REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10510165
Vanessa Diniz Kuivjogi
RESUMO
O presente trabalho teve por tema o papel regulador do Estado e o princípio da livre-iniciativa à luz da Constituição Federal de 1988, com o objetivo de analisar como conciliá-los no caso concreto, haja vista que a intervenção estatal na economia se dá, em sua maior parte, através das atividades de regulação e fiscalização, e, em contrapartida, o artigo 170 da CF elenca a livre-iniciativa como fundamento da ordem econômica, segundo a qual o Estado não deve restringir o exercício da atividade econômica, a não ser nos casos que envolvam a necessidade de proteção do consumidor e da sociedade. O estudo realizou-se com base na pesquisa doutrinária, legal e jurisprudencial sobre o tema. Para compreensão do assunto, apresentou-se o conceito de ordem econômica, de intervenção estatal direta e indireta, bem como discorreu-se sobre a livre-iniciativa e seu corolário, o princípio da livre-concorrência. Por fim, foram apresentados alguns casos apreciados pelo Poder Judiciário, em que este avaliou se houve restrição desproporcional ou inconstitucional por parte do Poder Público em relação ao desempenho das atividades econômicas.
Palavras-chave: Ordem econômica. Regulação. Livre-iniciativa.
1 INTRODUÇÃO
O artigo 170 da Constituição Federal de 1988 dispõe acerca da ordem econômica, e estabelece seus fundamentos, princípios e objetivos. De acordo com a norma em questão, a ordem econômica funda-se na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, e tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios ali estabelecidos.
Como é cediço, a ordem econômica é o conjunto de disposições constitucionais que regem a interferência do Estado na economia, a qual pode se dar de forma direta, com o próprio Poder Público explorando diretamente as atividades econômicas, ou indireta, através da atuação regulatória estatal.
Segundo o autor Leonardo Vizeu Figueiredo, a Constituição Federal de 1988 prevê a intervenção indireta do Estado na ordem econômica como regra, e permite, de forma excepcional, a intervenção direta, nos estritos limites das hipóteses previstas no texto constitucional.
Assim, tem-se que a maior intervenção estatal ocorrerá através das atividades de regulação e fiscalização, a fim de concretizar os valores socioeconômicos previstos na Constituição.
Por sua vez, no artigo 170 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) elenca três fundamentos da ordem econômica: valorização do trabalho humano, livre-iniciativa e existência digna. Destes três, destaca-se a livre-iniciativa, segundo a qual o Estado não deve restringir o exercício da atividade econômica, a não ser nos casos que envolvam a necessidade de proteção do consumidor e da sociedade.
A livre-iniciativa tem como corolário o princípio da livre-concorrência, que pressupõe a liberdade de competição entre os agentes econômicos, bem como a liberdade de escolha dos consumidores, a fim de que haja uma regulação natural do mercado, produzindo-se qualidade dos bens e serviços e preço justo.
Dessa forma, o Poder Público deve atuar para garantir que a concorrência ocorra de forma justa, evitando-se os abusos do poder econômico, de modo que haja uma relação equilibrada entre oferta e procura, e que qualquer pessoa que esteja em condições e deseje participar do ciclo econômico assim o possa fazer, sem qualquer interferência oriunda de interesses de terceiros (FIGUEIREDO, p. 99).
Assim, tem-se, de um lado, a livre-iniciativa e o livre exercício da atividade econômica e, de outro, a figura do Estado regulador, intervencionista. Dessa forma, pergunta-se: como conciliar o papel intervencionista do Estado e o fundamento da livre-iniciativa à luz da Constituição Federal de 1988?
Na prática, é possível constatar diversos casos que são apresentados ao Poder Judiciário, a fim de que este avalie se houve restrição desproporcional ou inconstitucional por parte do Poder Público em relação ao desempenho das atividades econômicas, como por exemplo a promulgação de lei municipal regulando o serviço de aplicativos de transporte por motoristas particulares, que foi objeto da ADPF 449, cujo relator foi o Ministro Luiz Fux.
Para o estudo do tema apresentado, serão utilizadas como base a pesquisa doutrinária, legal e jurisprudencial acerca da matéria.
2 ORDEM ECONÔMICA: CONCEITO, FUNDAMENTO DA LIVRE-INICIATIVA E PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA
De início, ressalta-se que a visão da constitucionalização da economia é decorrência das situações de abuso do poder econômico ocorridas durante o século XX, que levaram o constituinte a privilegiar o modelo capitalista, ressaltando-se, entretanto, que a finalidade da ordem econômica é assegurar a todos a existência digna, fundando-se nos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, razão pela qual admite-se a intervenção do Estado no domínio econômico (LENZA, 2015).
De acordo com Leonardo Vizeu Figueiredo (2014), ordem econômica é o conjunto de disposições constitucionais que disciplinam a intervenção estatal na atividade econômica, precipuamente naquelas que geram rendas e riquezas, e esta intervenção pode se dar de forma direta, com o próprio Poder Público explorando diretamente as atividades econômicas, ou indireta, através da atuação regulatória estatal.
Por sua vez, Eros Roberto Grau (2010, p.70) esclarece que a ordem econômica é parcela da ordem jurídica (mundo do dever-ser), e como tal, não é “[…] senão o conjunto de normas que institucionaliza uma determinada ordem econômica (mundo do ser)”.
A Constituição Federal, em seu artigo 170, dispõe acerca da ordem econômica, e estabelece seus fundamentos, princípios e objetivos, nos seguintes termos:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
De acordo com a norma em questão, a ordem econômica funda-se na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, e tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios ali estabelecidos.
Nesse ponto, ressalta-se que os valores sociais do trabalho e a livre-iniciativa são também fundamentos da República Federativa do Brasil, consoante artigo 1º, inciso IV da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).
De acordo com Figueiredo (2014), o artigo 170 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) enuncia os fundamentos que devem ser obedecidos pela atividade econômica e pela atuação do Estado, e que também são base da própria República Federativa do Brasil, pois, como dito, a valorização social do trabalho e da livre-iniciativa são fundamentos da República insculpidos no artigo 1º, inciso IV da Carta Magna.
Acrescenta o autor que valores são “[…] todos os preceitos fundamentais sobre os quais a sociedade se baseia, com primazia axiológica sobre os demais, uma vez que são essencialmente qualificados pelo direito, que lhes outorga cogência por meio da norma jurídica.” (FIGUEIREDO, 2014, p. 94).
Dessarte, os fundamentos insculpidos no artigo 170, a saber, valorização do trabalho humano e livre-iniciativa são garantias do princípio da dignidade da pessoa humana, razão pela qual o Estado deve atuar, de modo intervencionista, pela regulação e fomento, utilizando-se de políticas públicas para assegurar que tais valores sejam observados.
Nesse ponto, percebe-se que a livre-iniciativa decorre do liberalismo econômico de Adam Smith, presente na atual Constituição Federal, só que de forma mitigada, haja vista que o Estado atua como agente normativo e regulador da ordem econômica quando for necessário.
Para Eros Roberto Grau (2010, p. 202), o valor social da livre-iniciativa (artigo 1º, inciso IV, CF) e a livre-iniciativa prevista no artigo 170, caput, da Carta Magna consubstanciam princípios políticos constitucionalmente conformadores, ao passo que a livre concorrência (artigo 170, IV, CF) constitui princípio constitucional impositivo.
Numa visão ampla, Eros Grau afirma que a livre iniciativa é desdobramento da própria liberdade, que é consagrada como fundamento da República Federativa do Brasil, e não pode ser reduzida à liberdade econômica ou de iniciativa econômica, no aspecto puramente capitalista.
Assim, pontua que pode-se diferenciar liberdade pública e liberdade privada, nos seguintes termos (GRAU, 2010, p. 205-206):
Inúmeros sentidos, de toda sorte, podem ser divisados no princípio, em sua dupla face, ou seja, enquanto liberdade de comércio e indústria e enquanto liberdade de concorrência. A este critério classificatório acoplando-se outro, que leva à distinção entre liberdade pública e liberdade privada, poderemos ter equacionado o seguinte quadro de exposição de tais sentidos:
a) liberdade de comércio e indústria (não ingerência do Estado no domínio econômico):
a.1) faculdade de criar e explorar uma atividade econômica a título privado – liberdade pública;
a.2) não sujeição a qualquer restrição estatal senão em virtude de lei – liberdade pública;
b) liberdade de concorrência:
b.1) faculdade de conquistar a clientela, desde que não através de concorrência desleal – liberdade privada;
b.2) proibição de formas de atuação que deteriam a concorrência – liberdade privada;
b.3) neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condições dos concorrentes – liberdade pública.
Ademais, Eros Grau acrescenta que o princípio da liberdade de iniciativa econômica nunca foi consignado em termos absolutos, e que a liberdade de iniciativa econômica é liberdade pública, pois implica em não sujeição a qualquer restrição estatal, senão em virtude de lei, consubstanciando-se, igualmente, em garantia da legalidade (GRAU, 2010).
Dessa forma, uma vez visto o conceito de ordem econômica, bem como o que se entende por livre-iniciativa e livre concorrência, passaremos à análise da intervenção do Estado no domínio econômico.
3 O PAPEL INTERVENCIONISTA DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO
Conforme visto alhures, ordem econômica é o conjunto de normas constitucionais que visam disciplinar o processo de interferência do Estado na condução da vida econômica da Nação (FIGUEIREDO, 2014).
Assim, esta interferência pode se dar de maneira direta, através da exploração estatal das atividades econômicas, ou de modo indireto, através do monitoramento das atividades geradoras de riquezas pelos agentes econômicos, ou da normatização, regulação e correção das falhas do mercado interno, sempre em prol do bem comum e do interesse coletivo (FIGUEIREDO, 2014).
Dessarte, a regra é a intervenção indireta, admitindo-se apenas excepcionalmente a intervenção direta, nos estritos casos previstos pela própria Carta Magna, conforme teor do artigo 173 da CF (BRASIL, 1988), que assim preceitua, in verbis:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
Acerca da atuação indireta, explica o doutrinador Leonardo Vizeu Figueiredo que, como agente normativo e regulador, o Estado exerce tríplice função: fiscalizadora, incentivadora e planejadora, nos termos do artigo 174 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), abaixo transcrito:
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
Da leitura do artigo 174 da CF (BRASIL, 1988), pode-se concluir que a atuação do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica deve estar respaldada na lei, que delineará os limites de tal atuação, e só ocorrerá para resguardar os princípios constitucionais que orientam a ordem econômica.
No tocante à regulação econômica, Figueiredo apresenta a seguinte conceituação:
[…] por regulação econômica entende-se o ramo da economia que estuda o sistema econômico como um todo interativo, de forma a analisar a regularidade de preços e de quantidades produzidas, ofertadas e demandadas, por meio da interação entre as respectivas partes que o compõem, a saber, o Estado, as empresas, os credores, os trabalhadores, os consumidores e os fornecedores. Objetiva-se, com a regulação econômica, prevenir e corrigir, falhas de mercado, potenciais ou efetivas. Há que se ter em mente que a regulação jurídica, exercida pelo Estado, se trata de um dos instrumentos pelos quais a regulação econômica se operacionaliza. (FIGUEIREDO, 2014, p. 137).
Prossegue o mencionado autor ressaltando que toda regulação da atividade econômica deve ter a finalidade de promover valores sociais, efetivando a observância das políticas públicas norteadoras do planejamento econômico e social. Assim, conclui que só poderá haver regulação se existir uma das chamadas falhas de mercado, que podem ser, segundo ele, deficiência na concorrência; deficiência na distribuição dos bens essenciais coletivos; externalidades; assimetria informativa; poderio e desequilíbrio de mercado.
Logo, tem-se que só haverá regulação onde o mercado privado não consiga autorregular-se.
A autorregulação é uma das formas de regulação, que é exercida pelo próprio mercado, a exemplo das competições esportivas. Por sua vez, heterorregulação é a que advém do Estado, e pode ser feita pelas agências reguladoras ou por qualquer órgão ou entidade integrante da Administração Pública (FIGUEIREDO, 2014).
Em relação aos tipos de regulação, Leonardo Vizeu Figueiredo (2014) explica que esta pode ser econômica, cujo objetivo é prevenir práticas abusivas e corrigir assimetrias informativas em defesa do consumidor; pode se dar através da prestação de serviços públicos, cujo fito é garantir aos usuários a adequada prestação dos serviços por parte da Administração Pública ou por parte dos delegatários; também pode ser social, tendo por finalidade garantir o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, resguardando o acesso e o uso dos bens mínimos necessários à vida em sociedade; e por fim, pode ser também ambiental e cultural.
Por fim, os instrumentos de regulação são os institutos jurídicos que materializam, no plano concreto, a atividade reguladora estatal, sendo eles os atos normativos, a mediação, o exercício do poder de polícia sobre a atividade econômica e o fomento, o estímulo e a promoção a determinadas atividades.
4 CASOS CONCRETOS JULGADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL RELACIONADOS À INTERVENÇÃO ESTATAL NA ORDEM ECONÔMICA
Nesse tópico, serão apresentados alguns casos que foram levados ao Supremo Tribunal Federal envolvendo os questionamentos de agentes econômicos acerca de medidas estatais intervencionistas na economia, sob alegação de afronta à livre-iniciativa e ao princípio da livre concorrência, como se passa a expor.
A Confederação Nacional do Comércio – CNC ajuizou ação direta de inconstitucionalidade em face do artigo 1º da Lei n.º 7.844/92, do Estado de São Paulo, que assegurou aos estudantes regularmente matriculados em estabelecimentos de ensino o pagamento de meia-entrada do valor efetivamente cobrado para o ingresso em casas de diversão, de espetáculos teatrais, musicais e circenses, cinemas, praças esportivas e outros.
Segundo a entidade, a referida norma afrontava os artigos 170 e 174 da Constituição Federal, caracterizando-se indevida intervenção do Estado de São Paulo no domínio econômico, e que esta apenas poderia se dar, excepcionalmente, e ainda por atuação da União.
Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal, julgando improcedente a ADIN 1.950-3/SP, afirmou que, apesar de a livre-iniciativa ter papel primordial na CF de 1988, na composição com o direito à educação, à cultura e ao desporto, insculpidos nos artigos 23, inciso V, 205 e 217, §3º, também da Constituição Federal, deve prevalecer o interesse da coletividade.
Em igual sentido foi o julgamento da ADIN 3.512-6/ES, em que o Estado do Espírito Santo questionou a constitucionalidade da Lei Estadual n.º 7.735/04, que garantiu meia entrada para doadores regulares de sangue em todos os locais públicos de cultura, esporte e lazer mantidos pelas entidades e órgãos das administrações diretas e indiretas do Estado do Espírito Santo.
O Supremo Tribunal Federal entendeu que a livre-iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho, podendo ser exercida pelo Estado, e que o artigo 199, §4º da Constituição Federal, ao tempo em que veda todo tipo de comercialização de sangue, estabelece que lei infraconstitucional disporá sobre as condições e requisitos que facilitem a sua coleta. Assim, reiterou o entendimento de que na composição entre o princípio da livre-iniciativa e o direito à vida há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário.
Também chegou à Suprema Corte o questionamento acerca da legalidade de lei editada pelo Município de São Paulo, Lei n.º 8.794/78, que fixou o horário de funcionamento das farmácias do município.
No caso em questão, determinada empresa do ramo farmacêutico, que foi multada por funcionar fora da escala de plantão prevista em lei, objetivou reconhecer o direito de poder exercer seu comércio em filial fora dos horários estabelecidos na legislação, alegando ofensa aos princípios constitucionais da isonomia, da livre concorrência, da defesa do consumidor, da liberdade de trabalho e da busca do pleno emprego.
Pelo RE n.º 199.520-3/SP, entendeu o Supremo pela ausência de violação aos princípios constitucionais acima citados, ressaltando que a fixação de horário de funcionamento do comércio não viola a liberdade de trabalho, que pode ser regulamentada, visto não ser absoluta, bem como não infringe o princípio da busca do pleno emprego, que igualmente não possui caráter absoluto. Ademais, entendeu-se também por se tratar de matéria de competência do Município.
O último exemplo a ser apresentado é o RE n.º 349.686-7/PE, em que diversas distribuidoras de petróleo e a União interpuseram recursos extraordinários contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região que deferiu às empresas transportadoras-revendedoras retalhistas (TRR) de combustíveis autorização para vender álcool combustível, gasolina e gás liquefeito de petróleo (GLP).
No caso, as empresas TRR alegaram que a Portaria nº 62/95, que proibiu a quem exerce a atividade de transportador-revendedor-retalhista o comércio de gás liquefeito de petróleo, gasolina e álcool combustível, era ilegal e inconstitucional, por violar o princípio da livre-iniciativa.
Entendeu o STF que o exercício de qualquer atividade econômica pressupõe o atendimento aos requisitos legais e às limitações impostas pela Administração no regular exercício de seu poder de polícia, e que o princípio da livre-iniciativa não pode ser invocado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do consumidor.
Assim, a Suprema Corte conheceu do recurso e deu-lhe provimento para declarar a validade da Portaria 62/95 do Ministério de Minas e Energia.
5 CONCLUSÃO
Pelo exposto, pode-se concluir que o Supremo Tribunal Federal tem prestigiado a atividade regulatória do Estado na economia, mitigando, dessa forma, o princípio da livre concorrência e o fundamento da livre-iniciativa, os quais decorrem do liberalismo econômico proposto por Adam Smith.
Essa postura do Poder Judiciário confirma o modelo de Estado regulador/intervencionista adotado pela Constituição Federal de 1988, que prevê a intervenção indireta do Estado na ordem econômica como regra, e permite, de forma excepcional, a intervenção direta, nos estritos limites das hipóteses previstas no texto constitucional.
Em que pese o modelo de Estado regulador/intervencionista, restou claro que a intervenção estatal se justifica para garantir a concretização dos valores e princípios constitucionais socioeconômicos, e que só deverá ocorrer quando houver uma das chamadas falhas de mercado, nos casos em que o próprio mercado não consiga se autorregular.
REFERÊNCIAS
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