. 

Os vereadores trabalhistas, em meio às palavras do Sr. Jorge Mottecy, manifestaram-se contrários às proposições por ele deferidas à política Varguista e à acusação de ser o Presidente um ditador em potencial. A parlamentar petebista Helena Ferrari Teixeira, conforme registros na Ata nº 4/1952, interrompeu o discurso alegando “não ter o Sr. Getúlio Vargas encontrou apoio nos deputados da oposição.”. Além dos ataques à política em nível nacional, os vereadores oposicionistas santa-marienses atacaram o governo trabalhista do município através dos edis Jorge Mottecy (PSB) e Hélio Helbert dos Santos (PSD) afirmando que “[…] a Câmara continue se reunindo extraordinariamente, pois estamos convictos de que se a Câmara não procurar resolver os problemas, o Executivo não o fará” (Ata nº. 4/1952).    

O pronunciamento da oposição afirmando que o Executivo municipal não resolvia os problemas de Santa Maria gerou protestos por parte dos trabalhistas no Legislativo. O vereador petebista Firmino Ventura, defendendo o governo municipal, declarou que “[…] recebia as críticas feitas ao governo dos colegas Hélio Helbert dos Santos e Jorge Mottecy […] protestou contra o termo ‘descalabro’ atribuído pelo colega Hélio Helbert dos Santos ao Governo Trabalhista em Santa Maria” (Ata nº. 4/1952). 

Desse modo, o clima político dentro da Câmara dos Vereadores de Santa Maria era conflituoso, onde ocorriam debates sobre a política em âmbito nacional e local, e a imprensa santa-mariense, por sua vez, acompanhava esses acontecimentos políticos promovidos pelos vereadores deste município. Nesse sentido, o jornal A Razão de 9 de outubro de 1952 (p.8), publicou em suas páginas o pronunciamento do vereador do PTB Aristides Lemos dos Santos, retratando os acontecimentos dentro da Assembléia Legislativa de Santa Maria: “tem alguns vereadores se preocupando muito mais com as questões partidárias do que com o cumprimento do dever”. No mesmo discurso, o representante trabalhista atacou veementemente o legislador do PSB Pedro Álvares afirmado que “o atual nobre vereador do PSB, nesta casa, tem procurado arrastar a câmara para o caos político, para o labirinto da demagogia” (p.8). 

A composição do Legislativo municipal, entre os anos de 1951-1954, contava com maioria oriunda do PTB, apesar disso verificou-se intensos debates entre trabalhistas e oposicionistas, representados pelo PSD, PSB, PRP e PL. Todavia, esses embates políticos dentro do Parlamento santa-mariense identificavam-se pelas tratativas por melhorias econômicas e sociais para a comunidade local.  

Concomitantemente com os acontecimentos políticos dentro do Legislativo santa-mariense, verificou-se que as greves ocorridas pelo Brasil por melhoria salarial também estiveram presentes em Santa Maria, bem como manifestações por melhorias nas condições de vida da população. Destacou-se, além das reivindicações salariais, as críticas referentes à alta dos preços dos alimentos decorrentes da inflação e do desemprego. Nesse período histórico (1951-1954), os empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, em Santa Maria, tomaram a dianteira dos acontecimentos organizando greves, passeatas, reuniões com autoridades municipais, estaduais e federais11. Os movimentos organizados pelos ferroviários santa-marienses são descritos pelo jornal local A Razão no dia 16 de maio de 1951, p. 6, da seguinte maneira:

Em greve os ferroviários […] estourou às 9 horas de ontem, o movimento grevista dos ferroviários santa-marienses. Falando ao representante de A Razão, o Sr. João Goulart, Secretário do Interior do coronel Ernesto Dornelles, chegado na tarde de ontem em Santa Maria, declarou que o governo não pretende perseguir nenhum dos integrantes da comissão organizadora da parede. O deputado Goulart seguiu ontem mesmo para Porto Alegre, a fim de relatar os sucessos de Santa Maria ao chefe do Executivo.

Observa-se nesse universo político que a cidade de Santa Maria mantinha uma estreita ligação com representantes trabalhistas da alta esfera administrativa, seja a nível regional ou federal, como foi demonstrado pela presença de João Goulart junto aos ferroviários santa-marienses. João Goulart, quando interferiu nesse movimento grevista organizado pelos ferroviários locais, ocupava além do cargo de Secretário do Interior do Governador Ernesto Dornelles, o cargo de Deputado Federal e presidente do PTB no Rio Grande do Sul (BODEA, 1992). 

Nesse sentido, o PTB local configurou-se como um dos principais partidos santa-marienses, pois verifica-se tal proposição pelo resultado obtido nas urnas, e/ou pela rede favorável que se consolidou junto a representantes trabalhistas na esfera estadual e federal. Contudo, observa-se que ocorreram rupturas na diretoria do PTB local, que se caracterizou por constantes trocas de sua Executiva Municipal como retrata o jornal A Razão de 18 de dezembro de 1953, p. 6, ao destacar que: 

Segundo fonte bem informada, anteontem à noite renunciaram os membros do diretório municipal e executivo do PTB, de Santa Maria. Por ocasião de reunião realizada na sede partidária, foi escolhida uma Junta Governativa. A referida Junta Governativa entrará em atividade após a anuência do Diretório Estadual, que deverá referendar a decisão dos trabalhistas locais e terá exercício até a próxima eleição do novo diretório municipal.

O PTB santa-mariense apresentava problemas estruturais, simbolizados pelas trocas em sua direção municipal, contudo a agremiação continuava atuando no cenário político local, por meio de reestruturações de seu diretório, uma vez que representava a figura pública de Getúlio Vargas e suas propostas políticas trabalhistas. 

Ao mesmo tempo os representantes trabalhistas locais eram procurados para resolver os problemas dos trabalhadores santa-marienses, seja através de paralisações ou de pedidos formais aos vereadores. Verifica-se essa assertiva frente à manifestação da legisladora Helena Ferrari Teixeira na Câmara de Vereadores, publicada pelo jornal A Razão no dia 31 de agosto de 1952, p. 5, quando ela afirma que “infelizmente não posso conseguir empregos para todos que me procuram”. Essa declaração da vereadora petebista Helena Ferrari Teixeira sugere ainda a presença do paternalismo na sociedade santa-mariense, pois segundo Agostini (2003, p. 91) “na época, era valorizada a indicação, como por exemplo, para a ocupação de vagas para empregos”.   

É pertinente salientar que a situação econômica santa-mariense, como a do contexto nacional nesse período, passava por uma significativa crise proporcionada pela alta inflação que retirava dos trabalhadores o poder de consumo e gerava desemprego na cidade. Isto é evidenciado no momento em que a vereadora trabalhista Helena Ferrari Teixeira não conseguia dar conta das solicitações de emprego enviadas para as lideranças trabalhistas locais. 

A situação política e econômica de Santa Maria agrava-se a cada manifestação e paralisação realizada pelos ferroviários locais, pois a cada movimento organizado por estes ocorriam represálias por parte de setores administrativos da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, como por exemplo, demissões e transferências de setores dentro da empresa. A reportagem do dia 9 de agosto de 1952, p. 5, do jornal A Razão demonstrou essa situação emblemática dos trabalhadores ferroviários locais informando que 

[…] a Viação Férrea usando de uma política que não encontra explicações razoáveis, está tomando sérias represálias contra operários que como toda a gente, que participaram da greve. Assim, durante o dia de ontem, foram dispensados numerosos diaristas da ferrovia, bem como transferidos de secções de outros servidores.

Essa desconfortável situação atingiu a sociedade local que passou a exigir das lideranças políticas santa-marienses uma intervenção, em especial da Câmara de Vereadores. Assim, os legisladores passaram a agilizar sessões extraordinárias buscando soluções para os trabalhadores ferroviários santa-marienses, conforme o Jornal A Razão de 9 de agosto de 1952, p. 5, notícia: 

Vereadores com assento na Câmara local iniciaram inúmeras démarches, sendo possível, inclusive, a convocação de uma sessão extraordinária do Legislativo local para tomar conhecimento do assunto e providenciar junto a poderes superiores para contornar essa difícil conjuntura. Aliás a Câmara de Vereadores que teve um papel saliente nos acontecimentos, é voz geral, não deixará de atender os reclamos de numerosas famílias colocadas de um momento para outro numa situação angustiante. […] gestos como estes não passam sem a condenação da sociedade que almeja bom senso e não represálias sombrias como a solução para problemas que dia a dia ficam mais graves.

A situação dos trabalhadores ferroviários locais era desanimadora, pois além das perdas salariais passaram a enfrentar o problema do desemprego. Contudo, verificou-se o empenho dos vereadores petebistas santa-marienses para resolver a questão dos trabalhadores ferroviários afastados do seu trabalho e por sofrerem represálias por parte da administração da Viação Férrea do Rio Grande do Sul. O vereador do PTB Firmino Ventura dos Santos, conforme registros da Ata nº. 34/1952:  

[…] congratulou-se com os servidores da nossa ferrovia pela ordem de regresso ao trabalho, solicitando que em ata suas congratulações fossem consignadas, como homenagem a esses abnegados funcionários, vítimas que foram de represálias por parte dos responsáveis pela direção da Viação Férrea. Manifestaram-se solidariedade as congratulações propostas pelo vereador Firmino dos Santos, os legisladores Antônio Lozza, Patrício de Oliveira Flores, Helena Ferrari Teixeira e Pedro Veríssimo Gomes Filho.    

Em defesa dos trabalhadores ferroviários santa-marienses, os vereadores petebistas locais receberam amparo de legisladores de outros partidos no Parlamento municipal em busca de soluções para esta crise. Demonstra-se essa assertiva frente ao apoio prestado ao vereador do PTB Firmino Ventura dos Santos durante seu pronunciamento pelos parlamentares oposicionistas Antônio Lozza (PSD) e Pedro Veríssimo Gomes Filho (PSP).

Em meio a estes acontecimentos, o PTB local procurava aumentar sua força política por meio da ampliação no número de diretórios petebistas pelo interior do município, trazendo importantes representantes trabalhistas para discursar na cidade, como o General José Diogo Brochado da Rocha. Essa ampliação do PTB de Santa Maria foi acompanhada pelo jornal A Razão do dia 2 de outubro de 1952, p. 3, ao destacar: 

Iniciando o programa de ampliação do número de centros partidários, sub-diretórios, encetado pelo Partido Trabalhista Brasileiro, núcleo de Santa Maria, foi instalado solenemente na manhã de domingo último, com a presença de altas autoridades do Trabalhismo, entre as quais, o General José Diogo Brochado da Rocha, Dr. Armando Pereira, Dr. Zeocádio Antunes e outras, o sub-diretório na Vila Carolina […] nessa oportunidade falaram diversos oradores, entre os quais, o general José Diogo Brochado da Rocha, Sr. Raul Valandro, presidente do PTB nesta cidade, Sr. João Pedroso, presidente do sub-diretório que acabava de ser instalado, prefeito Heitor Campos  e outros oradores, que disseram da importância do ato, tecendo ainda referências elogiosas ao novo presidente de honra do sub-diretório, Sr. Bismar Borges.   

O crescimento do PTB local por meio do aumento de diretórios do partido no município contou em seu favor com a nomeação de João Goulart para o Ministério do Trabalho do governo Vargas. A ascensão de Goulart para a Pasta do Trabalho significou para os trabalhadores brasileiros a possibilidade de melhorias sociais devido a sua maneira informal de atuar politicamente, abrindo espaços para o crescimento do movimento sindical, que passou a atuar em várias esferas da vida pública (FERREIRA, 2005). 

Nessa ótica, evidenciou-se uma maior participação política dos sindicatos e das agremiações de trabalhadores de Santa Maria, que passaram a discutir sobre diversos assuntos da vida política da cidade. O jornal A Razão de 24 de dezembro de 1953, p. 6, assim notícia: 

Contrários os Sindicatos à majoração dos preços da carne […] os Srs. José Onésio Barbosa Pereira do Sindicato dos Gráficos, Fernandes Teixeira da Indústria de Alimentação, Júlio augusto Helder e Olegário Melo da Indústria de Vestuários, Setembrino Ajala do Sindicato dos Eletricistas, Vicente Rodrigues do Sindicato das Indústrias de Madeira, Achiles Flores, dos Viajantes e Pantaleão Lopes, dos Empregados do Comércio, expuseram, com toda a franqueza, aos nossos redatores o modo de pensar em torno do assunto, declarando textualmente que ‘são contrários à qualquer majoração no preço da carne’. Esclareceram que os preços sobem astronomicamente e que não é possível suportar novos acréscimos, notadamente na carne, em que inclusive, está sendo cogitado um aumento que dificulta, em muito, a aquisição do produto (p.6).

Nota-se que os sindicatos de Santa Maria participavam dos embates políticos locais, unindo-se para questionar o aumento no preço da carne, defendendo os interesses dos trabalhadores santa-marienses. A união destes sindicatos em defesa dos interesses dos trabalhadores locais permite sugerir que a comunidade santa-mariense estava refletindo os problemas econômicos nacionais, sobretudo a inflação que eleva o custo de vida da população brasileira.    

A postura política de João Goulart à frente do Ministério do Trabalho, no qual os sindicatos tiveram uma maior autonomia política, gerou por parte dos setores conservadores a desconfiança que o Ministro estava agindo por interesses próprios, almejando atingir cargos políticos mais elevados. Nesse sentido, Santa Maria foi salientada em nível nacional pelo jornal Correio da Manhã do Rio de Janeiro, conforme descreve o jornal A Razão do dia 20 de novembro de 1953, p. 4, onde foi apontada como centro difusor das idéias Janguistas:

Prepara-se o Sr. João Goulart para disputar as eleições no Rio Grande […] escreve o Correio da Manhã do Rio: ‘o Sr. João Goulart acaba de tomar a primeira providência para expandir, no Rio Grande do Sul, o movimento que visa levar os sindicatos a participar da política e, como ninguém ignora, em seu proveito pessoal. Nomeou delegado regional do trabalho nesse estado o Sr. Moacir de Souza, seu oficial de gabinete que há anos faz política no Rio Grande […] podemos ainda informar que o Sr. Moacir de Souza tentará atrair para a aventura ‘Janguista’ os sindicatos da capital e das cidades do interior. Santa Maria, entroncamento ferroviário, figura como uma das primeiras cidades a ser inspecionada pelo novo instrumento de Jango’.   

Nessa conjuntura, observa-se a importância política do trabalhismo em Santa Maria que passou a ser destacada em nível nacional como centro difusor das propostas políticas trabalhistas disseminadas na comunidade local por meio do PTB. 

A oposição ao Ministro do Trabalho João Goulart, que foi acusado em âmbito nacional pela UDN de querer implantar uma República Sindicalista no Brasil, também se fez presente no imaginário político local. O jornal A Razão em Santa Maria esteve atento a essas declarações dos oposicionistas do governo de Getúlio Vargas e constantemente relatava em suas páginas as acusações ao Ministro do Trabalho, como no dia 14 de fevereiro de 1953, p. 1, em que reportava a seguinte manchete: “João Goulart em articulações a favor da República Sindicalista”. Observa-se que a configuração em nível nacional de um movimento de oposição à permanência do Ministro do Trabalho, o que levou à sua renúncia em fevereiro de 1954. 

A renúncia de João Goulart da pasta do Trabalho do governo Vargas repercutiu na sociedade santa-mariense, principalmente entre os trabalhistas. A imprensa local através do jornal A Razão deu ampla cobertura ao acontecimento, com destaque para a publicação do dia 23 de fevereiro de 1954, p. 6, ao retratar a: 

A solidariedade dos trabalhadores santa-marienses a João Goulart […] repercutiu fortemente em Santa Maria, a notícia da saída do Sr. João Goulart da pasta do Trabalho. Os meios trabalhistas, particularmente, estiveram atentos ao noticiário dos últimos acontecimentos ligados ao presidente nacional do PTB. Foram envidados dois telegramas, um ao Sr. Getúlio Vargas e outro ao Sr. João Goulart […] é o seguinte o telegrama enviado ao Sr. João Goulart […] ‘os trabalhadores de Santa Maria, reunidos em memorável sessão manifestam ao seu eminente chefe nacional identificável solidariedade partidária, certos de que V. Excia. à frente do Ministério do Trabalho, vinha realizando uma grandiosa obra em favor dos trabalhadores de acordo com os postulados do nosso partido, constituindo-se numa esperança para os vereadores trabalhistas’ (p.6).               

A saída de João Goulart do Ministério do Trabalho foi percebida de forma negativa pelo PTB local, pois a imagem do ex-ministro manteve-se inalterada perante os trabalhistas santa-marienses. Essa assertiva é demonstrada pelo jornal A razão do dia 5 de maio de 1954, p. 6, ao noticiar: 

O centro Cívico João Goulart, de nossa cidade, encontra-se atualmente empenhado num programa de intensa atividade, em torno do nome do seu patrono, o ex-ministro do trabalho […] todos os Sindicatos de Trabalhadores de nossa cidade se farão representar, através de seus líderes, justificando o nome do ex-ministro do trabalho. 

A substituição de João Goulart no Ministério do Trabalho significou uma perda para os trabalhistas santa-marienses e colaborou para acelerar as crises do governo de Getúlio Vargas em nível nacional e local, pois no entender de Gomes; D’Araújo (1989, p. 65) o Ministério do Trabalho era o “ponto nevrálgico da crise política do governo”. Nesse ambiente de desgaste político, o governo de Getúlio Vargas não encontrava forças políticas para enfrentar os ataques da oposição, que incessantemente pedia a sua renúncia, tanto no Congresso Nacional ou por meio da imprensa. Essa situação levou ao final traumático de Getúlio Vargas em 24 de agosto de 1954 (GOMES; D’ARAÚJO, 1989). 

A notícia do suicídio de Vargas correu o país de diferentes formas. No entender de Ferreira (2005, p. 167) houveram “motins populares no Rio de Janeiro, a violenta insurreição em Porto Alegre, protestos em São Paulo e Belo Horizonte e a incredulidade e amargura manifestadas em outras capitais do país”. Santa Maria, por sua vez assistiu o desfecho trágico do governo Vargas de forma entristecida, como demonstra o jornal A Razão do dia 25 de agosto de 1954, p. 5, afirmando que “Santa Maria recebeu profundamente contristada a morte trágica de Getúlio Vargas […] o diretório municipal do PTB reuniu na praça Saldanha Marinho milhares de pessoas que ouviram consternadas as palavras dos oradores”. 

A bancada trabalhista no Parlamento Municipal também se pronunciou perante a morte de Getúlio Vargas. O vereador petebista Moacir Santana (Ata nº. 216/1954) referiu-se ao ex-presidente como o líder político que proporcionou o alvorecer de um novo Brasil, por meio da independência econômica que acarreta melhorias sociais para a população brasileira.  Em seu pronunciamento em homenagem à memória de Getúlio Vargas, o legislador sugeriu que as comemorações do aniversário da Independência do Brasil fossem marcadas pelo silêncio:    

[…] transcorre a 7 de setembro próximo mais um aniversário de nossa independência. Será a data do silêncio. De silêncio e de homenagem à memória desse grande líder desaparecido, que foi o Presidente Getúlio Vargas. […] marco inicial de uma nova era, o caminho de uma nova independência para o Brasil, a independência moral e econômica, sufocadas pelas forças negativistas, que vem oprimindo a alma do nosso povo. 

Percebe-se que a comunidade local e os trabalhadores santa-marienses demonstraram profundo pesar pela morte de Getúlio Vargas. Contudo, os protestos foram marcados pela ordem, como salienta o jornal A Razão em 28 de agosto de 1954, p. 6, reportando que “Reina a mais absoluta ordem em Santa Maria […] até agora não foi registrada nenhuma ocorrência referente à quebra da ordem e da calma que imperam na nossa cidade”. 

O getulismo caracterizou a política santa-mariense, sendo a imagem de Getúlio Vargas mantida acima dos interesses partidários. Nesse sentido, o PTB local representava a personificação de Getúlio Vargas com suas políticas públicas de cunho social e trabalhista.   

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante o Estado Novo Getúlio Vargas procurou, em nível nacional, modernizar a economia brasileira, concentrando-se na industrialização e no desenvolvimento do comércio interno. Para legitimar seu governo buscou a afirmação de sua imagem pública perante os trabalhadores brasileiros, através da política trabalhista que vinha implantando no país desde o início da década de 1930, que atingiu seu ápice em 1943 com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A deposição de Getúlio Vargas em outubro de 1945, significou o fim da ditadura estadonovista e marcou o início de um processo de abertura democrática na política brasileira. Novos partidos dominaram a cena política do Brasil, entre eles destacaram-se a UDN, o PSD e o PTB, além do PCB que retornou da clandestinidade. 

Nesse contexto político, ocorreu a personificação de Getúlio Vargas onde as melhorias sociais eram atribuídas à atuação política do ex-presidente, configurando-se dessa forma o Getulismo na política brasileira. O PTB significou para os trabalhadores brasileiros a manutenção da figura política de Getúlio Vargas e a continuação das políticas trabalhistas no Brasil. Ocorreu uma associação entre Trabalhismo, Getulismo e o PTB, despontando este como uma legenda de expressiva votação em nível nacional.  

As características do contexto político nacional apresentado influenciaram significativamente o cenário político santa-mariense, entre os anos de 1951-1954, principalmente no que se refere às políticas públicas trabalhistas de Getúlio Vargas, difundidas na comunidade local pelo PTB.  

Entende-se que a afirmação do trabalhismo em Santa Maria ocorreu por um lado, devido às expressivas vitórias que o PTB local adquiriu nas disputas eleitorais, com destaque à conquista da Prefeitura Municipal e da maioria no Legislativo santa-mariense nas eleições de 1951, caracterizando a cidade de Santa Maria como um reduto getulista; por outro lado, pelas propostas políticas reformistas apresentadas pelos trabalhistas referentes à infraestrutura do município, em que vislumbravam melhorias no setor educacional, nos transportes coletivos e na regularização no serviço de abastecimento de energia elétrica, que acarretaria o crescimento industrial da cidade, gerando empregos para amenizar a desigualdade social existente na comunidade local. 

Quanto ao cenário político local, verificou-se que ocorriam intensos embates políticos no Parlamento Municipal entre os legisladores trabalhistas que representavam a maior bancada e os vereadores opositores oriundos do PSD, PSB, PRP PSP e PL referente à política em âmbito nacional, regional e local. Contudo, os interesses da comunidade santa-mariense estiveram, muitas vezes, acima dos interesses partidários, pois os edis oposicionistas cobravam soluções para os principais problemas do município de Santa Maria, contribuindo para a realização de obras de infra-estrutura no município.  

Assim, o PTB em Santa Maria significou para os trabalhadores locais a possibilidade de assegurar seus direitos sociais, pois cada greve e cada manifestação organizada por estes, reivindicando melhorias salariais, repercutiam dentro do Parlamento Municipal, que por sua vez organizava sessões extraordinárias no sentido de defender as reivindicações do operariado santa-mariense. A atenção dedicada aos trabalhadores locais acontecia porque no recorte temporal proposto (1951-1954) o Prefeito municipal Heitor da Silva Campos e a maioria na Câmara de Vereadores era do PTB.  

As manifestações dos trabalhadores santa-marienses, além das repercussões em nível local, também despertaram a atenção de importantes personagens do trabalhismo em âmbito nacional, como por exemplo João Goulart, que procurava pelo viés da conciliação encontrar soluções para as crises enfrentadas pelos trabalhadores de Santa Maria. Desse modo, Santa Maria, entre os anos de 1951-1954, engendrou-se no contexto político nacional, em que verificou-se o entrelaçamento entre a liderança política de Getúlio Vargas e o PTB inseridos em  um projeto político trabalhista, sendo que a figura pública de Getúlio Vargas permaneceu acima dos interesses partidários.  

2Aliança Liberal foi uma agremiação político-partidária formada por oligarquias regionais, destacando-se a do Rio Grande do Sul, a de Minas Gerais e da Paraíba apoiando a candidatura de Getúlio Vargas para a presidência da República opondo-se a candidatura de Júlio Prestes, nas eleições presidenciais de 1 de março de 1930 (FLORES, 2004).
3Aliança Liberal foi uma agremiação político-partidária formada por oligarquias regionais, destacando-se a do Rio Grande do Sul, a de Minas Gerais e da Paraíba apoiando a candidatura de Getúlio Vargas para a presidência da República opondo-se a candidatura de Júlio Prestes, nas eleições presidenciais de 1 de março de 1930 (FLORES, 2004).
4A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi um partido político surgido em 1932 defendendo o lema – Deus, Pátria e Família, caracterizando-se pelo nacionalismo exacerbado e pela luta contra o comunismo. Seu principal líder foi o jornalista Plínio Salgado (BRUM, 1988). 
5Intentona Comunista de 1935: Levante militar organizado por membros da ANL que objetiva assumir o controle da política nacional. Iniciou em 23 de novembro de 1935, em Natal, Rio Grande do Norte, e foram ainda observadas rebeliões em Recife e no Rio de Janeiro. Os revoltosos foram vencidos pelas forças militares que apoiavam o governo de Getúlio Vargas (FAUSTO, 2001).   
6Plano Cohen foi um “pretenso plano comunista apresentado pelo capitão Olímpio Mourão Filho, chefe do Estado-Maior da Milícia e do Serviço de Informações da Ação Integralista Brasileira. O plano falso teria o objetivo de derrubar o governo de Vargas, implantando um regime comunista. A divulgação do documento permitiu ao Exército pressionar Vargas a votar o retorno do Estado de Guerra, em 1.10.1937. No dia 10.11.1937 caía a democracia com a instauração do Estado Novo” (FLORES, 2004, p. 478).   
7A Campanha do Marmiteiro foi arquitetada por Hugo Borghi em oposição ao candidato da UDN, Eduardo Gomes, que em um de seus discursos utilizou a expressão malta ao se referir aos seguidores de Getúlio Vargas. Rapidamente a expressão foi associada a marmiteiro e por consequência aos trabalhadores, desencadeando um movimento em nível nacional de aversão ao candidato udenista, que foi acusado pelos trabalhadores de defender das elites (FERREIRA, 2005).      
8Raul Pilla era um político gaúcho, foi fundador do Partido Libertador (PL), em 1928, e Deputado Federal pelo Rio Grande do Sul em 1945, 1950, 1954 e 1962 (FLORES, 2004).  
9PSDA – O Partido Social Democrático Autonomista surgiu sob orientação de Ernesto Dornelles, no Rio Grande do Sul, em 1950, com o objetivo de fortalecer o apoio a Getúlio Vargas após a ruptura do PSD gaúcho com a executiva do PTB estadual (BODEA, 1992). 
10O PTB adquiriu a maior bancada na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul nas eleições de 1947 apesar da pequena diferença no número de votos, devido ao que Bodea (1992, p. 56) denominou de “mecanismo de sobras – que atribuía ao partido majoritário o número de cadeiras adicionais equivalente às sobras dos votos de todos os partidos em relação ao quociente eleitoral […] o PTB viu-se ainda mais beneficiado: obtinha 23 das 55 cadeiras da Assembléia Legislativa, contra apenas 16 atribuídas ao PSD”.   
11Como Santa Maria era entendida como um dos principais entroncamentos ferroviários do sul do Brasil, as greves organizadas por seus trabalhadores repercutiam com maior ênfase na imprensa local, contudo outros segmentos de trabalhadores santa-marienses paralisaram suas atividades com o objetivo de protestar contra o alto custo de vida na cidade. Dessa forma, Santa Maria assistiu uma paralisação de todas as atividades, como salienta o jornal A Razão do dia 8 de julho de 1954 (p. 6) “caracterizou-se greve geral de 24 horas como protesto ao alto custo de vida […]. Assim ferroviários, comerciários, choferes de automóvel de aluguel e ônibus, pessoal da usina elétrica, industriários e, mesmo elementos de algumas repartições públicas, bancários, enfim todas as classes participaram do movimento”.    

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1Doutor em Educação (ULBRA), Mestre em Ensino de Humanidades e Linguagens (UFN), graduação em História (UFN) e Administração (UNIFCV). Pós- doutorando em Educação (ULBRA).