O PAPEL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NA UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

THE ROLE OF THE SUPERIOR COURT OF JUSTICE IN THE STANDARDIZATION OF JURISPRUDENCE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11089879


Camila Yuri Almeida Watanabe¹


Resumo

O presente artigo objetiva analisar a importância da uniformização da jurisprudência em um país de dimensões continentais como o Brasil, a fim de obter decisões coerentes e justas, e o papel de destaque exercido pelo Superior Tribunal de Justiça na garantia da estabilidade da jurisprudência e na efetividade do sistema jurídico brasileiro.

Palavras-chave: Direito. Justiça. STJ. Uniformização de jurisprudência.

ABSTRACT

This article aims to analyze the importance of standardizing jurisprudence in a country with continental size like Brazil, in order to achieve coherent and fair decisions, and the prominent role played by the Superior Court of Justice in ensuring the stability of jurisprudence and the effectiveness of the Brazilian legal system.

Keywords: Law. Justice. Brazilian Superior Court of Justice. Jurisprudence standardisation.

1. INTRODUÇÃO

A administração da justiça em uma sociedade tão diversa e complexa como a brasileira exige mecanismos que promovam tanto a eficiência quanto a segurança jurídica. Em sistemas judiciais complexos como o brasileiro, a uniformização da jurisprudência é uma necessidade intrínseca para garantir a segurança jurídica e a igualdade perante a lei. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), como a corte responsável por resolver questões infraconstitucionais de natureza civil e penal, desempenha um papel crucial neste contexto. Este artigo científico tem o objetivo de discutir o papel do STJ na uniformização da jurisprudência no Brasil.

Nesta investigação, exploraremos a influência do STJ na formação de uma jurisprudência coesa e uniforme, destacando os mecanismos legais e procedimentos empregados pelo tribunal para estabelecer precedentes jurídicos. Especial atenção será dada aos Recursos Especiais Repetitivos às Súmulas e às Suspensões em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, procedimentos que o STJ utiliza para lidar com questões jurídicas recorrentes e criar uma interpretação jurisprudencial consistente.

Por meio da análise da importância do STJ na consolidação da interpretação do direito infraconstitucional brasileiro, pretendemos contribuir para um maior entendimento sobre o processo de uniformização da jurisprudência.

2. A PROBLEMÁTICA DA JURISPRUDÊNCIA NÃO UNIFORME

Conforme a valiosa lição de Miguel Reale, o Direito é tridimensional, composto por fato, valor e norma.

Sendo assim, a teoria tridimensional do direito proposta por Miguel Reale considera valor como aquilo que busca o “ideal de justiça”: fato, como um fazer ou acontecer ligado à história, à cultura, à sociedade em geral; e norma, como o Direito da maneira como é visto, formalizado.

Segundo a lição dos Professores Alvaro de Azevedo Gonzaga e Nathaly Campitelli Roque:

A norma jurídica não resulta diretamente dos fatos, já que são dependentes da valoração realizada pelo homem em sociedade. Todo fato se correlaciona com um ou mais valores. A partir disso, um destes valores é escolhido pelo poder, originando a norma jurídica. O ato de decisão é uma característica importante da nomogênese jurídica. O poder que estabelece este ato é instituído constitucionalmente (norma legal) ou pela própria sociedade (norma costumeira). O ato de escolha e de decisão sempre existirá. E com isso uma determinada via ou diretriz se tornará obrigatória, dentre as várias existentes e possíveis, no campo das implicações fático-axiológicas próprias de cada conjuntura histórica. Ademais, este ato decisório coloca fim, ainda que momentâneo, à tensão fático-axiológica, fazendo com que a norma a norma jurídica se apresente como modelo vigente.²

Mas, para além do estudo da tridimensionalidade na criação das normas, especificamente no campo da interpretação dessas normas, que é o que nos interessa neste artigo, cabe fazer uma análise mais aprofundada sobre a valoração interpretativa das normas no âmbito do Direito brasileiro, traçando um paralelo entre a teoria de Reale e a problemática analisada, assim como fez Everaldo Tadeu Quilici Gonzales:

“(…) na Teoria Tridimensional do Direito há uma dimensão ontológica, pela qual Reale disseca o ser jurídico, há uma dimensão axiológica, pela qual Reale demonstra que a essência do fenômeno jurídico é sempre e necessariamente valorativa e, portanto, interpretativa.”³

Como se sabe, o território brasileiro ocupa uma área de 8.510.345,540 km²4 e dá ao país dimensão continental.

Além disso, a grande diversidade populacional (e.g., rural, urbana e litorânea) e cultural, estabelecidas no Brasil em razão de sua herança histórica (de país de populações indígenas, colonizado por Portugal, com utilização de mão de obra de povos africanos escravizados) e dos ciclos imigratórios (e.g. imigração libanesa,5 imigração italiana6 e imigração japonesa7), contribuíram e seguem contribuindo como fatores que tornam o país singular.

Assim, a despeito da estrutura jurídica da civil law, adotado pelo sistema brasileiro, em que a lei é a fonte imediata de direito, e da existência de uma legislação federal una e aplicável a todo o território nacional, composta pela Constituição Federal, no topo da hierarquia, e pelas demais Leis Federais, a aplicação das normas (que é sempre subjetiva, pois depende de agentes aplicadores que possuem diferentes valores) apresenta grande complexidade quando a questão é a uniformização.

Importante mencionar que, a despeito da adoção, pelo Brasil, do sistema romano-germânico, tendo a lei como fonte primária do Direito, não se excluem a jurisprudência, a doutrina e os princípios, que são fontes secundárias do direito, aplicáveis de forma subsidiária ao Direito positivado.

Sobre a influência da jurisprudência no ordenamento jurídico, Humberto Theodoro Junior leciona:

“Se a jurisprudência sempre foi influente no campo da interpretação do direito positivo, seu papel assume proporções muito maiores diante dos ordenamentos jurídicos materiais de nossos dias. É que a lei, de tempos a esta parte, tem se ocupado em escala sempre crescente de incorporar princípios éticos em suas normas, aproximando em grande volume regras jurídicas de preceitos e valores morais. Com isso, tornaram-se bastante frequentes enunciados legais que contêm cláusulas gerais e que positivam normas principiológicas.

Ora, princípios e cláusulas gerais que os adotam correspondem a normas jurídicas flexíveis e incompletas, em razão de seu conteúdo muito genérico e impreciso, e por inocorrência da explicitação dos efeitos e sanções que podem decorrer da respectiva infração. Em face de semelhante postura legislativa, é natural que caiba à jurisprudência, na sua força criativa complementar, estabelecer na sequência das demandas julgadas o melhor e mais adequado entendimento acerca da inteligência da cláusula geral e dos limites necessários de sua interpretação, bem como de seus efeitos práticos, diante de cada caso.”8

Segundo dados de 2022 do Conselho Nacional de Justiça,9 “[o] primeiro grau do Poder Judiciário está estruturado em 14.799 unidades judiciárias”, sendo que, em conjunto, a Justiça Estadual e a Justiça Federal possuem 9.136 varas.

Se pudéssemos considerar a aplicação do Direito como algo bidimensional, tendo como elementos apenas o fato e a norma, independendo de interpretação subjetiva, a questão da grandiosidade e diversidade do Brasil não seria um problema.

Contudo, essa grande quantidade de unidades judiciárias implica também em uma grande quantidade de intérpretes e aplicadores do direito, ou seja, juízes, cada qual com diferentes tipos de pensamento e valores, fatores que influenciam de maneira direta na prolação de decisões, que formam jurisprudência que, como dito anteriormente, são fontes secundárias do Direito brasileiro.

3. A CRIAÇÃO DO STJ COMO UM CAMINHO PARA SUPERAR O OBSTÁCULO DA SUBJETIVIDADE DA APLICAÇÃO DAS NORMAS

A Constituição Federal de 1988, que é um marco do reestabelecimento da democracia no Brasil, consagra a independência do Poder Judiciário brasileiro, conferindo-lhe autonomia funcional, administrativa e financeira, conforme artigo 2º de referido diploma, segundo o qual “[s]ão Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Além de reforçar as garantias dos membros do Poder Judiciário, ela também criou o STJ, incumbindo-o da garantia da uniformização na interpretação da legislação federal, com o intuito de solucionar a questão que envolve a subjetividade da aplicação da norma jurídica.

Para realizar sua incumbência constitucional, o STJ é formado por 33 ministros, escolhidos dentre brasileiros com mais de 35 e menos de 70 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. A nomeação dos ministros é feita pelo presidente da República, após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, nos termos do artigo 104 do texto constitucional abaixo destacado:

“Art. 104. O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, trinta e três Ministros.

Parágrafo único. Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo:

I – um terço dentre juízes dos Tribunais Regionais Federais e um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal;

II – um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indicados na forma do art. 94.”

A Constituição Federal de 1988 também promoveu uma revisão da competência do Supremo Tribunal Federal (STF), reservando-lhe a função de Corte Constitucional, e consagrando ao STJ, por meio de seu artigo 105, o exame e a solução de numerosas questões infra-constitucionais de grande relevância e repercussão social.

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I – processar e julgar, originariamente:

a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal;

c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea “a”, ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;

d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;

e) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados;

f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

g) os conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da União, ou entre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e da União;

h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;

i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;

II – julgar, em recurso ordinário:

a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória;

b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão;

c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País;

III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

§ 1º Funcionarão junto ao Superior Tribunal de Justiça:

I – a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira;

II – o Conselho da Justiça Federal, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante.

§ 2º No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento.

§ 3º Haverá a relevância de que trata o § 2º deste artigo nos seguintes casos:

I – ações penais;

II – ações de improbidade administrativa;

III – ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos;

IV – ações que possam gerar inelegibilidade;

V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça;

VI – outras hipóteses previstas em lei.”

O Tribunal da Cidadania, como é conhecido o STJ, foi instituído em abril de 1989 e, desde então, vem atuando como guardião e intérprete de leis infraconstitucionais que regulam o funcionamento da sociedade (daí a origem do nome “Tribunal da Cidadania”), ressalvada a competência das três justiças especializadas: a Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar.

Sobre o STJ, os Professores Cândido Rangel Dinamarco, Gustavo Badaró e Bruno Lopes lecionam:

“Logo abaixo da cúpula de todo o Poder Judiciário, na qual se situa o Supremo Tribunal Federal, encontra-se o Superior Tribunal de Justiça, também com sede no Distrito Federal e competência sobre todo o território nacional (Const., art. 92, par.). Constitui inovação da Constituição de 1988 e relaciona-se com os sistemas judiciários das chamadas Justiças comuns (Justiça Federal e Justiças estaduais); ele próprio é um órgão exercente da chamada jurisdição comum, na medida em que somente lhe cabem causas regidas pelo direito substancial comum (direito civil, comercial, tributário, administrativo) e não as regidas por ramos jurídico-substanciais especiais (eleitoral, trabalhista, penal militar).

(…)

Pela competência que lhe dá, a Constituição Federal apresenta o Superior Tribunal de Justiça como defensor e unificador do direito infraconstitucional nacional, Como defensor da lei federal compete-lhe julgar recursos interpostos contra decisões dos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais acoimadas de haverem contrariado ou negado vigência a tratado ou lei federal (art. 105, inc. III, letra a). Como unificador da interpretação do direito, cabe-lhe rever as decisões que derem à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal (art. 105, inc. III, c).”10

Voltando ao tema da diversidade populacional e cultural brasileira, a Constituição Federal, no intuito de garantir representatividade no tribunal que faz a interpretação da legislação que regula o funcionamento da sociedade, prevê que os ministros da Corte Superior tenham origem diversificada. Assim, um terço deles deve ser escolhido entre desembargadores federais, um terço entre desembargadores da justiça estadual e, por fim, um terço entre advogados e membros do Ministério Público:

“O STJ foi concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que a sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e coerente. Assim sempre ocorreu em relação ao STF, de que o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós – os integrantes da Corte- não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte. Melhor será extingui-la”¹¹

4. PECEDENTE E JURISPRUDÊNCIA

Antes de passarmos ao principal tema deste estudo, é importante classificar e diferenciar precedente e jurisprudência.

Isso, porque é comum a utilização dos dois termos como se sinônimos fossem. Contudo, tratam-se de dois institutos diferentes.

Assim, para fazer essa diferenciação, cumpre utilizar a cuidadosa análise feita por Michelle Taruffo¹², quando distingue os dois institutos por seu caráter quantitativo.

Sobre a diferença quantitativa, o autor menciona que é a mais fácil de se identificar, já que o precedente diz respeito a um caso, enquanto a jurisprudência diz respeito à pluralidade de casos sob análise.

Em seu texto, o autor ainda explica que para aplicação do precedente é necessário fazer uma análise comparativa entre o caso precedente e o caso sucessivo para que seja aplicado, sendo que essa análise dos fatos, que culminará na aplicação ou não do precedente, é feita pelo juiz do caso sucessivo.

No sistema brasileiro, como será melhor detalhado mais abaixo, a eficácia persuasiva do precedente decorre da escolha, feita, na situação em análise neste artigo, pelo STJ, de utilização daquele determinado caso como precedente. Já a eficácia persuasiva da jurisprudência decorre da reiteração homogênea do julgamento sobre determinada questão.

Conclui-se, portanto, que o precedente é uma decisão relativa a um caso particular, selecionado pelo Tribunal julgador, in casu o STJ, enquanto a jurisprudência surge de forma menos provocada e representa a multiplicidade de julgados sobre o mesmo tema, podendo ela ser homogênea, caso em que terá eficácia persuasiva, ou não uniforme, causando insegurança jurídica e tantos outros problemas.

A aplicação em outro caso, tanto do precedente quanto da jurisprudência (desde que uniforme), depende de análise da existência ou não de similitude fática.

5. O TRIBUNAL DA CIDADANIA E OS MÉTODOS PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Uma das mais valiosas lições sobre o sistema de uniformização da jurisprudência adotado pela Constituição Federal e, mais recentemente, pelo Código de Processo Civil, é aquela que nos ensina o Professor Humberto Theodoro Júnior, ao dispor que:

O moderno Estado Democrático de Direito – de que é exemplo a República Federativa do Brasil – tem entre seus fundamentos o compromisso com a segurança jurídica e a justiça (preâmbulo de nossa Constituição).

Por isso, na declaração dos direitos e garantias fundamentais, a Carta Magna brasileira assegura o acesso de todos ao Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV), exercitável por meio do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), que hoje se prefere classificar como processo justo – entendido como tal, aquele que, fiel às garantias constitucionais, seja capaz de solucionar os litígios por meio de ‘decisão de mérito justa e efetiva’ (CPC/2015, art. 6º).

A consecução desses desígnios fundamentais, numa República Federativa como a nossa, só se alcança através da atuação dos tribunais superiores nacionais, que, ao prestarem a tutela jurisdicional definitiva, proporcionam o real convívio com a segurança e a justiça.

Peça básica dessa garantia é o sistema recursal por cujo intermédio os tribunais superiores logram proporcionar a garantia da autoridade da Constituição e das leis federais, bem como a uniformidade de sua interpretação e aplicação. Trata-se de função e competência definidas e asseguradas pela própria Constituição, e não de simples expedientes concebidos pelas leis ordinárias (CF, art. 102, caput e III; e art. 105, III).

Todavia, muito pouco representaria o direito de acesso ao STF por meio do recurso extraordinário, e ao STJ, por intermédio do recurso especial, se a força uniformizadora dos respectivos decisórios não se espraiasse perante todos. Somente com o reconhecimento da força vinculante das teses jurídicas assentadas por aquelas altas cortes de justiça se torna viável, de fato, o cumprimento da missão constitucional que o Estado Democrático de Direito lhes confiou.¹³

Nesse sentido, o artigo 926 do Código de Processo Civil, mostra que a legislação processual fincou suas bases no preceito constitucional da garantia do devido processo legal, que também é uma forma de garantia à justiça, ao impor às Cortes o dever de uniformizar sua jurisprudência e de mantê-la coerente, estável e íntegra:

Tal regra visa à uniformização da jurisprudência, a qual, além de conferir maior segurança jurídica aos jurisdicionados, busca garantir ainda maior celeridade da solução dos litígios.

A jurisprudência é resultado da atividade jurisdicional, de forma que, desempenhada essa atividade, a produção de decisões com potencialidade de se tornar modelo de solução para o julgamento de casos futuros é forçosa.

“Num país tradicionalmente estruturado no regime do civil law, como é o nosso, a jurisprudência dos tribunais não funciona como fonte primária ou originária do direito. Na interpretação e aplicação da lei, no entanto, cabe-lhe importantíssimo papel, quer no preenchimento das lacunas da lei, que na uniformização da inteligência dos enunciados das normas (regras e princípios) que formam o ordenamento jurídico (direito positivo). Com esse sistema o direito processual prestigia, acima de tudo, a segurança jurídica, um dos pilares sobre que assenta, constitucionalmente, o Estado Democrático de Direito”14

Não obstante a tentativa do Código de Processo Civil de uniformizar a jurisprudência no âmbito de cada Tribunal, o Brasil é composto por 27 unidades federativas, de forma que também é preciso uniformizar a jurisprudência em âmbito nacional.

Por este motivo é que o Código de Processo Civil prevê mecanismos para uniformização da jurisprudência, tanto no âmbito do STJ quanto no âmbito do Supremo Tribunal Federal. São eles:

“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II – os enunciados de súmula vinculante;

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.”

Especificamente quanto ao STJ, os métodos utilizados para uniformização da jurisprudência são os Recursos Repetitivos, as Súmulas e, ainda, os Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas15 e as Suspensões em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

Esses mecanismos visam a garantir a segurança jurídica e a eficiência do sistema judicial, evitando que diferentes tribunais interpretem a lei de maneira diferente – e até mesmo divergente – em casos semelhantes.

6. RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS

O Recurso Repetitivo, conforme define o próprio STJ, “[é] o recurso julgado pela sistemática descrita no Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), em que o STJ define uma tese que deve ser aplicada aos processos em que discutida idêntica questão de direito”16.

A dinâmica do julgamento dos Recursos Repetitivos está prevista nos artigos 1.036 a 1.041 do CPC e nos artigos 256 a 256-X do Regimento Interno do STJ.

Sobre os recursos repetitivos, o Professor Humberto Theodoro Júnior leciona que:

“O regime específico de tratamento processual dispensados aos recursos extraordinário e especial repetitivos integra um sistema mais amplo que o CPC/2015 adotou na política de valorização da jurisprudência como instrumento comprometido com a segurança jurídica e o tratamento isonômico de todos perante a lei.”17

E segue dizendo que:

“O atual CPC prestigia a jurisprudência em dimensão ampla, criando um sistema hierárquico entre os tribunais e juízes no tocante à interpretação consolidada nas cortes superiores e, ainda, instituindo mecanismos processuais destinados a julgamentos por amostragem capazes de gerar força assemelhada à das súmulas vinculantes.”18

A ideia por trás do recurso repetitivo é dar uma resposta única para todas as ações que tratam do mesmo tema, evitando assim a multiplicação de processos sobre a mesma questão. Isso visa à racionalização, economia processual, segurança jurídica, além da celeridade, garantindo que todos os casos similares sejam tratados de maneira igual.

O Regimento Interno do STJ, espelhando o que dispõe o Código de Processo Civil, prevê que, identificada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, haverá a escolha de recursos que serão julgados como representativos da controvérsia, a fim de orientar os demais julgamentos de recursos especiais.

CPC:

“Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.”

Regimento Interno STJ:

“Art. 256. Havendo multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, caberá ao presidente ou ao vice-presidente dos Tribunais de origem (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal), conforme o caso, admitir dois ou mais recursos especiais representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando os demais processos, individuais ou coletivos, suspensos até o pronunciamento do STJ.”

O Regimento ainda prevê a suspensão do trâmite dos recursos especiais que tratem de idêntica questão de direito, a fim de evitar a prolação de decisões contraditórias e a sobrecarga do tribunal com a análise de recursos que tratem da mesma questão.

Uma vez julgado o recurso representativo da controvérsia, a decisão será aplicada aos demais recursos especiais que foram suspensos.

Nos termos do artigo 1.039 do CPC, uma vez que a questão é resolvida no Recurso Repetitivo, a decisão passa a ter caráter vinculativo devendo a tese firmada ser aplicada por todos os tribunais inferiores em recursos que versem sobre a mesma controvérsia. Ou seja, forma-se, a partir do julgamento do recurso repetitivo, um precedente vinculante.

“Art. 1.039. Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada.”

Os Recursos Repetitivos são, portanto, uma ferramenta importante para a eficiência do sistema judicial brasileiro, pois, além de permitirem que uma grande quantidade de processos seja resolvida de uma vez só, ainda garantem a segurança jurídica e a eficiência do sistema judicial, mediante a replicação de uma tese, firmada pelos Ministros do Tribunal da Cidadania, aos diversos recursos, que tratam sobre aquela idêntica questão, no país todo.

7. SÚMULAS

Em seu dicionário jurídico, a Professor Maria Helena Diniz, compilando conceitos formados por diversos estudiosos do processo civil, dá à palavra súmula os seguintes significados:

“1. Direito processual. a) Conjunto de teses jurídicas reveladoras da jurisprudência predominante no tribunal, traduzida em forma de verbetes sintéticos numerados (Nelson Nery Jr.); b) resumo de decisão judicial colegiada (Othon Sidou); c) ementa reveladora da orientação jurisprudencial de um tribunal para casos análogos (Marcus Cláudio Acqua-viva); d) ementa de sentença ou acórdão (De Plácido e Silva); e) tradução de orientação da jurisprudência predominante do tribunal (José de Moura Rocha). 2. Nas linguagens comum e jurídica: a) sumário; b) resumo; c) índice; d) explicação breve do teor de um texto.”19

No direito brasileiro, a súmula é um instrumento jurídico que expressa o entendimento consolidado de um tribunal sobre uma determinada questão jurídica. Ela serve como uma orientação para o julgamento de casos futuros, promovendo consistência, previsibilidade e eficiência no sistema judicial.

O artigo 926 do Código de Processo Civil prevê a edição de súmulas, pelos tribunais, como uma forma de uniformizar a jurisprudência e “mantê-la estável, íntegra e coerente”.

“Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.”

Assim, as súmulas são formuladas quando há repetição de casos sobre a mesma questão jurídica e o tribunal tem uma interpretação uniforme sobre essa questão. Em outras palavras, são um resumo do entendimento majoritário ou unânime de um tribunal sobre um tema específico.

Sobre as características do sistema sumular, o Professor Humberto Theodoro Junior leciona:

“O sistema uniformizador da jurisprudência adotado entre nós, é bom esclarecer, não é exatamente o mesmo dos precedentes, observado nos países regidos pelo common law. Na tradição anglo-saxônica o confronto se dá entre casos, ou seja, o precedente se impõe quando o novo caso a ser resolvido seja igual a outro anteriormente julgado por tribunal, no respeitante a seus elementos essenciais.

Mantém-se, no novo Código brasileiro, a tradição do regime de súmulas, com o qual o direito positivo nacional, inclusive no plano constitucional, já se acha familiarizado, e que, à evidência, não é o mesmo do direito anglo-saxônico.

Nesse sentido, está determinado por nosso novo CPC que, uma vez verificado o estabelecimento de jurisprudência qualificada como dominante, entre seus julgamentos, os tribunais brasileiros ‘editarão enunciados de súmula’, com observância dos pressupostos fixados no regimento interno (art. 926, § 1º).

Esses enunciados procuram reproduzir a tese que serviu de fundamento ao entendimento dominante no tribunal acerca de determinado problema jurídico. Não é o caso em sua inteireza e complexidade que o enunciado sumulado reproduz, mas apenas a ratio decidendi em que os precedentes se fundamentaram.

Embora o regime de direito jurisprudencial em construção entre nós não seja o mesmo do common law, por razões intrínsecas da própria diversidade histórica dos dois sistemas de estabelecimento da ordem jurídica positiva, não há como negar a preocupação dos países de civil law de se aproximarem, na medida do possível, da técnica e experiência dos anglo-saxônicos no que toca aos precedentes. E na matéria é de se ter em conta que, na tradição do common law, “todo precedente judicial é composto por duas partes distintas: a) as circunstâncias de fato que embasam a controvérsia; e b) a tese ou o princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do provimento decisório”. Não obstante de maneira diferente, esses dois elementos figuram também no sistema de precedentes sumulados programado pelo novo Código brasileiro, como a seguir veremos.”20

Sobre a metodologia da criação das súmulas, o STJ reserva os artigos 122 a 127 de seu regimento interno às questões concernentes à súmula, dispondo que a Súmula do STJ é um compêndio da jurisprudência firmada pela Corte Especial ou por uma das Seções do Tribunal e que para que uma matéria objeto de julgamento seja transformada em súmula, há deliberação pela Corte Especial ou pela Seção, a depender do caso.

A despeito da importância das súmulas na criação de precedentes homogêneos e do destaque dado a elas pelo Código de Processo Civil como uma forma de uniformização da jurisprudência, as súmulas do STJ não têm efeito vinculante, ou seja, não obrigam todos os juízes e tribunais a seguir o mesmo entendimento, servindo apenas como uma orientação ou uma referência.

Em resumo, as súmulas editadas pelo STJ são uma ferramenta que ajuda a consolidar e comunicar o entendimento da Corte sobre questões jurídicas, promovendo a uniformidade, a previsibilidade e a eficiência no sistema judicial, sem, contudo, vincular as instâncias inferiores.

8. SUSPENSÕES EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (SIRDR)

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) é uma ferramenta jurídica introduzida pelo Código de Processo Civil brasileiro de 2015 para aprimorar a eficiência do sistema judicial, promovendo a uniformização da jurisprudência e a segurança jurídica. Uma característica essencial do IRDR é a suspensão das ações individuais e coletivas pendentes que tratem do mesmo tema de direito em uma determinada jurisdição.

Na prática, quando é reconhecida a existência de demandas repetitivas em relação a uma mesma questão de direito, o tribunal competente pode instaurar o IRDR para tratar a questão de maneira uniforme. Assim que o IRDR é admitido, ocorre a suspensão de todos os processos que tratam do mesmo tema jurídico no âmbito daquele tribunal, ou seja, todos os processos que estão na mesma instância ou em instância inferior.

Essa suspensão ocorre para evitar julgamentos contraditórios e garantir que a questão jurídica em debate seja solucionada de maneira uniforme, ficando suspensos os processos até que o tribunal decida o IRDR, estabelecendo uma tese jurídica que será aplicada a todos os casos semelhantes.

Ocorre que, essa suspensão tem, em regra²¹, caráter Estadual (quando tratamos de IRDR que tramitam nos Tribunais de Justiça) ou Regional (quando o IRDR tramita nos Tribunais Regionais Federais), o que não contribui para a criação de uma jurisprudência uniforme em âmbito nacional.

Assim, o CPC, através do artigo 982, § 3º, estabeleceu que a extensão da suspensão pode ser requerida ao STJ, quando se tratar de questão infraconstitucional, em âmbito nacional.

“§ 3º Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II e III, poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.”

Assim, no âmbito do STJ, também esse mecanismo da suspensão em incidente de resolução de demandas repetitivas se mostra essencial na promoção da eficiência do sistema judicial, evitando decisões contraditórias e garantindo a segurança jurídica e a igualdade de tratamento dos jurisdicionados.

9. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA

Há, ainda que se falar nos embargos de divergência, que é uma forma de uniformização da jurisprudência dentro do próprio STJ.

Os embargos de divergência têm por objeto acórdão prolatado por órgão fracionário do STJ que, em recurso especial, diverge do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo Tribunal.

O cabimento desse recurso está previsto no artigo 1.043 e seu procedimento está previsto no artigo 1.044, ambos do CPC.

“Art. 1.043. É embargável o acórdão de órgão fracionário que:

I – em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, de mérito;

III – em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo um acórdão de mérito e outro que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia;

§ 1º Poderão ser confrontadas teses jurídicas contidas em julgamentos de recursos e de ações de competência originária.

§ 2º A divergência que autoriza a interposição de embargos de divergência pode verificar-se na aplicação do direito material ou do direito processual.

§ 3º Cabem embargos de divergência quando o acórdão paradigma for da mesma turma que proferiu a decisão embargada, desde que sua composição tenha sofrido alteração em mais da metade de seus membros.

§ 4º O recorrente provará a divergência com certidão, cópia ou citação de repositório oficial ou credenciado de jurisprudência, inclusive em mídia eletrônica, onde foi publicado o acórdão divergente, ou com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, indicando a respectiva fonte, e mencionará as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados.

Art. 1.044. No recurso de embargos de divergência, será observado o procedimento estabelecido no regimento interno do respectivo tribunal superior.

§ 1º A interposição de embargos de divergência no Superior Tribunal de Justiça interrompe o prazo para interposição de recurso extraordinário por qualquer das partes.

§ 2º Se os embargos de divergência forem desprovidos ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso extraordinário interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de divergência será processado e julgado independentemente de ratificação.”

Havendo, assim, dois entendimentos divergentes dentro do próprio STJ serão interpostos os embargos de divergência, sendo um acórdão o embargado e o outro o paradigma.

Os embargos de divergência serão distribuídos ao relator sorteado, conforme prevê o regimento interno do STJ, em seu artigo 266-C, competindo “à Corte Especial julgar embargos de divergência quando a discordância se der entre acórdãos de Turmas de Seções diferentes ou então entre julgados de Turma com outra Seção”²² ou às Seções o julgamento dos embargos de divergência “quando as Turmas divergirem entre si ou de decisão da Seção que integram”, conforme previsto no art. 12, parágrafo único, do regimento interno do STJ, e, admitido o recurso, será aberta vista ao embargado para apresentação de impugnação no prazo de 15 dias, conforme dispõe o art. 267 do regimento interno do STJ.

Há um vazio jurídico com relação ao julgamento do mérito dos embargos de divergência e suas consequências, já que não há, no CPC ou no regimento interno do STJ, disposição sobre o tema. Contudo, a análise dos acórdãos de julgamento dos embargos de divergência nos permite dizer que será analisada a divergência jurisprudencial, sagrando-se vencedora ou a tese do acórdão embargado, oportunidade em que serão improvidos os embargos de divergência, ou aquela do acórdão paradigma, gerando o provimento ou parcial provimento dos embargos de divergência.

Após os dois casos, os autos retornarão à Turma a que originalmente distribuídos, a fim de que, em caso de provimento ou parcial provimento dos embargos, o recurso especial ou agravo em recurso especial seja rejulgado com base na tese firmada no julgamento dos embargos de divergência.

10. CONCLUSÃO

Nos ensinamentos do Professor Luiz Guilherme Marinoni, “a segurança jurídica é valor fundamental à própria noção de Estado Constitucional, tal qual a isonomia. E a ordem jurídica deve ser pautada na certeza e dotada de estabilidade, de modo a permitir que a sociedade em determinadas situações, possa contar, eventualmente, com a sua realização coercitiva”²³.

Pode-se concluir que a prática da justiça e a busca pela obtenção da igualdade e proporcionalidade – considerando os fatos de que o Direito é tridimensional (ou seja, conta com fato, valor e norma), e a valoração de fatos, pelos aplicadores do Direito, tem um caráter subjetivo, o Brasil é em um país de dimensões continentais, que conta com uma grande diversidade populacional e cultural, em razão de sua herança histórica e dos ciclos imigratórios –, têm na criação do STJ (o tribunal da cidadania, que julga questões do dia-a-dia enfrentadas pela legislação federal), na adoção do sistema de uniformização da jurisprudência e na ampliação da força vinculante da jurisprudência grandes aliados.

Destacam-se os métodos de uniformização da jurisprudência, como os Recursos Repetitivos, em que os casos julgados pelo STJ com uma tese definida que orienta casos similares, as Súmulas, que expressam o entendimento consolidado do tribunal sobre uma questão jurídica, e as Suspensões em Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas, que são o meio pelo qual se procede a suspensão processos similares em instâncias inferiores para garantir decisões consistentes até que haja a uniformização da jurisprudência. Esses métodos buscam promover eficiência e segurança jurídica no sistema judicial, evitando decisões contraditórias e assegurando igualdade de tratamento aos jurisdicionados. A uniformização da jurisprudência é essencial para o Estado Democrático de Direito, garantindo o acesso à justiça e a aplicação coerente das leis em todo o país.


²GONZAGA, Alvaro de Azevedo, ROQUE, Nathaly Campitelli. Tridimensional do Direito, Teoria. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/64/edicao-1/tridimensional-do-direito,-teoria. Acesso em: 20.05.2023.
³Unimesp, 2000. Disponível em: http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/4mostra/pdfs/145.pdf. Acesso em: 20.05.2023. Gonzalez, Everaldo Tadeu Quilici: A TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO DE MIGUEL REALE E O NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO.
4Instituto Brasileiro de Geografia Estatística, 2022. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/geociencias/organizacao-do-territorio/estrutura-territorial/15761-areas-dos-municipios.html?t=acesso-ao-produto&c=1. Acesso em: 24.10.2022.
5Senado Federal, 2010. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2010/04/22/comunidade-libanesa-no-brasil-e-maior-que-populacao-do-libano. Acesso em: 20.05.2023. Sem autor: COMUNIDADE LIBANESA NO BRASIL É MAIOR QUE POPULAÇÃO DO LÍBANO.
6Instituto Brasileiro de Geografia Estatística. Disponível em: https://brasil500anos.ibge.gov.br/territorio-brasileiro-e-povoamento/italianos/razoes-da-emigracao-italiana.html. Acesso em: 20.05.2023. Sem autor: TERRITÓRIO BRASILEIRO E POVOAMENTO.
7Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 2008. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=288309. Acesso em 20.05.2023. Sem autor: HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL.
8THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 53. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2020. p. 748.
9Conselho Nacional de Justiça, 2022. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022-1.pdf. Acesso em 20.05.2023. Sem autor: JUSTIÇA EM NÚMEROS 2022.
10BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy; DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Processo. 32. ed. São Paulo: Juspodvim, 2020. p. 215.
¹¹RSTJ 157/17: REsp 228.432-ED-AgRg; palavras do Min. Gomes de Barros, perante a Corte Especial do STJ, na sessão de 01.02.2002.
¹²TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
¹³THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 53. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2020. p. 1156.
14Ibidem. p. 747.
15No julgamento do Agravo Interno na petição 11.838/MS, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pode, em caráter excepcional, ser instaurado perante a Corte Superior nos casos de competência recursal ordinária e de competência originária. Em seu voto, a Ministra Laurita Vaz, relatora do recurso, fez referência ao enunciado 343 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, que prevê que “[o] incidente de resolução de demandas repetitivas compete a tribunal de justiça ou tribunal regional.”
16Brasil. STJ. Tema ou Recurso Repetitivo (RR). Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Precedentes/informacoes-gerais/recursos-repetitivos#:~:text=Tema%20ou%20Recurso%20Repetitivo%20(RR)&text=%E2%80%8B%C3%89%20o%20recurso%20julgado,discutida%20id%C3%AAntica%20quest%C3%A3o%20de%20direito.. Acesso em 20 de maio de 2023.
17THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 53. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2020. p. 1128.
18Ibidem. p. 1160.
19DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, v. 4, 1998. p. 463.
20THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 53. ed. Rio de Janeiro: Forense, v.3, 2020. p. 751.
²¹Conforme já mencionado em nota anterior, o IRDR, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, tem caráter excepcional, podendo ser instaurado nos casos de competência recursal ordinária e de competência originária da Corte.
²²STJ. AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO N. 1.590-MG (2001/0172512-6)
²³MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Curitiba: Revista da Faculdade de Direito – UFPR, nº.49, 2009.

REFERÊNCIAS

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy; DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do processo. 32. ed. São Paulo: Juspodvim, 2020.

BUENO, Cassio Scarpinella. Novo código de processo civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, v. 4, 1998.

GONZAGA, Alvaro de Azevedo, ROQUE, Nathaly Campitelli. Teoria Tridimensional do Direito. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.

MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Curitiba: Revista da Faculdade de Direito – UFPR, nº.49, 2009.

NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria. Comentários ao código de processo civil. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.

TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 53. ed. Rio de Janeiro: Forense, v.3, 2020.

TUCCI, José Rogério Cruz. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.


¹Mestranda em Direito Processual Civil e Bacharel pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: cyawatanabe@gmail.com